INTRODUÇÃO
Ainda que não haja um conceito amplamente aceito para o termo atividade, ele tem forte presença na pesquisa e na intervenção clínica em gerontologia1,2,3. Referente a todo o conjunto de ações que a pessoa manifesta ao longo do seu dia, abrange desde as atividades mais simples, decorrentes das necessidades fisiológicas, até aquelas mais complexas, que envolvem a funcionalidade no ambiente físico e social, a produtividade, o prazer com relação à vida e as relações pessoais4. O esforço de diferentes campos de pesquisa sobre essa temática resulta em diferentes modelos, conceitos e medidas.
A expressão atividades avançadas de vida diária (AAVD) engloba um perfil de atividades caracterizadas pela exigência do mais alto nível de funcionalidade, uma vez que, para sua realização, são necessárias habilidades físicas, cognitivas e psicológicas preservadas. O desempenho competente nessas atividades é indicador robusto de maior capacidade funcional e de melhor saúde física e mental5,6, ao passo que políticas públicas de fomento ao envelhecimento saudável7,8 enfatizam a participação, entendida como o engajamento em atividades que caracterizam o envolvimento que o indivíduo tem em seu contexto social9, e a atividade física (AF), entendida como toda a atividade voluntária, produzida pela musculatura esquelética que resulte em gasto calórico acima do nível de repouso10, podendo ser desempenhada em diferentes domínios, como nas atividades do trabalho, das tarefas domésticas, de deslocamento e de lazer11.
Ambos os perfis de atividades, sociais ou físicas, exigem altos níveis funcionais para o desempenho e possuem reconhecida associação com a saúde e a qualidade de vida na velhice. O engajamento em atividades sociais (AS) é considerado como um elemento protetor com relação à incapacidade5. A literatura também associa esse indicador a melhor saúde física e maior longevidade9. A AF é apontada como um elemento protetor da incapacidade12 e destaca-se como uma das variáveis comportamentais de maior importância para a manutenção da saúde e da qualidade de vida na velhice7,13. Conhecer as variáveis que afetam o perfil de engajamento em AF em diferentes domínios e em atividades de natureza social em idosos residentes na comunidade é algo de grande relevância para a pesquisa em gerontologia.
São poucos os estudos nacionais que investigaram o nível de atividade física (NAF) em idosos em quatro diferentes domínios14 e, até onde temos notícia, não há estudos em que esses indicadores foram analisados em conjunto com indicadores de envolvimento social. Gênero, renda e idade influenciam o desenvolvimento ao longo do curso de vida porque determinam diferentes possibilidades de acesso a bens e oportunidades sociais, entre elas recursos de saúde, educação e trabalho, afetando de diferentes formas os níveis de atividade dos idosos.
De forma geral, a literatura aponta que os homens tendem a engajar-se em atividades fora de sua residência15, no entanto são as mulheres que relatam maior envolvimento social16,17. Ser mulher é associado à inatividade física global, mas são elas que relatam NAF mais elevado no domínio das atividades domésticas18,19,20. Os homens, por sua vez, são mais ativos nos domínios do lazer, do trabalho e do deslocamento18,19,20.
A condição socioeconômica tende a ser um fator de agravo para a inatividade física21, sobretudo no lazer18,22,23, mas ainda não é claro como essa variável se associa ao envolvimento social16,24. As limitações funcionais decorrentes do avanço da idade fazem com essa variável influencie de forma negativa o nível de engajamento em AF em todos os domínios19,20,21,25 e engajamento em AS15,16,17.
Este estudo teve como objetivo investigar associações entre os níveis de AF em quatro diferentes domínios, o nível de AS e as variáveis independentes gênero, renda familiar e idade.
MÉTODO
Este estudo foi aprovado pelos Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em formato aprovado por esse comitê. A investigação foi realizada com base nos dados contidos no banco eletrônico do Estudo FIBRA. Trata-se de estudo multicêntrico desenvolvido por universidades parceiras lideradas pela Unicamp, pela Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, SP, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)26.
AMOSTRAGEM E PARTICIPANTES
Participaram desta pesquisa 2.344 idosos sem déficit cognitivo sugestivo de demência selecionados da amostra total de 3.075 idosos obtida em seis cidades brasileiras. Para a sua realização, foi utilizada amostragem por conglomerados.
