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Adesão às precauções padrão sob o prisma do Modelo de Crenças em Saúde: a prática de reencapar agulhas

Resumos

Objetivou-se neste estudo aplicar o Modelo de Crenças em Saúde a fim de explicar a adesão à recomendação de não reencapar agulhas por cirurgiões-dentistas e auxiliares de saúde bucal da rede pública de um município paulista. Utilizou-se um questionário validado e adaptado para a área de saúde bucal, que contemplava variáveis relativas à frequência do reencape e crenças em saúde, por meio de escalas tipo Likert. A relação entre as crenças e a adesão à recomendação de não reencapar agulhas foi obtida por meio da análise de regressão. Da amostra de profissionais obtida por adesão ao estudo (n = 79), a maioria (83,5%) relatou ter reencapado agulhas pelo menos alguma vez no último mês. Por meio da análise de regressão, foi observado que a relação entre as crenças descritas pelo modelo e a atitude de aderir ou não à recomendação de não reencapar agulhas foi explicada por uma menor percepção de barreiras psicológicas e por uma maior percepção de estímulos para não reencapar agulhas. Conclui-se que a aceitação das recomendações para prevenir acidentes do trabalho com material biológico foi explicado por algumas dimensões do Modelo de Crenças em Saúde, possibilitando a discussão sobre a reformulação de capacitações oferecidas para profissionais do sistema público de saúde.

Riscos ocupacionais; Precauções universais; Recursos humanos em saúde; Educação em saúde


The aim of this study was to applythe Health Belief Model to explain the adherence to the recommendation not to recap needles by dentists and dental assistants of the public health system in a municipality in the State of São Paulo. A questionnaire validated and adapted for the oral health area was used, which included variables related to the frequency of recapping and health beliefs using Likert-type scales. The relationship between beliefs and adherence to the recommendation not to recap needles was obtained by regression analysis. Of all the professionals in this study (n=79), the majority (83.5%) reported recapping needles at least once in the last month. Through regression analysis, it was observed that the relationship between the beliefs described by the model and the attitude whether or not to follow the recommendation not to recap needles was explained by a lower perception of psychological barriers and a greater perception of stimuli not to recap needles. The conclusion reached is that the acceptance of recommendations to prevent working accidents with biological material was explained by some dimensions of the Health Belief Model, enabling discussion about reformulation of training offered to professionals of the public health system.

Occupational risks; Universal precautions; Human resources in health; Health education


Introdução

O exercício profissional, particularmente na área da saúde, predispõe o trabalhador aos riscos biológicos, uma vez que as atividades laborais estão relacionadas ao contato direto com secreções orgânicas11. Sasamoto AS, Tipple AFV, Leles CR, Silva ET, Paixa EMM, Souza CPS, Dourado LM. Perfil de acidentes com material biológico em uma instituição de ensino odontológico. ROBRAC 2010; 19(50):251-257.. Entretanto, somente com a descoberta do vírus da síndrome da imunodeficiência adquirida (HIV) na década de 1980, e devido à alta transmissibilidade do vírus das hepatites B e C, os profissionais da área da saúde passaram a se preocupar com a exposição ocupacional envolvendo material biológico potencialmente contaminado, em virtude do contato com sangue e outros fluídos corporais22. Malaguti-Toffano SE, Santos CB, Canini SRMS, Galvão MTG, Brevidelli MM, Gir E. Adesão às precauções-padrão de profissionais de enfermagem de um hospital universitário. Acta Paul Enferm 2012; 25(3):401-407..

Dentre as diversas formas de exposição ocupacional, a do tipo percutânea ganha destaque entre os profissionais da área odontológica (Cirurgião Dentista, Técnico em Saúde Bucal e Auxiliar em Saúde Bucal), em virtude de sua jornada de trabalho ser pautada na manipulação de instrumentos perfurocortantes, ultrassônicos e rotários em um campo restrito de visualização, além da disposição dos equipamentos odontológicos, o que eleva o risco destes tipos de acidentes profissionais33. Garcia LP, Blank VLG. Prevalência de exposições ocupacionais de cirurgiões-dentistas e auxiliares de consultório dentário a material biológico. Cad Saude Publica 2006; 22(1):97-108..

