INTRODUÇÃO
O comportamento suicida constitui-se como todo ato pelo qual o indivíduo causa lesão a si mesmo, independentemente do grau de intenção letal e do verdadeiro motivo desse ato.1 Trata-se de fenômeno complexo que não possui única causa, mas que é influenciado por diversos fatores que atuam em múltiplas dimensões: individual, familiar, comunitário e social.2 O seu espectro varia desde a ideação, que pode ser comunicada por meios verbais e não verbais, ao planejamento, a tentativa de suicídio e, por fim, o suicídio.3
Dados nacionais e internacionais têm identificado alta prevalência deste comportamento em adolescentes.4,5 O aumento da incidência na adolescência pode ser explicado por ser uma fase marcada por conflitos, mudanças, transformações físicas e socioculturais, que favorecem níveis de ansiedade e depressão, principais fatores de risco para o comportamento suicida.3
Estudos indicam que adolescentes que tentaram ou cometeram suicídio demonstraram sinais de alerta antecipadamente. Eles tendiam a falar sobre suicídio, ter problemas de sono e alimentação, se afastar de amigos, doar bens valorizados, perder o interesse de sua aparência pessoal, usar álcool e drogas, bem como correr riscos desnecessários.6,7
Nesta perspectiva, identificar adolescentes em risco é o principal meio para elaboração de estratégias de enfrentamento e prevenção do comportamento suicida, nessa faixa etária. Devido ao contato mais próximo às famílias, a Estratégia Saúde da Família (ESF) juntamente com as escolas, por meio do Programa Saúde na Escola (PSE), podem se constituírem espaços de prevenção do comportamento suicida entre adolescentes, tendo como apoio a atuação dos professores.
Destaca-se que os professores estão em posição estratégica dentro do ambiente escolar para atuarem como provedores da prevenção do comportamento suicida, por meio da utilização das estratégias de prevenção que envolve intervenções de resiliências, promoção da cultura da paz, identificação dos sinais de alerta, além de poder fornecer apoio de primeira linha aos adolescentes por estarem em contato contínuo e diário com os alunos e servirem de elo entre os serviços de saúde.8
Contudo, observa-se silenciamento sobre a temática e/ou minimização do problema, tanto no contexto escolar quanto da saúde. Há evidências de despreparo, desconhecimento e insegurança dos professores na abordagem e no manejo dos adolescentes em risco, o que ratifica a fragilidade da prevenção desse problema no contexto escolar.6,9
Em decorrência disso, apenas 1,3% dos jovens relatam sobre seus pensamentos ao profissional professor, por se sentirem inseguros, por medo de julgamentos e por acreditarem que não estão preparados para lidar com a situação.10 Desse modo, levando em consideração que menos de um terço dos adolescentes procuram ajuda profissional ou tratamento médico,11 observa-se a necessidade de treinamento destes profissionais sobre a temática, como o objetivo de se aumentar o conhecimento e a confiança na abordagem e no manejo dos adolescentes, dos locais e as formas de apoio disponíveis, oportunizando o acompanhamento e a identificação em tempo hábil dos jovens.
Assim, considerando a complexidade do problema e a existência de parcela da sociedade em risco para o comportamento suicida, faz-se necessário, portanto, que a escola passe a lidar com esta questão como algo real, existente e presente no cotidiano dos estudantes, na busca por romper a cumplicidade do silêncio que conduz à negação ou à minimização do comportamento suicida.12
Portanto, este estudo tem como objetivo analisar conhecimentos sobre comportamento suicida e estratégias de prevenção adotadas por professores do ensino fundamental.
MÉTODO
Estudo qualitativo, apoiado pela pesquisa-ação, tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo, no qual os pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.13
Em relação ao seu planejamento, a pesquisa-ação é flexível, não segue uma série de fases rigidamente ordenadas. Neste estudo, optou-se por seguir fases operacionais: introdutória ou de negociação; de desenvolvimento (seminários temáticos); de mapeamento e categorização dos dados; e apresentação dos resultados.13
Realizado em escola pública de Teresina, Piauí, Brasil, que possui pactuação com o PSE e atua na educação de adolescentes.
