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Violência intrafamiliar: vivências e percepções de adolescentes

Violencia intrafamiliar: vivencias y percepciones de los adolescentes

Resumo

Objetivos:

Desvelar a violência intrafamiliar vivenciada por adolescentes e identificar se estas(es) se reconhecem em tal situação.

Métodos:

Pesquisa qualitativa fundamentada na História Oral. Foram entrevistadas(os) oito adolescentes estudantes de uma escola pública de Salvador, Bahia, Brasil. Os dados foram sistematizados, conforme a Análise Temática e analisados com base nas temáticas: violência doméstica e adolescência.

Resultados:

A história oral das(os) adolescentes desvela uma infância e adolescência marcada pela presença da violência conjugal entre os pais e vivência de agressões físicas, humilhações, abandonos e negligências. Embora tal contexto e suas repercussões para a saúde, as(os) adolescentes não se reconhecem enquanto vítimas.

Conclusão:

São necessárias ações de educação em saúde, no ambiente escolar e nos serviços de saúde, principalmente, no âmbito primário, no sentido de sensibilizar os profissionais para o reconhecimento e prevenção/enfrentamento da violência. Urge uma gestão que priorize esses elementos, enquanto política de governo.

Palavras-chave:
Violência Doméstica; Adolescente; Enfermagem; Educação

Resumen

Objetivos:

Revelar los casos de violencia intrafamiliar experimentada por adolescentes e identificar su percepción sobre la situación.

Métodos:

Investigación cualitativa fundamentada en la Historia Oral. Participaron ocho adolescentes estudiantes de una escuela pública de Salvador, Bahia, Brasil. Los datos fueron sistematizados conforme el Análisis Temático y examinados con base en las temáticas: violencia doméstica y adolescencia.

Resultados:

La historia oral de los jóvenes revela una infancia y adolescencia marcada por la presencia de violencia conyugal entre los padres y vivencia de agresiones físicas, humillaciones, abandonos y negligencias. A pesar de ese contexto y de sus repercusiones para la salud, los adolescentes no se reconocen como víctimas.

Conclusión:

Se necesita realizar acciones de educación en salud en la escuela y en los servicios de salud, principalmente en el ámbito primario, para que los profesionales puedan reconocer y prevenir/enfrentar la violencia. Es urgente realizar gestiones que prioricen una respuesta para esos elementos.

Palabras clave:
Violencia Doméstica; Adolescente; Enfermería; Educación

Abstract

Objectives:

To unveil cases of domestic violence experienced by adolescents and to identify whether they recognize themselves in this situation.

Methods:

A qualitative study based on oral history was performed. A total of eight adolescent students from a public school were interviewed in the city of Salvador, Bahia, Northeastern Brazil. The data were organized according to thematic analysis and it was analyzed based on the following themes: domestic violence and adolescence.

Results:

The oral history of adolescents revealed a childhood and adolescence marked by the presence of domestic violence between their parents and the experience of physical abuse, humiliation, abandonment and negligence. Despite such context and health impact, adolescents did not recognize themselves as victims.

Conclusion:

Health education actions are required in schools and health services, mainly in primary health care, aiming to sensitize professionals about the recognition and prevention of violence. Management that prioritizes these elements as governmental policies is required.

