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Discurso e as cidades: um estudo sobre Cataguases-MG baseado na produção literária modernista da Revista Verde

Discurso y las Ciudades: un estudio sobre Cataguases basado en la producción literaria modernista de la Revista Verde

Resumo

A adoção das cidades como objeto de estudo tem se tornado cada vez mais frequente na administração, em particular no campo dos estudos organizacionais. É nesta seara que nosso trabalho se insere. Aqui buscamos compreender as relações dialéticas existentes entre o discurso literário sobre cidades e as questões de ordem material nelas existentes. De maneira mais específica, analisamos estas relações no conteúdo da Revista Verde, publicação modernista importante da década de 20, cujo berço foi a cidade de Cataguases-MG. O pano de fundo teórico-metodológico tem como perspectivas a concepção marxista do discurso, a relação dialética entre base e superestrutura e o caráter ideológico do modernismo brasileiro. Os resultados apontam que as relações materiais inteiramente contraditórias são convenientemente ignoradas. Dessa forma, permite aos poetas da Revista Verde atribuírem a incompreensão da produção literária ao desinteresse da população, sem recobrar o ponto de partida para tal distanciamento nas próprias condições sociais existentes, em particular no trabalho extenuante nas fábricas da cidade.

Palavras-chave:
Estudos organizacionais; Cidades; Discurso; Modernismo; Marxismo.

Resumen

La adopción de las ciudades como objeto de estudio se vuelve cada vez más común en la administración, especialmente en el campo de los estudios organizacionales. Es aquí donde se inserta nuestro trabajo. En este artículo intentamos comprender las relaciones dialécticas entre el discurso literario sobre las ciudades y las cuestiones de orden material existentes en su interior. Más específicamente, se analizan estas relaciones en el contenido de la Revista Verde, una importante revista modernista de los años 20 del último siglo, cuyo lugar de nacimiento ha sido la ciudad de Cataguases-MG. La base teórica y metodológica tiene como perspectiva la concepción marxista del discurso, la relación dialéctica entre base y la superestructura, y el carácter ideológico del modernismo brasileño. Los resultados del estudio muestran que las relaciones materiales integralmente contradictorias han sido ignoradas de modo conveniente. En consecuencia permite a los poetas de la Revista Verde atribuir la incomprensión de la producción literaria a la falta de interés de la población local, sin recuperar el punto de partida para este desapego en las propias condiciones sociales existentes, en particular en el trabajo intenso en las fábricas de la ciudad.

Palabras clave:
Estudios Organizacionales; Ciudades; Discurso; Modernismo; Marxismo.

Abstract

The adoption of cities as a research subject in management has become increasingly common, particularly in organizational studies. It is to this field that our paper belongs. Here we aim to understand the dialectical relations between the literary discourse on cities and the issues of material nature that exist in them. Specifically, we analyze those relations in the contents of Revista Verde, an important modernistic publication of the 1920s produced in Cataguases-MG. The theoretical and methodological background has as its perspectives the Marxist conception of discourse, the dialectical relationship between base and superstructure, and the ideological character of Brazilian modernism. The findings show that the totally contradictory material relations have been conveniently ignored. As such, the situation has allowed the poets in Revista Verde to assign the incomprehension of their texts to a lack of interest by the population ignoring that this detachment has begun in the detachment of the existing social conditions themselves, especially the extenuating work conditions at local factories.

Keywords:
Organizational studies; Cities; Discourse; Modernism; Marxism.

Introdução

O campo dos estudos organizacionais tem se mostrado profícuo na administração por incorporar uma diversidade temática que vai muito além das organizações convencionais. Essa abertura tem se consolidado cada vez mais como tomada de posição, tanto por permitir a inclusão de formatos organizacionais historicamente esquecidos, quanto por trazer à baila elementos relacionados às diversas implicações do modus operandi das organizações de produção capitalista, como os presentes nos estudos de Czarniawska (1997)CZARNIAWSKA, B. Learning organizing in a changing institution order: examples from a city management in Warsaw. Management Learning, v. 28, n. 4, p. 475-495, 1997., Mac-Allister (2001)MAC-ALLISTER, M. Organização-cidade: uma contribuição para a ampliação do conceito de cidade no campo dos estudos organizacionais. Tese (Doutorado em Administração). Universidade Federal da Bahia. Salvador: UFBA, 2001., Fischer (1996FISCHER, T. et al. Teias urbanas, puzzles organizativos: inovações, continuidade e ressonâncias culturais. In: ENCONTRO DA ANPAD, 20., 1996. Anais... Rio das Pedras: ANPAD, 1996.), Saraiva (2009SARAIVA, L. A. S. Mercantilização da Cultura e Dinâmica Local: a indústria cultural em Itabira, Minas Gerais. (Tese) Doutorado em Administração. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2009.), Saraiva e Carrieri (2012)SARAIVA, L. A. S; CARRIERI, A. P. Organização-cidade: proposta de avanço conceitual a partir da análise de um caso. Rev. Adm. Pública, v. 46, n. 2, p. 547-576, 2012., entre outros.

Neste contexto, as cidades como objeto de pesquisa têm se tornado cada vez mais frequentes nos estudos organizacionais. A complexidade em se encarar uma cidade como objeto de estudo torna-se ainda maior em virtude dos inúmeros olhares possíveis. Os arranjos se multiplicam ao considerarmos os variados recortes, os elementos centrais dentro da complexidade, bem como os posicionamentos, as escolhas epistemológicas, teóricas e metodológicas. Ou, ainda, as leituras potenciais para se lançar à compreensão de determinadas relações sociais baseando-se em algo que não é aparente.

Para muito além do estado da arte do tema nos estudos organizacionais e na própria administração, refletir sobre a cidade e suas formas de vivência tem se tornado um fenômeno bastante contemporâneo, ao passo que superamos a dicotomia do global/local para entendermos como determinadas relações que são universais podem impactar a cidade (LEFEBVRE, 2009LEFEBVRE, H. Le Droit à la Ville. 3. ed. Paris: Antrophos, 2009.), com base em manifestações específicas, porém, generalizáveis em sua essência. As motivações deste trabalho vão nestas duas direções. Busca tanto contribuir para o debate sobre a cidade nos estudos organizacionais quanto estabelecer uma leitura - entre as várias possíveis - por meio da polissemia discursiva "sobre" a cidade, em particular da produção literária que remete à cidade, que "fala" da cidade.

É necessário ressaltar que a aproximação entre produções culturais e administração já se mostrou presente nos trabalhos de alguns pesquisadores como Saraiva (2009SARAIVA, L. A. S.; CARRIERI, A. P. Organização-cidade: proposta de avanço conceitual a partir da análise de um caso. Rev. Adm. Pública, v. 46, n. 2, p. 547-576, 2012.), Ruas (2005RUAS, R. Literatura, dramatização e formação gerencial: a apropriação de práticas teatrais ao desenvolvimento de competências gerenciais. Organizações & Sociedade, Salvador, v. 12, n. 32, p. 121-142, 2005.) Carvalho e Davel (2005CARVALHO, J. L. F.; DAVEL, E. Introdução: arte, administração e organizações se encontram ao correr do diálogo. Organizações & Sociedade, Salvador, v. 12, n. 32, p. 81-92, 2005.) e Cunha (2005CUNHA, M. P. A arte dos improvisadores: a busca da estandardização na música e nas organizações. Organizações & Sociedade, Salvador, v. 12, n. 32, p. 93-104, jan./mar. 2005.). Apesar dos esforços já empregados, a aproximação aqui lançada coincide - e ao mesmo tempo se afasta - com o trabalho empreitado por Saraiva (2009)SARAIVA, L. A. S. Mercantilização da Cultura e Dinâmica Local: a indústria cultural em Itabira, Minas Gerais. (Tese) Doutorado em Administração. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2009.. Coincide em virtude do entendimento de que a produção literária - expressa nas representações simbólicas de Itabira-MG estudadas pelo autor nos poemas de Drummond - imputa sentidos a cidades. Distancia-se por explorar o potencial discursivo aqui menos como um processo de representação simbólica e mais como parte integrante de uma superestrutura - a arte - inexoravelmente ligada a outras esferas superestruturais - como a política - e a uma base correspondente - relações materiais.

