Acessibilidade / Reportar erro

Fibromialgia

Resumo

DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE COLETA DE EVIDÊNCIAS: Foram feitos levantamentos bibliográficos nas bases de dados da Medline, Scielo e Lilacs. Os trabalhos foram discutidos em grupo e avaliados segundo a força de evidência científica. GRAU DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA: A: Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência. B: Estudos experimentais e observacionais de menor consistência. C: Relatos de casos, estudos não controlados. D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais. OBJETIVOS: Apresentar as recomendações para o diagnóstico, tratamento, seguimento clínico e avaliação da qualidade de vida nos pacientes com fibromialgia. CONFLITO DE INTERESSE: Nenhum conflito de interesse declarado.


ARTIGO ESPECIAL

Fibromialgia(* * Trabalho realizado por representantes da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Elaboração final: 2 de março de 2004. O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas neste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente. )

Provenza JR; Pollak DF; Martinez JE; Paiva ES; Helfenstein M; Heymann R; Matos JMC; Souza EJR

Correspondência para Correspondência para: Secretaria editorial Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 2.466, conj. 93 CEP 01402-000, São Paulo, SP Brasil E-mail: sbre@terra.com.br

RESUMO

DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE COLETA DE EVIDÊNCIAS: Foram feitos levantamentos bibliográficos nas bases de dados da Medline, Scielo e Lilacs. Os trabalhos foram discutidos em grupo e avaliados segundo a força de evidência científica.

GRAU DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA:

A: Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência.

B: Estudos experimentais e observacionais de menor consistência.

C: Relatos de casos, estudos não controlados.

D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais.

OBJETIVOS: Apresentar as recomendações para o diagnóstico, tratamento, seguimento clínico e avaliação da qualidade de vida nos pacientes com fibromialgia.

CONFLITO DE INTERESSE: Nenhum conflito de interesse declarado.

INTRODUÇÃO

A síndrome da fibromialgia pode ser definida como uma síndrome dolorosa crônica, não inflamatória, de etiologia desconhecida, que se manifesta no sistema músculo-esquelético, podendo apresentar sintomas em outros aparelhos e sistemas. Sua definição constitui motivo de controvérsia, basicamente pela ausência de substrato anatômico na sua fisiopatologia e por sintomas que se confundem com a depressão maior e a síndrome da fadiga crônica. Por estes motivos, alguns ainda consideram-na uma síndrome de somatização. No entanto, desde 1980, um corpo crescente de conhecimento contribuiu para a fibromialgia ser caracterizada como uma síndrome de dor crônica, real, causada por um mecanismo de sensibilização do sistema nervoso central à dor. Na tentativa de homogeneizar as populações para estudos científicos, o Colégio Americano de Reumatologia, em 1990, publicou critérios de classificação da fibromialgia(1)(A). Estes critérios foram também validados para a população brasileira(2)(B). Dentre os critérios, destacam-se uma sensibilidade dolorosa em sítios anatômicos preestabelecidos, denominados tender points, que serão apresentados adiante, na descrição do quadro clínico. O número de tender points relaciona-se com avaliação global da gravidade das manifestações clínicas, fadiga, distúrbio do sono, depressão e ansiedade(3)(C).

É extremamente comum, secundando somente a osteoartrite como causa de dor músculo-esquelética crônica. A sua prevalência é de aproximadamente 2% na população geral; é responsável por aproximadamente 15% das consultas em ambulatórios de reumatologia, e 5% a 10% nos ambulatórios de clínica geral. A proporção de mulheres para homens é de aproximadamente 6 a 10:1. A maior prevalência encontra-se entre 30-50 anos, podendo ocorrer também na infância e na terceira idade. Pode-se encontrar associada a 25% das artrites reumatóide, 30% dos lúpus eritematosos sistêmicos e 50% das síndromes de Sjogren. O reconhecimento desta concomitância é extremamente útil, pois permitirá uma orientação terapêutica mais adequada.

