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Densidade energética da dieta de trabalhadores de São Paulo e fatores sociodemográficos associados*

Resumos

Objetivo:

Analisar a densidade energética (DE) da dieta de trabalhadores da cidade de São Paulo e sua associação com características sociodemográficas, bem como avaliar a relação entre DE e ingestão de nutrientes.

Métodos:

Estudo transversal que avaliou a dieta de 852 trabalhadores, por meio de recordatório de 24 horas, sendo um recordatório aplicado a todos os indivíduos e um segundo para subamostra, a fim de corrigir a variabilidade intrapessoal. A DE da dieta foi calculada por três métodos: inclusão de todos os alimentos sólidos e das bebidas, excluindo apenas água (DE 1); inclusão de todos os alimentos sólidos e bebidas calóricas que contêm, no mínimo, 5 kcal/100g (DE 2); inclusão de todos os alimentos sólidos e exclusão de todas as bebidas (DE 3). Para analisar a relação entre a DE e as variáveis sociodemográficas utilizou-se regressão linear, e a relação entre DE e nutrientes foi avaliada por meio do coeficiente de correlação de Pearson.

Resultados:

Para a dieta dos trabalhadores, os valores de DE observados foram 1,18 kcal/g, 1,22 kcal/g e 1,73 kcal/g, considerando-se os métodos DE 1, DE 2 e DE 3, respectivamente. Nos modelos múltiplos de regressão, apenas a variável idade apresentou associação negativa com todos os métodos de DE. Para a DE 3, houve incremento da DE para indivíduos não brancos. Dentre os nutrientes estudados, o único que não apresentou correlação significativa foi a proteína, para DE 3 (p = 0,899).

Conclusão:

Os adultos jovens tinham uma alimentação com maior DE, sendo um grupo prioriatário para intervenções nutricionais. Além disso, independente do método de cálculo, há correlação entre a DE e os nutrientes da dieta.

Densidade energética; Consumo alimentar; Ingestão de energia; Trabalhadores


Objective:

This paper aims at analyzing the energy density (ED) of the diet of workers from the city of São Paulo, Southeastern Brazil, and the way this is associated with socio-demographic characteristics, as well as evaluating the relationship between ED and nutrient intake.

Methods:

A cross-sectional study evaluated the diet of 852 workers using the 24-hour dietary recall; one recall was applied to all individuals and a second one was applied to a sub-sample in order to adjust intrapersonal variability. The ED of the diet was calculated using three methods: inclusion of all solid foods and beverages, excluding water (ED 1); inclusion of all solid foods and beverages containing at least 5 kcal/100g (ED 2); and inclusion of all solid foods, excluding all beverages (ED 3). Linear regression was used to analyze the relationship between ED and socio-demographic variables and the relationship between ED and nutrients was evaluated using Pearson coefficient correlation.

Results:

Considering the workers’ diet, the ED values observed were 1.18 kcal/g, 1.22 kcal/g and 1.73 kcal/g for the ED 1, ED 2, ED 3 methods, respectively. In the multiple regression models, only the age variable was maintained in the final model and showed an inverse association with all ED methods. ED 3 showed an increase in energy density for non-white individuals. Of all studied nutrients, protein was the only one that was not significantly correlated with ED 3 (p = 0.899).

Conclusion:

The young adults studied had a higher energy-density diet, representing a priority group for nutrition interventions. Regardless of the calculation method used, there is a correlation between ED and nutrients.

Energy density; Food consumption; Energy intake; Workers


Introdução

Em todo o mundo, países desenvolvidos e em desenvolvimento têm vivenciado a epidemia da obesidade. No Brasil, de acordo com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada em 2008/2009, a prevalência de excesso de peso e obesidade entre adultos é de 49,0% e 14,8%, respectivamente, sendo mais frequente após os 35 anos, para ambos os sexos 11. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009 – antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil . Rio de Janeiro; 2010. .

Considerando a tendência secular do excesso de peso e da obesidade em adultos de acordo com os estratos de renda, o aumento foi contínuo para os homens e, no caso das mulheres, para aquelas pertencentes aos dois primeiros quintos de distribuição da renda. Para as mulheres pertencentes aos três quintos superiores, a tendência de aumento foi interrompida de 1989 a 2002/2003, mas retornou em 2008/2009 11. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009 – antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil . Rio de Janeiro; 2010. .