Por este prisma, o discurso impregnado nos poemas pode servir à manutenção do status quo ou à sua superação quando esteticamente2 2 O sentido estético adotado neste trabalho diz respeito a uma estética essencialmente materialista (LUKÁCS, 1965; 1970). A produção artística é aqui tomada como elaboração da própria realidade, e que por consequência, se configure num instrumento que auxilia a superação das contradições materiais. É necessário ressaltar, entretanto, que a arte é recobrada como parte de um processo de desenvolvimento histórico que opera dialeticamente em seu conteúdo interno - frente a outras elaborações artísticas com as quais se estabelece conflito - e em seu conteúdo externo, num retorno à própria vida material. opõe-se ou conforma não apenas a produção literária que o precede, mas também as relações materiais sobre as quais versa. A dupla possibilidade parte de uma operação da arte não apenas em sua dialética interna (em sua relação artística, política, ideológica ou filosófica), em sua contradição com as manifestações artísticas que a precedem ou as que concorrem em seu tempo. Incorpora necessariamente em sua dialética externa uma tomada de posição por meio da apreensão dos conflitos existentes na própria vida humana, apaziguando-os ou opondo-se a eles (XAVIER, 2013XAVIER, W. S. Concepções de uma estética materialista para uma arte transformadora: a superação do caráter abstrato na particularidade da obra. In: Encontro da ANPAD, 37., 2013. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2013.). O exposto conduz a produções literárias que versam sobre cidades serem conformadoras ou contestadoras das contradições materiais existentes. É esta possibilidade que nos motiva neste artigo, nosso objetivo é compreender as relações dialéticas existentes na cidade entre o discurso literário e as questões de ordem material. Especificamente buscamos aqui analisar estas relações na Revista Verde, publicação modernista importante da década de 20, cujo berço foi a cidade de Cataguases-MG, sui generis tanto em sua 'vocação cultural' quanto 'industrial'.

O percurso deste trabalho compreende outras quatro seções. Na primeira tratamos da literatura modernista e de seu caráter renovador, tendo em vista a pretensa revolução tanto estética quanto ideológica - separadas no movimento modernista (LAFETÁ, 2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.). Em seguida, discorremos sobre a orientação/operacionalização metodológica e analítica com base nos pressupostos histórico-materialistas do discurso (BAKHTIN, 2009BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2009.). Posteriormente, apresentamos a análise dos poemas da Verde em suas relações com a cidade. Nas considerações finais, recobramos os elementos mais importantes com base no objetivo proposto.

A Literatura Modernista do Novo e da Renovação

A renovação estética da produção literária se dá também pelas mudanças que o novo representa frente ao velho, particularmente à medida que os meios tradicionais de expressão são afetados pelo poder de transformação da nova linguagem proposta; até que ponto esta linguagem proposta é realmente nova. Esta produção artística, não apenas literária, busca expressar o novo que reflete os embates de uma nova realidade (LAFETÁ, 2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.; LEFEBVRE, 2001LEFEBVRE, H. Contribution à L'Esthétique. 2. ed. Paris: Anthropos, 2001.).

O aspecto estrutural dos movimentos culturais é afetado e ao mesmo tempo afeta a manifestação de particularidades em campos específicos, como arquitetura, literatura, música, pintura etc. De acordo com Lafetá (2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.), no caso da literatura, para compreender a força de uma renovação estética é necessário determinar quais as relações que um movimento mantém com os outros aspectos da vida cultural e de que maneira as expressões deste movimento se inserem num contexto mais amplo de sua época. Para além da necessidade de se contextualizar o momento histórico destacado por Lafetá (2000)LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000., a compreensão do estabelecimento de um movimento cultural frente aos pares representa não só a superação, em algum grau, deste movimento, mas também uma hegemonia que o coloca na condição d'avant-garde. Gramsci (1978aGRAMSCI, A. Concepção Dialética da História Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978a.) sinaliza que as relações de hegemonia se explicitam no interior do bloco histórico, de modo que possam desvelar como o domínio cultural representa também o domínio de uma classe social sobre a sociedade num determinado momento.

Por coincidir tanto com a necessidade de uma reforma estilística baseada na nova forma de linguagem, como com o engajamento com outros aspectos da vida cultural e as questões que permeiam o contexto de um determinado período histórico, Lafetá (2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.) sinaliza que qualquer nova posição estética na literatura contém em si um projeto estético - ligado às modificações operadas na linguagem - e um projeto ideológico, diretamente conectado com o pensamento, a visão de mundo de uma dada época, em um dado tempo e espaço social. A potencialidade da literatura em refletir esta realidade é vasta, destaca Williams (2011bWILLIAMS, R. O Campo e a Cidadena história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2011b), uma vez que a produção literária pode não apenas expressar sentidos socialmente criados, como também ser produtora de significados que transformem estes sentidos sociais.

Apesar do caráter complementar do projeto estético e do projeto ideológico, Lafetá (2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.) assevera que o projeto estético na literatura já contém em si o projeto ideológico. Para o autor, a contraposição do novo frente ao velho, o ataque às maneiras de dizer representam também um ataque às maneiras de ver uma época e suas nuances. Uma vez que é (também) na linguagem que os homens externam sua visão de mundo, reforçando, legitimando, sustentando ou encobrindo suas reais relações com a natureza e a sociedade, e investir contra as formas e os conteúdos empregados pelo velho é já investir contra o ver o ser deste tempo. O funcionamento ideológico da produção cultural, e como o foi no Modernismo, busca desenvolver não apenas suas próprias obras, mas atacar as obras às quais impõe contrariedade e as instituições culturais que as suportam. A partir daí, desfazer-se de todo ordenamento social construído culturalmente por um período ao qual se opõe, destituindo poderes e os assumindo com nova roupagem, estabelecendo novas formas de dominação (WILLIAMS, 2011aWILLIAMS, R. Política do Modernismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011a.).

Essa possibilidade de transformação caberia perfeitamente ao Modernismo. Williams (2011aWILLIAMS, R. Política do Modernismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011a.) destaca, na análise do termo moderno, que ele surge no fim do século XVI como sinônimo de "agora", utilizado para demarcar o período posterior ao medieval e à Antiguidade. Já no século XVIII, ressalta o autor britânico, o uso dos termos "modernizar", "modernismo" e "modernista" sinalizava renovação e melhoria. O uso mais contemporâneo, cunhado no século XX, tem o "modernismo" como significado de um movimento cultural que fixa a ideia do moderno, da transição, do novo em resposta ao seu predecessor imediato (WILLIAMS, 2011aWILLIAMS, R. Política do Modernismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011a.).

Ao analisar o projeto estético/ideológico do modernismo brasileiro, particularmente na literatura, Lafetá (2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000., p. 21) indica que, do ponto de vista estético, há uma ruptura frente à linguagem tradicional; do ponto de vista ideológico, identifica-se a busca por uma consciência do país, a legitimação de uma expressão artística genuinamente nacional e o "{...} caráter de classe de suas atitudes e produções". Lafetá (2000)LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000. sinaliza a existência de uma curiosa convergência entre o projeto estético e o projeto ideológico do movimento literário modernista, dado que este apresenta um rompimento com a linguagem bacharelesca, artificial e idealizante, que refletia a consciência ideológica da oligarquia rural detentora do poder até 1920, antes das transformações provocadas pela imigração e pela intensificação da industrialização, urbanização e da crise econômica.

Desta forma, a produção literária modernista romperia com as barreiras da linguagem oficializada e, por conseguinte, com as velhas formas de visão de mundo impregnadas na ideologia desta oligarquia agrária, coadunando-se com o que Williams (2011aWILLIAMS, R. Política do Modernismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011a., p. 6) destaca ter sido o fundamento ideológico das artes modernistas: uma tomada de posição antiburguesa, "{...} ou escolhem a valorização aristocrática anterior da arte como um domínio sagrado acima do dinheiro e do comércio, ou as doutrinas revolucionárias" que apontam para a arte como "uma vanguarda libertadora da consciência popular".

Esteticamente e ideologicamente, a poética modernista romperia com o refinamento academicista em voga, que segregava o popular e idealizava o real. Vigoram a partir de então características como a deformação do sobrenatural, a inspiração da vida cotidiana e o caráter folclórico, amparados numa linguagem coincidente com a modernidade do século XX. Todavia, como sinaliza Oliveira (2011OLIVEIRA, M. V. F. A Ruína e a Máscara: as contradições de uma modernização conservadora em Inferno Provisório, de Luiz Ruffato. Tese (Doutorado em Estudos Literários) - Programa de Pós-graduação em Letras, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2011.), mesmo o projeto estético da literatura modernista não se cumpre dada a afeição do novo a se transformar rapidamente em tradição.

Um ponto instigante apresentado por Lafetá (2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.), com efeito imediato no projeto ideológico, é a adesão da produção artística modernista por uma parcela refinada da burguesia rural brasileira, detentora de fortunas geradas pelo café. Mesmo estando claramente vinculada a uma transformação que acompanhava a nova etapa de desenvolvimento do país, no caso, a industrialização, a produção artística modernista não contou com patrocínio dos industriais - particularmente em São Paulo. No plano estético, entretanto, Lafetá (2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000., p. 23) destaca que a literatura modernista comunga com a industrialização "{...} tanto na temática quanto nos procedimentos (a simultaneidade, a rapidez, as técnicas de montagem, a economia e a racionalização)".

Tal contradição encontra resolução em Williams (2011aWILLIAMS, R. Política do Modernismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011a.; 2011bWILLIAMS, R. O Campo e a Cidadena história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2011b). Para o autor, o pilar de sustentação do Modernismo está calcado no crescimento das grandes cidades e no movimento migratório provocado pela industrialização. Isso modifica por completo a forma da produção literária, e, não obstante a inserção dos estranhamentos urbanos - alienação - como tema, insiste-se num caráter universal da produção modernista, da nova linguagem, o que em si já afasta o Modernismo das diferenças existentes e que se manifestam, também, na própria produção artística. Assim, a universalidade seria a negação das diferenças, o relevo da razão, a manutenção dos padrões estéticos e ideológicos nas mãos de poucos.