A fim de minimizar o risco de exposição às infecções por via sanguínea, foram estabelecidas nos serviços de saúde as Precauções Padrão (PP), que são medidas de prevenção específicas a serem utilizadas na assistência a todos os pacientes, independente do diagnóstico definido ou presumido de doença infecciosa, na manipulação de sangue, secreções e excreções e contato com mucosas e pele não íntegra. Tais precauções incluem a utilização de Equipamento de Proteção Individual (EPI), higienização das mãos, vacina contra a hepatite B e cuidados singulares para a manipulação e descarte de materiais contaminados por sangue, o que inclui a recomendação de "não reencapar agulhas"44. Orestes-Cardoso SM, Farias ABL, Pereira MRMG, Orestes-Cardoso AJ, Cunha Júnior IF. Acidentes perfurocortantes: prevalência e medidas profiláticas em alunos de odontologia. Rev Bras Saúde Ocup 2009; 34(119):6-14. , 55. Rapparini C, Reinhardt EL. Manual de implementação: programa de prevenção de acidentes com materiais perfurocortantes em serviços de saúde. São Paulo: Fundacentro; 2010..

A adesão a tais recomendações significa adquirir e manter comportamentos preventivos adequados, o que exige do profissional motivação e conhecimento técnico. Não aderir às medidas estabelecidas pelas PP pode resultar em elevadas taxas de incidência de acidentes de trabalho por exposição a fluidos corporais e materiais perfurocortantes44. Orestes-Cardoso SM, Farias ABL, Pereira MRMG, Orestes-Cardoso AJ, Cunha Júnior IF. Acidentes perfurocortantes: prevalência e medidas profiláticas em alunos de odontologia. Rev Bras Saúde Ocup 2009; 34(119):6-14.. Neste contexto, destaca-se o alto índice de reencape de agulhas, fato que ainda é relatado como prática comum entre estudantes e profissionais da área odontológica11. Sasamoto AS, Tipple AFV, Leles CR, Silva ET, Paixa EMM, Souza CPS, Dourado LM. Perfil de acidentes com material biológico em uma instituição de ensino odontológico. ROBRAC 2010; 19(50):251-257. , 33. Garcia LP, Blank VLG. Prevalência de exposições ocupacionais de cirurgiões-dentistas e auxiliares de consultório dentário a material biológico. Cad Saude Publica 2006; 22(1):97-108..

Em um estudo cujo objetivo foi observar o nível de adesão a recomendação de não reencapar agulhas, analisou-se o conteúdo de recipientes utilizados para descarte de objetos perfurocortantes. Verificou-se que a maioria das agulhas estavam reencapadas, ao menos em uma das extremidades, contrariando o que é indicado pelas precauções padrão e pela Norma Regulamentadora nº32 (NR 32) de Segurança e Saúde no Trabalho em Estabelecimentos de Saúde66. Martins RJ, Garbin CAS, Garbin AJI, Miguel N. La práctica de recapsular agujas por profesionales de la salud y condiciones de los depósitos de material corto-punzante. Cienc Trab 2012; 14(44):185-188. , 77. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria n. 485, de 11 de novembro de 2005. Aprova a Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho em Estabelecimentos de Saúde. Diário Oficial da União 2005; 16 nov..

Portanto, aderir à recomendação de não reencapar agulhas pode ser entendido como um comportamento preventivo à exposição ocupacional ao HIV, HBV e HCV resultante das lesões envolvendo agulhas88. Brevidelli MM, Cianciarullo TI. Aplicação do modelo de crenças em saúde na prevenção dos acidentes com agulha. Rev Saude Publica 2001; 35(2):193-201.. No intuito de explicar a adoção de comportamentos e condutas preventivas, alguns modelos teóricos procuram estabelecer uma relação entre o comportamento do indivíduo e algumas crenças individuais. Dentre esses modelos teóricos, o Modelo de Crenças em Saúde (MCS) ganha notório destaque devido ao seu amplo emprego em estudos na área da saúde88. Brevidelli MM, Cianciarullo TI. Aplicação do modelo de crenças em saúde na prevenção dos acidentes com agulha. Rev Saude Publica 2001; 35(2):193-201.

9. Dela Coleta MF. Crenças sobre comportamentos de saúde e adesão à prevenção e ao controle de doenças cardiovasculares. Mudanças 2010; 18(1-2):69-78.

10. Pires CGS, Mussi FC. Crenças em saúde para o controle da hipertensão arterial. Cien Saude Colet 2008; 13(Supl. 2):2257-2267.
- 1111. Santos ZMSA, Caetano JA, Moreira FGA. Atuação dos pais na prevenção da hipertensão arterial: uma tecnologia educativa em saúde. Cien Saude Colet 2011; 16(11):4385-4394..