Assim como em outras condições crônicas, como a artrite reumatóide, há um aumento na prevalência de diagnóstico de depressão nesses pacientes. Entretanto, não ficou comprovada a hipótese de que a fibromialgia possa ser uma variante da doença depressiva(4)(C). O estresse psicológico pode determinar quem se tornará um paciente. Os diagnósticos diferenciais que geralmente são considerados no espectro da fibromialgia são as doenças somatoformes, especialmente o distúrbio de somatização e distúrbio de dor, como definidos no DSM-IV. Do ponto de vista terapêutico, raramente é útil caracterizar a fibromialgia como sendo um problema puramente psicológico ou puramente orgânico. Considerando todos os estudos apontando para uma disfunção do processamento sensorial, pode-se inferir que a dor desses pacientes é real, e que os sintomas psicológicos podem ser secundários à dor. Vale a pena lembrar que o diagnóstico de distúrbio somatoforme deixa de existir quando existe uma explicação fisiopatológica plausível; por exemplo, a síndrome do intestino irritável não é considerada um distúrbio somatoforme.

A alteração do sono mais comum consiste na intrusão de ondas alfa em ondas delta de sono profundo, levando a um sono não reparador(5)(D). Isto é encontrado em várias outras doenças com dor crônica, incluindo artrite reumatóide e neoplasia terminal. Outros achados são diminuição do sono tipo REM, movimentos periódicos dos membros, síndrome das pernas inquietas, fadiga matutina e dor ao despertar.

QUADRO CLÍNICO

O quadro clínico desta síndrome costuma ser polimorfo, exigindo anamnese cuidadosa e exame físico detalhado. O sintoma presente em todos os pacientes é a dor difusa e crônica, envolvendo o esqueleto axial e periférico. Em geral, os pacientes têm dificuldade para localizar a dor, muitas vezes apontando sítios peri-articulares, sem especificar se a origem é muscular, óssea ou articular. O caráter da dor é bastante variável, podendo ser queimação, pontada, peso, "tipo cansaço" ou como uma contusão. E comum a referência de agravamento pelo frio, umidade, mudança climática, tensão emocional ou por esforço fisico(6)(D).

Uma proporção dos pacientes lembra que a dor é de início mais localizada em uma determinada região, principalmente na coluna cervical, envolvendo ou não os trapézios, outras vezes iniciando-se como uma cervicobraquialgia ou como uma cervicodorsalgia. Uma outra parte dos pacientes alega que o quadro doloroso iniciou-se já de maneira difusa, afetando segmentos da coluna vertebral, membros superiores e inferiores.

Sintomas centrais que acompanham o quadro doloroso são o sono não reparador e a fadiga, presentes na grande maioria dos pacientes. Têm sido relatados diversos tipos de distúrbios de sono, resultando ausência de restauração de energia e conseqüente cansaço, que aparece logo pela manhã. A fadiga pode ser bastante significativa, com sensação de exaustão fácil e dificuldade para realização de tarefas laborais ou domésticas. Sensações parestésicas habitualmente se fazem presentes. E importante ressaltar que as parestesias nestes pacientes não respeitam uma distribuição dermatômica(7)(D).

Outro sintoma geralmente presente é a "sensação" de inchaço, particularmente nas mãos, antebraços e trapézios, que não é observada pelo examinador e não está relacionada a qualquer processo inflamatório. Além dessas manifestações músculo-esqueléticas, muitos se queixam de sintomas não relacionados ao aparelho locomotor. Entre esta variedade de queixas, destaca-se cefaléia, tontura, zumbido, dor to-rácica atípica, palpitação, dor abdominal, constipação, diarréia, dispepsia, tensão pré-menstrual, urgência miccional, dificuldade de concentração e falta de memória(8)(C).

Cerca de 30% a 50% dos pacientes possuem depressão. Ansiedade, alteração do humor e do comportamento, irritabilidade ou outros distúrbios psicológicos acompanham cerca de 1/3 destes pacientes, embora o modelo psicopatológico não justifique a presença da fibromialgia(9)(B).