A explicação para esta aparente contradição, segundo Lafetá (2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.), reside no caráter nitidamente capitalista do formato das relações de produção agrária em São Paulo, assim como no fato de a burguesia industrial originar-se da própria burguesia agrária, que financiava a industrialização com os lucros decorrentes de suas atividades. Trata-se aqui de uma burguesia educada na Europa, adaptada ao estilo moderno europeu, de forma que não poderia manter-se livre do contato com a arte. Assim, torna-se facilmente compreensível a adoção, por parte do ethos burguês, da arte modernista, que confrontava o velho estilo da oligarquia agrária, mas não de forma a romper completamente com o velho, tanto no plano estético quanto no ideológico.

A arte burguesa apresenta algumas contradições que marcam o próprio movimento modernista. Williams (2011aWILLIAMS, R. Política do Modernismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011a.) destaca que o termo burguês traz uma ambiguidade a depender da posição de classe num dado momento histórico. Para a corte e a aristocracia, o burguês era ao mesmo tempo "{...} mundano e vulgar, socialmente pretensioso embora tacanho, moralista e espiritualmente limitado". Para a classe trabalhadora em formação, o indivíduo burguês era central, possuía uma "{...} mescla de moralidade autointeressada e conforto egoísta" (WILLIAMS, 2011aWILLIAMS, R. Política do Modernismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011a., p. 34) e formava a classe empregadora e controladora do dinheiro e do trabalho. Os artistas não se alinhavam de forma irrestrita a uma classe específica, uma vez que podiam tomar as causas trabalhistas como temática ou defender os interesses de uma burguesia em ascensão.

Esteticamente, no Brasil, a referência cosmopolita se faz ausente, permanecendo o caráter local da poética modernista (LAFETÁ, 2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.). Ideologicamente, era comum e frequente a relação com os proprietários de terra, de forma que os poetas modernistas se faziam presentes nos suntuosos banquetes e festas promovidos pela aristocracia, como assinala Mário de Andrade (1942ANDRADE, M. O Movimento Modernista. Rio de Janeiro: Edição Casa do Estudante do Brasil, 1942.) em "O Movimento Modernista", e afirma Lafetá (2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.) ser a união do culto da modernidade internacional com a prática da tradição brasileira promovida pelos artistas do Modernismo e pelos senhores do café.

O projeto ideológico dos poetas modernistas configura aqui a manutenção de um grupo de poder que meramente transmuta sua esfera de domínio da atividade rural para a atividade industrial, numa sutil adaptação às contingências econômicas após a crise do café no fim da década de XX. Do ponto de vista ideológico, o movimento literário modernista mantém-se criador de uma produção artística que não desfaz de seus laços burgueses, tornando aparentemente inócua qualquer possibilidade de uma práxis artística que verdadeiramente aproxime a arte do ordinário. Esta aproximação é forjada e incorpora para si a construção de uma identidade nacional que nossa tortuosa formação histórica nos privou (FREYRE, 2003FREYRE, G. Casa-grande e Senzalaformação da família brasileira sob o regime da economia patriarca. 48. ed.São Paulo: Global, 2003.; HOLANDA, 1995HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.). Resgatar o popular na literatura modernista possibilitaria aos modernistas não apenas o embate frente ao academicismo vigente, mas também consubstanciar a ideologia do homem brasileiro progressista (CHAUÍ, 1987CHAUÍ, M. Conformismo e Resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.), conforme a operacionalização apontada por Gramsci (1978bGRAMSCI, A. Literatura e Vida Nacional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978b., p. 90), na qual o popular se apresenta na literatura com "{...} um determinado conteúdo intelectual e moral que seja a expressão elaborada e completa das aspirações mais profundas de um determinado público, isto é, da nação-povo numa certa fase de seu desenvolvimento histórico".

O esboço de uma produção artística que rompesse com o status quo imprime mais uma vez a aproximação entre dois grupos quase sempre operacionalizáveis por um mesmo propósito. A aproximação do grupo modernista com a classe dominante nos conduz ao que Gramsci (1978aGRAMSCI, A. Concepção Dialética da História Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978a.) caracterizou ser a mediação das relações hegemônicas, ou seja, uma classe social tem a seu serviço um grupo de intelectuais que consubstancia práticas essencialmente de ordem material, incutindo por meio da hegemonia social e da construção de ideologias um vínculo orgânico entre o modo de produção e as superestruturas. "Os grupos sociais, que nascem a partir do modo como se estrutura o mundo da produção econômica, criam, de modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais, que dão à classe homogeneidade ideológica, social e política" (SCHLESENER, 2007SCHLESENER, A. H. Hegemonia e CulturaGramsci. Curitiba: Editora UFPR, 2007., p. 37).

Não obstante esta aproximação dos representantes do movimento modernista com a burguesia, que apenas alternava seus meios de acumulação de capital de uma condição produtiva agrária para industrial e buscava legitimação para a transição rural-urbano, Lafetá (2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.) ressalta que outros fatores constituintes da vida urbana e do processo de industrialização reforçaram a necessidade de uma investida estética e ideológica modernista - ainda que pairassem dúvidas a respeito desta última. Para o autor, o crescimento da massa assalariada decorrente de um processo deflagrado na abolição da escravatura, a chegada dos imigrantes, o surto de industrialização, a classe proletária nas cidades e a ascensão de uma burguesia constituem o cenário que complexifica tanto o quadro político quanto o cultural. No campo político, apesar do notável crescimento da burguesia industrial, a manutenção de uma estrutura política oligárquica fazia perdurar privilégios, como o protecionismo à produção de café. No campo cultural, observa-se a busca pela mudança estética tendo como base especificidades que a arte burguesa demandava, sob o manto de uma aparente ruptura com as manifestações artísticas que deixavam à margem o homem comum.

Embora o projeto estético e o projeto ideológico tenham sido tratados em suas especificidades, qualquer tentativa de desassociar ou negar suas múltiplas implicações configuraria uma problemática insolúvel. Retomando as assertivas de Lafetá (2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.) e de Antônio Cândido (2006CÂNDIDO, A. Literatura e Sociedade9. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.), o projeto estético traz em si já o projeto ideológico por representar na nova forma de linguagem e no conteúdo poético outras concepções de mundo. A rigor, a literatura modernista exprime as aspirações de outras classes quando critica as instituições arcaicas decorrentes da longa dominação oligárquica. Entretanto, o projeto estético e o projeto ideológico modernista têm seus limites nas aspirações da própria burguesia então dominante. A ideologia de esquerda está ausente nas obras da fase heroica da literatura modernista, de forma que as escassas denúncias sobre as condições de vida do povo foram acompanhadas de uma consciência da possibilidade ou necessidade de uma revolução proletária (LAFETÁ, 2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.).

A revolução de 30 representa um ponto de inflexão na literatura modernista. No âmbito político-partidário, instaura-se aqui um momento de transição no qual se observou o crescimento da luta ideológica, como a ascensão do fascismo, do nazismo e do comunismo. No Brasil, o embate político dá-se entre o comunismo, o integralismo e o populismo trabalhista de Getúlio Vargas. Face aos embates político-partidários, a literatura modernista se vê diante da consolidação do projeto estético, uma vez que as alterações na linguagem e construção poética já estavam estabelecidas.

É necessário sinalizar novamente que o movimento literário modernista estabelece separação clara entre projeto estético e projeto ideológico. Apesar de condicionar a consolidação do movimento modernista ao processo que contemplasse tanto a ruptura estética quanto a ideológica, a primazia da mudança estética suspenderia o caráter ideológico do movimento, convenientemente adequado a um período em que se fazia necessário o "apoio" da nova burguesia industrial e que se lançava em críticas às velhas oligarquias. Após a Revolução de 30, a ascensão das questões trabalhistas e de um programa de governo populista que teve como bandeira estas mesmas questões não representaria uma nova conveniência, um retorno ao projeto ideológico que trouxesse à baila as denúncias sociais?

Bueno (2004BUENO, L. Nação, Nações: os modernistas e a geração de 30. Via Atlântica, n. 7, p. 83-97, 2004.), em reflexão sobre o projeto estético e o projeto ideológico, ressalta ser complexo admitir que haja uma continuidade dos projetos citados de uma geração para outra, do movimento literário modernista à época da Semana de Arte Moderna para os modernistas pós-revolução de 30, uma vez que a ênfase das gerações apresentava desacordo. Para Bueno (2004)BUENO, L. Nação, Nações: os modernistas e a geração de 30. Via Atlântica, n. 7, p. 83-97, 2004., num primeiro momento predominava a ideia de um país novo, que dá lugar à concepção de país subdesenvolvido a ser tratado pela geração de 30. O plano ideológico da geração de 20, do país novo, mergulha em uma utopia de um projeto de vanguarda artística que pensa o presente e projeta o futuro (WILLIAMS, 2011aWILLIAMS, R. Política do Modernismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011a.), enquanto a geração de 30, tomando para si a referência de país subdesenvolvido, propõe-se a discutir o próprio presente.