Os participantes da pesquisa foram nove professores de ensino fundamental, do turno vespertino, das turmas do sexto ao nono ano, que corresponde às faixas etárias dos 11 aos 15 anos. A escolha do turno se deu por este apresentar maior concentração de professores que atuavam na educação de adolescentes.
Definiu-se como critérios de inclusão: professores de ambos os sexos e que tivessem, pelo menos, um ano de experiência docente. Foram excluídos aqueles em período de férias ou licença de suas atividades laborais durante o período da coleta de dados.
Foram realizados três encontros, em sala de reunião da escola, por ser de fácil acesso aos professores, e por ela estar localizada no ambiente de trabalho, o que facilitou a assiduidade.
No primeiro encontro (reunião de negociação) foram escolhidas as datas e os horários das reuniões pelos participantes, em consonância com a direção da escola, de modo que não ocasionasse prejuízo às programações escolares. Neste momento, foram apresentados os objetivos da pesquisa, a estratégia metodológica, a equipe de estudo e a realização da leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para cada seminário, foi proposta a duração de duas horas e meia, podendo o horário se estender, conforme fosse necessário. Foi entregue para cada professor um crachá de identificação com a letra P (P1, P2, P3...), de forma a assegurar o sigilo das informações.
No segundo encontro, realizou-se o primeiro seminário temático, conduzido pela questão norteadora: “Qual conhecimento você tem sobre o comportamento suicida no contexto escolar?”. Para sua condução, utilizou-se a dinâmica de criatividade e sensibilidade denominada “Livre para criar”. O objetivo da dinâmica é a aproximação dos participantes com a temática, oportunizando o exercício do senso crítico e reflexivo durante o processo de criação artística, por meio da liberdade de pensamentos, incitada por meio da criatividade.14
No terceiro encontro foi desenvolvido o segundo seminário temático. Para sua condução, utilizou-se a questão norteadora: “O que você faz para detectar e/ou prevenir o comportamento suicida?”. Elegeu-se a dinâmica “Recorte e colagem”, na qual se utiliza recortes de revistas para a elaboração das produções artísticas.
Após a criação das representações artísticas, cuja condução se deu por meio das questões norteadoras supracitadas, os participantes fizeram a socialização do material elaborado pelo grupo – momento de expressão verbal de seus conhecimentos e das práticas acerca do comportamento suicida.
Os seminários foram registrados em atas. As falas oriundas das discussões e questões disparadoras foram gravadas em aplicativo IoS e, posteriormente, transcritas para análise. Ao final de cada dinâmica, realizou-se devolutiva de saberes formais aos participantes por meio de miniexposições. As falas foram submetidas à análise de temática,15 realizada em três etapas: exploratória, trabalho em campo e análise/tratamento do material empírico e documental.
Foram respeitados os aspectos éticos da Resolução n.° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí, conforme Parecer n.º 3.252.786, em nove de abril de 2019.
RESULTADOS
Dos nove professores que participaram do estudo, cinco eram mulheres e quatro homens, com idades entre 24 e 39 anos. Em relação ao vínculo empregatício, oito eram estatutários e apenas um trabalhava por meio de contrato temporário. Seis lecionavam também em outra instituição de ensino. O tempo de formação variou de dois a quinze anos. Quanto à formação, sete possuíam especialização e outros dois somente graduação.
A partir da análise dos dados, emergiram duas categorias temáticas.
Conhecimento de professores sobre comportamento suicida e estratégias de prevenção no contexto escolar
O conhecimento dos professores acerca do comportamento suicida é referido por meio da observação do aluno quanto à tristeza, ao isolamento e aos problemas familiares, resultando em mudanças repentinas em sala de aula. A automutilação foi recorrente, na fala dos professores, como principal atitude suicida no contexto escolar.