O aumento na prevalência de excesso de peso está associado a mudanças no padrão da alimentação do brasileiro. A evolução temporal da disponibilidade domiciliar de alimentos nas áreas metropolitanas do Brasil, considerando o período 1974-2008, evidenciou variações importantes na composição da dieta, seja na distribuição de macronutrientes ou na participação relativa de alimentos. Vale destacar aumento da proporção de gorduras e diminuição de carboidratos na dieta, além de maior participação de embutidos, óleos e gorduras vegetais, biscoitos, refeições prontas, açúcar e refrigerantes. Já a participação de frutas, legumes e verduras permaneceu relativamente constante durante todo o período, com valores muito aquém das recomendações 22. Levy-Costa RB, Sichieri R, Pontes NS, Monteiro CA. Disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil: distribuição e evolução (1974-2003). Rev Saúde Pública 2005; 39(4): 530-40. , 33. Levy RB, Claro RM, Mondini L, Sichieri R, Monteiro CA. Distribuição regional e socioeconômica da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil em 2008-2009. Rev Saúde Pública 2012; 46(1): 6-15. .

Em termos práticos, dietas compostas por alimentos ricos em gordura, açúcar de adição, com baixo conteúdo de água e baixo teor de fibras, apresentam alta densidade energética, que é definida como a quantidade de energia disponível por unidade de peso (kcal/g) 44. Jebb SA. Dietary strategies for the prevention of obesity. Proc Nutr Soc 2005; 64: 217-27. , 55. Ledikwe JH, Blanck HM, Khan LK, Serdula MK, Seymour JD, Tohill BC et al. Low-energy-density diets are associated with high diet quality in adults in the United States. J Am Diet Assoc 2006; 106: 1172-80 . . Assim, o aumento da densidade energética favorece o ganho de peso e o aumento na prevalência de excesso de peso.

Além disso, relacionadas às características da dieta estão características como idade, sexo 66. Martí-Henneberg C, Capdevila F, Arija V, Pérez S, Cucó G, Vizmanos B et al. Energy density of the diet, food volume and energy intake by age and sex in a healthy population. Eur J Clin Nutr 1999; 53: 421-8. e condições sociais e econômicas, tais como nível de renda, de educação e ocupação 77. Smith AM, Baghurst KI. Public health implications of dietary differences between social status and occupational category groups . J Epidemiol Community Health 1992; 46: 409-16. - 99. Darmon N, Drewnowski A. Does social class predict diet quality? Am J Clin Nutr 2008; 87: 1107-17. .

Diante da escassez de informações referentes à densidade energética e seus fatores associados, o objetivo principal deste estudo foi analisar a DE da dieta de trabalhadores da cidade de São Paulo e sua associação com as características sociodemográficas. Secundariamente, avaliou-se a correlação entre a DE e o aporte de nutrientes da dieta.

Métodos

Desenho do estudo e população estudada

Trata-se de um estudo transversal que avaliou 852 trabalhadores de setores administrativos de quatro empresas (uma indústria farmacêutica, uma empresa de comunicação e duas do setor de serviços) do município de São Paulo. Os dados utilizados fazem parte do baseline do estudo matriz “Impacto de uma intervenção para prevenção de ganho de peso corporal no ambiente de trabalho”, que se trata de um ensaio comunitário controlado 1010. Jaime PC. Intervenção no ambiente de trabalho para prevenção do ganho de peso: delineamento e avaliação [tese de livre docência]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2010. . Foram excluídos gestantes, indivíduos que relataram perda de peso por realização de dieta nos últimos seis meses e/ou uso de medicamentos que podem influenciar o peso corporal, e, para este recorte, incluídos todos os indivíduos com informação disponível para o consumo alimentar.

Avaliação da densidade energética

Para avaliar a DE da dieta foram utilizados dados de recordatório alimentar de 24 horas (R24h) realizado por entrevista telefônica, durante o período de agosto a outubro de 2008.

Um R24h foi coletado para toda a população amostrada (n = 852) e um segundo para uma subamostra de 37% (n = 315). O consumo de água durante e nos intervalos entre as refeições não foi coletado.