A direção retomada pelo movimento literário modernista volta sua lente aos romances denunciadores, à poesia militante e de combate. O interesse que antes voltava-se à modificação da cena cultural do país para uma realidade mais moderna dirigia-se agora a revolucionar esta mesma realidade, modificá-la profundamente, superando a posição burguesa, inserindo em seu bojo o proletário. A ideia de uma caminhada conjunta entre projeto estético e projeto ideológico constitui-se ainda mais falaciosa quando Lafetá (2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.) lança como hipótese à sua análise que a transição da fase heroica - consolidação estética da literatura modernista - para a fase da revolução - retomada do projeto ideológico - na qual a conscientização política, a literatura combatente e participante "colore" o projeto estético. Não obstante o lançamento de novas matizes para a produção literária, há que se considerar o desvio desta do seu curso de profunda experimentação estética, destruindo, portanto, "{...} o sentido mais íntimo de modernidade" (LAFETÁ, 2000LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000., p. 34).

Material de Análise e Orientação Metodológica

Este estudo de natureza estritamente qualitativa contempla a análise dos poemas publicados na Verde por poetas, cataguasenses ou não, que trataram direta ou indiretamente da cidade. Fundamentalmente, buscamos, com a análise dos poemas, compreender como os poetas tratavam o estágio de desenvolvimento econômico da cidade com base no incremento da atividade industrial, uma vez que a literatura modernista requeria para si não apenas mudanças estéticas (estilísticas), mas também ideológicas (LAFETÁ, 2010LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.).

Foram examinados seis números da revista publicados entre os anos de 1927 e 1929. Dentro do recorte estabelecido, foram selecionados nove poemas. Os documentos foram analisados à luz do materialismo histórico de orientação marxista, sendo esta a orientação tanto metodológica quanto analítica. A concepção materialista da história deve ser encarada como base da explicação histórica, mas não a explicação histórica em si (HOBSBAWM, 1998HOBSBAWM, E. Sobre História. São Paulo: Companhia das letras, 1998.).

No materialismo histórico é por meio da dialética que as múltiplas determinações entre base e superestrutura são apreendidas, tendo centralidade o desenvolvimento das forças produtivas humanas - a base. É necessário reforçar o caráter dinâmico evocado no movimento dialético da base e da superestrutura para que não se denote ao materialismo histórico função determinista e, sim, dialética, que por consequência imprime dinamicidade. Deve-se, pois, considerar em cada realidade a apreensão de suas próprias contradições, suas dinâmicas próprias (interna) e suas transformações (LEFEBVRE, 2006LEFEBVRE, H. Le Marxisme. Paris: Presses Universitaires de France, 2006.).

A análise dos dados empregada neste artigo é estritamente qualitativa e se baseia na concepção marxista da linguagem e do discurso desenvolvida por Mikhail Bakhtin. A importância do discurso dá-se em virtude do desenvolvimento da filosofia burguesa por meio da palavra (BAKHTIN, 2009BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2009.). A ideologia no discurso deve ser encarada como parte de uma realidade, e também como forma de refletir ou refratar essa mesma realidade. O componente ideológico traz consigo um significado que remete a algo situado fora de si mesmo, de forma que os signos presentes no discurso sejam fundamentais para a apreensão da ideologia, dado o caráter intersubjetivo do discurso (BARROS, 2005BARROS, D. L. P. Contribuições de Bakhtin às Teorias do Discurso. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: dialogismo e construção do sentido. Campinas: Editora Unicamp, 2005.). É preciso ressaltar que este processo ideológico que se manifesta por meio dos signos só se torna criação ideológica na consciência em sua conexão com o real, tanto na produção por parte da classe dominante quanto na apreensão/resistência por parte da classe dominada. Segundo Bakhtin (2009, p. 35), o ideológico só pode ser explicado no "{...} material social particular de signos".

Esse caráter material atribuído à ideologia discursiva só pode ser compreendido na relação entre base e superestrutura (BAKHTIN, 2009BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2009.). Para o autor, a explicação de uma relação entre a base e um fenômeno isolado qualquer só pode representar valor cognitivo se este fenômeno estiver acompanhado de seu contexto ideológico. Analogamente, o conteúdo dialético da superestrutura só permite a compreensão de uma transformação ideológica por meio de uma imediata relação com as transformações na base. Esta dinamicidade garante não o caráter determinista, mas as transformações operacionalizadas na própria ideologia, por meio de sua dialética interna, das suas próprias contradições, em consonância - mas não necessariamente sincronizada - com as relações materiais mediante dialética externa.

Literatura e Cidade: Cataguases com base na Revista Verde

Dois aspectos históricos fazem de Cataguases-MG uma cidade sui generis. O primeiro, de ordem econômica, caracteriza-se pela precoce industrialização, em particular no setor têxtil, fomentada pela geração de energia elétrica desde a primeira década do século passado. Outro fator diz respeito à relação da cidade com a cultura, reverberada nas primeiras produções cinematográficas de Humberto Mauro, na arquitetura modernista e na produção literária modernista da Revista Verde.

Paralelo às primeiras produções de Humberto Mauro, o período entre 1927 e 1929 é marcado pela publicação dos seis números da Verde reunindo diversos literários da cidade - Enrique de Resende, Rosário Fusco, Guilhermino César, Francisco Inácio Peixoto, Martins Mendes, Ascânio Lopes, Christophoro Fonte-Bôa, Oswaldo Abritta, Camillo Soares -, apoiados por escritores de Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Juiz de Fora, destacando-se, dentre estes, contribuições de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Pedro Nava, Murilo Mendes, Marques Rebelo, Sérgio Milliet e Carlos Drummond de Andrade.

A apresentação do primeiro número da Verde deixa claro que a revista tinha como propósito fortalecer a fundação de uma poesia genuinamente brasileira, que rompesse com a reprodução poética europeia, particularmente francesa. A autonomia da literatura modernista brasileira é destacada na revista como parte da formação do traço identitário brasileiro, cuja riqueza natural e o progresso industrial reverberariam na "nova poesia". O texto de Enrique de Resende busca demarcar também a importância de Cataguases neste processo de "renovação estética", ressaltando que Minas acompanha São Paulo e Rio de Janeiro, e que a produção mineira não se restringe a Belo Horizonte e Juiz de Fora, ressoando também na pequena cidade da Mata Mineira.

Dois traços do conteúdo estético mencionado por Lafetá (2010)LAFETÁ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000. são evidenciados nos propósitos dos poetas da Verde. Primeiro, a clara contraposição à influência europeia na literatura brasileira, de forma que a ruptura com a linguagem bacharelesca representasse o início de um estilo genuinamente brasileiro, e também fundante de uma identidade até então inexistente em razão de uma determinação cultural europeia. Ademais, não obstante o interesse por uma universalização do ser brasileiro, aspectos locais são inseridos quando da projeção da cidade e do estado e dos próprios temas tratados nos poemas.

No texto de apresentação a incursão mineira é tratada como mais uma investida na luta pela liberdade, antes política, numa clara alusão aos inconfidentes, e agora, de pensamento, uma vez que os escritores modernistas se colocavam como criadores de uma literatura brasileira independente da europeia. Essa pretensa emancipação está intimamente conectada à ideia ensaiada de rompimento com a dependência tanto econômica quanto cultural, fazendo-se necessária a criação de um sentido de nação, de identidade, que estabelecesse ponte com a política desenvolvimentista deflagrada em 1930 pelo Estado Novo, mas já ensaiada na década de 20 pelo Modernismo.

A Cidade e Alguns Poetas

Enrique de Resende

Eis aqui uma coisa velhíssima: nós, os poetas brasileiros, com excepção mínima de alguns senhores de avariado gosto, já nos cançámos de receber o que nos tem chegado, em materia de arte, pelo correio de Paris {grifo nosso}.

Mas, apezar dessa coisa velhíssima, até agora poeta nacional ainda não houve, sobretudo de ha uns vinte annos para cá, que não imitasse, decalcasse ou mesmo copiasse o Sr. Albert Samain - este melancólico francez que vem regando ininterruptamente, com os seus inevitáveis repuxos, os desolados jardins da poesia brasileira.

Se não foi Samain, com os seus repuxos e respectivos tanques, quase sempre de marmore polido, foi Rodenbach, debruçado, a choramingar, sobre os canaes de Bruges, ou Mallarmé, com o bindalhar dos seus carrilhões de bronze antigo.

E quando saíssemos de Mallarmé, Rodenbach, ou de Samain, esbarrar-nos-íamos, por força, com o Sr. Paulo Verlaine3 3 Paul Verlaine {nota do autor} , a desfiar o seu rosário nos fundos de uma igreja qualquer de Paris.{...}

Oswald, a acreditamos em Paulo Prado, "numa viagem a Paris, do alto de um atelier da Place Clichy - umbigo do mundo - descobriu, deslumbrado, a sua própria terra".

Voltou aqui e fundou esta coisa engraçada que se chama poesia modernista brasileira.