O MCS tem sido considerado o principal modelo para explicar e predizer a aceitação de recomendações sobre cuidados com a saúde, sendo aplicado em estudos sobre comportamento sexual e AIDS, prevenção e controle do câncer, adesão ao tratamento de diversas enfermidades tais como diabetes e hipertensão, e a comportamentos de saúde diversos relacionados à obesidade, sedentarismo, dieta, tabagismo, entre outros88. Brevidelli MM, Cianciarullo TI. Aplicação do modelo de crenças em saúde na prevenção dos acidentes com agulha. Rev Saude Publica 2001; 35(2):193-201. , 1010. Pires CGS, Mussi FC. Crenças em saúde para o controle da hipertensão arterial. Cien Saude Colet 2008; 13(Supl. 2):2257-2267. , 1111. Santos ZMSA, Caetano JA, Moreira FGA. Atuação dos pais na prevenção da hipertensão arterial: uma tecnologia educativa em saúde. Cien Saude Colet 2011; 16(11):4385-4394.. Segundo esse modelo teórico, a decisão do indivíduo em aderir a um comportamento preventivo é fundamentada por quatro variáveis psicológicas, duas delas a respeito da enfermidade e as outras duas relacionadas aos comportamentos de saúde para prevenir ou tratar a doença. A Percepção de Suscetibilidade refere-se à crença do indivíduo de se considerar suscetível a uma doença; a Severidade Percebida é a percepção subjetiva da associação entre o problema de saúde e as consequências causadas pela doença (morte, dor, perturbação nas relações familiares e sociais, etc.); os Benefícios Percebidos dizem respeito ao indivíduo acreditar que uma ação preventiva possa evitar esse problema de saúde; e as Barreiras Percebidas representam o aspecto negativo da ação, avaliados em uma análise do tipo custo-benefício, considerando possíveis impedimentos, obstáculos, desconforto, custos de tempo e dinheiro, entre outros, para a tomada de ação99. Dela Coleta MF. Crenças sobre comportamentos de saúde e adesão à prevenção e ao controle de doenças cardiovasculares. Mudanças 2010; 18(1-2):69-78..

Estudos demonstram grande número de acidentes ocupacionais com materiais perfurocortantes envolvendo profissionais da odontologia, especialmente pelo ato de reencapar agulhas11. Sasamoto AS, Tipple AFV, Leles CR, Silva ET, Paixa EMM, Souza CPS, Dourado LM. Perfil de acidentes com material biológico em uma instituição de ensino odontológico. ROBRAC 2010; 19(50):251-257. , 33. Garcia LP, Blank VLG. Prevalência de exposições ocupacionais de cirurgiões-dentistas e auxiliares de consultório dentário a material biológico. Cad Saude Publica 2006; 22(1):97-108. , 1212. Garbin CAS, Martins RJ, Garbin AJI, Hidalgo LRC. Conductas de estudiantes del área de la salud frente a la exposición ocupacional a material biológico. Cienc Trab 2009; 11(31):18-21.. Diante do conteúdo exposto, e considerando a escassez na literatura de pesquisas realizadas com a aplicação do Modelo de Crenças em Saúde (MCS) envolvendo a equipe odontológica, o presente estudo teve como objetivo analisar a adesão às precauções-padrão, especificamente em relação ao ato de não reencapar agulhas pelos profissionais de saúde bucal da rede pública de um município do interior do Estado de São Paulo, Brasil.

Metodologia

Trata-se de um estudo transversal descritivo, com uma abordagem quantitativa. O universo da pesquisa constituiu-se de todos os 107 profissionais da área odontológica (59 cirurgiões-dentistas e 48 auxiliares em saúde bucal) alocados no sistema público de saúde bucal do município de Araçatuba (SP) no ano de 2012. Participaram da pesquisa apenas os que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e não estavam de férias, folga ou licença médica entre os meses de Julho e Agosto de 2012.