Eu fiz um carinha tipo de cabeça baixa em cima da mesa, que, às vezes, a gente vê esses alunos tristes, sem motivos. Triste, cabisbaixo, isolados e tal. Também fiz uma menina se cortando com gilete, que a gente vê muito hoje em dia, menino se automutilando. (P1)
Eu desenhei um garotinho isolado. Porque eu considero isolamento um comportamento suicida. Crianças isoladas, tristes, têm que se observar. (P2)
O que eu observei de comportamento suicida em sala de aula foi uma aluna do ano passado, uma adolescente, se automutilando, se cortando com estilete, chorando muito. (P4)
Eu também falei sobre automutilação, pois isso ficou bem marcado em mim no ano passado, uma aluna começou a se automutilar dentro da sala de aula e isso me chocou bastante, me marcou, ela se cortando, eu gritei, algumas pessoas viram e gritaram. (P6)
Eu desenhei um garotinho triste, sentado, se autoquestionando: “Por que estou triste? Por que estou só no mundo? Por que estou pensando em tirar a própria vida?” Pois, considero a tristeza e isolamento comportamento suicida. (P8)
Os professores apontam que as relações familiares interferem nas mudanças de comportamento do adolescente no ambiente escolar e podem estar relacionadas ao comportamento suicida.
Problemas familiares interferem muito no comportamento do adolescente. (P1)
Eu coloquei imagens de abandono familiar e social, assim como imagens de violência doméstica e pode incluir também a sexual. No ano passado, eu tive uma aluna que estava com muitos problemas familiares em casa e ela também estava muito agressiva nos últimos dias em sala de aula, retraída, triste. (P4)
A maioria dos alunos daqui tem problemas familiares, apresentam problemas emocionais. (P6)
Em relação ao conhecimento sobre prevenção desse comportamento no contexto escolar, citaram as redes de apoio como vínculos de amizade, o acompanhamento profissional e a importância da família e, em especial, dos pais como colaboradores nesse processo.
Eu coloquei aqui duas imagens representando a amizade, pois eu imagino que uma das coisas que pode ajudar uma pessoa que está nesse momento de depressão com tendência a, talvez, se suicidar é ter amigos, receber carinho, esse tipo de coisa só ajuda (P1).
Eu orientaria a ajuda profissional, eu imagino também que as escolas deveriam ter assistente social e psicólogo lotado mesmo na escola. No mínimo, orientaria o adolescente a procurar ajuda (P2).
Eu coloco outra coisa que é a questão da família, é importante ter uma boa base familiar, pais presentes na vida do aluno (P7).
Eu até converso com eles, se vocês não quiserem se abrir comigo, procurem seus pais, se você não quiser se abrir com seus pais, procure ver a direção, procure alguém e converse, você não precisa passar por esse problema sozinho. Procurar ajuda profissional, a integração, criar amizades para conversar e dividir problemas (P9).
Destaca-se, como estratégia citada pelos professores na prevenção do comportamento suicida, a aproximação professor-aluno para criação de vínculo e laços de confiança.
Como professor de um aluno em risco suicida, eu posso ajudar me aproximando do aluno, tentando trazer os outros alunos para perto no sentido de acolher (P1).
Então, sempre tento diálogo com aluno, eu procuro sempre fazer isso, sempre procurei e agora mais ainda, mostrar a realidade não de forma de supetão, mas também sem passar a mão na cabeça, tentar mostrar essa realidade, mostrar não, eles já sabem, trabalhar ou conversar sobre ela [...] (P7).
Os professores consideram a identificação e a conscientização do bullying em sala de aula como forma de prevenção do comportamento suicida no contexto escolar.
É importante constatar o bullying em sala de aula e conscientizar os alunos de seus efeitos e suas consequências para o próximo (P1).
Eu tenho um aluno que tem gagueira e os meninos vivem o apelidando de várias coisas. Teve uma semana que ele estava bastante triste e eu percebi, a professora de matemática percebeu e nós duas fomos até a direção e falamos. Então, foram identificados os meninos que o apelidava e foram dadas as providências necessárias (P5).
Desafios para prevenção do comportamento suicida no contexto escolar
Entre os desafios para prevenção do comportamento suicida nas escolas, tem-se: a dificuldade dos professores em identificar e associar os sinais de alerta com o comportamento suicida, a ausência de equipe de saúde mental lotada nas escolas e a não discussão de temas transversais no contexto escolar.