E enquanto, depois delle, recebíamos Blaise Cendrars no Rio e em São Paulo, Oswald, Mário, Graça, Ronald, Guilherme, Ribeiro Couto e outros confirmaram a existencia dessa nova literatura, artigo nacionalíssimo, e pediram a Cendrars que berrasse, em Paris, do alto do mesmo atelier da Place Clichy, para que toda a França ouvisse, que também nós já temos matéria prima para a fabricação de uma literatura nossa, completamente libertada do pesado julgo de outras literaturas.

De como se vê, a reação brasileira nasceu de um remorso: - o remorso de havermos imitado, piado e decalcado sem precisão, durante tantos annos, quando deveramos ser o modelo novo de uma literatura nova.

De entre muitos bens que nos trouxe o modernismo, sobresáe, é certo, a liberdade com que sonhávamos.

{...}

Já não sonhamos em Bruges-la Morte com os carrilhões e os seus canaes.

{...}

Hoje contamos o que é nosso com palavras. O Verde das nossas mattas e o mysterio das nossas selvas. O esplendor dos nossos campos e a força bruta das nossas aguas. A fartura das nossas lavouras e o ouro dos nossos garimpos. O brilho metálico das nossas montanhas e o trabalho das nossas fabricas rangendo.

{...}

Minas acompanha S. Paulo e Rio em todas as suas modernas manifestações estheticas, não desmentindo, assim, que sempre foi, é, e há de sempre ser o berço dos que gladiam pelas supremas aspirações - hontem, a liberdade política, hoje, a liberdade de pensamento.

Mas o movimento modernista em Minas não se limita ao de Bello-Horisonte e Juis de Fora.

Vindo de um centro de intellectuaes aqui vivi dois annos e meio na mais completa ignorância de que em Cataguazes, minha cidade natal, também se cultivava "a vagabundagem lírica do espírito..." (RESENDE, 1927aRESENDE, E. A cidade e alguns poetas. Revista Verde, v. 1, n. 1, p. 9-11, set. 1927a., p. 9-11).

O segundo número conta com 24 textos. Em Literatura de Brinquedo, Enrique de Resende chama a atenção para o impacto que a Verde causou na "cidadezinha". Resende acena para a diferença entre o conteúdo da Revista Verde e as publicações correntes que se voltavam para os homens de poder político local, além das obras em andamento na cidade. A contraposição ao status quo político sinaliza, implicitamente, que a revista foge à lógica das tradicionais famílias políticas mineiras representantes de uma oligarquia agrária, semelhante à ideia do movimento literário modernista nacional.

A recepção da revista, sobre a qual recaía o caráter futurista destacado por Resende, remete à inovação estilística impressa pelos poetas, a causar estranhamento nos leitores. Resende reage com ironia ao estranhamento dos cataguasenses frente à publicação, destacando em itálico a cidade como "culta e progressista". Este recurso linguístico opera claramente uma tentativa de questionar a capacidade de recepção dos leitores ao que estava sendo produzido, bem como de desfazer a ideia de uma cidade culta e progressista. Em contraposição, Enrique de Resende recorre à chancela de Drummond para reforçar que os poemas publicados pela Verde, em que pese o enrubescimento dos cataguasenses, estão em sintonia com a "renovação estética" proposta pelo movimento literário modernista, sobretudo pela participação de importantes nomes do cenário nacional. A culpabilidade da cidade em sua reticência à Verde é reforçada quando Resende destaca que os "grandes jornais do país" deram o devido crédito à publicação e, implicitamente, aponta o despreparo dos leitores locais e o provincianismo que a "culta e progressista" Cataguases apresenta.

Literatura de Brinquedo

Enrique de Resende

Verde constituiu um delicioso escândalo na sua cidadezinha - de - interior. E não era para menos. Ninguem esperava que a anunciada revista surgisse como surgiu. Que! Revista sem fotografias dos políticos da terra. Sem instantâneos das melindoras, à saída da missa, ou melancolicamente espalhadas pelos jardins da urbs. Sem uma vista siquer do Novo Hospital. Sem isto. Sem aquilo. Qual revista qual coisa nenhuma! Um mero folheto com sonetos futuristas, como o do sr. Carlos Drummond de Andrade, que não passa de um ridículo plagio do Regulamento Interno da Inspectoria de Vehiculos.

{...}

E trumphantemente o respeitável publico se delicia: ora, os futuristas...

{...} E a cidadezinha culta e progressista - como o são, no geral, as cidadelas do interior, segundo os seus hebdmadarios, - enrubeceu todinha com a publicação da Verde.

Mas depois vieram as noticias dos grandes jornaes do paiz. Verde recebida com altas honrarias. Outros nomes que já muito si impurzeram no mundo das letras, offerencem hoje a Verde o labor da sua pena. Todos se admiram, boquiabertos. Há um natural embaraço. O commentario afrouxa. Por vezes se modifica.

Já somos nós agora que sorrimos.

E que fazer? Não será este ainda o nosso público. A mordacidade, resultante, no caso, de um principio rotineiro e bolorento passará. Virá o silencio condescendente. Mas o aplauso ainda não. Talvez mesmo nunca. (RESENDE, p. 7, 1927cRESENDE, E. Literatura de Brinquedo. Revista Verde, v.1, n. 2, p. 7, out. 1927c., grifo nosso).

Além de Literatura de Brinquedo, Enrique de Resende publica no segundo número da Verde outro poema que tem como pano de fundo Cataguases. Em O Canto da Terra Verde, Resende já não culpa a cidade pela indiferença aos poetas locais; em vez disso, ressalta seu crescimento com o trabalho dos descendentes dos escravos. É por meio deste trabalho que se torna viável Cataguases superar o isolamento que a Mata lhe impôs, com a abertura de estradas. Numa análise mais ampla, em conjunto com os demais volumes, aponta não apenas para a comunicação com os grandes centros, mas para a própria superação de um conservadorismo arraigado, relutante às inovações impostas pela própria Verde.

O Canto da Terra Verde

Enrique de Resende

Leva de negros. Fuzila o sol tinindo nas cacundas nuas. No ar o lampejo metálico das enxadas e das picaretas. (A quando e quando estrala a dynamite, estrondando e rebom- bando no seio bruto da pedreira bruta.) E as estradas de rodagem, a custo, lentamente, se entrelaçam, como um cordame de veias, no corpo adusto. (RESENDE, p. 18, 1927dRESENDE, E. O Canto da Terra Verde. Revista Verde, v.1, n. 2, p. 18, out. 1927d.).

Resende recobra de forma explícita o aspecto positivo das rotas que ligam Cataguases às principais cidades do país, ou seja, uma forma clara de assegurar o progresso local, objeto constante na literatura modernista. Todavia, silencia-se frente a possibilidade de crítica à herança que a escravidão impõe sobre os negros, cujos esforços foram empregados em atividades insalubres, o que naturaliza tanto a necessidade de progresso quanto a divisão social do trabalho.

O terceiro texto analisado no segundo número da Verde, escrito por Ascânio Lopes, é uma defesa das razões imbuídas no movimento modernista. A Hora Presente representa novamente uma defesa da criação de uma identidade brasileira calculada no fortalecimento das instituições, da língua e da própria literatura brasileira (modernista), de forma que a operacionalização destas diversas esferas em nível nacional construísse um protecionismo frente às influências estrangeiras. No texto, Ascânio Lopes encena o sentido inimigo que a palavra "estrangeiro" denotava, inflamando povos e deflagrando rebeliões de cunho nacionalista, além de operar a valorização das terras pelos seus povos. Todavia, pondera o poeta, o "voltar para sua terra" não deve ser feito sob as retinas românticas, o que pode ser entendido como uma clara contraposição ao Romantismo, particularmente na sua primeira geração. A necessidade lançada por Ascânio Lopes aponta para a criação do "espírito nacional", que por consequência traz a solução para os problemas nacionais, sem influência direta dos elementos estrangeiros: podemos "absorvê-los sem sermos absorvidos" - da mesma forma se caracterizou a própria literatura modernista: sob influência e distanciamento francês.

A Hora Presente

Ascânio Lopes

A palavra estrangeiro, na sua origem, significava o inimigo. E essa significação não se perdera, estava latente em todos os espíritos. A grande guerra, despertando os sentimentos nativistas dos povos, acordando as forças que prendem o homem á sua terra e á sua gente, reviveu o velho sentido do vocábulo; creou uma athmosphera de revolta contra o estrangeiro, contra as instituições e costumes alheios; creou, enfim, um estado de rebellião permanente contra as outras nacionalidades. Mais, ainda: fez com que todos voltassem os olhos para sua terra e sua gente. Não para um idealismo romântico, porque o momento era de acção; não para um pessimismo doentio, porque o momento, que era de exaltação de cada nacionalidade, não o comportava. Mas, para um exame melhor das coisas, para a nacionalização das instituições, para a formação dum espirito nacional, para a creação, apuração ou consolidação de uma nacionalidade, isenta e fora do circulo da influencia directa dos elementos estrangeiros. E nos paizes novos e de immigração, como o Brasil, onde o espirito e as coisas nacionaes não estão estabilizadas, passado o primeiro instante de choque com essa corrente de ideas de nacionalização, que foi de um combate violento, mais de barulho que de resultado, trata-se, na hora presente, de formar um espirito nacional, um critério nacional, para a solução dos problemas nacionaes; luta-se pela formação da nacionalidade, pela conservação em estado de pureza ou pela creação dos elementos que são indispensáveis a ella; trata-se de absorver o estrangeiro, sem ser absorvido por elle.