O exame físico fornece poucos achados. Eles apresentam bom aspecto geral, sem evidência de doença sistêmica, sem sinais inflamatórios, sem atrofia muscular, sem alterações neurológicas, com boa amplitude de movimentos e com força muscular preservada, apesar dos sintomas mencionados. O único achado clínico importante é a presença de sensibilidade dolorosa em determinados sítios anatômicos, chamados de tender points. Faz-se importante ressaltar que estes "pontos dolorosos" não são geralmente conhecidos pelos pacientes, e normalmente não se situam na zona central de dor por eles referida. De acordo com os critérios atuais, devem ser pesquisados os seguintes pares de pontos(1)(A):

  1. Subocciptal - na inserção do músculo subocciptal;

  2. Cervical baixo - atrás do terço inferior do esternocleidomastoideo, no ligamento intertransverso C5-C6;

  3. Trapézio - ponto médio do bordo superior, numa parte firme do músculo;

  4. Supra-espinhoso - acima da escapula, próximo à borda mediai, na origem do músculo supra-espinhoso;

  5. Segunda junção costo-condral - lateral à junção, na origem do músculo grande peitoral;

  6. Epicôndilo lateral - 2 a 5 cm de distância do epicôndilo lateral;

  7. Glúteo médio - na parte média do quadrante súpero-externo na porção anterior do músculo glúteo médio;

  8. Trocantérico - posterior à proeminência do grande trocanter;

  9. Joelho - no coxim gorduroso, pouco acima da linha média do joelho.

A dígito-pressão de um examinador experiente dispensa o emprego do aparelho de pressão de superfície do tipo algômetro ou dolorímetro. O critério de resposta dolorosa em pelo menos 11 desses 18 pontos, são recomendados como proposta de classificação, mas não devem ser considerados como essencial para o diagnóstico(1)(A).

Não existem exames subsidiários, tanto de laboratório como de imagem, que tenham utilidade diagnostica para a síndrome, exceto quando outras enfermidades estiverem presentes concomitantemente.

No diagnóstico diferencial, as seguintes condições devem ser lembradas(1)(A):

  1. Síndrome da dor miofascial;

  2. Reumatismo extra-articular afetando várias áreas;

  3. Polimialgia reumática e artrite de células gigantes;

  4. Polimiosites e dermatopolimiosites;

  5. Miopatias endócrinas - hipotiroidismo, hipertiroidismo, hiperparatiroidismo, insuficiência adrenal;

  6. Miopatia metabólica por álcool;

  7. Neoplasias;

  8. Doença de Parkinson;

  9. Efeito colateral de drogas - corticosteróide, cimetidina, estatina, fibratos, drogas ilícitas.

Dentre todas as enfermidades que necessitam de diagnóstico diferencial com a fibromalgia, a síndrome da dor miofascial deve estar em destaque devido a sua maior semelhança clínica com a fibromalgia. Esta é uma síndrome de dor regional. Apresenta área localizada de dor chamada de trigger points, que algumas vezes é acompanhada, pela palpação da musculatura, de nódulos fibróticos ou bandas musculares tensas. Apresenta também zona referencial de dor profunda característica, que é agravada pela palpação dos trigger points e que deve ser completamente extensiva e localizada em uma considerável distância desses pontos.

TRATAMENTO

A fibromialgia permanece ainda voltada às manifestações clínicas, com medidas farmacológicas e não farmacológicas.

O tratamento tem como objetivos o alívio da dor, a melhora da qualidade do sono, a manutenção ou restabelecimento do equilíbrio emocional, a melhora do condicionamento físico e da fadiga e o tratamento específico de desordens associadas. Inicialmente, educar e informar o paciente e os seus familiares, proporcionando-lhes o máximo de informações sobre a síndrome e assegurando-lhes que seus sintomas são reais. A atitude do paciente é um fator determinante na evolução da doença. Por isso, procuramos fazer com que este assuma uma atitude positiva frente às propostas terapêuticas e seus sintomas.