Keywords:
Domestic Violence; Adolescent; Nursing; Education

INTRODUÇÃO

Entende-se por violência intrafamiliar a ação ou omissão por parte de algum integrante da família, ainda que sem laços sanguíneos, que cause danos ao outro indivíduo.11 Ministério da Saúde (BR). Por uma cultura da paz, a promoção da saúde e a prevenção da violência. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2009. Esse é considerado um fenômeno histórico, presente no cotidiano de crianças e adolescentes de todos os segmentos sociais.22 Moreira MIC, Sousa SMG. Violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes: do espaço privado à cena pública. Soc. quest. [internet]. 2012 [cited 2015 Sep 28];28:13-26. Available from: http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/2artigo.pdf. ISSN 1415-1804
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Choca-nos o fato de que os principais agressores são, justamente, pessoas que deveriam zelar por sua proteção e deixá-los a salvo de ações desumanas e violentas. De acordo com estudo desenvolvido em um município do Rio de Janeiro-Brasil, a partir de 210 prontuários de crianças e adolescentes registrados e atendidos como vítimas de maus-tratos, no período de 2008 a 2012, no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), 40,5% das agressões foram cometidas pela mãe, 24,7% pelo pai, 16,7% pelo padrasto, 1,4% pela madrasta e 16,7% por outros parentes, como tios, avós, primos e irmãos.33 Pinto Junior AA, Borges VC, Gonçalves JS. Caracterização da violência doméstica contra crianças e adolescentes e as estratégias interventivas em um município do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Colet. [internet]. 2015 [cited 2016 Jun 10]; 23(2):124-31. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-462X2015000200124&lng=pt&nrm=iso&tlng=en. ISSN 2358-291X. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201500020062
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Esse agravo repercute sobre a saúde física e mental desse grupo, implicando no desenvolvimento de cada indivíduo, com repercussões na qualidade de vida das famílias e na produtividade econômica do país, revelando-se, pois, enquanto um importante problema de saúde pública.44 Assis FRER, Ferreira EB. Repercussões da violência doméstica contra crianças e adolescentes. Adolesc. Saude [internet]. 2012 Abr-Jun [cited 2016 Aug 10]; 9(2):53-9 Available from: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=316. ISSN 2177-5281
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Reconhecendo a magnitude do fenômeno, a socie dade tem se mobilizado nas últimas décadas na busca de assumir sua parcela de responsabilidade. Em 1990, foi promulgada a lei 8.069, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Seu objetivo foi colocar os direitos da criança e do jovem em uma perspectiva condizente com sua condi ção de pessoa em desenvolvimento, de modo que sua vulnerabilidade mereceu proteção integral, abrangendo os aspectos físicos, psíquicos e morais.55 Lei n. 8069 de 13 de julho de 1990 (BR). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União [internet], Brasília (DF). 1990 Jul 13 [cited 2014 May 07]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm
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No âmbito da saúde, em 1989, dá-se a criação do Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD) com o propósito de promover a saúde integral das(os) adolescentes. Dentre as suas áreas prioritárias, destaca-se, justamente, a prevenção de violência e maus-tratos.66 Decreto n. 6.286 de 5 de dezembro de 2007 (BR). Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Diário Oficial da União [internet], Brasília (DF). 2007 Dez 05 [cited 2014 Jun 15]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6286.htm
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Recentemente, outro avanço em relação à regulamentação dos direitos das(os) adolescentes foi sancionado por meio da Lei Nº 13.010/2014, popularmente conhecida como "Lei da Palmada". Esta preconiza o direito da criança e da(o) adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante pautado na humilhação, ameaça grave ou ridicularização.77 Lei n. 13.010 de 26 de junho de 2014 (BR). Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União [internet], Brasília (DF). 2014 Jun 22 [cited 2014 Jun 15]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13010.htm
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Percebe-se conquistas brasileiras ao longo dos anos em relação à criação de políticas públicas de proteção aos adolescentes contra os maus-tratos. Entretanto, na prática, o impacto da violência intrafamiliar sob esse público ainda tem sido pouco estudado. Busca científica de artigos brasileiros publicados entre os anos 2011 e 2015, realizada na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), a qual utilizou os descritores "violência doméstica" e "adolescente", apontou apenas 32 artigos científicos, sinalizando necessidade de se ampliar a produção do saber sobre a temática.