Os dados do R24h foram convertidos em energia e nutrientes utilizando-se o software NutWin, que teve a sua base de dados atualizada inicialmente com dados da Tabela de Composição de Alimentos (TACO) 1111. NEPA - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação. Universidade de Campinas. Tabela brasileira de composição de alimentos . versão II. 2aed. Campinas: NEPA/UNICAMP; 2006. 113p. e adicionalmente com dados da tabela de composição do Ministério de Agricultura dos Estados Unidos, versão 17 1212. USDA - United States Departament of Agriculture. Nutrient Data Laboratory . Disponível em http://www.nal.usda.gov/fnic/foodcomp/ (Acessado em novembro de 2006).
http://www.nal.usda.gov/fnic/foodcomp/...
. Além dos dados destas tabelas, foram utilizadas receitas padronizadas a fim de melhor descrever as preparações consumidas.

Com a utilização do segundo R24h foi feita a correção da distribuição dos dados de consumo alimentar pela variabilidade intrapessoal, a fim de estimar a ingestão habitual de energia e nutrientes, sendo esta análise processada no software PC Side 1.0, que utiliza o método desenvolvido pela Iowa State University 1313. Nusser SM, Carriquiry AL, Dodd KW, Fuller WA. A Semiparametric transformation approach to estimating usual daily intake distributions. J Am Stat Assoc 1996; 91: 1440-9. .

Os itens dos recordatórios também foram classificados em “alimentos”, “bebidas tipo 1” (aquelas com menos de 5kcal/100g) e “bebidas tipo 2” (as demais bebidas).

Na análise do aporte de nutrientes da dieta foi avaliado o consumo de macronutrientes (carboidratos, proteínas e gorduras totais), gordura saturada, colesterol, fibras e sódio.

O indicador de densidade energética da dieta foi calculado aplicando-se três métodos descritos na literatura por LEDIKWE 1414. Ledikwe JH, Blanck HM, Khan LK, Serdula MK, Seymour JD, Tohill BC et al. Dietary energy density determined by eight calculation methods in a nationally representative United States population. J Nutr 2005; 135: 273-8. : a inclusão de todos os alimentos sólidos e das bebidas, excluindo apenas água (DE 1); inclusão de todos os alimentos sólidos e bebidas calóricas que contém, no mínimo 5 kcal/100g (DE 2); e a inclusão de todos os alimentos sólidos e exclusão de todas as bebidas (DE 3). A escolha de tais métodos se deu em função de favorecer a comparação deste com outros estudos envolvendo consumo alimentar e densidade energética.

Caracterização dos trabalhadores

Questionários padronizados para caracterização dos trabalhadores foram aplicados de forma pessoal nos locais de trabalho por entrevistadores treinados. Na coleta das variáveis sociodemográficas considerou-se a idade do trabalhador (anos), escolaridade (número de anos de estudo), cor da pele referida (brancos, pardos, pretos e amarelos), sexo (feminino e masculino) e situação conjugal (casado, união estável, solteiro, divorciado e viúvo). Para as análises estatísticas, as variáveis cor da pele e situação conjugal foram consideradas dicotômicas, sendo as possíveis respostas brancos e não brancos (pardos, pretos e amarelos), e com companheiro (casado e união estável) e sem companheiro (solteiro, divorciado e viúvo), respectivamente.

Análise dos dados

A caracterização dos trabalhadores foi realizada por meio de análise descritiva das variáveis, com medidas de tendência central (média) e de dispersão (desvio padrão e valores mínimo e máximo), sendo as variáveis qualitativas descritas por frequência.

A aderência dos indicadores da DE à distribuição normal foi testada e confirmada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov.

A fim de avaliar relação entre a DE da dieta, calculada pelos três métodos citados, e as características sociodemográficas dos trabalhadores foram aplicados testes de comparação de médias para amostras independentes (teste t-Student e análise de variância oneway ), e para avaliar os fatores sociodemográficos associados à DE foram utilizadas análises de regressão linear múltipla, sendo a DE considerada a variável dependente, e características como sexo, idade, escolaridade, cor da pele e situação conjugal as variáveis independentes. Na construção dos modelos de regressão linear, optou-se por conduzir as análises considerando as variáveis idade e escolaridade como contínuas, e para as variáveis categóricas sexo, cor da pele e situação conjugal as categorias de referência foram feminino, branco e com companheiro, respectivamente. As variáveis que alcançaram nível de significância de 0,20 nas análises univariadas foram incluídas no modelo múltiplo. Considerou-se como limite de significância p < 0,05.