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO

ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS

Estes fármacos agem alterando o metabolismo da serotonina e a noradrenalina, e nos nociceptores periféricos e mecânico-receptores, promovendo analgesia periférica e central, potencializando o efeito analgésico dos opióides endógenos, aumentando a duração da fase 4 do sono n-REM, melhorando os distúrbios de sono e diminuindo as alterações de humor destes pacientes.

A amitriptilina de 12,5-50mg, ministrada normalmente 2 a 4 horas antes de deitar, demonstra melhora na fadiga, no quadro doloroso e no sono destes pacientes(10)(B).

A ciclobenzaprina, um agente tricíclico com estrutura similar à da amitriptilina, é uma droga que não apresenta efeitos antidepressivos, sendo utilizada como miorrelaxante. Doses de 10 a 30 mg, tomadas 2 a 4 horas antes de deitar, apresentam eficácia significativa no alívio da maioria dos sintomas da fibromialgia. A eficácia e a tolerabilidade da amitriptilina e da ciclobenzaprina no tratamento da fibromialgia podem ser consideradas semelhantes(11)(A).

BLOQUEADORES SELETIVOS DE RECAPTAÇÃO DE SEROTONINA

Bloqueadores seletivos de recaptação de serotonina, especialmente a fluoxetina, podem ser utilizados na síndrome. A fluoxetina, quando usada em conjunto com um derivado tricíclico, pode amplificar a ação destes últimos no alívio da dor, do sono e bem-estar global. Deve ser administrada pela manhã em doses entre 10 a 40 mg(12)(B).

BENZODIAZEPÍNICOS

A maioria dos benzodiazepínicos altera a estrutura do sono e diminui a duração de ondas delta durante o sono profundo(13)(C). O alprazolam em doses entre 0,5 e 3 mg

aumenta a efetividade da resposta terapêutica quando associado ao antiinflamatório não hormonal(14)(C). Os benzodiazepínicos não devem ser utilizados em pacientes com fibromialgia de maneira rotineira devido ao aparecimento de dependência química.

ANALGÉSICOS

O paracetamol(15)(B) e a dipirona constituem alternativas para analgesia, como tratamento coadjuvante. A utilização do cloridrato de tramadol associado ao paracetamol contribui para a melhora da dor nos pacientes com fibromialgia(16)(A), mas não para a redução do número de tender points.

OUTROS

O tratamento com hormônio de crescimento recombinante pode ser útil no alívio dos sintomas de pacientes com fibromialgia(17)(D).

TRATAMENTO NÃO-FARMACOLÓGICO

Os exercícios são importantes e fazem parte do tratamento desta síndrome. Os exercícios mais adequados são os aeróbicos, sem carga, sem grandes impactos para o aparelho osteoarticular, como dança, natação e hidroginástica, auxiliando tanto no relaxamento como no fortalecimento muscular, reduzindo a dor e em menor grau melhorando a qualidade do sono. A princípio, qualquer atividade física aeróbica, e de baixo impacto, tal qual natação, caminhada ou hidroginástica, é a mais recomendada. Em geral, uma caminhada, ao passo normal do paciente, durante 30 minutos a 1 hora todos os dias proporciona efeitos terapêuticos. A orientação de exercitar-se três vezes por semana tem sido eficaz e possibilita maior adesão ao tratamento(18)(D). Em alguns casos, esta atividade se torna a única terapêutica necessária.

A atividade física apresenta um efeito analgésico; por estimular a liberação de endorfinas, funciona como antidepressivo; e proporciona uma sensação de bem-estar global e de autocontrole(l9)(D). Esta deve ser bem dosada para que não seja muito extenuante, seu início deve ser leve e a sua "intensidade" aumentada gradativamente. Deve ser bem planejada para ser tolerada desde o início e para manter a adesão do paciente por um período prolongado.

ACUPUNTURA

Estudos mais recentes demonstram que um grupo de pacientes pode melhorar da dor com a eletroacupuntura. Portanto, para algumas situações, a acupuntura pode ser um tratamento alternativo e aceÍtável(20)(C), demonstrando melhora importante dos sintomas.