{...}

Trata-se, pois, da unificação da raça; da unificação da lingua, já differenciada da portuguesa por uma força subconsciente, incorporando-se ao patrimônio delia os legítimos modismos e palavras da generalidade do povo brasileiro; tenta-se a formação duma literatura própria, quer quanto ás fontes de inspiração, quer quanto á forma; trata-se da creação duma legislação brasileira, que proteja mais os nacionaes e melhor se accomode ao nosso meio e á nossa gente. (LOPES, p. 17, 1927LOPES, A. A Hora Presente. Revista Verde, v. 1, n. 2, p. 17, out. 1927., grifo nosso).

O terceiro volume da Verde é historicamente marcado por ter publicado o original de Quadrilhas4 4 Quadrilha (Carlos Drummond de Andrade). Revista Verde, anno 1, n. 3, p. 13, novembro de 1927. , famoso poema de Carlos Drummond de Andrade (1927ANDRADE, C. D. Quadrilha. Revista Verde, v. 1, n. 3, p. 13, novembro 1927.). Quanto às demais publicações deste número, apenas Cantos da Terra Verde, de Enrique de Resende, faz clara referência a Cataguases. O poema de Resende estabelece relação direta com O Canto da Terra Verde, publicado na edição de número 2. Se na obra anterior Resende atribui a unicidade sonora às explosões nas pedreiras, neste novo poema o autor atribui a pluralidade de som à vazão d'água necessária para geração de energia elétrica e ao funcionamento dos teares nas fábricas da cidade. Se O Canto da Terra Verde indica a ligação de Cataguases com outras cidades e, com isso, um rompimento com o referido isolamento geográfico e também cultural, Cantos da Terra Verde apresenta a cidade em progresso, diretamente relacionada à criação da Cia Força e Luz Cataguases-Leopoldina5 5 A empresa - hoje denominada ENERGISA - permanece em operação, apresentando grande expansão nos últimos vinte anos. , em 1908, e às indústrias têxteis da cidade.

Cantos da Terra Verde

Enrique de Resende

Desce o rio, lento, pesadão, mollengo. Mas, de repente, se despenha no desespero do despenhadeiro. E' a cachoeira, a acachoar, zoando e retum- bando, no seio vir- jem da floresta virjem. E, além, são as águas, que se refreiam, que se represam, e é a luta esplendida de mil cavallos imaginários nos canos grossos, nos tubos longos, pelas turbinas a dentro - num turbilhão. E, então, lá no alto, á luz do dia, apotheoticamente, as fabricas gemem, os teares cantam, a serras guincham, - e, á noite, como que num milagre, é a cidadella toda esplendente de alampadarios. (RESENDE, p. 20, 1927bRESENDE, E. Cantos da Terra Verde. Revista Verde, v.1, n. 3, p. 20, nov. 1927b.).

Novamente os poemas são marcados por sua relação imediata com o progresso que abarcava a cidade, em particular quando esta se lança às atividades industriais em substituição às atividades agrícolas. Reforça-se aqui o compromisso da literatura modernista com o progresso, ao passo que a industrialização é incorporada como temática. É necessário ressaltar que o conjunto de poemas até então analisados operam tanto a dialética interna quanto externa. Internamente, estabelecem contraposição à determinação cultural europeia, de modo que a produção nacional modernista represente uma saída para o colonialismo cultural. Externamente, recobram em diversos momentos a imediata relação com o estágio de desenvolvimento econômico, reforçando a contraposição deste com as atividades que precederam a industrialização. Em síntese, é fortemente presente a ideia de ruptura, eliminando o processo histórico de desenvolvimento tanto da própria literatura quanto da atividade produtiva, operando nesta ruptura elementos em oposição, como rural/urbano, produção agrícola/produção industrial, estrangeirismo/nacionalismo.

Publicado em dezembro de 1927, o número 4 da Verde traz 26 textos, entre poemas, contos, críticas e notas. O caráter que difere este número dos demais é a presença de dois textos de conteúdo crítico. O primeiro, de Francisco Ignácio Peixoto, volta sua lente para o árduo trabalho dos homens nas pedreiras da cidade. O outro, de Enrique de Resende, remete aos maus tratos atribuídos aos escravos por seu avô em sua propriedade.

Em Pedreira, Francisco Inácio Peixoto descreve o duro labor dos trabalhadores nas pedreiras. O autor destaca que ao "arrancar faíscas" do atrito com os objetos perfurantes e da própria pedra, os trabalhadores se veem diante das "suas sombras primitivas", numa clara alusão à forma primitiva de se obter fogo pelo atrito de pedras e outros materiais. Além de caracterizar o trabalho destes homens como algo que pertence a um passado remoto, Peixoto destaca a inexistência de perspectiva para estes trabalhadores, fadados a permanecerem nesta atividade, embora mantenham viva a expectativa de mudanças.

Um olhar desavisado sobre o poema de Peixoto poderia permitir inferir que se trata de uma crítica ao primitivismo do trabalho e às condições que este tipo de atividade impõe. Para além do caráter denunciante, esta crítica opera também um sentido de positividade às atividades industriais na cidade - destacando-se que a propriedade das mais importantes indústrias se concentra nas mãos da família do poeta. Assim, Francisco Ignácio não apenas exime a atividade industrial de críticas, como reforça a empreitada fabril de sua família como a transição do trabalho rudimentar para o moderno, e que, de certa maneira, também demarca a transição para um "novo tempo".

Pedreira

Francisco Ignácio Peixoto

Dependurados no espaço eles ficam ali o dia inteiro arrancando faíscas furando buracos na pedreira enorme que reflete como um espelho as suas sombras primitivas. A' tarde ouve-se um estrondo e o éco repete a gargalhada das pedras que vieram rolando da montanha. Os homens de pele tostada descem então dos seus esconderijos e caminham pras suas casas vagarosamente decepcionados segurando com as mãos cheias de calos as ferramentas com que procuram ha uma porção de anos o segredo que lhes dê uma nova revelação da vida. (PEIXOTO, 1927PEIXOTO, F. I. Pedreira. Revista Verde, v.1, n. 4, p. 11, dez. 1927., p. 11)

O segundo poema, Senzala, de Enrique de Resende, retrata a memória do autor marcada pelas "atrocidades" a que eram submetidos os escravos na fazenda a mando de seus avós. O autor condiciona as lembranças à existência da senzala na propriedade, revelando sua crença de que as marcas na memória possam se esvair quando ruírem as estruturas de pau a pique. Indo além, por meio de uma análise mais ampla dos poemas publicados, Senzala se configura como a única investida que se lança a criticar as condições impostas pelos que detinham o poder na cidade.

Senzala

Enrique de Resende

Senzala da fazenda dos meus avós... Vão-se desmoronando pouco a pouco as tuas paredes de pau-a-pique e os teus telhados seculares. Mas ainda és, no teu desmoronamento, a lembrança angustiosa das atrocidades dos meus avós. Senzala da fazenda... As tuas ruinas ainda estão impregnadas do sangue machucado dos negros que gemeram nos teus troncos, sob o chicote ameaçador dos homens brancos-feitores da fazenda. Mas tudo isso ha de desaparecer um dia. As tuas paredes de pau-a-pique e os teus telhados seculares, - ruinas ainda impregnadas do sangue e do suor dos escravos- lembram os gemidos que se perderam pelos teus cubículos de tabique; e as lagrimas que rolaram pelo teu chão de terra socada; e o relho de treis trancas dos algozes feitores da fazenda; e os gritos lancinantes que vararam o horror das tuas trevas; e a mancha apagada que ficou na braúna dos teus troncos. Mas - bendito seja Deus! - as tuas ruinas desaparecerão um dia na bruma longínqua da historia dos tempos. E então se apagará também, esse dia, na minha memória a lembrança angustiosa das atrocidades dos meus avós... (RESENDE, 1927eRESENDE, E. Senzala. Revista Verde, v. 1, n. 4, p. 20, dez. 1927e., p. 20).

Apesar de a investida se configurar como um ponto fora da curva entre os escritos publicados na Verde, a relação estabelecida neste poema com a obra Pequena História Sentimental de Cataguases, escrita pelo mesmo Enrique de Resende (1969RESENDE, E. Pequena História Sentimental de Cataguases. Belo Horizonte-São Paulo: Editora Itatiaia, 1969.), 42 anos mais tarde, sinaliza mudanças no modo de enxergar o trabalho escravo na fazenda de seus ascendentes. Em sua obra, Resende isenta seus antepassados da responsabilidade de maus tratos com os escravos, atribuindo a esta atitude certa naturalidade, dentro da "{...} conformidade com os usos e costumes daquela ignominiosa quadra da vida brasileira" (RESENDE, 1969RESENDE, E. Pequena História Sentimental de Cataguases. Belo Horizonte-São Paulo: Editora Itatiaia, 1969., p. 27).