Na análise da correlação entre a DE e o aporte de nutrientes da dieta utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson.

Para a análise dos dados utilizou-se o pacote estatístico SPSS (versão 13.0), considerando intervalo de confiança de 95% e nível de significância de 5%.

Aspectos éticos

Este estudo foi conduzido de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (Protocolo n°1996). Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

Considerando os métodos de cálculo DE 1, DE 2 e DE 3, os valores médio e de desvios-padrão observados para a dieta dos trabalhadores estudados foram 1,18 kcal/g (± 0,08), 1,22 kcal/g (± 0,08) e 1,73 kcal/g (± 0,16), respectivamente ( Tabela 1 ).

Tabela 1
Caracterização da densidade energética (DE 1, DE 2 e DE 3) da dieta dos trabalhadores estudados. São Paulo (SP), 2008.

Dos 852 trabalhadores estudados, 60% eram do sexo feminino, 65,6% apresentavam cor da pele branca, 69,9% tinham como escolaridade o ensino superior incompleto, 40,5% se encontravam na faixa de 18 a 29 anos e 54,2% viviam sem companheiro(a) ( Tabela 2 ).

Tabela 2
Densidade energética (DE 1, DE 2 e DE 3) (média e desvio-padrão), segundo variáveis sociodemográficas dos trabalhadores estudados. São Paulo (SP), 2008.

Em relação às diferenças entre a densidade energética da dieta e as características sociodemográficas estudadas, observaram-se maiores valores para indivíduos não brancos e entre os mais jovens para a DE 1. Para a DE 2, os indivíduos mais jovens apresentaram dietas com maior densidade energética. E para a DE 3, dietas com maior densidade foram observadas entre indivíduos não brancos, mais jovens e aqueles que viviam sem companheiro(a) ( Tabela 2 ).

Quanto aos modelos de regressão, nas análises univariadas, verificou-se associação entre DE 1 e idade e cor da pele, entre DE 2 e idade, e para DE 3, idade, cor da pele e situação conjugal. Nos modelos múltiplos, as variáveis que permaneceram foram idade para DE 1 e DE 2, e idade e cor da pele para DE 3. Em ambos os modelos, a idade associou-se inversamente à DE da dieta. Para a DE 3, houve incremento da DE para os indivíduos não brancos ( Tabela 3 ).

Tabela 3
Associação entre a DE da dieta e variáveis sociodemográficas para trabalhadores adultos. São Paulo (SP), 2008.

Em relação à composição da dieta dos trabalhadores, correlações estatisticamente significantes (p < 0,05) foram observadas entre DE 1, DE 2 e DE 3 e todos os nutrientes estudados, exceto para DE 3 e proteína. Destaca-se a forte correlação positiva entre gorduras total e saturada para os três métodos de cálculo de DE, além da correlação negativa entre a densidade energética e as fibras, principalmente quando o método de cálculo considerado é a DE 3 ( Tabela 4 ).

Tabela 4
Correlação entre o aporte de nutrientes das dietas dos trabalhadores estudados e a densidade energética (DE 1, DE 2 e DE 3). São Paulo (SP), 2008.

Discussão

O presente estudo avaliou a densidade energética da dieta de trabalhadores da cidade de São Paulo e sua relação com variáveis sociodemográficas. Para tanto foram utilizados três métodos de cálculo de densidade energética, propostos na literatura por Ledikwe 1414. Ledikwe JH, Blanck HM, Khan LK, Serdula MK, Seymour JD, Tohill BC et al. Dietary energy density determined by eight calculation methods in a nationally representative United States population. J Nutr 2005; 135: 273-8. e aqui chamados de DE 1, DE 2 e DE 3. Os valores médios encontrados foram 1,18 kcal/g, 1,22 kcal/g e 1,73 kcal/g, respectivamente, considerando ambos os sexos, devido à ausência de diferença significante entre mulheres e homens.