SUPORTE PSICOLÓGICO

Entre 25% a 50% destes pacientes apresentam distúrbios psiquiátricos concomitantes, que dificultam a abordagem e a melhora clínica destes, necessitando muitas vezes de um suporte psicológico profissional. A abordagem cognitivo-comportamental também é efetiva, desde que combinada com técnicas de relaxamento, ou exercícios aeróbicos, alongamentos e educação familiar. Esta última é extremamente importante, em especial por se tratar de uma enfermidade de longa duração, com queixas persistentes. Por outro lado, o apoio psicológico dos familiares conduz, com certeza, à melhor qualidade de vida.

BLOFEED-BACK E HIPNOTERAPIA

Os estudos de biofeed-back têm demonstrado efeitos benéficos, mesmo seis meses após o término do tratamento, com significativa melhora no número de tender points, na dor generalizada e na rigidez matinal(21)(B).

A hipnoterapia tem igualmente demonstrado alguma eficácia no controle da dor nos pacientes com fibromialgia. Em estudo comparado com terapia física, oito sessões de hipnoterapia promoveram significativa melhora de pacientes resistentes a outros tratamentos(22)(B).

ACOMPANHAMENTO CLÍNICO

A grande subjetividade dos sintomas e sinais, associada à falta de marcadores biológicos para os mecanismos fisiopatológicos atualmente conhecidos, torna o atendimento do paciente, e em particular a avaliação do impacto das intervenções terapêuticas, um grande desafio ao clínico(23)(D).

Pode-se dizer, com grande segurança, que atender pacientes com fibromialgia é hoje um dos grandes modelos para a realização da prática médica tradicional que tanto nos atraía para a medicina, ou seja, a coleta de dados através da observação clínica e sua análise através do raciocínio clínico(24)(D). Por outro lado, a recente tendência da medicina em considerar entre os dados obtidos com o paciente qual a intensidade do impacto das doenças no cotidiano dos doentes, possibilitou a utilização dos questionários de avaliação de qualidade de vida como instrumento de acompanhamento clínico.

Considera-se o sintonia central e essencial para o diagnóstico, de acordo com o Colégio Americano de Reumatologia, a dor difusa ou dor generalizada, conforme definição proposta por esse organismo e com duração mínima de três meses. Em relação ao acompanhamento clínico, também são muito importantes os demais sintomas dessa síndrome, entre eles: fadiga, distúrbios do sono, ansiedade e depressão(1)(A).

Em relação ao sintoma dor, há confiabilidade na utilização de escalas analógicas, tanto na avaliação inicial como na avaliação da evolução, como se pode depreender do estudo com pacientes portadores de artrite reumatóide(25)(B). Da mesma forma, essa metodologia tem sido utilizada no acompanhamento dos demais sintomas(26)(B). A mais freqüentemente citada é a escala analógica visual, abreviada pelo acrônimo V.A.S., composta por uma linha de 10 cm, sendo que uma das extremidades representa ausência do sintoma e a outra a presença do sintoma intenso. Da mesma forma, pode-se utilizar uma escala numérica de sintomas, em que 0 é ausência do sintoma e 10 é a presença do sintoma muito severo. Este método é particularmente útil no cotidiano da prática médica.

Podem-se utilizar escalas analógicas visuais numéricas, bem como as do tipo Likert, em que se atribui valor de 0 a 5 às seguintes categorias de intensidade: ausência do sintoma (0); muito leve (1); leve (2); moderado (3); intenso (4) ou muito intenso (5). Ainda quanto ao sintoma da dor, pode-se propor uma avaliação de distribuição da dor através de um diagrama, composto por um desenho com o contorno corporal, onde o paciente pode assinalar os locais de dor. Porém, não há na literatura proposta de avaliação formal desses desenhos(27)(D).

As demais características clínico-propedêuticas da dor, embora possam ser úteis ao diagnóstico, não são habitualmente referidas como métodos de acompanhamento clínico. No exame físico, a única alteração evidente é a pesquisa da alodínea, através da avaliação das áreas hipersensíveis à palpação, conhecidas na literatura internacional como pontos dolorosos(3)(C). Duas formas de avaliação estão disponíveis: a contagem simples dos pontos dolorosos ou o índice miálgico total.