Acredita-se que tais conhecimentos são essenciais para subsidiar o processo de prevenção e enfrentamento do fenômeno. Nesse contexto, vale salientar que, os profissionais da educação e da saúde são fundamentais para a identificação do agravo em adolescentes, sobretudo pela maior oportunidade de acesso a estes devido à obrigatoriedade do ensino e por conta das demandas de cuidados à saúde. As enfermeiras que atuam na Estratégia Saúde da Família (ESF), por exemplo, podem acompanhar de perto as famílias em seu contexto territorial, conhecendo as suas histórias e percebendo seus aspectos relacionais. Desse modo, o vínculo com a comunidade e a família viabiliza a identificação da violência intrafamiliar, como também o desenvolvimento de respostas capazes de prevenir novos casos.88 Lobato GR, Moraes CL, Nascimento MC. Desafios da atenção à violência doméstica contra crianças e adolescentes no Programa Saúde da Família em cidade de médio porte do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Pública [internet]; 2012 Sep [cited 2014 Feb 25]; 28(9):1749-58. Available from: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000900013&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt. ISSN 1678-4464. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012000900013
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Reconhecendo a diversidade de interesse que comungam entre as áreas da saúde e da educação, foi instituído em 2007, o Programa Saúde na Escola (PSE). Este visa contribuir para o enfrentamento das vulnerabilidades, dentre as quais: a violência intrafamiliar.66 Decreto n. 6.286 de 5 de dezembro de 2007 (BR). Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Diário Oficial da União [internet], Brasília (DF). 2007 Dez 05 [cited 2014 Jun 15]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6286.htm
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Partindo do pressuposto de que um ambiente doméstico permeado pela violência compromete a saúde e o desenvolvimento humano, acreditamos que o desvelamento das histórias de adolescentes com vivência de violência intrafamiliar poderá oferecer elementos que auxiliem para maior visibilidade do fenômeno. Esse reconhecimento representa a etapa elementar para o direcionamento de ações que assegurem o direito desses a uma vida sem violência, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).55 Lei n. 8069 de 13 de julho de 1990 (BR). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União [internet], Brasília (DF). 1990 Jul 13 [cited 2014 May 07]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm
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Nesse sentido, acredita-se que a História Oral, por se ocupar em conhecer e aprofundar aspectos sobre determinada realidade, a exemplo dos laços do cotidiano,99 Cassab LA, Ruscheinsky A. Indivíduo e Ambiente: a metodologia de pesquisa da História Oral. Biblos [internet]; 2004 [cited 2014 Sep 28];16:7-24. Available from: https://docs.google.com/viewerng/viewer?url=https://www.seer.furg.br/biblos/article/viewFile/125/115. ISSN 2236-7594
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possibilitará apreender as interações intrafamiliares das(os) adolescentes, bem como as situações de violência vivenciadas pelas(os) mesmas(os). Assim sendo, procuramos responder aos seguintes questionamentos: Qual o contexto familiar de adolescentes em situação de violência doméstica? Elas(es) se reconhecem vítimas? No sentido de responder a tais indagações, adotamos o seguinte objeto de estudo: vivência e percepção da violência intrafamiliar por adolescentes. A pesquisa objetivou desvelar a violência intrafamiliar vivenciada por adolescentes e identificar se estas(es) se reconhecem em tal situação.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa descritivo-exploratória, com abordagem qualitativa, fundamentada na História Oral. Utilizou-se como referencial metodológico a modalidade História Oral Temática, pois permite compreender a violência intrafamiliar sob o ponto de vista dos sujeitos que a vivenciam, atentando-se para as visões subjetivas e para as diferentes maneiras de ver e sentir.1010 Albert V. Manual de História Oral. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Editora FGV; 2005.

Esta pesquisa encontra-se vinculada ao Projeto Matriz "Universidade e escola pública: buscando estratégias para enfrentar os fatores que interferem no processo ensino/aprendizagem", sob financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado da Bahia (FAPESB), Edital nº 028-2012 - Inovação em Práticas Educacionais nas Escolas Públicas da Bahia. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da UFBA (CEPEE/UFBA), parecer nº 384208.

O estudo foi realizado em uma escola pública de ensino fundamental localizada em um bairro periférico da cidade de Salvador, Bahia, Brasil. Participaram dele estudantes matriculados no turno vespertino e que atendiam aos seguintes critérios de inclusão: ser adolescente, considerando a faixa etária dos 10 aos 19 anos de idade, conforme preconiza o Ministério da Saúde; e vivenciar ou ter vivenciado situação de violência intrafamiliar.

A identificação de adolescentes com história de violência intrafamiliar foi viabilizada pela pesquisa de doutorado, também inserida no projeto guarda-chuva. Esta pesquisa* * Pesquisa de doutorado com o objetivo de verificar a associação entre a violência intrafamiliar e os aspectos sociodemográficos, bullying, uso de álcool/drogas e/ou repercussões para a saúde e aprendizagem das(os) adolescentes. contou com um formulário padronizado, composto por seis blocos de questões, um deles contemplando expressões de violência intrafamiliar, tais como: alguém da sua família já te humilhou? Bateu? Tocou em suas partes íntimas? Das(os) 145 adolescentes identificadas(os) com vivência de violência intrafamiliar, oito participaram do estudo, sendo cinco meninas e três meninos. Considerando que a seleção dos entrevistados em pesquisas narrativas, como de história oral, segue critérios qualitativos, a quantidade de sujeitos relaciona-se a capacidade de articulação dos depoimentos em si, de modo que uma única entrevista pode desvelar-se de extrema significância.1010 Albert V. Manual de História Oral. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Editora FGV; 2005. O total de entrevistadas(os) se configurou a partir do critério de saturação dos dados.

Todas(os), incluindo seus responsáveis, foram informadas(os) acerca dos objetivos do estudo, sua justificativa, relevância, bem como da garantia à privacidade e confidencialidade das informações, sendo identificadas(os) por nomes fictícios de pedras preciosas. Ao aceitarem participar da pesquisa, as(os) estudantes assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, e os seus responsáveis o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A aproximação com as(os) adolescentes, para coleta de dados, aconteceu com o apoio da Ação Curricular em Comunidade e em Sociedade - ACCS intitulada "Abordagem interdisciplinar e transdisciplinar dos problemas de saúde relacionados à violência", a qual faz parte da estrutura curricular dos cursos de graduação da Universidade Federal da Bahia. Tal componente favoreceu o contato com as(os) estudantes visto que durante o ano de 2014 foram desenvolvidas oficinas educativas e reflexivas acerca de temas relacionados à adolescência (sexualidade, drogas e bullying).