Na primeira etapa, foram sorteados setores censitários da área urbana dos municípios participantes. O número mínimo calculado para compor a amostra das cidades com mais de um milhão de habitantes, como Campinas e Belém, foi de 601 idosos, considerando um erro amostral de 4%. Para as demais cidades com menos de um milhão de habitantes, foi estimado o número de 384 idosos, com erro amostral de 5%. Em cada área selecionada, foram estimadas cotas de homens e mulheres de 65-69, 70-74, 75-79 e 80 anos e mais, com base na distribuição desses segmentos26.
Na segunda etapa, os idosos foram recrutados em domicílio por pessoal treinado com o objetivo de identificar os idosos e selecioná-los segundo critérios da pesquisa. De acordo com Ferrucci et al., foram utilizados os seguintes critérios de exclusão: presença de problemas de memória, atenção, orientações espacial e temporal e comunicação sugestivos de déficit cognitivo; incapacidade permanente ou temporária para andar, exceto com uso de dispositivo de auxílio à marcha; perda localizada de força e afasia decorrentes de sequela de acidente vascular encefálico (AVE); comprometimento grave da motricidade, da fala ou da afetividade associados à doença de Parkinson avançada; déficit auditivo ou visual grave; e estar em estágio terminal27. Na Tabela 1, é possível visualizar as características da amostra.
Tabela 1. Distribuição de frequências absoluta e relativa das características da amostra (n = 2.344). Estudo FIBRA, polo Universidade Estadual de Campinas.
Variáveis | Categoria | Frequência | Percentual |
---|---|---|---|
Localidade | Ermelino Matarazzo (SP) | 302 | 12,9 |
Campinas (SP) | 689 | 29,4 | |
Poços de Caldas (MG) | 318 | 13,6 | |
Ivoti (RS) | 160 | 6,8 | |
Parnaíba (PI) | 299 | 12,7 | |
Belém (PA) | 576 | 24,6 | |
Gênero | Masculino | 806 | 34,4 |
Feminino | 1.538 | 65,6 | |
Renda familiar (salário mínimo) | 0,0-1,0 | 199 | 9,9 |
1,1-3,0 | 959 | 47,9 | |
3,1-5,0 | 448 | 22,4 | |
5,1-10,0 | 266 | 13,3 | |
> 10,0 | 131 | 6,5 | |
Idade | 65-69 | 889 | 37,9 |
70-74 | 730 | 31,1 | |
75-79 | 452 | 19,3 | |
80 ou > | 273 | 11,7 |
Foi realizada sessão única de coleta de dados, em locais públicos de fácil acesso26. Essa coleta começava com os questionários de identificação e de dados sociodemográficos, o Miniexame do Estado Mental (MEEM). As notas de corte utilizadas foram: 17 para os analfabetos; 22 para idosos com escolaridade entre 1 e 4 anos; 24 para os com escolaridade entre 5 e 8 anos; e 26 para os que tinham 9 anos ou mais de escolaridade. Esses pontos de corte foram baseados nos critérios de Brucki et al.28, menos um desvio padrão. Por essa razão, 23,8% dos idosos foram excluídos da amostra inicial.
Este manuscrito é parte integrante da tese de doutorado de um dos autores, Taiguara Bertelli Costa, intitulado Atividade Física, Atividade Social e Satisfação com a Vida: relações cruciais na velhice bem-sucedida, sob orientação da outra autora, Profa. Dra. Anita Liberalesso Neri. Este trabalho não foi submetido a nenhum outro periódico e também não foi apresentado em encontro científico. Ambos, Taiguara Bertelli Costa e Anita Liberalesso Neri, colaboraram na concepção do artigo; na análise e interpretação dos dados; na redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; e na aprovação final da versão a ser publicada.
O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aprovou este estudo com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) de número 47962815.1.0000.5404. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em formato aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, mediante o parecer 208/2007.