A palpação digital é a técnica mais utilizada. Nesse método, a força necessária para tornar pálido o leito ungueal do primeiro dedo é a pressão apropriada nos locais dos pontos dolorosos para se estabelecer o que constitui um estímulo doloroso(28)(C).

Os locais de pontos dolorosos pesquisados são aqueles estabelecidos pelo critério de classificação do Colégio Americano de Reumatologia(1)(A), mostrados na Figura 1:


A utilização de pontos-controle, tais como região média do braço (biceps) ou região frontal, é de utilidade para se estabelecer a positividade ou não dos pontos dolorosos(28)(C).

O "índice miálgico total" pode ser composto por várias combinações de formas de avaliação do limiar de dor através da pressão sobre os pontos dolorosos. Utilizando-se a palpação digital pode-se obter escore de acordo com a seguinte escala: 0 - ausência de dor; 1 - dor leve; 2 - exclamação verbal de dor; e 3 - movimento de retirada ou expressão facial de dor. Nessa escala, os pontos dolorosos estabelecidos pelo Colégio Americano de Reumatologia são avaliados, e o escore máximo a ser obtido é 54, resultante da multiplicação dos 18 pontos pelo número 3, que corresponde à avaliação máxima(28)(C).

A avaliação do limiar da dor pode ser realizada através de dolorimetria, pouco utilizada no nosso meio. O escore é de 0 para valores maiores que 4 kg/cm2; 1 para maiores que 3,2 kg/cm2, 2 para maiores que 2,3 kg/cm2; e 3 quando 2 kg/cm2 é o valor inferior(28)(C).

IMPACTO NA QUALIDADE DE VIDA

Qualidade de vida é a "a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações", avaliada por exemplo pelo questionário WHOQOL da Organização Mundial da Saúde, validado em nosso país(29)(B).

A avaliação da qualidade de vida ou do impacto das doenças pode ser feita através de outros questionários padronizados, nos quais são designados escores para as várias questões envolvidas. Esses instrumentos podem ser classificados em genéricos ou específicos. São questionários genéricos aqueles desenvolvidos com a finalidade de refletir o impacto de uma doença sobre a vida de pacientes em uma ampla variedade de população. Avaliam aspectos relativos à função, à disfunção e ao desconforto físico e emocional(24)(D)

São específicos aqueles capazes de avaliar de forma individual determinados aspectos da qualidade de vida, proporcionando uma maior capacidade de detectar melhora ou piora do aspecto específico em estudo. Sua principal característica é seu potencial de ser sensível às alterações após uma determinada intervencao(23)(D).

A fibromialgia provoca um impacto negativo importante na qualidade de vida dos pacientes(30)(B). O impacto global envolve aspectos pessoais, profissionais, familiares e sociais. O impacto na qualidade de vida correlaciona-se fortemente com a intensidade da dor, fadiga e decréscimo da capacidade funcional. Dessa forma, a utilização desses instrumentos enquanto método de acompanhamento clínico é bastante interessante, quando associada às medidas de avaliação dos sintomas.

Levando-se em conta a capacidade dos instrumentos genéricos de detectar mudanças, eles devem merecer a preferência quando das avaliações evolutivas. O questionário conhecido como Fibromyalgia Impact Questionnaire ou, simplesmente, FIQ é o instrumento específico para a avaliação do impacto na qualidade de vida. É composto de questões relacionadas à influência da doença nas atividades do dia-a-dia, nas atividades profissionais e questões relacionadas à intensidade dos principais sintomas. O FIQ tem boa confiabilidade, comparado com as escalas relevantes do Arthritis Impact Measurement Scales-AIMS(31)(C).

A literatura ainda mostra a utilização de questionários relacionados a determinados aspectos da fibromialgia, como por exemplo capacidade funcional no Health Assessment Questionnaire - HAQ, depressão no Beck Depression Questionnaire, qualidade do sono no Post-Sleep Inventory, entre outros(32)(D). O questionário genérico que apresenta maior número de referência de uso na fibromialgia é o Medicai Outcome Survey 36 itens Short Form Study-SF36(33)(B).