Previamente contatou-se o gestor do sistema de saúde do município para informá-los a respeito dos objetivos do estudo e posterior uso dos dados coletados, no intuito de obter seu apoio para a realização da pesquisa. Os profissionais também foram esclarecidos quanto aos objetivos e ao sigilo das informações recebidas. Os que concordaram em participar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Para a coleta dos dados foi utilizado um questionário desenvolvido e validado por Brevidelli e Cianciarullo88. Brevidelli MM, Cianciarullo TI. Aplicação do modelo de crenças em saúde na prevenção dos acidentes com agulha. Rev Saude Publica 2001; 35(2):193-201. e adaptado para a área de saúde bucal, constituído de duas partes: A primeira contemplava dados relativos ao perfil da população: Sexo, Idade, categoria profissional, tempo de experiência profissional, unidade de trabalho e tempo atuante no SUS, treinamento em PP e frequência de reencape de agulhas. A segunda parte do instrumento era formado por escalas do tipo Likert, com cinco opções de resposta (concordo totalmente, concordo, indeciso, discordo e discordo totalmente).

O Modelo de Crenças em Saúde sobre reencapar agulhas apresentava a escala de Severidade da AIDS, com as subescalas "Avaliação das consequências da AIDS na vida social", "Avaliação das consequências da AIDS na vida pessoal" e "Resposta emocional diante da severidade da AIDS"; Severidade da Hepatite B, com a subescala "Avaliação da gravidade da hepatite B"; Benefícios de não reencapar agulhas, com a subescala "Controle sobre o risco"; Barreiras para não reencapar agulhas, com a subescala "Barreiras físicas e cognitivas"; Estímulos para não reencapar agulhas, com a subescala "Influências sociais e circunstanciais". O critério para considerar a confiabilidade das escalas/subescalas foi α ≥ 0,60.

Os dados obtidos foram digitados na planilha do programa Excel e posteriormente analisados por meio do programa Statistical Analysis System (SAS(c)), North Carolina, EUA, versão 9.2. Realizou-se a análise de regressão logística a fim de relacionar a adoção de não reencapar agulhas e as crenças descritas pelo MCS, na qual a frequência dessa prática foi transformada em variável binária, em dois grupos distintos: grupo de aderentes (que relataram nunca ter reencapado agulhas no mês anterior à pesquisa) e o grupo de não aderentes (que relataram ter reencapado agulhas pelo menos alguma vez no mês anterior à pesquisa). As variáveis dependentes foram compostas por ambos os grupos, enquanto que as independentes constituíram as crenças mensuradas e os dados que descrevem a amostra do estudo.

O presente estudo foi conduzido dentro dos padrões éticos exigidos pela Resolução 466 de 12/12/2012 do Conselho Nacional de Saúde1313. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diário Oficial da União 2013; 13 jun.e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEPSH) da Faculdade de Odontologia de Araçatuba (UNESP).

Resultados

Do total de 107 profissionais que integravam a rede pública de saúde bucal do município, 79 (73,8%) responderam ao questionário, sendo 45 (57%) Cirurgiões - Dentistas e 34 (43%) Auxiliares em Saúde Bucal. Observou-se que a grande maioria dos participantes era do gênero feminino (84.8%), com idade média de 37.7 anos (Dp = 9.6), além de possuírem mais de dois anos de experiência profissional (81%).

O tempo de trabalho verificado dos profissionais demonstra uma parcela de trabalhadores recém-admitidos inseridos no sistema público de saúde, isto é, que possuíam menos de um ano de atuação no serviço (30.4%). No entanto, a maioria dos profissionais (69.6%) atuavam há mais de um ano no sistema, o que pressupõe que esses trabalhadores deveriam estar consonantes e familiarizados com a norma estabelecida por meio das PP de não reencapar agulhas (Tabela 1).

Tabela 1.
Características dos sujeitos da pesquisa, Araçatuba, 2012.

Verificou-se que a grande maioria dos pesquisados afirmou ter reencapado agulhas ao menos alguma vez (83.5%), o que torna o indivíduo susceptível a sofrer acidentes e adquirir doenças infecciosas, mesmo após uma parcela dos profissionais relatar ter recebido treinamento em precauções padrão (47.4%).

Na análise de regressão logística, três variáveis demonstraram ter influência sobre a relação entre as crenças descritas pelo MCS e a adoção da recomendação de não reencapar agulhas, onde tal comportamento foi explicado por uma menor percepção de barreiras psicológicas e por uma maior percepção de estímulos para não reencapar agulhas ( Tabela 2).

Tabela 2.
Análise da regressão logística entre as crenças descritas pelo MCS e a adesão ao comportamento de não reencapar agulhas, Araçatuba, 2012.