Em alguns estudos, considerando os mesmos métodos de cálculo, foram observados resultados diferentes para a densidade energética da dieta de adultos. Em estudo de base populacional realizado em São Paulo verificou-se como valores de densidade energética 1,32 kcal/g, 1,35 kcal/g e 1,95 kcal/g, respectivamente 1515. Stella RH. Densidade energética: relação com variáveis demográficas, de estilo de vida, nutricionais e socioeconômicas em amostra representativa da população adulta do Município de São Paulo [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2008. . Quanto a estudos internacionais, dois inquéritos com amostra representativa da população adulta norte-americana encontraram os seguintes valores médios de densidade energética: 0,94 kcal/g, 1,52 kcal/g e 1,85 kcal/g 1414. Ledikwe JH, Blanck HM, Khan LK, Serdula MK, Seymour JD, Tohill BC et al. Dietary energy density determined by eight calculation methods in a nationally representative United States population. J Nutr 2005; 135: 273-8. e 0,92 kcal/g, 1,30 kcal/g e 1,92 kcal/g 1616. Kant AK, Graubard BI. Energy density of diets reported by American adults: association with food group intake, nutrient intake, and body weight. Int J Obes 2005; 29: 950-6. .

Os valores divergentes verificados para a DE 1 possivelmente, apontam uma maior ingestão de bebidas não calóricas entre os indivíduos norte-americanos 1414. Ledikwe JH, Blanck HM, Khan LK, Serdula MK, Seymour JD, Tohill BC et al. Dietary energy density determined by eight calculation methods in a nationally representative United States population. J Nutr 2005; 135: 273-8. , 1616. Kant AK, Graubard BI. Energy density of diets reported by American adults: association with food group intake, nutrient intake, and body weight. Int J Obes 2005; 29: 950-6. . Tal hipótese é reforçada pelo crescente aumento do consumo de refrigerantes dietéticos por esta população 1717. Popkin BM. Patterns of beverage use across the lifecycle. Physiol Beh av 2010; 100 (1): 4-9. . No entanto, mesmo quando excluídas das análises todas as bebidas, no presente estudo encontramos valor inferior de densidade energética, em comparação aos estudos citados, sinalizando que a dieta da população estudada é menos densa que as demais.

Algumas pesquisas consideraram a ingestão de água no método aqui chamado de DE 1, encontrando, portanto, valores inferiores para este método ao do presente estudo 1818. Lipi M. Densidade energética da dieta de trabalhadores de uma indústria da região metropolitana de São Paulo [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2008. , 1919. Cox DN, Mela DJ. Determination of energy density of freely selected diets: methodological issues and implications. Int J Obes 2000; 24: 49-54. . No entanto, para os demais métodos (DE 2 e DE 3), idênticos aos utilizados no presente estudo, os mesmos trabalhos encontraram valores bastante superiores para a dieta de trabalhadores de empresa da região metropolitana de São Paulo, 1,49 kcal/g e 1,95 kcal/g, respectivamente 1818. Lipi M. Densidade energética da dieta de trabalhadores de uma indústria da região metropolitana de São Paulo [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2008. , e inferiores na avaliação da dieta de adultos ingleses, 1,17 kcal/g e 1,36 kcal/g, respectivamente 1919. Cox DN, Mela DJ. Determination of energy density of freely selected diets: methodological issues and implications. Int J Obes 2000; 24: 49-54. .

Entendendo que dietas com alta densidade energética podem promover o ganho de peso excessivo e com isto acarretar o surgimento de outras doenças, o World Cancer Research Fund definiu que, como meta de saúde pública, a média da densidade energética da dieta deveria ser de 1,25 kcal/g, considerando no cálculo a exclusão de todas as bebidas 2020. WCRF - World Cancer Research Fund/American Institute for Cancer Research. Food, Nutrition, Physical Activity, and the Prevention of Cancer: a Global Perspective . Washington, DC: AICR; 2007. . Frente a isto, o valor de 1,73 kcal/g observado neste estudo excede em cerca de 40% a recomendação, caracterizando uma dieta com alta densidade energética. Ainda assim, mesmo o valor mínimo encontrado (1,27 kcal/g) para este método de cálculo extrapola tal recomendação.

Neste estudo, tal como verificado para a população norte-americana, houve diferença entre a DE, para todos os métodos, e a idade 1313. Nusser SM, Carriquiry AL, Dodd KW, Fuller WA. A Semiparametric transformation approach to estimating usual daily intake distributions. J Am Stat Assoc 1996; 91: 1440-9. . No modelo de análise de regressão, a associação inversa se confirmou, sendo que com o aumento da idade a densidade energética da dieta diminui. A mesma associação foi observada na dieta de trabalhadores de empresa paulista 1818. Lipi M. Densidade energética da dieta de trabalhadores de uma indústria da região metropolitana de São Paulo [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2008. , porém apenas para a DE 3.