Os autores recomendam que o paciente seja acompanhado utilizando-se os seguintes instrumentos: 1 - escalas analógicas numéricas, de 0 à 10, para os principais sintomas que incluem a dor, fadiga, qualidade do sono, ansiedade e depressão; 2 - o FIQ, instrumento específico de impacto da doença sobre a qualidade de vida.

  • 1
    Wolfe F, Smythe HA, Yunus MB, et al. The American College of Rheumatology 1990 Criteria for the Classification of Fibromyalgia. Report of the Multicenter Criteria Committee. Arthritis Rheum 33:160-72, 1990.
  • 2
    Atallah-Haun MV, Ferraz MU, Pollak DF. Validação dos critérios do Colégio Americano de Reumatologia (1990) para classificação da fibromialgia, em uma população brasileira. Rev Bras Reumatol 39:221-30, 1999.
  • 3
    Wolfe F. The relation between tender points and fibromyalgia symptom variables: evidence that fibromyalgia is not a discrete disorder in the clinic. Ann Rheum Dis 56:268-71, 1997.
  • 4
    Ahles TA, Yunus MB, Masi AT. Is chronic pain a variant of depressive disease? The case of primary fibromyalgia syndrome. Pain 29: 105-11, 1987.
  • 5
    Moldofsky H, Scarisbrick P, England R, Smythe H. Musculosketal symptoms and non-REM sleep disturbance in patients with "fibrositis syndrome" and healthy subjects. Psychosom Med 37:341-51, 1975.
  • 6
    Russel IJ. Fibrositis/Fibromyalgia. In: Hyde BM, GoldesteinJ, Levine P, editors. The clinical and scientific basis of myalgic encephalomyelitis/ chronic fatigue syndrome. Ottawa: Nightingale Research Foundation; 1992.
  • 7
    LessardJA, Russel IJ. Fibrositis/Fibromyalgia in private rheumatology practice: systematic analysis of a patient data base. In: Hyde BM, Goldestein J, Levine P, editors. The clinical and scientific basis of myalgic encephalomyelitis/chronic fatigue syndrome. Ottawa: Nightingale Research Foundation; 1992.
  • 8
    Yunus M, Masi AT, Calabro JJ, Miller KA, Feigenbaum SL. Primary fibromyalgia (fibrositis): clinical study of 50 patients with matched normal controls. Semin Arthritis Rheum 11:151-71, 1981.
  • 9
    Ahles TA, Khan SA, Yunus MB, Spiegel DA, Masi AT. Psychiatric status of patients with primary fibromyalgia, patients with rheumatoid arthritis, and subjects without pain: a blind comparison of DSM-I1I diagnoses. Am J Psychiatry 148:1721-6, 1991.
  • 10
    Carette S, Oakson G, Guimont C, Steriade M. Sleep electroencephalography and the clinical response to amitnptyline in patients with fibromyalgia. Arthritis Rheum 38:1211-7,1995.
  • 11
    Carette S, Bell MJ, Reynolds WJ, et al. Comparison of amitriptyline, cyclobenzaprine, and placebo in the treatment of fibromyalgia: a randomized, double-blind clinical trial. Arthritis Rheum 37: 32-40,1994.
  • 12
    Goldenberg D, Mayskiy M, Mosscy C, Ruthazer R, Schmid C. A randomized, double-blind crossover trial of fluoxetine and amitriptyline in the treatment of fibromyalgia. Arthritis Rheum 39:1852-9, 1996.
  • 13
    Oshtory MA, Vijayan N. Clonazepam treatment of insomnia due to sleep myoclonus. Arch Neurol 37:119-20, 1980.
  • 14
    Russell IJ, Fletcher EM, MichalekJE, McBroom PC, Hester GG. Treatment of primary fibrositis/fibromyalgia syndrome with ibuprofen and alprazolam: a double-blind, placebo-controlled study. Arthritis Rheum 34:552-60, 1991.
  • 15
    Vaeroy H, Abrahamsen A, Forre O, Kass E. Treatment of fibromyalgia (fibrositis syndrome): a parallel double blind trial with carisoprodol, paracetamol and caffeine (Somadril comp) versus placebo. Clin Rheumatol 8:245-50, 1989.