VARIÁVEIS
Atividade física
Foi avaliada levando-se em conta os domínios: exercícios físicos e esportes ativos; atividades domésticas; atividades no trabalho, nos deslocamentos para o trabalho e nos intervalos do trabalho. O instrumento foi composto de itens retirados da versão brasileira do Minnesota Leisure Time Activity Questionnaire (MLTAQ)29. Dezesseis itens foram usados para avaliar a prática de exercícios físicos regulares e esportes em situação de lazer ativo e 11 investigaram o desempenho de atividades domésticas variadas18,22. Quatro itens eram sobre a prática de trabalho remunerado ou voluntário e a forma como esse trabalho era realizado (sentado ou em pé; leve ou pesado, carregando pesos maiores de 13 kg) e sobre a realização de caminhadas no deslocamento para o trabalho ou durante os intervalos do período de trabalho. Todos eram do tipo sim ou não e em todos eles se perguntava pela continuidade das atividades nas duas últimas semanas, pela frequência semanal e pela duração diária em minutos. Posteriormente, foram buscadas as correspondências das atividades com os seus equivalentes metabólicos (MET), o que permitiu classificá-las quanto ao nível de intensidade em leve, moderada ou vigorosa11,30.
Atividades sociais
Foram avaliadas mediante um inventário com 13 itens (AAVD) construídos com base no modelo de Baltes et al.31 sobre competências comportamentais na velhice, modelo esse baseado em Reuben et al.32, que construíram uma taxonomia de atividades complexas que exigem autonomia e independência funcional e são realizados em ambientes complexos. Parte delas envolve desempenho de papeis sociais. O instrumento incluiu alternativas de respostas baseados em Souza et al.33 na validação transcultural que fizeram do Perfil de Atividade Humana (PAH), o qual consiste em perguntar se o respondente nunca fez, ainda faz ou deixou de fazer cada atividade. Essa providência é importante para evitar contaminação dos dados por condições econômicas e por papeis de gênero. O inventário contemplou diversas atividades de natureza social, tais como atividades produtivas remuneradas ou voluntárias; atividades associativas, como participar de diretorias e conselhos e tomar parte em grupos de convivência de idosos; atividades educacionais, tais como participar de universidade da terceira idade; AS, propriamente ditas, tais como fazer visitas, participar de reuniões sociais e de eventos culturais e ir à igreja; atividades de lazer, como viajar para fora da cidade ou do país; e atividades psicomotoras complexas, como guiar automóvel.
ANÁLISE DE DADOS
Atividade física
Para classificação dos idosos quanto ao NAF, foi considerado o tempo semanal gasto em AF de intensidade moderada11 mais o tempo semanal gasto em AF vigorosa11 multiplicado por dois21, tendo como referência as recomendações correntes de volume semanal, em minutos, para atividades de intensidade moderadas (150 minutos) e vigorosas (75 minutos) da Organização Mundial da Saúde (OMS)13,34. Foram desenvolvidas três categorias: inativos, aqueles que não relataram praticar nenhuma AF; insuficientemente ativos, aqueles que não atingiram 150 minutos/semana; e ativos, aqueles que despenderam 150 minutos ou mais21.
Índice de atividade social
Para análise do desempenho nas AS, foi elaborado um índice de atividade social (IAS). Foram contadas as frequências de respostas “nunca fiz”, “deixei de fazer” e “ainda faço” para cada um dos itens. As atividades que os idosos nunca haviam realizado não foram computadas no cálculo do percentual das AS desempenhadas. O IAS correspondeu à soma das atividades que cada idoso ainda fazia dividida pela soma das que deixou de realizar e das que ainda desempenhava. O resultado foi um valor percentual que indicava o grau de envolvimento social: < 50% = baixo; 51-80% = moderado e > 80% = alto.
RESULTADOS
A amostra foi composta de 2.344 idosos, com idade média de 72,3 (± 5,5) anos e 65,6% de mulheres. Considerando o indicador global, 64,8% dos idosos relataram alto nível de engajamento em AF. Por outro lado, 5,8% descreveram não participar de nenhuma AF em nenhum dos quatro contextos. A maioria dos idosos (52,6%) relatou moderado IAS. Discriminando o contexto para a prática de AF, as atividades de lazer se destacaram como o domínio com mais elevado percentual de ativos (44,4%), as tarefas domésticas com o mais elevado percentual de insuficientemente ativos (51,7%), enquanto os contextos de trabalho e de deslocamento foram os com mais elevados níveis de inatividade física (Tabela 2).
