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Gestão estratégica promovendo a integração ensino e serviço: implantação de Residência Multiprofissional em Onco-Hematologia

Gestión estratégica para promover la integración enseñanza y servicio: implantación de Residencia Multi-profesional en Onco-Hematologia

Resumos

O presente estudo apresenta o planejamento e implementação de um produto educacional em Saúde na modalidade Residência Multiprofissional Integrada em Onco-Hematologia, com enfoque teórico da gestão estratégica. Trata-se de uma intervenção aplicada que integra ensino e serviço, conforme o processo do Project Management Institute. O cenário foi uma universidade federal brasileira em parceria com um centro de alta complexidade em Oncologia. Em 2014, o programa foi planejado orientado pela gestão estratégica das instituições, sendo implementado em 2015. A residência oportuniza qualificação multiprofissional, oferecendo oito vagas por ano. Este produto resultou de um trabalho desenvolvido no Mestrado Profissional em Ensino na Saúde, financiado pelo Governo Federal. A academia e o serviço potencializaram esforços para promover ações colaborativas atendendo às necessidades da sociedade, alinhados às políticas de Estado que priorizam a atenção ao câncer, seguindo as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).

Palavras-chave:
Educação; Ensino; Gestão em Saúde; Internato não médico; Saúde


Este estudio presenta la planificación e implementación de un producto educativo en salud en la modalidad Residencia Multi-profesional integrada en Onco-Hematología, con enfoque teórico de la gestión estratégica. Se trata de una intervención aplicada que integra enseñanza y servicio, conforme el proceso del Project Management Institute. El escenario fue una universidad federal brasileña en alianza con un centro de alta complejidad en Oncología. En 2014, se planificó el programa orientado por la gestión estratégica de las instituciones, implementándose en 2015. La residencia proporciona la oportunidad de calificación multi-profesional, ofreciendo ocho plazas por año. Este producto fue resultado de un trabajo desarrollado en la Maestría Profesional en Enseñanza en Salud, financiado por el Gobierno Federal Brasileño. La academia y el servicio potenciaron esfuerzos para promover acciones colaborativas atendiendo las necesidades de la sociedad, alineados a las políticas de Estado que priorizan la atención al cáncer, siguiendo las directrices del del Sistema Brasileño de Salud (SUS).

Palabras clave:
Educación; Enseñanza; Gestión en Salud; Internado no médico; Salud


In this paper we share details about the planning and implementation of a health education product deployed in a multi-professional residency in onco-hematology, using strategic management as the theoretical framework. The study represents an applied intervention that integrates teaching and service provision, based on processes established by the Project Management Institute. The study took place at a Brazilian Federal University in partnership with a center for high complexity oncology. Planning for the program began in 2014, based on the strategic management of the institutions involved, and implementation started in 2015. The residency provides an opportunity for professional training, with eight places made available each year. The product was the result of work carried out in the Professional Master's for Health Teaching that is financed by the Brazilian Federal Government. The academic institution and the service provider joined forces to promote collective actions that meet societal needs and are aligned with public policies that place a priority on cancer care, based on guidelines laid out by the Brazilian National Health System (SUS).

Keywords:
Education; Teaching; Health Management; Non-medical Internship; Health


Introdução

A evolução tecnológica na área da Saúde apresenta uma aceleração constante ao incorporar novos procedimentos, exames e terapias, com benefícios para a sociedade e oportunizando uma assistência qualificada. Por outro lado, exige das instituições e governos a busca constante de melhorias nos processos para enfrentar a dinâmica do mercado 11. Spiller ES, Senna AM, Santos JF, Vilar JM. Gestão dos serviços de saúde. Rio de Janeiro: FGV; 2011.,22. Bedin DM, Scarparo HBK. Gestão em saúde, experiências de campo e pesquisa com inserção social. Porto Alegre: Sulina; 2013. .

Planejar estrategicamente significa usar recursos disponíveis de forma eficiente para aumentar a produtividade, definir os processos decisórios e as prioridades 33. Moysés-Filho J, Kestelman HN, Becker-Júnior LC, Torres MCS. Planejamento e gestão estratégica em organizações de saúde. Rio de Janeiro: FGV; 2011.,44. Oliveira DPR. Planejamento estratégico. São Paulo: Atlas; 2012. .

O avanço nas demandas da sociedade no incremento tecnológico e no aperfeiçoamento do conhecimento exige profissionais preparados 55. Pierantoni CR, Vianna ALA. Educação e saúde. São Paulo: Hucitec; 2010. .

O câncer, responsável por mais de sete milhões de óbitos no mundo a cada ano, representa 12% do total das mortes, conforme dados da União Internacional Contra o Câncer 66. União Internacional Contra o Câncer (UICC). World Cancer Leaders’ Summit [Internet]. 2013 [citado 15 Abr 2016]. Disponível em: http://uicc.org/sites/main/files/private/WCLS2013_Report.pdf.
http://uicc.org/sites/main/files/private...
. No Brasil, existe um estímulo para formar recursos humanos habilitados, com a finalidade de atuar nas redes de atenção nas doenças de maior incidência. Essas ações fazem parte da Portaria n° 2.439, do Ministério da Saúde (MS), publicada em dezembro de 2005 e que instituiu a Política Nacional de Atenção Oncológica (PNAO) 77. Ministério da Saúde (BR). Portaria GM/MS n. 2.439, de 8 de dezembro de 2005. Institui a Política Nacional de Atenção Oncológica: promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos a ser implantada em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005. .