  • 16
    Bennett RM, Kamin M, Karim R, Rosenthal N. Tramadol and acetaminophen combination tablets in the treatment of fibromyalgia pain: a double-blind, randomized, placebo-controlled study. Am J Med 114:537-45, 2003.
  • 17
    Bennett RM. Disordered growth hormone secretion in fibromyalgia: a review of recent findings and a hypothesized etiology. Z Rheumatol 57 (Suppl 2):72-6, 1998.
  • 18
    Jones KD, Clark SR. Individualizing the exercise prescription for persons with fibromyalgia. Rheum Dis Clin North Am 28:419-36, 2002.
  • 19
    Jones KD, Clark SR, Bennett RM. Prescribing exercise for people with fibromyalgia. AACN Clin Issues 13:277-93, 2002.
  • 20
    Waylonis GW. Long-term follow-up on patients with fibrositis treated with acupuncture. Ohio State Med J 73:299-302, 1977. 21.Ferraccioli G, Ghirelli L, Seita F, et at. EMG-biofeedback training in fibromyalgia syndrome. J Rheumatol 14:820-5, 1987.
  • 22. Haanen HC, Hoenderdos HT, van Romunde LK, et at. Controlled trial of hypnotherapy in the treatment of refractory fibromyalgia. J Rheumatol 18:72-5, 1991.
  • 23. Yunus MB. Fibromyalgia syndrome: clinical features and spectrum. J Musculoskelet Pain 2:5-18, 1994.
  • 24. Ciconelli RM. Medidas de avaliação de qualidade de vida. Rev Bras Reumatol 43:IX-XIII, 2003.
  • 25. Ferraz MB, Quaresma MR, Aquino LR, Atra E, Tugwell P, Goldsmith CH. Reliability of pain scales in the assessment of literate and illiterate patients with rheumatoid arthritis. J Rheumatol 17: 1022-4, 1990.
  • 26. Granges G, Littlejohn GO. A comparative study of clinical signs in fibromyalgia/fibrositis syndrome, healthy and exercising subjects. J Rheumatol 20:344-51, 1993.
  • 27. Melzack R. The McGill Pain Questionnaire: major properties and scoring methods. Pain 1:277-99, 1975.
  • 28. Granges G, Littlejohn G. Pressure pain threshold in pain-free subjects, in patients with chronic regional pain syndromes, and in patients with fibromyalgia syndrome. Arthritis Rheum 36:642-6, 1993.
  • 29. Fleck MPA, Fachel O, Louzada S, et al. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-100) 1999. Rev Bras Psiquiatr 21:19-28, 1999.
  • 30. Martinez JE, Ferraz MB, Sato EI, Atra E. Fibromyalgia versus rheumatoid arthritis: a longitudinal comparison of the quality of life. J Rheumatol 22:270-4, 1995.
  • 31. Burckhardt CS, Clark SR. Bennett RM. The fibromyalgia impact questionnaire: development and validation. J Rheumatol 18: 728-33, 1991.
  • 32. Martinez JE, Barauna-Filho IS, Kubokawa K, Pedreira IS, Machado LAM, Velasco G. Análise crítica de parâmetro de qualidade de vida em fibromialgia. Acta Fisiátrica 5:116-20, 1998.
  • 33. Martinez JE, Barauna-Filho IS, Kubokawa K, Pedreira IS, Machado LA, Cevasco G. Evaluation of the quality of life in Brazilian women with fibromyalgia, through the medical outcome survey 36 item short-form study. Disabil Rehabil 23:64-8, 2001.
  • Correspondência para:
    Secretaria editorial
    Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 2.466, conj. 93
    CEP 01402-000, São Paulo, SP Brasil
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado por representantes da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Elaboração final: 2 de março de 2004.
    O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas neste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2004
    Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbre@terra.com.br