A falta de conhecimento do tema dificulta na identificação dos sinais e na prevenção (P4).
Eu não conseguia associar os sinais de alerta com o suicídio, eu tive um aluno que tinha tentado suicídio, depois conversando com a mãe dele e com outra pessoa é que eu soube, eu conseguia ver que tinha alguma coisa estranha, mas eu nunca levaria para esse lado, eu confesso que eu nunca levei para esse lado do suicídio (P7).
A partir do momento que eu tenho observado que o aluno tá com comportamento estranho eu sinto uma dificuldade de chegar nele, de conversar com ele, perguntar o que ele tem e ainda tem a resistência por parte do aluno de se abrir [....] (P9).
Os professores veem a importância da equipe de saúde mental lotada na escola como forma de auxiliar na promoção da saúde mental e prevenção do comportamento suicida. Outro desafio citado para essa prevenção é a ausência de discussão de temas transversais nas escolas. Os docentes compreendem a relevância da abordagem interdisciplinar da temática como forma eficaz de prevenção.
As escolas deveriam ter profissionais como assistente social, psicólogo, enfermeiro lotados na escola, mas não tem! Acredito que ajudaria muito (P1).
As limitações no caso da minha disciplina que é matemática, é que não se discute muito isso, uma coisa que deveria ser um tema geral (P2).
Ajudaria muito ter um profissional fixo na escola, tipo um psicólogo, psicopedagogo, alguém que dê suporte no campo mental (P3).
A questão é que deveria ter um projeto interdisciplinar na escola abordando às várias áreas e trabalhando muito com o tema (P4).
DISCUSSÃO
Observou-se que o conhecimento dos professores acerca do comportamento suicida pauta-se na identificação dos sinais de alerta em sala de aula, como o isolamento, a tristeza e as relações familiares conflituosas. Contudo, observa-se o desconhecimento sobre as formas de expressão desse comportamento.
O isolamento social, a tristeza e os problemas familiares são considerados fatores de risco para o suicídio.1,7 Estudos identificaram maior predominância de ideação suicida, moderada a grave, em adolescentes, de ânimo negativo, tristes, com tendência ao isolamento e que apresentavam vulnerabilidade na coesão familiar.16,17
Torna-se evidente no discurso dos professores uma repetição e generalização da palavra tristeza entre adolescentes, o que nos leva a refletir se seria somente um aspecto momentâneo por um fator isolado ou um quadro depressivo não diagnosticado.
A Depressão é de natureza distinta da tristeza e do desânimo que sentimos naturalmente em alguns momentos da vida. Pesquisas mostram relação direta da Depressão com o comportamento suicida.9,18 Portanto, diferenciá-las, torna-se fundamental para melhor acompanhamento, tratamento e prevenção.
Na ótica dos professores, problemas familiares estiveram relacionados ao comportamento suicida e foram expressos por meio da instabilidade familiar, do afastamento dos pais em relação aos filhos, da falta de comunicação e das violências sexual e doméstica.
A falta de comunicação com os pais, as relações parentais dissociadas, o abuso na infância e a violência doméstica são fatores de risco para automutilação e futuras tentativas de suicídio.19,20 Em contrapartida, ter uma conexão pai-filho positiva, passar tempo juntos, constituem-se um fator protetor.20
Os pais desempenham papel essencial no bem-estar e na saúde mental dos adolescentes. Torna-se imprescindível criar um elo entre escola e família, de forma a superar barreiras e desafios frente ao comportamento suicida. Entre os desafios tem-se a dificuldade de contato com os pais durante a crise, a falta de tempo para programas escolares e a ausência de percepção ou minimização do problema.21
Apesar das dificuldades para concretizar essa relação harmoniosa, é evidente a importância da participação dos pais nesse processo, de forma a se promover um ambiente familiar de proteção ao adolescente, durante períodos de instabilidade psicológica.22
Esses períodos de instabilidade podem evoluir para comportamento suicida. A automutilação constituiu-se como a forma de expressão mais recorrente do comportamento suicida na ótica dos professores. Atualmente, é uma das principais preocupações da saúde pública e o autocorte é o método mais comum de autoagressão.23,24 Estudos associam a autolesão nos adolescentes como forte preditor de futuras tentativas de suicídio,25,26 relacionando as autolesões ao início da adolescência e as tentativas na fase mais tardia.25
Quanto à prevenção do comportamento suicida no contexto escolar, os professores referiram a necessidade de identificação e diagnóstico precoce do aluno em crise, por meio da aproximação do aluno, do diálogo, por meio de conversas informais e do auxílio das redes de apoio como a amizade, a ajuda profissional e a família.