A Residência Multiprofissional na área da Saúde, considerada pós-graduação lato sensu, modalidade de ensino para o serviço, possibilita vivências em diferentes cenários da prática, constituindo-se em um dispositivo para formação em Saúde, com enfoque em estratégias, gestão, formação e controle social, buscando desenvolver competências nos trabalhadores da Saúde em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) 88. Gerlack LF Saúde do idoso: residência multiprofissional como instrumento transformador do cuidado. Rev Cienc Saude. 2009; 2(2):104-8.

9. Rosa SD, Lopes RE. Residência multiprofissional em saúde e pós-graduação Lato Sensu. Rev Trab Educ Saude. 2009; 7(3):479-98.

10. Nascimento DDG, Oliveira MAC. Competências profissionais e o processo de formação na residência multiprofissional em Saúde da Família. Saude Soc. 2010; 19(4):814-27.

11. Ceccim RB. Prefácio. In: Fajardo AP Rocha CMF, Pasini VL, organizadores. Residência em saúde, fazeres e saberes na formação em saúde. Porto Alegre: Evangraf; 2010. p. 17-23.

12. Lobato CP Melchior R, Baduy RS. A dimensão política na formação dos profissionais de saúde. Physis. 2012; 22(4):1273-91.

13. Costa-Neto PEW, Batista SHS. A preceptoria na formação em saúde: uma incursão na literatura. In: Silva GTR, organizador. Residência multiprofissional em saúde: vivência e cenários de formação. São Paulo: Martinari; 2013. v. 1. p. 47-60.
-1414. Silva RMO, Cordeiro ALAO, Fernandes JD, Silva LS, Teixeira GAS. Contribuição do curso de especialização, modalidade de residência para o saber profissional. Acta Paul Enferm. 2014; 27(4): 362-6. .

O ingresso no Mestrado Profissional em Ensino na Saúde de uma das autoras foi o motivo desencadeador para a construção de um produto educacional com potencial para qualificar a assistência por atuar em um hospital destinado ao atendimento de pacientes oncológicos. Aspirava-se construir um produto de ensino que contribuísse para a qualificação dos profissionais da Saúde, promovendo transformações efetivas na práxis da instituição de ensino superior (IES) e no serviço. Para definir o produto a ser criado, partiu-se da reflexão centrada em quatro pilares denominados A, B, C e D.

O pilar A sustentou-se pela vivência de uma das autoras em gestão e prática profissional cotidiana em hospital destinado ao atendimento oncológico, identificando a necessidade de promover integração ensino e serviço e com o objetivo de qualificar e aperfeiçoar profissionais para trabalharem na Rede de Atenção de Oncologia (RAO).

O pilar B representou o Centro de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon), nomenclatura específica para os hospitais que oferecem assistência especializada e integral aos pacientes com câncer, atuando na área de prevenção, detecção precoce, diagnóstico e tratamento. A Portaria n° 140, de 27 de fevereiro de 2014, do MS, redefiniu os critérios e parâmetros para organização, planejamento, monitoramento, controle e avaliação dos estabelecimentos de Saúde habilitados na atenção especializada em Oncologia, definindo as condições de estrutura, funcionamento e recursos humanos para habilitação no âmbito do SUS 1515. Ministério da Saúde (BR). Portaria Ministerial n° 140, de 27 de fevereiro de 2014. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014. .

O pilar C constituiu-se no planejamento estratégico (PE) de 2011 a 2015 do hospital, no qual um dos temas estratégicos era “inovação” e “aumentar a capacidade para ensino e pesquisa” estava como objetivo estratégico. Havia necessidade de desenvolvimento de projetos visando à qualificação dos profissionais da Saúde e sua produção científica geradora de evidências.

O pilar D referia-se ao Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) de uma universidade federal, no qual, no Eixo do Plano de Metas, havia a previsão da expansão sustentada, apresentando como diretriz “ampliar o número de cursos, programas e vagas na graduação e pós-graduação”.

Ao perceber efetivo alinhamento entre as partes envolvidas para o desenvolvimento de projetos que integrassem o ensino e o serviço, definiu-se como questão norteadora desenvolver uma Residência Multiprofissional (RM) com ênfase em Onco-Hematologia em parceria entre um hospital de grande porte e uma universidade federal, promovendo integração ensino e serviço. O objetivo deste artigo é apresentar a trajetória do planejamento e implementação de um produto educacional em Saúde, na modalidade Residência Multiprofissional em Onco-Hematologia, com enfoque teórico da gestão estratégica.

Método

Trata-se de uma intervenção aplicada ao desenvolvimento de um produto educacional, integrando ensino e serviço. A “investigação intervencionista tem como principal objetivo interpor-se, interferir na realidade estudada para modificá-la, […] não somente propõe soluções de problemas, mas participa efetivamente com a resolução dos mesmos” 1616. Vergara SC. Projetos e relatórios de pesquisa em Administração. 14a ed. São Paulo: Atlas; 2013. (p. 43).