Tabela 2. Distribuição de frequências absoluta e relativa do nível de atividade física global em domínios e índice de atividade social da amostra como um todo (n = 2.344). Estudo FIBRA, polo Universidade Estadual de Campinas.
Variáveis | Categoria | Frequência | Percentual |
---|---|---|---|
NAF global | Inativo | 135 | 5,8 |
Insuficientemente ativo | 690 | 29,4 | |
Ativo | 1.519 | 64,8 | |
NAF no lazer | Inativo | 925 | 39,5 |
Insuficientemente ativo | 377 | 16,1 | |
Ativo | 1.042 | 44,4 | |
NAF em tarefas domésticas | Inativo | 353 | 15,1 |
Insuficientemente ativo | 1.212 | 51,7 | |
Ativo | 779 | 33,2 | |
NAF no trabalho | Inativo | 2.047 | 87,3 |
Insuficientemente ativo | 234 | 10,0 | |
Ativo | 63 | 2,3 | |
NAF no deslocamento | Inativo | 2.152 | 91,8 |
Insuficientemente ativo | 121 | 5,2 | |
Ativo | 71 | 3,0 | |
Índice de atividade social | Baixo | 563 | 24,4 |
Moderado | 1.215 | 52,6 | |
Alto | 533 | 23,0 |
NAF: nível de atividade física.
As análises comparativas por gênero demonstraram que essa variável afetou de forma significativa o NAF. Considerando o indicador global, os homens se destacaram entre os inativos e entre os com alto nível de AF, ao passo que as mulheres foram maioria entre os insuficientemente ativos. Alto NAF no lazer, nas tarefas domésticas e no trabalho, assim como baixo e moderado IAS foram mais frequentes entre os homens. Entre as mulheres, foram observadas maiores frequências de inatividade física no lazer e no trabalho, nível insuficientemente ativo em tarefas domésticas e alto IAS (χ2; p < 0,001 em todas as análises).
A variável idade afetou todos os indicadores de atividade nas análises comparativas de frequências. Aqueles com mais idade foram mais frequentes entre os menos ativos em NAF global, no lazer, nas tarefas domésticas, no trabalho, no IAS (χ2; p < 0,001 em todas as análises) e no deslocamento (exato de Fisher; p = 0,008).
Analisando os grupos de classes de renda, os idosos com receita mais elevada foram mais frequentes entre os mais ativos nos indicadores de NAF global, no lazer, no trabalho, no deslocamento no IAS (χ2; p < 0,001 em todas as análises) e no deslocamento (exato de Fisher; p = 0,008). Os indivíduos com menor renda foram menos ativos no lazer, no trabalho (χ2; p < 0,001 em todas as análises) e no deslocamento (exato de Fisher; p = 0,008).
Foram realizados dois modelos de análises de regressão logística multivariada (Tabela 3). Para evitar a multicolinearidade, o indicador de NAF global, derivado da junção dos quatro domínios de AF, foi analisado em separado. As variáveis independentes - os níveis de atividades - demonstram ter associação entre si. A despeito do desfecho, em todas as análises, ao menos um indicador de AF ou AS demonstrou estar significativamente associado ao resultado analisado. Entre as variáveis sociodemográficas, ter menos idade, ser homem e ter renda familiar mais elevada representaram mais chance para o desfecho alto NAF global. Ser homem e ter renda mais elevada representaram mais chance para alto NAF no lazer. Ter menos idade e ser mulher correspondeu à maior chance de alto NAF em tarefas domésticas. Ter renda mais elevada, ter menos idade e ser homem representaram mais chance para alto NAF no trabalho. Ter menos idade e renda familiar mais elevada correspondeu a mais chance para alto NAF no deslocamento. Por fim, ser mulher e ter menos idade representaram mais chance para alto IAS, conforme apresentado na Tabela 3.
Tabela 3. Análises de regressão logística multivariada relativas à influência de gênero, idade e renda para alto nível de atividade física em quatro domínios e alto índice de atividade social. Estudo FIBRA, polo Universidade Estadual de Campinas.