A edição de número 5 faz uma referência direta a Cataguases. Em A Descoberta de Cataguazes, Ribeiro Couto reforça a ideia da cidade reconhecida em nível nacional em virtude da empreitada dos criadores da Verde. Para fortalecer a importância dos poetas cataguasenses da Verde, Couto recorre aos antigos fundadores, reconhecendo seus méritos, mas demarcando de maneira clara que a evidência da cidade só se dá pelos Verdes. Ademais, Couto lança em seu texto o "entendimento" para com a cidade que ignora o legado de seus filhos, explicado por seu provincianismo quando contraposto com aqueles que vivem o fervor da modernidade e nos grandes centros se colocam diante da ampla compreensão do peso dos movimentos culturais, consequentemente, da importância da Verde.

A Descoberta de Cataguazes (fragmentos)

Ribeiro Couto

{...}

Assim, Cataguazes. Em vão Astolpho Dutra foi presidente da Câmara dos Deputados Federaes. Em vão Astolpho Resende é uma das figuras mais formosas do direito brasileiro: a par da bondade pessoal, a luz claríssima da cultura e da intelligencia rica. Nasceram em Cataguazes? Mas onde é Cataguazes ?

Subitamente, "Verde": um bofetão na atonia literária nacional. Poesia.

{...}

Como ha vida nessas paginas da tua revista! Não sei qual é a opinião do teu presidente da Câmara Municipal, nem sei também si as outras pessoas sensatas da localidade acreditam em "Verde"! Talvez lhes succeda como com a neblina: não a vemos quando estamos dentro delia. Nós, porém, que vivemos pela vastidão annexa do paiz (residindo em outros ramaes ferroviários) nós sabemos - em segredo - que "Verde" integrou Cataguazes na realidade nacional atingivel. (COUTO, 1928, p. 10-11, grifo nosso)

O sexto e último número da Verde, publicado em maio de 1929, é dedicado em grande parte a Ascânio Lopes, falecido no mesmo ano, vítima de tuberculose. A morte de Ascânio é tratada como um período de transição, uma vez que o número é referenciado em sua capa como publicação da "segunda fase" da revista. Além dos volumosos textos que fazem referência ao brilhantismo de Ascânio Lopes, o sexto número traz um texto de José Américo de Almeida, de referência direta a Cataguases. Em Mensagem ao Grupo Verde, o autor reforça a posição esboçada pelo texto de Ribeiro Couto, anteriormente analisado, corroborando a ideia de que os Verdes são responsáveis diretos pela notoriedade de Cataguases em nível nacional. Como contrapartida, destaca o autor, a cidade lhe nega reconhecimento, sendo irredutível frente aos que se tornam mais importantes que ela mesma.

Mensagem ao "Grupo Verde "

José Américo de Almeida

Eu sonhei com vocês: todo o Brasil espiando pra Cataguases e Cataguases dando as costas a vocês.

Cidade pequena é assim mesmo. Tem raiva de quem fica maior do que ela dentro della.

Vocês poetas de cidade pequena (grupo n. 4) fizeram Cataguases uma cidade grande. Porque é grande tudo quanto se vê de longe, inclusive certas coisas pequenas.

Queiram bem a Cataguases que não quer bem a vocês. Cataguases é pequena, mas vocês só são grandes porque são poetas de Cataguases. (ALMEIDA, 1929ALMEIDA, J. A. Mensagem ao "Grupo Verde". Revista Verde, v. 1, n. 1, p. 3, maio1929., p. 3).

A inquietação lançada por José Américo de Almeida demanda um retorno às contradições intrínsecas que fazem dos poetas Verdes cultos e eruditos, uma vez que, ao se posicionarem como vanguardistas, com uma produção literária a representar uma ruptura estética, os Verdes, assim como grande parte dos escritores modernistas, mantêm o distanciamento frente às mesmas tensões cotidianas cuja ausência nas produções literárias precedentes era objeto de crítica. Refugiam-se numa ruptura estilística que visa superar o academicismo até então em voga, sem questionar as bases materiais dos fatores que o geram - não necessariamente o caráter acadêmico, mas a clara divisão entre trabalho e capital, entre a ocupação do corpo e da mente.

Este percurso de vanguarda da Cataguases guiada pelas rédeas dos grupos de poder econômico e político é rebatido mesmo no campo da literatura, nos cinco volumes de Inferno Provisório, de Luiz Ruffato (2005aRUFFATO, L. Mamma, son tanto felice (Inferno Provisório, volume I). Rio de Janeiro: Record, 2005a. 6 6 Luiz Ruffato é escritor nascido em Cataguases, tendo publicado diversas obras entre livros, romances, contos e poesias, além de ensaios e coletâneas organizadas. Dentre suas publicações destacam-se Eles eram muitos cavalos, Estive em Lisboa e lembrei de você, e os cinco volumes da obra O Inferno Provisório. A existência de uma Cataguases cultural somente reconhecida quando Ruffato sai da cidade ilustra o fio condutor de sua obra, na qual trata da Cataguases operária, distante da Cataguases de vocação cultural. O cotidiano dos trabalhadores e das fábricas é tratado em seus livros, e isso reflete o passado de Ruffato, filho de um pipoqueiro e mãe lavadeira, tendo sido operário da indústria têxtil local. ; 2005bRUFFATO, L. O Mundo Inimigo (Inferno Provisório, volume II). Rio de Janeiro: Record, 2005b.; 2006RUFFATO, L. Vista Parcial da Noite(Inferno Provisório, volume III). Rio de Janeiro: Record, 2006.; 2008RUFFATO, L. O Livro das Impossibilidades (Inferno Provisório, volume IV). Rio de Janeiro: Record, 2008.; 2011RUFFATO, L. Domingos sem Deus (Inferno Provisório, volume V). Rio de Janeiro: Record, 2011.), escritor Cataguasense. Oliveira (2011OLIVEIRA, M. V. F. A Ruína e a Máscara: as contradições de uma modernização conservadora em Inferno Provisório, de Luiz Ruffato. Tese (Doutorado em Estudos Literários) - Programa de Pós-graduação em Letras, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2011., p. 30) ressalta que as narrativas de Inferno Provisório apresentam-se como contra-hegemônicas, por desvelar

a tensão entre a "estrutura estruturada" dos signos da cultura, uma vez que toma como cenário a mesma Cataguases dos "vanguardismos" modernistas na arquitetura e na literatura, e a "estrutura estruturante", na qual o desmonte do consenso faz surgir o descompasso aberrante desta "máscara" que sempre ocultou os elementos responsáveis pela sua própria "ruína", se não no plano estético, pelo menos no campo social e político.

Apesar do frescor daquelas épocas, o fim da década de 20 trouxe consigo o esfriamento da aparente efervescência cultural que pairava em Cataguases-MG7 7 O esfriamento das atividades culturais na cidade se deve, principalmente, ao fim prematuro das publicações da Revista Verde, em virtude da morte do poeta Ascânio Lopes, aos 23 anos, em 1929. Em complemento, no mesmo ano Humberto Mauro migra para o Rio de Janeiro, onde dá sequência às suas produções cinematográficas. . Vemos como aparente por ter sido um movimento restrito e restritivo, que demarcava os limites entre os representantes da cidade e aqueles à margem de toda manifestação. Entretanto, o fim de um domínio com base na produção artística não põe termo à dominação econômica de base existente em Cataguases, de forma que os grupos de poder se mantivessem como tal.

Considerações Finais

Buscamos neste trabalho compreender as relações dialéticas existentes entre o discurso literário e as questões de ordem material. De maneira mais específica, analisamos estas relações na Revista Verde, publicação modernista importante da década de 20, cuja produção teve como berço a cidade de Cataguases-MG.

Por meio da análise dos seis volumes da revista, publicados entre 1927 e 1929, foi possível identificar que a pretensa ruptura estética da literatura modernista Verde se manteve restrita ao plano estilístico, como alternativa ao academicismo até então em voga, sem questionar as bases materiais dos fatores que geram o próprio traço elitista presente nas produções literárias precedentes. E, nesse caso, não necessariamente questionar o caráter acadêmico, mas a clara divisão entre trabalho e capital, entre a ocupação do corpo e da mente, que faz desta ruptura inócua frente a qualquer possibilidade de entendimento do cunho ideológico para além da esfera da arte, que irrompesse as condições concretas que a mesma oligarquia agrária impôs ao cidadão comum.