O desejo suicida suscita mudanças nas atividades cotidianas, que podem ser observadas e analisadas por pessoas próximas ao indivíduo, o que permite que ofereçam antecipadamente a assistência necessária mediante situações de risco.6,27
No entanto, é importante considerar que o comportamento suicida ainda é tratado como tabu, estigma no contexto escolar, resultando em posturas de julgamento, tanto pelos professores quanto pelos outros estudantes diante da observação de mudanças de comportamento, que podem ser explicados pelo desconhecimento, sensação de impotência e medo, diante da complexidade para gerenciar, de forma segura e eficaz, a situação.12
Durante o discurso, foram apontados com redes de apoio a amizade, a família, e a ajuda profissional. Ressalta-se que o apoio social promove a saúde mental e previne problemas mentais, enquanto a falta deste contribui para o aumento da incidência do comportamento suicida.28
Trabalhar em rede, conhecer os fluxos estabelecidos nos serviços de saúde, criar alianças saudáveis, interligar conhecimento-ação, buscar um novo olhar sobre o sujeito em sofrimento psíquico na intervenção da crise suicida, que não se baseie apenas em seu quadro de adoecimento, suas sequelas e suas mazelas sociais, pensar ações de saúde na perspectiva da prevenção, promoção não só da saúde mental, mas visualizando o indivíduo de forma holística, são caminhos para a prevenção do comportamento suicida.29
Ainda no que diz respeito à prevenção do comportamento suicida, os professores citaram o diálogo, a aproximação professor-aluno, de modo a acolher e ser um suporte para este, dentro e fora da escola. Outra conduta está relacionada à prevenção do bullying. Todavia, o que foi observado é que há um espaço entre o desejado e a realidade, visto que na prática há apenas transferência de responsabilidades para níveis hierárquicos superiores, em detrimento de políticas de prevenção e conscientização da temática.
O bullying é definido como ações negativas e intencionais repetidas sem motivo aparente e podem ser realizadas de forma direta ou indireta. As diretas incluem agressões físicas e verbais; a indireta acontece por meio da disseminação de rumores desagradáveis e depreciativos, visando à desqualificação e exclusão da vítima do seu grupo social.30 Ser vítima de bullying está associado a vários problemas acadêmicos, sociais, emocionais e comportamentais,31 além de contribuir para maior incidência de comportamentos autolesivos.32,33
Tendo em vista que a maior ocorrência de bullying é no ambiente escolar, cabe às escolas agir precocemente, por meio da abordagem de temas transversais, do estímulo à reflexão pelos professores, acerca de suas práticas docentes, estabelecendo relações com alunos e se comprometendo por uma educação mais sadia, em que predomine o respeito, a solidariedade e a cooperação.31
Embora os professores percebessem as mudanças de comportamento dos adolescentes, eles não as relacionavam como sinais desencadeantes para o suicídio, o que interfere diretamente na intervenção e na aplicação de medidas preventivas, tendo em vista a posição estratégica dos professores para a identificação precoce dessas mudanças comportamentais, além de prejudicar no fornecimento de apoio de primeira linha aos adolescentes e no encaminhamento compartilhado, em tempo oportuno para os serviços especializados. Esse resultado corrobora com outros estudos, que descrevem o desconhecimento dos professores acerca dos sinais de alerta e a necessidade de treinamentos nas escolas sobre a temática.34,35
Portanto, a criação de políticas que visem à capacitação e educação desses profissionais para identificação, abordagem correta do aluno em crise e prevenção dos sinais de risco, assim como habilitá-los a lidar com as incertezas e emoções dos alunos após um incidente, tornam-se essenciais para a prevenção do comportamento suicida no contexto escolar.