A coleta de dados foi realizada através do resgate da História Oral das(os) adolescentes, com foco na vivência de violência intrafamiliar. Utilizou-se como instrumento a entrevista semiestruturada contemplando a vivência de violência intrafamiliar, bem como sua percepção por parte das(os) adolescentes. Após a finalização das entrevistas, a pesquisadora permaneceu por um tempo no local à disposição para discussão de algum assunto de interesse da(o) adolescente, ou simplesmente como demonstração de atenção e afetividade.

As entrevistas foram realizadas individualmente, com tempo médio de duração 1 hora, no mês de março/2015, na sala de informática da escola, sendo esse espaço indicado pelo diretor da escola pública por proporcionar maior privacidade para as(os) participantes. Dessa forma, atendemos ao que se preconiza para a escolha do local das entrevistas, assegurando promover condições adequadas para a pureza de som, além de evitar interrupções e situações que comprometam a concentração.1111 Meihy JCSB. Manual de História Oral. 5ª ed. São Paulo (SP): Edições Loyola; 2005.

Os áudios das entrevistas foram transcritos na íntegra, com o apoio do programa Microsoft Word, preservando a fala original das(os) participantes. Em seguida, seguiram-se as etapas: textualização, fase em que as narrativas são colocadas na primeira pessoa do singular, bem como os elementos desnecessários são excluídos e as ideias centrais de cada narrativa são identificadas; e a transcriação, processo em que as narrativas são colocadas em uma sequência lógica, sendo realizada a síntese da história oral de cada adolescente em 3ª pessoa.1111 Meihy JCSB. Manual de História Oral. 5ª ed. São Paulo (SP): Edições Loyola; 2005.

Os dados foram sistematizados com base na Análise de Conteúdo Temática, entendida como um conjunto de procedimentos sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens, com o objetivo de permitir a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção dessas mensagens, compreendendo as seguintes etapas: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados e interpretação.1212 Bardin L. Análise de Conteúdo. 4ª ed. Lisboa (POR): Edições 70, LDA; 2009. Desse processamento, emergiram as seguintes categorias: Contexto familiar; Percepção da vivência de violência doméstica; e Significado de violência.

Vale ressaltar que no processo de organização dos dados, estes foram codificados e categorizados com auxílio do NVIVO® 10, que fundamenta-se no princípio da codificação e armazenamento de textos em categorias específicas, possibilitando modificar, acrescentar, ligar e cruzar dados.1313 Guizzo BS, Krziminski CO, Oliveira DLLC. O Software QSR NVIVO 2.0 na análise qualitativa de dados: ferramenta para a pesquisa em ciências humanas e da saúde. Rev Gaúcha Enferm [internet]; 2003 Abr [cited 2015 Oct 03];24(1):53-60. Available from: http://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/4437/2363. ISSN 1983-1447
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Esse software favorece a importação de textos, arquivamento de dados, codificação e gerenciamento de categorias. A interpretação dos dados respaldou-se nas temáticas: violência doméstica e adolescência.

RESULTADOS

Dentre as(os) adolescentes pesquisadas(os), cinco são meninas e três são meninos, com idade entre 12 e 18 anos. Todas(os) afirmaram ser solteiras(os), a maioria se autodeclarou como negra(o) (seis pretas, uma parda e uma branca) e informou não possuir religião (apenas dois afirmaram seguir a religião evangélica). Em relação às pessoas com quem residem, quatro referiram morar com os pais biológicos e irmãos e quatro com outros integrantes da esfera familiar como avós e tias(os).

No que tange à História Oral das(os) participantes, as falas nos remete para uma infância e adolescência marcada por privações econômica e de afeto, rejeição, culpabilização, ofensas, humilhações, agressões físicas, além de presenciarem cotidianamente a relação de violência entre seus pais. Essa realidade compromete sua integridade física; desencadeia adoecimento mental, expresso pelo sentimento de tristeza, pelo isolamento social, pela autolesão e pelo pensamento suicida; interfere no desempenho escolar e vulnerabiliza as(os) adolescentes para o uso de bebida alcoólica.

Embora tal contexto, as(os) adolescentes entrevistadas(os) não se percebem em vivência de violência doméstica, o que pode estar associado ao significado que atribuem ao fenômeno. Das(os) oito adolescentes, todas(os) a vincularam à violência física; a maioria restringindo-a à agressão física severa, mencionando termos como: espancar, queimar, esfaquear e matar. Segue a síntese da história oral das(os) adolescentes (Quadro 1).