A pesquisa-intervenção mobiliza o pesquisador e os sujeitos para interrogações e ações que possibilitam a aproximação da academia com a prática, com o intuito de produzir transformações nos cenários assistenciais 1717. Damiani MF Sobre pesquisas do tipo intervenção. In: Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, Anais do XVI Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Campinas: UNICAMP; 2012.

18. Zambenedetti G, Silva RAN; Pesquisa-intervenção: uma perspectiva ética na relação entre universidade e serviço de saúde. In: Scarparo HBK, Bedin DM. Gestão em saúde, experiências de campo e pesquisa com inserção social. Porto Alegre: Sulina; 2013.
-1919. Rossi A, Passos E. Análise institucional: revisão conceitual e nuances da pesquisa-intervenção no Brasil. Rev EPOS. 2014; 5(1):156-81. . Considerar as realidades sociais cotidianas e o compromisso ético e político da produção de práticas inovadoras são princípios norteadores da pesquisa-intervenção 2020. Moreira MIC. Pesquisa-intervenção: especificidades e aspectos da interação entre pesquisadores e sujeitos da pesquisa. In: Castro LR, Besset VL, organizadores. Pesquisa-intervenção na infância e juventude. Rio de Janeiro: Trarepa; 2008. .

Essa modalidade “aproxima de forma singular pesquisador e pesquisado, em uma atividade em que ambos se conhecem, aprendem e (se) transformam” 2121. Castro LR, Besset VL, organizadores. Pesquisa-intervenção na infância e juventude. Rio de Janeiro: Trarepa; 2008. (p. 28). A intervenção na área de Educação “envolve o planejamento e a implementação de interferências (mudanças, inovações) - destinadas a produzir avanços, melhorias, nos processos de aprendizagem dos sujeitos que delas participam” 2222. Damiani MF, Rochefort RS, Castro RF, Dariz MR, Pinheiro SS. Discutindo a Pesquisa do tipo Intervenção Pedagógica. Cad Educ. 2013; 45:57-67. (p. 58).

O desenvolvimento de trabalhos de intervenção traz a possibilidade de criar espaços para produzir conhecimento com base na realidade e contribuir para a solução de problemas do cotidiano dos sujeitos, possibilitando transformações nos ambientes 1616. Vergara SC. Projetos e relatórios de pesquisa em Administração. 14a ed. São Paulo: Atlas; 2013.,2222. Damiani MF, Rochefort RS, Castro RF, Dariz MR, Pinheiro SS. Discutindo a Pesquisa do tipo Intervenção Pedagógica. Cad Educ. 2013; 45:57-67. .

O desdobramento dos objetivos definidos no planejamento estratégico acontece por meio de projetos, promovendo desenvolvimento de produtos e produzindo resultados alinhados aos objetivos da instituição 44. Oliveira DPR. Planejamento estratégico. São Paulo: Atlas; 2012.,2323. Cavalieri A. A estrutura e a norma de gerenciamento de projetos. In: Dinsmore PC, Cavalieri A. Como se tornar um profissional de gerenciamento de projetos. Rio de Janeiro: Qualimark; 2009. .

Para desenvolver o produto educacional RM com ênfase em Onco-Hematologia, utilizou-se como guia o Project Management Body of Knowledge (PMBOK), seguindo os cinco grupos de processos preconizados para a construção de um projeto, denominados: 1) Iniciação; 2) Planejamento; 3) Execução; 4) Monitoramento e controle; e 5) Encerramento 2424. Project Management Institute. Um guia do conhecimento em gerenciamento de projetos (Guia Pmbok - Guide to the Project Management Body of Knowledge). 5a ed. São Paulo: Saraiva; 2014. .

As instituições envolvidas, ambas localizadas em Porto Alegre, Brasil, foram escolhidas por abrigarem respectivamente assistência e ensino na formação de profissionais de Saúde. O hospital de referência nacional, há quatro décadas direcionado à assistência em Oncologia, é uma fundação de direito privado de caráter filantrópico de ensino e assistência social, reconhecido como um Cacon. A IES é uma universidade federal que oferece cursos de graduação e pós-graduação exclusivamente na área da Saúde.

Os sujeitos envolvidos no processo de desenvolvimento do produto educacional, ou seja, na RM com ênfase em Onco-Hematologia, foram dez profissionais e nove professores - das áreas de Enfermagem, Fisioterapia, Fonoaudiologia e Nutrição - e atuaram, respectivamente, como preceptores e tutores, além de 15 professores para as disciplinas teóricas.

Para a construção do produto educacional, procedeu-se a análise de documentos institucionais relacionados à gestão estratégica das instituições envolvidas, análise da legislação referente à RM em área da Saúde, legislação relacionadas à atenção oncológica, observação por parte da pesquisadora dos cenários de prática assistencial na atenção oncológica e formalização por escrito da anuência dos gestores de ambas as instituições envolvidas.

O projeto foi aprovado pelo Ministério de Educação (MEC), autorizando a implantação do programa, com financiamento de oito bolsas para profissionais das áreas do conhecimento solicitadas.

Resultados e discussão

Para criar ou aprimorar um produto ou serviço existente, é necessário aplicar o conhecimento, as habilidades e as ferramentas existentes. Usualmente, as organizações utilizam projetos para efetivar o desdobramento dos objetivos estratégicos estabelecidos. Nesse projeto, seguiram-se as recomendações determinadas no PMBOK, conforme apresenta o Quadro 1 .