A ausência de equipe de saúde mental nas escolas foi considerada desafio para os professores. Essa demanda já é uma realidade em outros países, estes consideram a abordagem integrada entre educadores e profissionais de saúde mental benéfica para comunidade, com ambientes escolares promotores de saúde, profissionais mais confiantes para lidar com adolescentes em situação de crise e capacidade resolutiva maior dentro do ambiente escolar.34,35
Assim, a ausência de serviços de suporte em saúde mental nas escolas traz consigo a escassez de estratégias para o gerenciamento do comportamento suicida por parte dos professores, podendo ser explicado por medo, insegurança, negação, desconhecimento, o que faz com que eles encaminhem os adolescentes para os serviços especializados como forma de se livrar do “problema”, o que causa, por sua vez, a perda de oportunidade de intervenções dentro do contexto escolar e da criação de vínculo com o adolescente em risco. Embora o encaminhamento aos serviços especializados seja compreensível para assegurar o apoio mais apropriado, isso pode contribuir para que os alunos não queiram mais procurar ajuda no contexto escolar, além de contribuir para perpetuar a natureza invisível de tais comportamentos.36
Outro desafio foi a não discussão de temas transversais no contexto escolar. A não inserção da temática no currículo é vista pelos professores como uma dificuldade para sua prevenção, sendo sugerida a incorporação do tema no projeto político pedagógico da escola.
No Brasil, ainda que de forma incipiente, essa intersetorialidade entre a saúde e a educação no campo da saúde mental se materializa por meio do PSE, que funciona em territórios definidos, segundo a área de abrangência da ESF e se dá por meio da interação dessas equipes de saúde da atenção básica com as equipes de educação, no planejamento, execução e monitoramento de ações de prevenção, promoção e avaliação das condições de saúde dos educandos.37
As escolas que aderem ao PSE devem qualificar seu projeto político pedagógico para inclusão de novas abordagens e temas, sendo recomendado que as equipes de saúde participem do planejamento e da execução das ações.37 No entanto, observa-se um distanciamento entre a política e a realidade, em que predominam atividades pontuais, isoladas e marcadas pela ausência de compartilhamento entre os setores da saúde e da educação, o que interfere na qualidade do atendimento e acompanhamento dos educandos.
Assim, é preciso superar essa fragmentação e buscar a intersetorialidade, entender a necessidade de uma gestão compartilhada e do trabalho em rede, com a inclusão de novas abordagens e de uma perspectiva transversal. Além, é claro, de um novo olhar sobre o processo saúde-doença no contexto escolar, baseado em estratégias de promoção e prevenção da saúde.
CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA
O conhecimento dos professores acerca do comportamento suicida envolve a identificação dos sinais de alerta, observados por meio da tristeza, isolamento do aluno e problemas familiares, tendo a automutilação como atitude suicida mais recorrente no contexto escolar. Apontam para necessidade de prevenção, por meio da identificação do aluno em risco, da observação, da aproximação, do diálogo, do monitoramento e do suporte das redes de apoio como vínculos de amizade, acompanhamento profissional e familiar.
Os desafios para concretização da prevenção desse comportamento, no contexto escolar, foram: inabilidade dos professores na identificação e associação dos sinais de alerta com o comportamento suicida, dificuldade na abordagem do aluno em crise, ausência de equipe de saúde mental no contexto da escola e da discussão de temas transversais nos currículos escolares.
O impacto desse estudo para enfermagem relaciona-se com a necessidade de aprimorar a habilidade desse profissional como mediador entre os dois setores, levando em conta sua posição estratégica e o conhecimento teórico sobre o trabalho em rede. Como limitação se reconhece a pequena amostra de participantes e por ter sido realizado em localização geográfica específica.
Recomenda-se a realização de novos estudos, em outros cenários, com outros profissionais da comunidade escolar, de modo que o comportamento suicida seja percebido como algo real no cotidiano dos adolescentes, o que requer de professores capacitados para prevenção, identificação e enfrentamento desta problemática.