Discussão

Os dados obtidos e descritos no presente estudo foram coletados por meio de questionários autoaplicáveis retrospectivos, o que torna possível a superestimação da aderência dos sujeitos aos objetivos do estudo, uma vez que este tipo de instrumento de pesquisa é passível a vieses de memória e de resposta1414. Garcia LP, Blank VLG, Blank N. Aderência a medidas de proteção individual contra a hepatite B entre cirurgiões-dentistas e auxiliares de consultório dentário. Rev Bras Epidemiol 2007; 10(4):525-536..

A predominância do sexo feminino entre os profissionais analisados corrobora achados de outros estudos, nos quais demonstraram que o sexo feminino corresponde à grande parcela de profissionais e estudantes da área odontológica1414. Garcia LP, Blank VLG, Blank N. Aderência a medidas de proteção individual contra a hepatite B entre cirurgiões-dentistas e auxiliares de consultório dentário. Rev Bras Epidemiol 2007; 10(4):525-536.

15. Moimaz SAS, Saliba NA, Blanco MRB. A força do trabalho feminino na odontologia, em Araçatuba-SP. J Appl Oral Sci 2003; 11(4):301-305.
- 1616. Costa SM, Durães SJA, Abreu MHNG. Feminização do curso de odontologia da Universidade Esta dual de Montes Claros. Cien Saude Colet 2010; 15(Supl. 1):1865-1873.. Tal fato pode ser justificado por meio do advento do processo de socialização feminina, aumento do nível de escolaridade e acesso às universidades pelas mulheres e consequentemente a postos de trabalho de maior remuneração.

A atuação na área da saúde torna o profissional suscetível às exposições ocupacionais a material biológico, que podem ocorrer por meio de lesões percutâneas (por exemplo, perfuração ou corte na pele íntegra) e do contato de sangue, tecidos ou fluidos corporais potencionalmente infectantes com as mucosas ocular, nasal, bucal ou pele não íntegra. Entretanto, a maioria das exposições ocupacionais podem ser prevenidas pela adesão às recomendações das PP, que incluem o uso de EPI e o descarte adequado de materiais perfurocortantes1212. Garbin CAS, Martins RJ, Garbin AJI, Hidalgo LRC. Conductas de estudiantes del área de la salud frente a la exposición ocupacional a material biológico. Cienc Trab 2009; 11(31):18-21..

Estudos demonstram alta incidência de acidentes com materiais perfurocortantes entre estudantes e profissionais da odontologia11. Sasamoto AS, Tipple AFV, Leles CR, Silva ET, Paixa EMM, Souza CPS, Dourado LM. Perfil de acidentes com material biológico em uma instituição de ensino odontológico. ROBRAC 2010; 19(50):251-257. , 33. Garcia LP, Blank VLG. Prevalência de exposições ocupacionais de cirurgiões-dentistas e auxiliares de consultório dentário a material biológico. Cad Saude Publica 2006; 22(1):97-108. , 1212. Garbin CAS, Martins RJ, Garbin AJI, Hidalgo LRC. Conductas de estudiantes del área de la salud frente a la exposición ocupacional a material biológico. Cienc Trab 2009; 11(31):18-21.. Da mesma forma, o tipo de exposição percutânea também é referido em trabalhadores das demais áreas da saúde88. Brevidelli MM, Cianciarullo TI. Aplicação do modelo de crenças em saúde na prevenção dos acidentes com agulha. Rev Saude Publica 2001; 35(2):193-201. , 1717. Chiodi MB, Marziale MHP, Robazzi MLCC. Acidentes de trabalho com material biológico entre trabalhadores de unidades de saúde pública. Rev Latino-Am Enfermagem 2007; 15(4):632-638. , 1818. Vieira M, Padilha MI, Pinheiro RDC. Análise dos acidentes com material biológico em trabalhadores da saúde. Rev Latino-Am Enfermagem 2011; 19(2):332-339., sendo que grande parte das exposições a material biológico ocorrem pela conduta inadequada do ato de reencapar agulhas11. Sasamoto AS, Tipple AFV, Leles CR, Silva ET, Paixa EMM, Souza CPS, Dourado LM. Perfil de acidentes com material biológico em uma instituição de ensino odontológico. ROBRAC 2010; 19(50):251-257. , 88. Brevidelli MM, Cianciarullo TI. Aplicação do modelo de crenças em saúde na prevenção dos acidentes com agulha. Rev Saude Publica 2001; 35(2):193-201. , 1212. Garbin CAS, Martins RJ, Garbin AJI, Hidalgo LRC. Conductas de estudiantes del área de la salud frente a la exposición ocupacional a material biológico. Cienc Trab 2009; 11(31):18-21. , 1717. Chiodi MB, Marziale MHP, Robazzi MLCC. Acidentes de trabalho com material biológico entre trabalhadores de unidades de saúde pública. Rev Latino-Am Enfermagem 2007; 15(4):632-638., o qual, mesmo contraindicado pelas Precauções Padrão e NR 32, tem sido prática evidenciada1919. Brevidelli MM, Cianciarullo TI. Análise dos acidentes com agulhas em um hospital universitário: situações de ocorrência e tendências. Rev Latino-Am Enfermagem 2002; 10(6):780-786., concordando com os achados do presente estudo.