Variável | Categorias | Razão de chance | IC95% | Valor p |
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Alto NAF global● | ||||
1. Idade (anos) |
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2. Gênero |
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3. Renda familiar |
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4. IAS |
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Alto NAF Lazer | ||||
1. Gênero |
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2. Renda familiar |
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3. IAS |
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4. NAF em tarefas domésticas |
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5. NAF em deslocamento |
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Alto NAF em tarefas domésticas | ||||
1. Idade (anos) |
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2. Gênero |
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3. NAF no lazer |
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4. NAF em deslocamento |
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Alto NAF no trabalho | ||||
1. Renda familiar |
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2. Idade (anos) |
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3. Gênero |
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4. IAS |
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5. NAF em deslocamento |
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Alto NAF em deslocamento | ||||
1. NAF no trabalho |
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2. IAS |
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3. NAF no lazer |
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Alto índice de atividade social | ||||
1. Idade (anos) |
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2. Gênero |
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3. NAF no lazer |
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4. NAF no trabalho |
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5. NAF em deslocamento |
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NAF: nível de atividade física; ref.: referência; SM: salário mínimo; IAS: índice de atividade social; ins.: insuficientemente; IC95% OR: intervalo de 95% de confiança para a razão de chance. Critério Stepwise de seleção de variáveis. Modelo de odds proporcional; ● Analisado em modelo separado, sem inclusão dos demais domínios de atividade física.
DISCUSSÃO
Considerando os indicadores de AF, é possível afirmar que a amostra possui alto nível de atividade. Comparando com outros estudos nacionais, a frequência de idosos que não atingiram as recomendações de 150 minutos de volume semanal em AF (pouco mais de 35%) ficou acima somente da apresentada por Florindo et al. (31,8%), com amostra composta de idosos de 60 a 65 anos19. Nos demais estudos nacionais que investigaram AF em quatro diferentes domínios, tal frequência variou de 40,7 a 76,3%20,21,25,35.
O domínio de AF com maior frequência de ativos foi o do lazer e o das tarefas domésticas teve a menor frequência de inativos, o que reforça a literatura que aponta o domínio das atividades de manutenção do lar como o mais propício para as mulheres idosas manifestarem atividade física19,20. Os domínios do trabalho e do deslocamento foram os que apresentaram as frequências mais baixas de ativos, dado que encontra suporte na literatura19,20,35 e é esperado por incluir indivíduos em idade de usufruir de aposentadoria. A medida de AF no deslocamento tomou como referência o trabalho, logo, sofreu interferência direta desse domínio.
Os idosos eram fisicamente mais inativos do que as idosas. Entre aqueles que relataram AF suficiente, eles são a maioria. Os homens se destacaram entre os mais ativos no lazer, no trabalho e no indicador global de AF, fato amplamente apoiado na literatura18,19,20,22, enquanto ser mulher foi significativamente associado a alto IAS e NAF em tarefas domésticas.
Esses dados fomentam a discussão sobre o critério de inatividade. Estudos que consideram não atingir as recomendações de volume semanal em minutos de AF como critério de inatividade ou de sedentarismo20,25,35 tendem a relacionar a inatividade com o gênero feminino20,35. No entanto, os dados aqui apresentados contrariam esse ponto de vista e demonstram que essa afirmação pode ser controversa, principalmente se o domínio específico no qual a atividade foi desempenhada não for considerado.
Dois aspectos devem ser considerados na análise sobre a influência do gênero no engajamento em AF e AS por idosos: a saúde física e a influência dos papéis sociais decorrentes dessa variável. As mulheres vivenciam maior incapacidade funcional na velhice do que os homens36,37, o que determina maior restrição ao desempenho de AF de intensidade mais elevada, tais como as atividades físicas de lazer (AFL). Por outro lado, são as atividades de menor demanda funcional, tais como ir à igreja e fazer visitas, as mais prevalentes entre as que compõem o IAS38. Em geral, é atribuído as mulheres o papel do cuidado para com seus familiares e com o lar, ao passo que aos homens é conferida a função de provedor. Assim, é correto pensar que as idosas tendem a engajar-se em atividades de intensidade mais branda, de caráter social, de manutenção do lar e mais próximas ao núcleo família-vizinhança, enquanto os idosos, ainda que inicialmente sejam mais relutantes quanto ao engajamento, quando o fazem, são mais propícios a se comprometerem com atividades de intensidade mais elevada e mais distantes desse núcleo38,39, por serem mais habituados ao envolvimento em atividades laborais e produtivas ou por vivenciarem melhor funcionalidade36,37.