Este ponto de partida na base, nas relações materiais inteiramente contraditórias é convenientemente ignorado, o que permite atribuir ao casuístico a incompreensão da "cidade provinciana" daquilo que se produzia, do "caráter vanguardista" que o movimento Verde imputava à cidade. Os textos conferem "ignorância" local à recepção do conteúdo produzido concomitante aos méritos do trabalho árduo nas atividades produtivas que reduzem o hiato entre a cidade e a civilização brasileira, negando qualquer implicação mútua entre os dois fenômenos. O ponto de partida e de chegada do conteúdo literário não permite qualquer amplitude do reflexo estético que diga respeito às condições de vida dos trabalhadores, uma vez que as contradições da vida material são negligenciadas. Nesse caso, ignora-se que, antes de uma ausência de sentido da produção literária frente aos citadinos, há um processo de produção industrial que toma toda e qualquer capacidade produtiva, ao que Marx e Engels (2007MARX, K; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.) classificaram como divisão do trabalho material e espiritual.

Quando convidada, a cidade é narrada com base nos preceitos norteadores da construção de um tipo brasileiro calcado nas produções literárias ou metaliterárias que constroem narrativas epidíticas8 8 De acordo com a Retórica de Aristóteles (1985), o gênero epidítico ou gênero de exibição eram discursos relativos a comemorações e solenidades, marcados por atitude elogiosa e de celebração de valores e virtudes. Na abordagem de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), o gênero epidítico passa a ter, dentro da Nova Retórica, um lugar central na arte de persuadir: além de reforçar e fornecer as premissas necessárias para legitimar as argumentações dos outros gêneros, ele possui, em si, uma importante influência sobre as ações e disposições humanas. Por esse prisma, é possível dizer que o gênero epidítico apresenta as seguintes funções: (i) permitir a identificação do auditório, (ii) reforçar valores, (iiii) despertar emoções e (iv) desencadear ações. . Aqui, mais uma vez, a contradição entre trabalho intelectual e trabalho corporal se mostra presente entre os que dedicam seu tempo à produção cultural e os que empregam esforços em produções convencionais, de forma que o movimento dialético de base e superestrutura garante a apropriação e uso do trabalho corporal, gerando novamente mais trabalho intelectual, acentuando os aspectos superestruturais de dominação.

Semelhante é a necessidade de relacionar estes mesmos elementos superestruturais constituídos em Cataguases com seus correspondentes na esfera nacional, uma vez que são várias as convergências que compõem os propósitos das investidas modernistas para muito além das idiossincrasias. No caso do Modernismo, partimos de um prisma em que a renovação estética (estilística) complementa a verdadeira criação do espírito brasileiro, das características fundantes de um povo que até então convive com as contradições do processo colonizador, escravagista e de exploração indígena. O Modernismo operacionaliza então, no campo artístico, a substituição de uma produção literária preponderantemente de influência europeia. Na base, a formação do tipo brasileiro correspondia à substituição do trabalho agrário, ainda marcado pelas heranças da escravidão, pela atividade industrial, que supostamente poria fim à dependência brasileira de outros países.

Na esfera superestrutural, os campos cultural e político operam com base em múltiplas determinações. É justamente a incorporação de várias manifestações artísticas num único plano estético (estilo) que o torna robusto e garante legitimação no pleito de representar os ideais de um país, de um plano político pós-revolução e de um modelo econômico industrial; em suma, de um sentido unitário de nação. No caso de Cataguases, este sentido unitário de cidade pode ser visto como um microcosmo do Brasil observado não apenas no elo estabelecido entre Verde e os escritores do modernismo brasileiro, mas também por ser símbolo de um ponto de inflexão da história da cidade, marcada pela atividade industrial, cujos efeitos colaterais devem ser compreendidos sob o conservadorismo das formas de dominação social.

Retomando a concepção dialética e materialista para lançarmos luz ao texto, cabe-nos apontar duas categorias essenciais para compreendermos a cidade com base nos poemas da Verde: ideologia e naturalização dos acontecimentos. Supondo a necessidade de traçarmos um fio que atravessa todos os poemas, este traria consigo o momento fundante de uma nova era que se descola de um passado aprisionador, tanto no sentido econômico quanto literário. A ideologia está presente não no sentido da falsa consciência, ou apreensão parcial da realidade, mas justamente por amparar as relações concretas que são essencialmente contraditórias e, portanto, mais facilmente aceitas se conformadas em outras instâncias para além das produtivas.

Seria razoável afirmar que os textos são construídos considerando-se contradições entre o passado e um devir lançado pelos poetas. Embora presente, esta contradição se mantém no nível macro como ponto de partida e de chegada, ao passo que se legitima na contraposição a um colonialismo europeu e a um estigma empirista de um país agrário e rural. Por consequência, a chegada no nível macro é justamente a superação destes dois estágios, no campo da literatura e da própria economia. Ao refletirmos sobre a relação do aspecto totalizante dos textos com o nível micro, dado que aqui buscamos apreender a cidade na produção literária, entendemos que o caráter conformista prevalece, justamente por obliterar toda e qualquer contradição, naturalizar os processos de dominação e divisão social do trabalho, divisão esta que desloca da necessidade de entregar as forças produtivas às empresas o desinteresse da população frente à literatura dos Verdes.

Acreditamos que os apontamentos aqui lançados contribuem para os Estudos Organizacionais em alguns aspectos. O primeiro deles diz respeito à manutenção da cidade como objeto de análise, em razão da multiplicidade de significados e contradições concretas existentes, que devem necessariamente ser analisados em sua relação com o macro. Outro aspecto importante, e pelo qual muitos pesquisadores no âmbito dos Estudos Organizacionais mantêm firme posição, é a manutenção de objetos repletos de singularidades, mesmo diante das constantes demandas por produção de conhecimento universalizante, que podem suprimir objetos que tendem ao exótico9 9 Para um melhor entendimento sobre o caráter universal da ciência e os riscos de esquecimento da singularidade dos objetos, algo inerente às Ciências Humanas e Sociais, ver Barros e Xavier (2015). .

REFERÊNCIAS

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  • *
    Fonte: Revista Verde (Setembro de 1927) - Capa do primeiro exemplar.
  • 2
    O sentido estético adotado neste trabalho diz respeito a uma estética essencialmente materialista (LUKÁCS, 1965LUKÁCS, G. Ensaios sobre Literatura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.; 1970LUKÁCS, G. Introdução a uma Estética Marxista. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1970.). A produção artística é aqui tomada como elaboração da própria realidade, e que por consequência, se configure num instrumento que auxilia a superação das contradições materiais. É necessário ressaltar, entretanto, que a arte é recobrada como parte de um processo de desenvolvimento histórico que opera dialeticamente em seu conteúdo interno - frente a outras elaborações artísticas com as quais se estabelece conflito - e em seu conteúdo externo, num retorno à própria vida material.
  • 3
    Paul Verlaine {nota do autor}
  • 4
    Quadrilha (Carlos Drummond de Andrade). Revista Verde, anno 1, n. 3, p. 13, novembro de 1927.
  • 5
    A empresa - hoje denominada ENERGISA - permanece em operação, apresentando grande expansão nos últimos vinte anos.
  • 6
    Luiz Ruffato é escritor nascido em Cataguases, tendo publicado diversas obras entre livros, romances, contos e poesias, além de ensaios e coletâneas organizadas. Dentre suas publicações destacam-se Eles eram muitos cavalos, Estive em Lisboa e lembrei de você, e os cinco volumes da obra O Inferno Provisório. A existência de uma Cataguases cultural somente reconhecida quando Ruffato sai da cidade ilustra o fio condutor de sua obra, na qual trata da Cataguases operária, distante da Cataguases de vocação cultural. O cotidiano dos trabalhadores e das fábricas é tratado em seus livros, e isso reflete o passado de Ruffato, filho de um pipoqueiro e mãe lavadeira, tendo sido operário da indústria têxtil local.
  • 7
    O esfriamento das atividades culturais na cidade se deve, principalmente, ao fim prematuro das publicações da Revista Verde, em virtude da morte do poeta Ascânio Lopes, aos 23 anos, em 1929. Em complemento, no mesmo ano Humberto Mauro migra para o Rio de Janeiro, onde dá sequência às suas produções cinematográficas.
  • 8
    De acordo com a Retórica de Aristóteles (1985)ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint, 1985., o gênero epidítico ou gênero de exibição eram discursos relativos a comemorações e solenidades, marcados por atitude elogiosa e de celebração de valores e virtudes. Na abordagem de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996)PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da Argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996., o gênero epidítico passa a ter, dentro da Nova Retórica, um lugar central na arte de persuadir: além de reforçar e fornecer as premissas necessárias para legitimar as argumentações dos outros gêneros, ele possui, em si, uma importante influência sobre as ações e disposições humanas. Por esse prisma, é possível dizer que o gênero epidítico apresenta as seguintes funções: (i) permitir a identificação do auditório, (ii) reforçar valores, (iiii) despertar emoções e (iv) desencadear ações.
  • 9
    Para um melhor entendimento sobre o caráter universal da ciência e os riscos de esquecimento da singularidade dos objetos, algo inerente às Ciências Humanas e Sociais, ver Barros e Xavier (2015)BARROS, A. N; XAVIER, W. S. Nothing is new under the tropical sun: or on the practical limits to the subaltern theoretical contribution. In: EGOS Colloquium, 31., 2015. Proceedings of... Athens: EGOS, 2015..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2015
  • Aceito
    17 Set 2015
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