Quadro 1
Grupos de processos do PMBOK relacionados às etapas da construção do Projeto de Residência Multiprofissional em Saúde (RMS)

Iniciação: conhecendo as estratégias

A primeira etapa, denominada “conhecendo as estratégias”, explorou o planejamento estratégico das instituições envolvidas. Nessa investigação, evidenciou-se que as estratégias das instituições valeram-se da análise dos cenários de mercado, identificando as oportunidades existentes para alinharem seus objetivos estratégicos às demandas da sociedade.

A etapa de análise dos cenários é fundamental para subsidiar a definição dos caminhos de uma organização 2525. Ghemawat P. A estratégia e o cenário de negócios. Porto Alegre: Bookman; 2007. . A análise apontava uma necessidade do mercado de novos e inovadores produtos na área do ensino na Saúde, conforme evidenciado nos planejamentos estratégicos de ambas as instituições. Oliveira 44. Oliveira DPR. Planejamento estratégico. São Paulo: Atlas; 2012. sinaliza que as organizações são impactadas pelas oscilações do meio em que estão inseridas, sendo fundamental entender o ambiente externo.

A análise documental solidificou a possibilidade de viabilizar a criação do produto educacional, visto que ambas as instituições envolvidas tinham o mesmo foco. Nesse momento, definiu-se como escopo do projeto a ser desenvolvido um programa de Residência Multidisciplinar em Saúde (RMS) com ênfase em Onco-Hematologia. Esse produto educacional foi construído com a visão de inovação colaborativa, visto que uniu olhares e ações tanto da instituição formadora quanto da instituição de serviço. É importante a vinculação dos saberes acadêmicos e daqueles construídos com base na prática e vivências das equipes 2626. Rangel M. Educação e saúde: uma relação humana, política e didática. Rev Educ. 2009; 32(1):59-64. . As relações colaborativas entre organizações viabilizam o conhecimento para a criação e aprimoramento de seus serviços e produtos 2727. Huizingh EKR. Open innovation, state of the art and future perpectives. Technovation. 2011; 31(1):2-9.,2828. Bueno B, Balestrin A. Inovação colaborativa: uma abordagem aberta no desenvolvimento de novos produtos. Rev Adm Empres. 2012; 52(5):517-30. .

Planejamento: criando um produto de ensino

Na etapa de planejamento, foi elaborado o projeto do produto educacional de ensino na Saúde, no que tange ao objetivo de inovar incorporando produtos ao seu portfólio.

Identificou-se a possibilidade de efetivar o projeto quando o MEC publicou um edital “para processo de seleção-financiamento de bolsas/residente para a Residência Multiprofissional na área da Saúde”, em 2014, estimulando as universidades públicas federais a cadastrarem seus projetos para abertura de novos programas de RMS em 2015. Esse edital priorizava algumas áreas da Saúde para a concessão de bolsas, sendo uma delas a atenção ao câncer. No Brasil, o PNAO orienta a atenção ao câncer no país e estabelece as responsabilidades dos diferentes segmentos na linha do cuidado ao paciente oncológico 77. Ministério da Saúde (BR). Portaria GM/MS n. 2.439, de 8 de dezembro de 2005. Institui a Política Nacional de Atenção Oncológica: promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos a ser implantada em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005. .

Considerando que, no ano de 2015, o Instituto Nacional do Câncer 2929. Instituto Nacional do Câncer. Incidência de câncer no Brasil [Internet]. Brasília (DF): INCA; 2016 [citado 15 Abr 2016]. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/index.asp?ID=2.
http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/i...
estimou seiscentos mil novos casos de câncer no Brasil para o biênio 2016-2017, faz-se necessário olhar as demandas epidemiológicas, corroborando a relevância em preparar profissionais para atuarem nessa área. A possibilidade surgida com o edital publicado permitiu investigar na IES e no hospital o interesse em desenvolver um programa de RMS com ênfase em Onco-Hematologia. Com base nas manifestações favoráveis dos gestores das instituições, buscou-se o desdobramento das ações que conduziram à elaboração do projeto pedagógico (PP) do programa proposto.

Essa etapa exigiu articulação com as áreas de conhecimento acadêmico e do serviço com a finalidade de obter a adesão ao projeto. Por existir um programa de RM com ênfase em Terapia Intensiva em parceria entre as instituições envolvidas, desde 2012, conduziu-se a nova proposta para avaliação do Núcleo Docente Assistencial Estruturante (NDAE), investigando as áreas de conhecimento que tinham interesse em participar da nova proposta. Esse núcleo é “constituído pelo coordenador do programa, por representante de docentes, tutores e preceptores de cada área de concentração” 3030. Ministério da Educação (BR). Resolução CNRMS n° 2, de 13 de abril de 2012. Dispõe sobre Diretrizes Gerais para os Programas de Residência Multiprofissional e em Área Profissional de Saúde. Diário Oficial da União; abr. 2012. Seç I, p. 24-5. (p. 24). As áreas que mostraram disponibilidade em participar do desenvolvimento do projeto foram: Enfermagem, Fisioterapia, Fonoaudiologia e Nutrição. Para ser considerado RMS, o programa deve contemplar, no mínimo, três profissões na área da Saúde 3030. Ministério da Educação (BR). Resolução CNRMS n° 2, de 13 de abril de 2012. Dispõe sobre Diretrizes Gerais para os Programas de Residência Multiprofissional e em Área Profissional de Saúde. Diário Oficial da União; abr. 2012. Seç I, p. 24-5. .