Para nenhum dos métodos estudados foram verificadas diferenças significativas entre os sexos, sendo o mesmo observado para amostra representativa do município de São Paulo 1515. Stella RH. Densidade energética: relação com variáveis demográficas, de estilo de vida, nutricionais e socioeconômicas em amostra representativa da população adulta do Município de São Paulo [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2008. . No entanto, na dieta de trabalhadores de empresa paulista encontrou-se maior valor de DE 2 entre as mulheres 1818. Lipi M. Densidade energética da dieta de trabalhadores de uma indústria da região metropolitana de São Paulo [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2008. , bem como para indivíduos norte-americanos, que ainda apresentaram maiores valores entre os homens para DE 1 e DE 3 1616. Kant AK, Graubard BI. Energy density of diets reported by American adults: association with food group intake, nutrient intake, and body weight. Int J Obes 2005; 29: 950-6. . Ainda em estudos realizados nos Estados Unidos observou-se que os homens apresentam dietas mais densas para os três métodos 1414. Ledikwe JH, Blanck HM, Khan LK, Serdula MK, Seymour JD, Tohill BC et al. Dietary energy density determined by eight calculation methods in a nationally representative United States population. J Nutr 2005; 135: 273-8. , 2121. Howarth NC, Murphy SP, Wikens LR, Hankin JH, Kolonel LN. Dietary energy density is associated with overweight status among five ethnic groups in the Multiethnic Cohort Study . J Nutr 2006; 136: 2243-8. .

A relação entre cor da pele e densidade energética não é clara, com resultados divergentes entre os estudos. Neste estudo, após ajuste no modelo de regressão múltiplo, a associação se manteve apenas para a DE 3, nos quais os indivíduos não brancos apresentaram maiores valores de densidade. Estudo que avaliou a população de São Paulo encontrou resultado semelhante: no modelo múltiplo a DE 3 apresentou associação direta com a cor da pele não branca 1515. Stella RH. Densidade energética: relação com variáveis demográficas, de estilo de vida, nutricionais e socioeconômicas em amostra representativa da população adulta do Município de São Paulo [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2008. . Em coorte envolvendo cinco grupos étnicos, conduzida nos Estados Unidos, verificou-se ausência de diferenças significantes entre as etnias 2121. Howarth NC, Murphy SP, Wikens LR, Hankin JH, Kolonel LN. Dietary energy density is associated with overweight status among five ethnic groups in the Multiethnic Cohort Study . J Nutr 2006; 136: 2243-8. , não sendo o mesmo observado para a população norte-americana em geral, para a qual são destacadas diferenças entre todos os grupos estudados 1414. Ledikwe JH, Blanck HM, Khan LK, Serdula MK, Seymour JD, Tohill BC et al. Dietary energy density determined by eight calculation methods in a nationally representative United States population. J Nutr 2005; 135: 273-8. .

No tocante à escolaridade não foram observadas diferenças entre os grupos para nenhum dos métodos de cálculo. A ausência de efeito da escolaridade sobre a densidade energética foi confirmada nos modelos de regressão, nos quais, em geral, esta variável não apresentou significância nem na análise univariada. Para população da cidade de São Paulo, no entanto, verificou-se associação inversa entre esta variável e os métodos DE 1 e DE 2 1515. Stella RH. Densidade energética: relação com variáveis demográficas, de estilo de vida, nutricionais e socioeconômicas em amostra representativa da população adulta do Município de São Paulo [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2008. .

Considerando a escolaridade como uma proxy de renda e a crescente prevalência de excesso de peso e obesidade em todos os quintos de renda 11. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009 – antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil . Rio de Janeiro; 2010. , pode-se inferir que a alta densidade energética da dieta independe da renda dos indivíduos. No entanto, é importante destacar que a população estudada apresentava alta escolaridade, com baixa frequência de indivíduos com poucos anos de estudo.