Quadro 1
Síntese da História Oral das(os) adolescentes. Salvador, Bahia, Brasil, 2015

DISCUSSÃO

A história oral das(os) adolescentes elucida um contexto familiar permeado pela violência, expressa por meio de agressões físicas, humilhações, abandonos e negligências afetivas e financeiras. Estudo qualitativo, realizado com o objetivo de compreender a vivência de violência na ótica de adolescentes, também faz alusão às agressões físicas, psicológicas, sexuais, ao comprometimento das referências paternas e as negligências e privação.1414 Carinhanha JI, Penna LHG. The violence experienced by female adolescents embraced at a shelter. Texto Contexto Enferm. [internet]; 2012 Jan-Mar [cited 2015 Oct 04];21(1):68-76. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072012000100008&lng=en&nrm=iso&tlng=en. ISSN 1980-265X. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072012000100008
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Pesquisa brasileira com 288 adolescentes também apontou diversas formas de violência intrafamiliar, com maior prevalência da violência psicológica e física.1515 Ribeiro IMP, Ribeiro AST, Pratesi R, Gandolfi L. Prevalência das várias formas de violência entre escolares. Acta Paul. Enferm. [internet]; 2015 [cited 2016 Mar 05];28(1):54-9. Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=307035336010. ISSN 1982-0194. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500010
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Outro estudo, com 252 crianças e adolescentes, que apontou mães e pais as(os) como principais agressoras(es), corrobora maior frequência da violência psicológica, embora apresente como segunda expressão a negligência, seguida da agressão física e sexual.1616 Hildebrand NA, Celeri EHRV, Morcillo AM, Zanolli ML. Violência doméstica e risco para problemas de saúde mental em crianças e adolescentes. Psicol. Reflex. Crít. [internet]; 2015 Jul[cited 2016 Feb 23];28(2):213-21. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722015000200213&lng=pt&nrm=iso&tlng=en. ISSN 0102-7972. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1678-7153.201528201
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No âmbito internacional, o cenário de violência é de igual modo preocupante. Estudo quantitativo realizado em 10 províncias do Canadá, com adultos questionados sobre o abuso quando criança revelou a prevalência de 32% para esse agravo.1717 Afifi TO, MacMillan HL, Boyle M, Taillieu T, Cheung K, Sareen J. Child abuse and mental disorders in Canada. CMAJ [internet]; 2014 [cited 02 Sep 2015]; 186(9):E324-E32. Available from: http://www.cmaj.ca/content/186/9/E324.full.pdf+html. ISSN 1488-2329. doi: 10.1503/cmaj.131792
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Em Cuba, pesquisa revelou percentuais ainda mais expressivos: 82,8% de crianças e adolescentes em situação de violência intrafamiliar.1818 Martínez AMB, López TAE, Díaz MA, Teseiro PMM. Violencia intrafamiliar y trastornos psicológicos enniños y adolescentes del área de salud de Versalles, Matanzas. Rev. Med. Electrón. [internet]; 2015 Mayo-Jun [cited 2016 Jun 08]; 37(3):237-45. Disponible: http://www.revmedicaelectronica.sld.cu/index.php/rme/article/view/1345/pdf_18. ISSN 1684-1824
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Tais achados sinalizam que esse tipo de violência intrafamiliar não se restringe a realidade brasileira e se expressa não apenas pela vivência, como também pelo testemunho do fenômeno.