Para o funcionamento das RMS, são necessários docentes, tutores e preceptores em todas as áreas do conhecimento envolvidas no programa. Docentes são os “profissionais vinculados às instituições formadoras e executoras que participam do desenvolvimento das atividades teóricas e teórico-práticas, no PP”; os tutores são responsáveis pela “atividade de orientação acadêmica de preceptores e residentes”; e os preceptores “são os profissionais responsáveis pela supervisão das atividades práticas realizadas pelos residentes nos serviços de saúde” 3030. Ministério da Educação (BR). Resolução CNRMS n° 2, de 13 de abril de 2012. Dispõe sobre Diretrizes Gerais para os Programas de Residência Multiprofissional e em Área Profissional de Saúde. Diário Oficial da União; abr. 2012. Seç I, p. 24-5. (p. 25).

Dallegrave 3131. Dallegrave D, Ceccim RB. Expressões do processo de governamentalização nas residências em saúde. Interface (Botucatu). 2016; 20(20):377-88. defende a existência de uma crítica constante por parte dos atores envolvidos no trabalho educativo da RMS; entretanto, deve haver um regramento no funcionamento dessa modalidade de ensino na Saúde, mantendo o compromisso de formação de equipes para atuação integrada na atenção ao usuário.

A construção de um programa de RMS prevê a atenção em todos os níveis de complexidade de cuidado, demandando que o residente tenha vivência também na rede básica. Dessa forma, buscouse estabelecer contato com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre para identificar interesse em participar do programa. O Conselho Municipal de Saúde e o secretário elaboraram uma carta de compromisso da SMS, apoiando as atividades da RMS com ênfase em Onco-Hematologia e permitindo executar as atividades na Rede Básica de Saúde com o objetivo de preparar profissionais para atender a linha de cuidados ao câncer.

Para a elaboração e estruturação do PP utilizou-se: a) modelos de programas de RMS em Oncologia e Hematologia existentes no Brasil; b) o programa de RMS com ênfase em terapia intensiva existente; e c) um projeto de pós-graduação lato sensu em Oncologia e Hematologia desenvolvido na universidade, contudo, não implantado. O PP do novo programa foi elaborado visando à integração das diferentes profissões da Saúde para atuarem em equipe multiprofissional com proposta de trabalho interdisciplinar, inseridas em campo e núcleo de saberes e práticas, com articulação permanente, voltadas à integração entre ensino, pesquisa, serviço, gestão do SUS e controle social.

A RMS oportuniza a formação crítica de profissionais na área da Saúde para atuação nos diferentes cenários de atenção aos usuários. Essa estratégia pedagógica, defendida por Freire 3232. Freire P Pedagogia da autonomia saberes necessários à prática educativa. 43a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011. , promove uma formação crítica, integrando os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, e contribui, assim, para as transformações sociais.

O PP do programa foi organizado em disciplinas práticas, teórico-práticas e teóricas. Conforme Resolução da CNRMS n° 5 de 2014, as estratégias educacionais práticas, que correspondem a 80% da carga horária do programa, são desenvolvidas nas áreas assistenciais, oportunizando o treinamento prático em serviço, supervisionadas pelos preceptores 3333. Ministério da Educação (BR). Resolução n. 05, de 7 de novembro de 2014. Dispõe sobre a duração, carga horária, avaliação e frequência nos Programas de Residências Multiprofissionais. Diário Oficial da União; 2014 nov. 10. Seç 1, p. 34. .

Existe uma melhor construção de conhecimentos quando os estudantes vivenciam atividades teóricas e práticas que tenham coerência e permitam um exercício reflexivo. Isso reforça os componentes da formação, estimulando os profissionais ao questionamento das próprias ações realizadas, ocorrendo crescimento global de cada ator do processo de formação, sendo o programa de ensino em Saúde a força mobilizadora para a transformação 3434. Hatlevik I, Katrine R. The theory-practice relationship: reflective skills and theoretical knowledge as key factors in bridging the gap between theory and practice in initial nursing education. J Adv Nurs. 2011; 68(4):868-77. .

As estratégias educacionais teóricas são atividades de aprendizagem desenvolvidas em aulas formais, estudos em grupo, seminários e estudos individuais 3333. Ministério da Educação (BR). Resolução n. 05, de 7 de novembro de 2014. Dispõe sobre a duração, carga horária, avaliação e frequência nos Programas de Residências Multiprofissionais. Diário Oficial da União; 2014 nov. 10. Seç 1, p. 34. orientados e acompanhados por docentes das diferentes áreas de conhecimento. As estratégias educacionais teórico-práticas são realizadas por meio de estudo de casos clínicos, atuação em instâncias de controle social, atividades na Saúde Coletiva e ações educativas acompanhadas do corpo docente assistencial 3333. Ministério da Educação (BR). Resolução n. 05, de 7 de novembro de 2014. Dispõe sobre a duração, carga horária, avaliação e frequência nos Programas de Residências Multiprofissionais. Diário Oficial da União; 2014 nov. 10. Seç 1, p. 34. . A RMS contribui para o desenvolvimento do saber profissional, na medida em que proporciona embasamento teórico na realização das práticas 1212. Lobato CP Melchior R, Baduy RS. A dimensão política na formação dos profissionais de saúde. Physis. 2012; 22(4):1273-91.,1414. Silva RMO, Cordeiro ALAO, Fernandes JD, Silva LS, Teixeira GAS. Contribuição do curso de especialização, modalidade de residência para o saber profissional. Acta Paul Enferm. 2014; 27(4): 362-6. .