A renda familiar não afetou o indicador de AS, mas afetou o de AF. Aqueles com renda mais elevada se destacaram entre os mais ativos no indicador global, no lazer, no trabalho e no deslocamento. A associação entre renda familiar e alto NAF no trabalho e no deslocamento é presumível, uma vez que aqueles que ainda mantêm atividades produtivas remuneradas contribuem para a renda familiar, logo esses indicadores estão diretamente associados a essa variável. Indicadores de AF no lazer sofrem interferência direta das condições socioeconômicas18,22: idosos com renda mais elevada têm maior acesso a serviços que oferecem oportunidades para prática de exercícios físicos, tais como academias e clubes, ou residem próximos a ambientes propícios para essas práticas, tais como praças, parques e jardins18,22. O nível de renda na velhice está diretamente relacionado ao de educação: idosos com nível de educação mais elevado tendem a ter maior acesso à informação, à maior capacidade de modificar o estilo de vida e aderir a comportamentos mais saudáveis, a buscar mais os serviços de saúde e a cuidar melhor da saúde física36.
A idade foi a segunda variável que mais influenciou a prevalência das atividades analisadas. No entanto, diferentemente do que ocorreu com gênero, em todas as associações, o avanço da idade significou diminuição da chance de alcance de alto nível de engajamento nos indicadores de atividade. Esse dado é amplamente veiculado pela literatura, que aponta que os declínios funcionais associados ao avanço da velhice são barreiras importantes à adesão à AF e à AS15,17,19,21,22,25,40. Reforça esse pensamento o fato de que, em todas as análises, ao menos um indicador de atividade foi selecionado como preditor do desfecho, ou seja, há certa colinearidade entre os indicadores de atividade, e é correto pensar que isso se dê em função da saúde física e da funcionalidade. Além disso, o ambiente e a percepção que as pessoas têm dele é um importante fator a ser levado em consideração nessa análise, pois está diretamente associado ao engajamento em atividades, à saúde física e à funcionalidade41,42,43,44. Nas áreas urbanas onde esse idosos residem, aspectos como transporte público, mobilidade, arquitetura, estrutura urbana e segurança45 geralmente impõem barreiras físicas e sociais ao trânsito dos idosos, restringindo seu espaço de vida46, limitando o exercício da sociabilidade e, consequentemente o engajamento em AF e AS42,45,47.
CONCLUSÃO
As variáveis centrais no estudo, AF e AS, foram coletadas por meio de instrumentos adaptados. Ainda que tal fato possa significar um ponto fraco no trabalho, vale destacar que não há um instrumento que seja amplamente aceito para a investigação de AF e AS, sejam estas investigadas em conjunto ou separadas. Outras pesquisas já utilizaram os mesmos inventários para investigações quanto ao nível de AF18,22 ou AS17,24. Ademais, a abrangência territorial do presente estudo, composto de idosos das cinco macrorregiões geográficas brasileira, garante que a amostra contenha razoável variabilidade socioeconômica, geográfica e cultural e reforça a importância dos dados aqui apresentados.
Grande parte dos resultados deste trabalho confirma informações da literatura e dá suporte à afirmação de que o engajamento em atividades de diferentes domínios é afetado por variáveis independentes. O baixo nível de renda apresentou-se como barreira importante à atividade física, porém foram gênero e idade as variáveis independentes que mais afetaram o perfil de engajamento dos idosos. A associação entre gênero e atividades pertencentes a domínios específicos sugere a relevância da consideração dessa variável na análise dos perfis de atividades de homens e mulheres. O avanço da idade demonstrou ser a grande barreira para a atividade na velhice. Possibilitar o engajamento dos idosos mais velhos em AF e em AS é o complexo desafio das políticas públicas de fomento do envelhecimento ativo, em face do maior crescimento relativo do segmento de idosos com 80 anos e mais na população idosa.