Estudo realizado, com 280 escolares e as suas respectivas mães/responsáveis, defende que crianças/adolescentes com história de violência doméstica estão mais vulneráveis para testemunhar episódios de violência entre os pais,1919 Pinto LW, Assis SG de. Family and community violence of schoolchildren from the city of São Gonçalo, Rio de Janeiro, Brazil. Rev. Bras. Epidemiol. [internet]; 2013 [cited 02 Apr 2015];16(2):288-300. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v16n2/en_1415-790X-rbepid-16-02-00288.pdf. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2013000200006
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realidade constatada tanto em nosso estudo como também no cenário internacional. Pesquisa desenvolvida no sudeste asiático também assinala o alto índice de violência intrafamiliar nesse público, ainda alerta que vivenciar e/ou testemunhar a violência aumenta as chances dessas pessoas apresentarem sintomas depressivos1616 Hildebrand NA, Celeri EHRV, Morcillo AM, Zanolli ML. Violência doméstica e risco para problemas de saúde mental em crianças e adolescentes. Psicol. Reflex. Crít. [internet]; 2015 Jul[cited 2016 Feb 23];28(2):213-21. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722015000200213&lng=pt&nrm=iso&tlng=en. ISSN 0102-7972. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1678-7153.201528201
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e/ou de reproduzirem o comportamento agressivo na vida adulta. Quanto a isso, estudo corrobora que 50% das(os) agressoras(es) experienciaram violência intrafamiliar na infância.2020 Yi S, Poudel KC, Yasuoka J, Yi S, Palmer PH, Jimba M. Exposure to violence in relation to depressive symptoms among male and female adolescent students in Cambodia. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol [internet]; 2013 March [cited 24 Sep 2015]; 48(3):397-405. Available from: http://citations.springer.com/item?doi=10.1007/s00127-012-0553-2. ISSN 1433-9285. doi: 10.1007/s00127-012-0553-2
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Concordando acerca das repercussões da violência intrafamiliar, estudo sobre os efeitos da violência familiar constatou que adolescentes que presenciaram e/ou vivenciaram a violência exibiram os mais altos níveis de problemas de comportamento.2121 Ellonen N, Piispa M, Peltonen K, Oranen M. Exposure to parental violence and outcomes of child psychosocial adjustment. Violence Vict. [internet]; 2013 [cited 2015 Aug 28];28(1):3-15. Available from: http://www.ingentaconnect.com/content/springer/vav/2013/00000028/00000001/art00001. ISSN 1945-7073. doi: http://dx.doi.org/10.1891/0886-6708.28.1.3
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Pesquisas publicadas nos Estados Unidos da América e no Canadá sinalizam que qualquer tipo de abuso infantil se constitui importante fator de risco para ansiedade, depressão, inclusive ideação suicida e tentativas de suicídio.2222 Herringa RJ, Birn RM, Ruttle PL, Burghy CA, Stodola DE, Davidson RJ, et al. Childhood maltreatment is associated with altered fear circuitry and increased internalizing symptoms by late adolescence. Proc Natl Acad Sci USA [internet]; 2013 Nov [cited 2015 Oct 01];110(47):19119-24. Available from: http://www.pnas.org/content/110/47/19119.full.pdf. ISSN 1091-6490. doi: 10.1073/pnas.1310766110
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,1717 Afifi TO, MacMillan HL, Boyle M, Taillieu T, Cheung K, Sareen J. Child abuse and mental disorders in Canada. CMAJ [internet]; 2014 [cited 02 Sep 2015]; 186(9):E324-E32. Available from: http://www.cmaj.ca/content/186/9/E324.full.pdf+html. ISSN 1488-2329. doi: 10.1503/cmaj.131792
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Soma-se a tendência em apresentar baixo rendimento escolar e dificuldade de aprendizagem, sendo frequentes relatos de adolescentes desinteressados e dispersos e/ou desatentos nas aulas.1616 Hildebrand NA, Celeri EHRV, Morcillo AM, Zanolli ML. Violência doméstica e risco para problemas de saúde mental em crianças e adolescentes. Psicol. Reflex. Crít. [internet]; 2015 Jul[cited 2016 Feb 23];28(2):213-21. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722015000200213&lng=pt&nrm=iso&tlng=en. ISSN 0102-7972. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1678-7153.201528201
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O impacto da vivência de violência intrafamiliar para a saúde mental e desempenho escolar das(os) adolescentes também ecoaram em nosso estudo.

Todavia, apesar das histórias de violência relatadas e suas graves repercussões, as(os) adolescentes não se reconhecem em tal situação. A naturalização da relação permeada pela violência faz com que as(os) adolescentes a percebam como algo comum e esperada, o que dificulta identificar-se como vítima. Estudo realizado com 656 adolescentes da rede pública de ensino do Município de São Paulo, com idade de 11 a 17 anos, também constatou que, apesar do alto índice de violência intrafamiliar entre os escolares (38,9%; n = 255), a grande maioria não se reconhecia como vítimas potenciais dessa violência. Pesquisa com 11 adolescentes acolhidas em um abrigo municipal do Rio de Janeiro revelou que mais da metade teve dificuldade em assumir história de violência e também relacionou tal dificuldade à banalização e à naturalização da relação vivenciada no espaço familiar. Nesse estudo, a violência foi significada como algo mais grave comparado a situação que vivencia cotidianamente.1414 Carinhanha JI, Penna LHG. The violence experienced by female adolescents embraced at a shelter. Texto Contexto Enferm. [internet]; 2012 Jan-Mar [cited 2015 Oct 04];21(1):68-76. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072012000100008&lng=en&nrm=iso&tlng=en. ISSN 1980-265X. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072012000100008
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As(os) adolescentes de nosso estudo também significaram a violência por meio de expressões mais graves ou mais frequentes que as desveladas em sua história oral: quatro participantes vivenciaram violência física, embora tenham significado a violência através de expressões mais severas, como espancar e esfaquear; e quatro, que não declararam história de agressão física, expressaram significados atrelados a essa forma de expressão. A limitação da violência à agressão física guarda relação com o fato de esta manifestar-se por meio de marcas físicas, ganhando destaque por serem visíveis e, portanto, mais perceptíveis.

