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Registro de ensaios clínicos: quando e por que fazer?

EDITORIAL

Registro de ensaios clínicos. Quando e por que fazer?

Os ensaios clínicos vêm sendo descritos como padrão ouro na avaliação de questões terapêuticas e preventivas em saúde1. O registro de ensaios clínicos tem sido proposto com o intuito de respeitar razões éticas para quem participou do estudo e que foi informado de que seria utilizado para contribuir nodesenvolvimento da ciência, independentemente de seus resultados. É também uma forma de garantir que pacientes e profissionais tenham acesso à informação sobre estudos que estejam recrutando voluntários para pesquisa, além de procurar evitar duplicação de esforços de se realizarem estudos já bem conduzidos no passado, impulsionando o conhecimento da ciência e a cooperação entre grupos de pesquisa2.

O registro de ensaios clínicos permite identificar as lacunas no conhecimento existentes em diferentes áreas, observar tendências no campo dos estudos e identificar especialistas nas diversas áreas3.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os ensaios clínicos controlados aleatórios e os ensaios clínicos devem ser notificados e registrados antes de serem iniciados. Isso permitirá identificar todos os ensaios clínicos em execução e seus respectivos resultados, uma vez que nem todos são publicados em revistas científicas. O International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) sugere aos editores de revistas científicas que exijam dos autores o número de registro no momento da submissão de trabalhos4.

Recentemente os editores das revistas indexadas nas bases de dados Lilacs e Scielo, caso da Revista Brasileira de Fisioterapia, receberam um comunicado informando que a BIREME (Biblioteca Regional de Medicina) passaria a exigir dos periódicos que publicam ensaios clínicos controlados aleatórios e ensaios clínicos que incluam, na instrução aos autores, a recomendação para o registro prévio de ensaios clínicos e passem a exigir o número de identificação como condição para aceitação do manuscrito. Essa decisão segue a orientação da Plataforma Internacional para Registro de Ensaios Clínicos (ICTRP) da OMS e da ICMJE. O ICMJE considera ensaio clínico todo projeto de pesquisa que seja prospectivo envolvendo pacientes, nos quais exista intervenção clínica ou medicamentosa com objetivo de comparação de causa/efeito entre os grupos estudados e que, potencialmente, possam ter interferência sobre a saúde dos envolvidos.

O ICMJE divulgou, em 2004, que os periódicos afiliados passariam a aceitar para publicação apenas ensaios registrados em bases públicas que tivessem acesso público sem ônus, gerenciados por organizações sem fins lucrativos, dispondo de mecanismos de validação dos dados registrados e que permitissem buscas eletrônicas5.

A OMS propõe um conjunto mínimo de informações que devem ser registradas sobre cada ensaio, como: número único de identificação, data de registro do ensaio, identidades secundárias, fontes de financiamento e suporte material, principal patrocinador, outros patrocinadores, contato para dúvidas do público, contato para dúvidas científicas, título público do estudo, título científico, países de recrutamento, problemas de saúde estudados, intervenções, critérios de inclusão e exclusão, tipo de estudo, data de recrutamento do primeiro voluntário, tamanho da amostra pretendido, status do recrutamento e medidas de resultados primárias e secundárias.

A OMS, com objetivo de fornecer maior visibilidade aos Registros de Ensaios Clínicos validados, lançou o portal WHO Clinical Trial Search Portal (http://www.who.int/ictrp/network/en/index.html), com interface que permite busca simultânea em diversas bases. A pesquisa, nesse portal, pode ser feita por palavras, pelo título dos ensaios clínicos ou pelo número de identificação. O resultado mostra todos os ensaios existentes, em diferentes fases de execução, com enlaces para a descrição completa no Registro Primário de Ensaios Clínicos correspondente. A OMS criou a rede WHO Network of Collaborating Clinical Trial Registers, que permitirá o intercâmbio entre os produtores dos Registros de Ensaios Clínicos para a definição de boas práticas e controles de qualidade. Os sites para que possam ser feitos os registros primários de ensaios clínicos são:www.actr.org.au(Australian Clinical Trials Registry),www.clinicaltrials.gov ehttp://isrctn.org(International Standard Randomised Controlled Trial Number Register (ISRCTN). Os registros nacionais estão sendo criados e, na medida do possível, os ensaios clínicos registrados nos mesmos serão direcionados para os recomendados pela OMS.

A proposta da OMS, defendida pela OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), tem obtido apoio nas Américas. Foi criado o LATINREC – The Latin American Ongoing Clinical Trial Register, desenvolvido pelo braço colombiano da Colaboração Cochrane Ibero-americana. Esse registro está para iniciar suas operações, seguindo os requisitos da ICTRP. O Canadá também aderiu à proposta, mas discute como implementá-la6.

As discussões sobre a proposta da OMS estão sendo discutidas no Brasil não somente pelas autoridades responsáveis pelo Departamento de Ciências e Tecnologia (DECIT), pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)e Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), mas também por editores, representantes da indústriae dos pacientes, de registros estrangeiros (Latinrec e da África do Sul) e nacionais (ICICT/FIOCRUZ), de pesquisadores, enfim, um número expressivo de interessados, que culminou na decisão de criação de uma base nacional. Porém, uma série de medidas precisam ser estabelecidas para a implantação de um Registro Nacional, e uma delas é a política de registro do País6. Estamos no caminho para que isso aconteça e para que possamos aumentar a visibilidade dos ensaios clínicos realizados em território nacional e por pesquisadores brasileiros.

Inúmeros são os registros de ensaios clínicos já existentes, inclusive na área de fisioterapia e reabilitação como um todo. Poucos são os registros já feitos por fisioterapeutas brasileiros, mas temos a certeza de que esse panorama está em franca modificação, principalmente pelo fato de, no último Congresso Internacional de Saúde Pública, os periódicos latino-americanos terem acordados de somente aceitarem para publicação, num prazo de um ano, os ensaios clínicos que possuam registros.

Maria Stella Peccin

Departamento de Ciências da Saúde

Universidade Federal de São Paulo

  • 1. Marques AP, Peccin MS. Pesquisa em Fisioterapia: a prática baseada em evidências e modelos de estudos. Fisioterapia e Pesquisa. 2005;11(1):43-8.
  • 2. Krleza-Jéric K, Chan A, Dickersin K, Sim I, Grimshaw J, Gluud C. Principles for international registration of protocol information and results form human trials of health related interventions: Ottawa statement (part I). BMJ. 2005;330(7497):956-8.
  • 3. Cuervo LG, Valdés S. Clarck ML. El registro internacional de ensayos clínicos. Rev Panam Salud Pública. 2006;19(6):365-70.
  • 4. BIREME. Registro de ensaios clínicos: Bireme anuncia que revistas LILACS e SciELO deverão seguir orientação da OMS. Newsletter biblioteca virtual em saúde [base de dados na Internet]. São Paulo: BIREME; 1967 [atualizada em 31 Ago 2007; acesso em 18 Out 2007]. Disponível em: http://newsletter.bireme.br/new/index.php?lang=pt&newsletter=20070531
  • 5. De Angelis CD, Drazen JM, Frizelle FA et al. Clinical trial registration: a satetment from the International Committee of Medical Journal Editors. J Am Med Assoc.2004;292:1363-4.
  • 6. Carvalheiro JR, Quental C. Registro de ensaios clínicos: a discussão internacional e os posicionamentos possíveis para o Brasil. RECIIS R Eletr de Com Inov Saúde [periódico na Internet]. 2007 [acesso em 04 Nov 2007];1(1):[aproximadamente 6 p.]. Disponível em: http://www.reciis.cict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/42/59

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2007
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