Em relação à situação conjugal dos trabalhadores, diferenças foram encontradas apenas para DE 3, sendo a densidade energética da dieta maior entre os que vivem sozinhos, mas esta variável perdeu o efeito no modelo múltiplo. Para a população do município de São Paulo não foram observadas diferenças 1515. Stella RH. Densidade energética: relação com variáveis demográficas, de estilo de vida, nutricionais e socioeconômicas em amostra representativa da população adulta do Município de São Paulo [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2008. . Em estudo sobre a relação entre dieta e fatores sociodemográficos para mulheres australianas foram verificadas grandes diferenças para a situação conjugal. Mulheres que viviam sem companheiro tinham dieta mais monótona e pobre em nutrientes, com menor consumo de vegetais, e sendo, possivelmente, mais densa 2222. Mishra G, Ball K, Patterson A, Brown W, Hodge A, Dobson A. Socio-demographic inequalities in the diets of mid-aged Australian women. Eur J Clin Nutr 2005; 59: 185-95. .

Na avaliação do aporte de nutrientes da dieta em relação à densidade energética, não se observou correlação apenas a proteína no método DE 3, apontando que a densidade energética pode ser utilizada como um indicador de qualidade global da dieta. Para os mesmos nutrientes aqui estudados, para a população de São Paulo não se encontrou correlação entre DE 2 e carboidratos e fibras; os demais resultados, no entanto, foram semelhantes 1515. Stella RH. Densidade energética: relação com variáveis demográficas, de estilo de vida, nutricionais e socioeconômicas em amostra representativa da população adulta do Município de São Paulo [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2008. . No estudo com trabalhadores de empresa paulista, não houve correlação entre carboidratos, fibra e colesterol e a DE 2, bem como para proteína e DE 2 e DE 3 1818. Lipi M. Densidade energética da dieta de trabalhadores de uma indústria da região metropolitana de São Paulo [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2008. . Quando considerados os indivíduos ingleses eutróficos, verificou-se correlação positiva para gorduras totais e carboidratos na DE 1 e para gorduras totais na DE 2 1919. Cox DN, Mela DJ. Determination of energy density of freely selected diets: methodological issues and implications. Int J Obes 2000; 24: 49-54. .

Devido à falta de padronização de ponto de corte e método de cálculo para a avaliação da densidade energética da dieta, não se pode afirmar que os valores encontrados neste estudo são elevados, porém considerando a referência existente e devido à forte correlação entre a densidade energética e o aporte de gorduras totais e saturada, há indícios de que os valores sejam elevados.

É importante mencionar que, ainda que o tamanho amostral não tenha sido calculado para a avaliação da densidade energética da dieta, até o presente momento este é o estudo brasileiro com a maior população estudada. E, em relação ao uso do recordatório de 24 horas para obtenção de informações sobre o consumo alimentar, a questão do dado referente a apenas um dia foi minimizada por termos coletado um segundo recordatório para uma subamostra, o que permitiu a correção da variabilidade intrapessoal, podendo-se afirmar que os dados utilizados nas análises representam o consumo habitual da população estudada.

Em conclusão, observou-se associação inversa entre a idade dos indivíduos e a densidade energética da dieta, independente do método de cálculo utilizado. Tal achado é relevante no sentido de apontar a necessidade de intervenções dietéticas voltadas para adultos jovens para a prevenção do consumo de dietas com alta densidade energética e do ganho de peso corporal. Além disso, a densidade energética é um indicador válido para se avaliar a qualidade global da dieta, uma vez que há correlação entre este indicador, independente do método de cálculo, e os nutrientes da dieta.

Participação no estudo : Canella DS participou da análise e interpretação dos dados e foi responsável pela redação do artigo. Bandoni DH e Jaime PC participaram da concepção do estudo, coleta dos dados e revisão da análise dos dados, e da redação do artigo.

Conflitos de interesse : Não há.

Referências

  • 1. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009 – antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil . Rio de Janeiro; 2010.
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  • *O estudo matriz, que forneceu os dados para este estudo, recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo n° 2007/02540-1. Canella DS é apoiada com bolsa de doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
  • *Artigo elaborado a partir da dissertação de DS Canella, intitulada “Densidade energética da alimentação oferecida em ambiente de trabalho e da dieta de trabalhadores”. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2010
  • Revisado
    4 Mar 2012
  • Aceito
    24 Maio 2012
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