A dificuldade de reconhecer-se em situação de violência intrafamiliar pode ser explicada ainda pela percepção do ato violento enquanto medida educativa, conforme observa pesquisa que assinala para a ambiguidade entre o limite do que pode ser considerada uma medida corretiva aceitável e o que se configura violência.1414 Carinhanha JI, Penna LHG. The violence experienced by female adolescents embraced at a shelter. Texto Contexto Enferm. [internet]; 2012 Jan-Mar [cited 2015 Oct 04];21(1):68-76. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072012000100008&lng=en&nrm=iso&tlng=en. ISSN 1980-265X. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072012000100008
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Sinaliza-se, pois, a necessidade de desconstrução conceitual acerca da violência em prol do entendimento social de que esta se fundamenta por meio da violação de direitos básicos, como o de uma vida livre de violência, conforme preconiza o ECA.55 Lei n. 8069 de 13 de julho de 1990 (BR). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União [internet], Brasília (DF). 1990 Jul 13 [cited 2014 May 07]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm
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Esse dispositivo legal rege ainda pela obrigação dos profissionais encarregados do cuidado e assistência às crianças e adolescentes, a exemplo daqueles que atuam na área da educação, saúde e assistência social, de estarem aptos a reconhecer e comunicar ao Conselho Tutelar casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos praticados contra crianças e adolescentes, podendo responder judicialmente àqueles que injustificadamente se omitirem.55 Lei n. 8069 de 13 de julho de 1990 (BR). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União [internet], Brasília (DF). 1990 Jul 13 [cited 2014 May 07]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm
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Considerando a responsabilidade social para o público infanto-juvenil, é importante considerar ainda que as(os) adolescentes constituem um grupo que dificilmente comparece aos serviços de saúde, daí a necessidade de ir ao encontro dessa população em outros espaços, a exemplo da escola.2323 Santiago LM, Rodrigues MTP, Oliveira Jr AD de, Moreira TMM. Implantação do Programa Saúde na escola em Fortaleza-CE: atuação de equipe da Estratégia Saúde da Família. Rev. Bras. Enferm. [internet]; 2012 Nov-Dez [cited 2015 Aug 25]; 65(6):1026-9. Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=267025361020. ISSN 1984-0446
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No campo da saúde, a puericultura possibilita o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança desde seu nascimento até os 10 anos de idade, período em que os profissionais de saúde, com destaque para as enfermeiras, podem e devem identificar maus tratos. Todavia, após os 6 anos de idade, percebe-se a ausência das crianças nos serviços de saúde, sendo o cenário escolar mais propício para o reconhecimento do agravo.