Organizou-se o programa com disciplinas de tronco comum a todas as ênfases, com conteúdos de interesse comuns e interdisciplinares, sendo estas: Políticas Públicas de Saúde no Brasil; Interdisciplinaridade, Integralidade e Controle Social; Planejamento de Pesquisa; Segurança do Paciente; e Ética. As disciplinas específicas definidas foram: Abordagem Multiprofissional ao Paciente em Onco-Hematologia I (Princípios de Diagnóstico, Políticas de Saúde em Oncologia); Gestão Organizacional e Trabalho em Equipe; Abordagem Multiprofissional ao Paciente em Onco-Hematologia II (Educação e Saúde Psico-Oncologia e Contexto dos Cuidados Oncológicos) e Fundamentos em Onco-Hematologia I (Fisiopatologia do câncer, Oncogenética, vigilância, registro e prevenção do câncer).

Para oportunizar o aprendizado em todos os cenários, definiu-se como campo de práticas unidades de internação, ambulatório de prevenção de câncer, ambulatório de especialidades oncológicas, unidade de quimioterapia, serviço de radioterapia, Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), Centro Cirúrgico (CC), serviços de diagnóstico, registro de câncer de base hospitalar e unidade de transplante de medula óssea. Complementando a linha do cuidado na atenção oncológica, pretende-se que os residentes vivenciem e desenvolvam atividades multidisciplinares, envolvendo os professores da IES e profissionais da atenção primária em unidades estabelecidas pela SMS.

As atividades desenvolvidas no atendimento hospitalar são divididas nos dois anos nos quais o residente acompanha a rotina do serviço e do paciente, incluindo a internação nas unidades de alta complexidade. Portanto, entre a atenção básica e a hospitalar, o residente cumpre uma carga horária de 5.760 horas, conforme determina a legislação vigente 3333. Ministério da Educação (BR). Resolução n. 05, de 7 de novembro de 2014. Dispõe sobre a duração, carga horária, avaliação e frequência nos Programas de Residências Multiprofissionais. Diário Oficial da União; 2014 nov. 10. Seç 1, p. 34. .

A função de coordenação do programa RMS deve ser exercida por profissional com titulação mínima de mestre e com experiência profissional de, no mínimo, três anos na área de formação, atenção ou gestão em Saúde 2121. Castro LR, Besset VL, organizadores. Pesquisa-intervenção na infância e juventude. Rio de Janeiro: Trarepa; 2008. . Cabe a este cadastrar o projeto no Sistema da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (SisCNRMS), do MEC, bem como acompanhar o desenvolvimento do programa. A escolha do coordenador para a RMS com ênfase em Onco-Hematologia realizou-se em reunião com membros da Comissão de Residência Multiprofissional (Coremu), sendo indicado o nome de uma docente da IES com uma trajetória na assistência e na pesquisa na área oncológica.

Em setembro de 2014, após aprovação da Coremu e das diferentes instâncias da IES, o projeto foi cadastrado no SisCNRMS. A divulgação dos resultados com a autorização da abertura do programa pelo MEC ocorreu em novembro de 2014, quando foi publicada a relação das instituições e programas aprovados para o exercício de 2015.

Execução: incorporando a RMS à rotina das instituições

A etapa de execução de um projeto consiste na materialização do planejamento de criação 3535. Vargas R. Manual prático do plano de projeto utilizando o Pmbok Guide. 5a ed. Rio de Janeiro: Brasport; 2014. . O projeto é inovador na medida em que introduz um novo produto; a inovação é um processo de mudança, em que novos ou melhorados processos são agregados à organização 3636. Tidd J, Bessant J, Pavitt K. Gestão da inovação. Porto Alegre: Bookman; 2008. . Considera-se uma inovação colaborativa, visto que integra instituição de ensino e serviço no desenvolvimento do produto 2727. Huizingh EKR. Open innovation, state of the art and future perpectives. Technovation. 2011; 31(1):2-9.-2828. Bueno B, Balestrin A. Inovação colaborativa: uma abordagem aberta no desenvolvimento de novos produtos. Rev Adm Empres. 2012; 52(5):517-30. .

As ações para abertura do processo seletivo de ingresso dos residentes da primeira turma tiveram início em novembro de 2014, sendo de responsabilidade da IES e ocorrendo em duas etapas: 1) prova de conhecimento específico; e 2) entrevista estruturada. Inscreveram-se 22 profissionais, concorrendo às oito vagas disponibilizadas. O ingresso dos residentes aprovados para a primeira turma ocorreu em março de 2014.