O tempo de experiência profissional e a atuação no Sistema Único de Saúde deveriam caracterizar comportamentos preventivos positivos na adesão às recomendações de não reencapar agulhas, uma vez que a maioria dos profissionais relatou ter recebido treinamento/capacitação em PP. Entretanto, o nível de adesão à recomendação de não reencapar agulhas verificado neste estudo foi baixo. Frente a tais achados, é válido afirmar que, independentemente da instituição de ensino e da estrutura curricular adotada nas universidades e cursos técnicos, o controle de infecção e a prevenção de acidentes ocupacionais deve assumir uma posição de destaque na formação acadêmica de profissionais das áreas da saúde e haver um processo de educação continuada durante o exercício profissional, viabilizando a necessária atualização permanente destes profissionais44. Orestes-Cardoso SM, Farias ABL, Pereira MRMG, Orestes-Cardoso AJ, Cunha Júnior IF. Acidentes perfurocortantes: prevalência e medidas profiláticas em alunos de odontologia. Rev Bras Saúde Ocup 2009; 34(119):6-14..

O MCS adotado a fim de explicar tais comportamentos preventivos demonstrou que os profissionais integrantes do estudo assumiram uma menor percepção subjetiva quanto às barreiras psicológicas para aderir à recomendação de não reencapar agulhas, corroborando os achados de Dela Coleta99. Dela Coleta MF. Crenças sobre comportamentos de saúde e adesão à prevenção e ao controle de doenças cardiovasculares. Mudanças 2010; 18(1-2):69-78., nos quais a autora demonstra que as crenças comportamentais (benefícios e barreiras percebidos) possuem um papel mais importante na predição do comportamento preventivo em saúde do que as percepções de severidade e susceptibilidade às doenças. Verificou-se também que a percepção de estímulos positivos para não reencapar agulhas assumiu um caráter significativo no comportamento dos indivíduos pesquisados, o que concorda com os achados de Brevidelli e Cianciarullo88. Brevidelli MM, Cianciarullo TI. Aplicação do modelo de crenças em saúde na prevenção dos acidentes com agulha. Rev Saude Publica 2001; 35(2):193-201., em que as autoras realizaram um estudo com 319 profissionais de enfermagem e observaram que apesar dos profissionais se mostrarem sensíveis aos estímulos para não reencapar agulhas, não foi possível verificar a influência dessa variável no comportamento individual.

Frente aos achados do presente estudo, enfatiza-se a necessidade de capacitações e treinamentos educativos voltados à prevenção de acidentes e em PP, com ações e enfoque destinado à área odontológica, pois quanto maior o nível de conhecimento da categoria profissional, maiores as chances da adoção de medidas e recomendações de precauções padrão e seu adequado emprego. Entretanto, somente o treinamento informativo não é suficiente para assegurar a adoção da recomendação de não reencapar agulhas, necessitando a formação de um grupo multiprofissional para discussão das dificuldades em adotar as recomendações preventivas e buscar soluções para aumentar a percepção de benefícios em segui-las.

A literatura sobre os modelos que buscam explicar comportamentos preventivos é escassa, especialmente na área de saúde bucal, quando comparadas às pesquisas realizadas nas demais áreas da saúde. Neste contexto, é preciso que novos estudos sejam feitos a fim de aproximar a discussão dos riscos ocupacionais com objetos perfurocortantes a que estão expostos os profissionais de odontologia, identificando aspectos comportamentais, relativos ao trabalho e organizacionais relevantes ao problema, na busca da diminuição ou eliminação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2015

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2013
  • Revisado
    31 Mar 2014
  • Aceito
    08 Abr 2014
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