Por consistir em um ambiente que favorece o contato diário e o estabelecimento de relações de proximidade, afeto e confiança entre estudantes e entre eles e os professores, muitos adolescentes sentem-se seguros para confiar seu segredo ao colega e/ou ao professor, oportunidade para se romper o ciclo da violência doméstica. Por acreditar que na escola os direitos humanos são preservados e ensinados, a(o) adolescente tende a se sentir protegida(o) para revelar sua história, o que exige preparo profissional para atuar diante a situação. No entanto, estudos apontam que as escolas apresentam dificuldades para abordar esse assunto. Os professores demonstram sentir-se despreparados e inseguros para lidar com as situações de violação dos direitos, que quando não são negadas ou ocultadas, acabam sendo equivocadamente tratadas. Tal contexto alimenta a ideia de que a escola está deixando de cumprir a sua função.2424 Cardoso AS, Ferrazza CA, Elso FL. Enfrentando a violência: a percepção de profissionais da educação sobre a violação dos direitos de crianças e adolescentes. Rev. Cent. Educ. [internet]; 2012 [cited 2014 Nov 05]; 37(2):365-380. Available from: https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/2726/3246. ISSN 1984-6444. doi: http://dx.doi.org/10.5902/198464442726
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Dentre os fatores que contribuem para essa realidade, podem-se citar a lacuna criada pelos currículos de graduação e o precário suporte legal para dar direcionamento às demandas.2525 Gomes NP, Erdmann AL, Higashi GDC, Cunha KS, Mota RS, Diniz NMF. Preparo de enfermeiros e médicos para o cuidado à mulher em situação de violência conjugal. Rev. baiana enferm. [internet]; 2012 [cited 2015 Oct 12]; 26(3):593-603. Available from: http://www.portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/6754/6697. ISSN 2178-8650. doi: http://dx.doi.org/10.18471/rbe.v26i3.6754
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Diante esse contexto, o Programa Saúde na Escola é estratégico, visto que os profissionais de saúde assumem uma parceria com a escola objetivando atingir além dos adolescentes, a família, o espaço escolar, os professores e outros profissionais que atuam no ambiente escolar. A inserção dos profissionais de saúde no ambiente escolar foi descrita de forma positiva em uma pesquisa que defende a incorporação da equipe de saúde da família nas escolas. Neste estudo, foram identificados vários episódios de lesões por queimaduras e outras marcas sugestivas de violência. A avaliação constante das crianças/adolescentes durante a realização do exame físico favorece a suspeita do agravo, podendo ainda inibir a prática de violência intrafamiliar contra a mesma.2626 Fernanda RERA, Emanuela BF. Repercussões da violência doméstica contra crianças e adolescentes. Adolesc. Saude [internet]; 2012 Abr-Jun [cited 2016 Jun 08];9(2):53-9. Available from: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=316. ISSN 2177-5281
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Dessa forma, a integração saúde-escola contribui para o estabelecimento de diagnósticos e intervenções precoces diante os agravos apresentados pelos estudantes. Nesse sentido, os profissionais que lidam diretamente com o público infanto-juvenil, em especial, as enfermeiras e professoras, devem se articular para a elaboração e implementação de estratégias de educação e saúde voltadas para essa temática.2727 Mota RS, Gomes NP, Rodrigues AD, Camargo CLC, Couto TM, Diniz NMF. Histórias de violência na infância na perspectiva de adolescentes grávidas. Rev Eletr Enf. [internet]; 2014 [cited 2015 Sep 05]; 16(3):583-9. Available from: http://revistas.ufg.br/fen/article/view/22109. ISSN 1518-1944. doi: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v16i3.22109
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CONCLUSÃO

A história oral, das(os) oito adolescentes em situação de violência intrafamiliar, revela que estas(es) convivem cotidianamente com a violência perpetrada por familiares e que tal vivência tem desencadeado repercussões negativas para a sua saúde física, mental e social. Chama atenção o fato de que apesar de descreverem um contexto familiar marcado por conflitos e agressividade, as(os) adolescentes não se reconhecem enquanto vítimas da violência. Infere-se que a não percepção da violência está diretamente relacionada ao significado que atribuem ao fenômeno, na sua maioria relacionando-o à agressão física severa.

Embora possa apresentar limitações, visto as peculiaridades regionais, o estudo contribui por elucidar a naturalização da violência intrafamiliar e os danos para saúde e o desenvolvimento humano, sinalizando a importância de estratégias que possibilitem o descortinamento das histórias de crianças e adolescentes, seja por elas(es) mesmas(os); seja pelos profissionais da educação e/ou da saúde, considerando a atuação junto ao público infanto-juvenil e/ou suas famílias. No caso das(os) adolescentes vítimas e de seus pais e/ou familiares, as estratégias devem voltar-se para que reconheçam que os atos agressivos vivenciados e praticados no contexto domiciliar constituem situações de violência, e por essa razão devem ser coibidas. Por meio do PSE, mais especificamente das atividades de educação em saúde, é possível ser direcionado um novo olhar à questão da violência, que contemple estudantes adolescentes, professores e familiares.

No campo profissional também é imprescindível que os profissionais estejam instrumentalizados para reconhecer o agravo e trabalhar com essa temática. Sendo assim, o fenômeno da violência precisa ser inserido como tema de discussão e aprofundamento nos currículos da graduação, em especial, nos cursos da área de saúde e da educação. Ressalta-se que a formação não se esgota na graduação, sendo essenciais espaços de educação continuada em serviço sobre esta temática, considerada de relevância social e para a saúde. Para isso, urge uma gestão que a contemple e priorize enquanto política de governo. Destaca-se a importância das enfermeiras, que além de atuarem na assistência direta aos adolescentes, ainda se ocupam do gerenciamento de equipes e programas em diferentes setores, a exemplo da ESF e o PSE, espaços primordiais para o processo de prevenção e enfrentamento da violência, sobretudo no âmbito familiar.

  • *
    Pesquisa de doutorado com o objetivo de verificar a associação entre a violência intrafamiliar e os aspectos sociodemográficos, bullying, uso de álcool/drogas e/ou repercussões para a saúde e aprendizagem das(os) adolescentes.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2016
  • Aceito
    21 Set 2016
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