As atividades em conformidade com o plano de implementação da RMS foram realizadas pela coordenadora do curso em parceria com a gestora do projeto, representando, respectivamente, a IES e a instituição de serviço, envolvendo professores, tutores, preceptores e demais profissionais do campo de prática. O PMBOK indica que a etapa de execução de um projeto implica em coordenar as ações planejadas, envolvendo as pessoas para a realização 2424. Project Management Institute. Um guia do conhecimento em gerenciamento de projetos (Guia Pmbok - Guide to the Project Management Body of Knowledge). 5a ed. São Paulo: Saraiva; 2014. .

O acompanhamento de execução de um projeto pressupõe avaliações contínuas e atualizações, podendo-se incluir ou mudar ações previstas durante o planejamento 2424. Project Management Institute. Um guia do conhecimento em gerenciamento de projetos (Guia Pmbok - Guide to the Project Management Body of Knowledge). 5a ed. São Paulo: Saraiva; 2014. . O monitoramento do processo de implementação é realizado por meio de reuniões sistemáticas entre coordenação, tutores e preceptores para avaliação das etapas em andamento.

As inovações nas intervenções educacionais proporcionam aprendizado entre os sujeitos envolvidos 2222. Damiani MF, Rochefort RS, Castro RF, Dariz MR, Pinheiro SS. Discutindo a Pesquisa do tipo Intervenção Pedagógica. Cad Educ. 2013; 45:57-67. . Autores enfatizam a relevância de mobilizar os sujeitos para questionamentos, visando à aproximação da academia com a prática 1818. Zambenedetti G, Silva RAN; Pesquisa-intervenção: uma perspectiva ética na relação entre universidade e serviço de saúde. In: Scarparo HBK, Bedin DM. Gestão em saúde, experiências de campo e pesquisa com inserção social. Porto Alegre: Sulina; 2013.-1919. Rossi A, Passos E. Análise institucional: revisão conceitual e nuances da pesquisa-intervenção no Brasil. Rev EPOS. 2014; 5(1):156-81. .

As atividades práticas iniciaram-se na Atenção Básica de Saúde, oportunizando aos residentes atividades assistenciais integradas com as equipes de Saúde atuantes no local, permitindo conhecer o funcionamento dos processos da rede de atenção de Saúde preconizados pelo SUS. O inovador nessa prática foi incluir profissionais de Fisioterapia, Nutrição e Fonoaudiologia, até então inexistentes na Atenção Primária aos usuários no distrito de Saúde em que os residentes foram inseridos. As disciplinas teóricas desenvolvidas simultaneamente abordavam as políticas públicas, processo de saúde e doença, interdisciplinaridade, integralidade e controle social.

Oliveira 44. Oliveira DPR. Planejamento estratégico. São Paulo: Atlas; 2012. enfatiza que a reflexão sobre a realidade assistencial, subsidiada pelo embasamento teórico transforma o profissional e seu senso crítico e investigativo, ultrapassando o tecnicismo.

As vivências assistenciais no âmbito hospitalar foram estruturadas em planos de atividades práticas, organizadas por setor de atuação e área de conhecimento, de forma a permitir que os residentes compartilhassem os saberes na rotina diária das unidades assistenciais. A estruturação em rounds multidisciplinares passou a compor a rotina e permitiu a discussão e a complementação dos saberes dos atores envolvidos.

Freire 3232. Freire P Pedagogia da autonomia saberes necessários à prática educativa. 43a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011. defende que o processo educativo pressupõe a busca pela pesquisa e a reflexão crítica, em um ambiente de troca entre discente e docente. Esse processo deve extrapolar o domínio técnicocientífico, estendendo-se aos aspectos estruturantes das relações e das práticas relevantes para a sociedade.

Existe um forte movimento para que a academia se desfaça das estruturas rígidas e compartimentadas, abrindo-se para uma visão interdisciplinar 3737. Arbix G, Consoni F Inovar para transformar a universidade brasileira. Rev Bras Cienc Soc. 2011; 26(77):205-24. . A RMS com ênfase em Onco-Hematologia promoveu mobilização dos profissionais da academia e do serviço, na medida em que propôs um modelo inovador com desenvolvimento de aulas teóricas com conteúdos específicos da área oncológica, organizadas linearmente de forma multidisciplinar. Os profissionais das quatro áreas de conhecimento que compõem a RMS têm acesso aos conteúdos teóricos de forma integrada; todos têm contato com os diferentes temas, independentemente das áreas de conhecimento, unificando e potencializando os saberes.

Monitoramento e controle: propondo indicadores de acompanhamento

Os residentes participam efetivamente no processo de acompanhamento do programa, apresentando sugestões de melhorias contínuas que, somadas às contribuições de tutores e preceptores, fazem o processo de cocriação ser uma realidade no desenvolvimento desse novo programa. Um produto necessita constantemente ser acompanhado; o envolvimento do usuário final no processo de criação contribui para o aprimoramento contínuo 2828. Bueno B, Balestrin A. Inovação colaborativa: uma abordagem aberta no desenvolvimento de novos produtos. Rev Adm Empres. 2012; 52(5):517-30. .

O primeiro ano de funcionamento desse programa foi de construção coletiva, visto que a Educação e a Saúde requerem a soma do saber acadêmico e do saber do senso comum, construído nas experiências de grupos 2626. Rangel M. Educação e saúde: uma relação humana, política e didática. Rev Educ. 2009; 32(1):59-64.,3232. Freire P Pedagogia da autonomia saberes necessários à prática educativa. 43a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011. .

Com base na análise dos resultados obtidos na implantação de um plano, faz-se necessária a manutenção ou a incorporação de novas ações. O NDAE da RMS com ênfase em Onco-Hematologia constitui-se em um fórum de avaliação sistemática sobre o programa. Sugere-se que o núcleo estabeleça indicadores de avaliação, como uma pesquisa de satisfação dos residentes em relação ao programa ao fim de cada ano. A produção científica contribui para a qualificação da assistência e, quando há aproximação da academia com a prática, cresce a pesquisa aplicada, promovendo mudanças no cotidiano do assistir. No primeiro ano de incorporação do programa com ênfase em Onco-Hematologia, observou-se um ganho em quantidade de produção científica: os residentes produziram 25 trabalhos, com suporte de tutores e preceptores, para apresentação em eventos nacionais e internacionais. Somam-se a esses oito Trabalhos de Conclusão da Residência (TCR) que estão em andamento, com temas específicos das áreas de conhecimento. O número de trabalhos científicos produzidos pelos residentes durante o período de especialização contribui como indicador de desempenho da residência e aponta para uma renovação de saberes e aprofundamento na escuta em todos os âmbitos, incluindo a gestão do lócus de trabalho dos residentes.

Encerramento: entregando o produto às instituições

Considera-se inovador esse produto educacional implantado por ter sido produzido como dissertação do Mestrado Profissional em Ensino na Saúde, resultando propriamente em um produto de ensino na Saúde. A universidade avançou à medida que, para além dos muros institucionais, adentrou em um cenário de práticas que precisava ser desacomodado para criar estratégias, direcionando para um cuidado com vários olhares, sempre acompanhada da visão do todo pela gestão. Se o processo era cristalizado no passado próximo, atualmente é possível afirmar que há uma oxigenação permanente. Segundo Freire 3232. Freire P Pedagogia da autonomia saberes necessários à prática educativa. 43a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011. , “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (p. 12).

Um dos principais resultados inovadores da RMS com ênfase em Onco-Hematologia é a capacidade de ter integrado os professores da universidade com os profissionais que atuam no hospital, desenvolvendo parcerias e compartilhando o reconhecimento da saúde como um direito universal, o entendimento da determinação social do processo de saúde e doença e o compromisso com a formação em Saúde voltada para propostas coletivas de enfrentamento a problemas complexos 3838. Silva SHS. Educação permanente em saúde: metassíntese. Rev Saude Publica. 2014; 48(1):170-85. . Soma-se a isso o fato de os pacientes/usuários passarem a ter cotidianamente uma equipe atualizada que orienta e visualiza novas formas de prestar uma assistência integral, apesar das limitações complexas impostas pelo SUS.

Encerrando o projeto, entrega-se um programa de RMS com ênfase em Onco-Hematologia, construído de forma colaborativa. Esse produto passa a fazer parte do portfólio das instituições, sendo a materialização da integração ensino e serviço na formação de recursos humanos para atenção à Saúde. Portanto, a necessidade contemporânea de integrar a universidade, o serviço de Saúde e a comunidade para capacitar profissionais da Saúde inseridos em diferentes contextos de serviço em todos os níveis de atenção, pela articulação do conhecimento específico 3232. Freire P Pedagogia da autonomia saberes necessários à prática educativa. 43a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.,3939. Lopes R, Tocantins FR. Promoção da saúde e a educação crítica. Interface (Botucatu). 2012; 16(40):235-4.,4040. Pereira RCA, Rivera FJU, Artmann E. O trabalho multiprofissional na Estratégia Saúde da Família: estudo sobre modalidades de equipes. Interface (Botucatu). 2013; 17(45):377-40. , passa a ser uma realidade.

Na era da informação e da interdisciplinaridade crescem as demandas de profissionais com formação e visão ampliada do cuidado, capazes de compartilhar conhecimento para fazer frente à evolução do processo de Atenção à Saúde.

Considerações finais

Desenvolver um produto educacional de ensino em um serviço de Saúde na modalidade Residência Multiprofissional com ênfase em Onco-Hematologia, alicerçada pela gestão estratégica de um hospital de grande porte e de uma universidade federal, coloca à disposição da sociedade um curso de especialização modalidade lato sensu, contribuindo na formação de profissionais aptos para planejar, implementar e avaliar serviços de Oncologia em seus aspectos organizacionais e funcionais, nos diferentes cenários de atenção aos usuários. A academia e o serviço potencializaram esforços para promover ações colaborativas, atendendo às necessidades sociais e alinhados às políticas de Estado que priorizam a atenção ao câncer, fundamentada nas diretrizes do SUS.

Novas oportunidades de investigação se apresentam com o objetivo de identificar o impacto produzido pelos egressos da RMS com ênfase em Onco-Hematologia na assistência aos usuários.

Agradecimentos

Agradecemos a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre pelo apoio no desenvolvimento e implementação do Programa de Residência Multiprofissional em Onco-Hematologia, bem como aos profissionais que se envolveram no projeto.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 2018
  • Data do Fascículo
    Jul-Sept 2018

Histórico

  • Recebido
    15 Nov 2016
  • Aceito
    28 Maio 2017
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