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Células solares de TiO2 sensibilizado por corante

TiO2 dye sensitized solar cells

Resumos

As células solares de Grätzel consistem de células fotovoltaicas de TiO2 nanocristalinas sensibilizadas por corante. Elas apresentam uma superfície nanoporosa de TiO2, um semicondutor de bandgap largo. A luz excita elétrons do corante que são então injetados na banda de condução do TiO2. Esse processo eletroquímico é regenerativo, com perda de parte da energia produzida através de recombinação de cargas. Compreender o processo de recombinação é um passo importante para o desenvolvimento de células mais eficientes. Uma experiência é sugerida para aulas de Laboratório de Física usando essas células solares, onde se mostra que o rendimento aumenta juntamente com o crescimento do valor da resistência interna de recombinação.

energia solar; célula solar de TiO2; resistência interna


Grätzel solar cells consist of nanocrystalline dye sensitized TiO2 photovoltaic cells. Such cells contain a nanoporous surface of TiO2, which is a wide bandgap semiconductor. The light excites electrons from the dye which are then injected into the conduction band of the TiO2. This electrochemical process is regenerative, with part of the converted energy being lost due to charge recombination. Understanding this recombination process is an important step for the development of more efficient cells. We make a suggestion for an experiment for undergraduate physics laboratory classes using such solar cells and we show that the efficiency increases along with the growth of the value of the internal resistance of recombination.

solar energy; TiO2 solar cell; internal resistance


ARTIGOS GERAIS

Células solares de TiO2 sensibilizado por corante

TiO2 dye sensitized solar cells

J.S. AgnaldoI,1 1 E-mail: agnaldo@df.ufal.br. ; J.B.V. BastosI,II; J.C. CressoniI; G.M. ViswanathanI

IDepartamento de Física, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil

IIDepartamento de Engenharia Química, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil

RESUMO

As células solares de Grätzel consistem de células fotovoltaicas de TiO2 nanocristalinas sensibilizadas por corante. Elas apresentam uma superfície nanoporosa de TiO2, um semicondutor de bandgap largo. A luz excita elétrons do corante que são então injetados na banda de condução do TiO2. Esse processo eletroquímico é regenerativo, com perda de parte da energia produzida através de recombinação de cargas. Compreender o processo de recombinação é um passo importante para o desenvolvimento de células mais eficientes. Uma experiência é sugerida para aulas de Laboratório de Física usando essas células solares, onde se mostra que o rendimento aumenta juntamente com o crescimento do valor da resistência interna de recombinação.

Palavras-chave: energia solar, célula solar de TiO2, resistência interna.

ABSTRACT

Grätzel solar cells consist of nanocrystalline dye sensitized TiO2 photovoltaic cells. Such cells contain a nanoporous surface of TiO2, which is a wide bandgap semiconductor. The light excites electrons from the dye which are then injected into the conduction band of the TiO2. This electrochemical process is regenerative, with part of the converted energy being lost due to charge recombination. Understanding this recombination process is an important step for the development of more efficient cells. We make a suggestion for an experiment for undergraduate physics laboratory classes using such solar cells and we show that the efficiency increases along with the growth of the value of the internal resistance of recombination.

Keywords: solar energy, TiO2 solar cell, internal resistance.

1. Introdução

As formas de energia alternativas estão em constante fase de evolução tecnológica. Entre elas, a energia solar é bastante importante, devido à facilidade de ser encontrada em quase todas as regiões do nosso planeta.

O funcionamento de uma célula solar baseia-se no efeito fotovoltaico que ocorre em materiais semicondutores. Um semicondutor caracteriza-se pela presença de elétrons com energias distintas na banda de valência (BV) e na banda de condução (BC), entre essas duas bandas existe uma banda proibida de energia ou bandgap(BG).

Uma das formas de converter energia solar em energia elétrica é através de uma célula que usa nanopartículas em sua fabricação, conhecida na literatura como célula de Grätzel, célula solar fotoquímica, ou ainda célula solar nanocristalina sensibilizada por corante (CSNS) [1]. Esse novo dispositivo de conversão de energia, utiliza em sua fabricação o dióxido de titânio (TiO2), de baixo custo em comparação com o silício que é usado em células solares convencionais, além de ser encontrado em reservas minerais em território brasileiro [2].

Nas células solares convencionais o semicondutor mais usado é o silício, um elemento tetravalente em rede cristalina. Ao se adicionar átomos dopantes com três elétrons de valência, aparecem buracos (ou a falta de elétrons) para equilibrar os átomos da rede. A presença de buracos caracteriza o silício semicondutor tipo p, onde a BV não é completamente preenchida. Se por outro lado se adicionar átomos dopantes com cinco elétrons de valência, haverá elétrons em excessos que vão para a BC. A presença de elétron na BC caracteriza o silício semicondutor tipo n. A energia de Fermi do semicondutor tipo n é maior do que a do semicondutor tipo p. Na construção de uma célula solar de silício são empregados ambos tipos de semicondutores, formando uma junção pn. Nesta junção os elétrons livres do lado n passam ao lado p, onde encontram buracos do lado p que os aniquilam, ocorre então um acúmulo de elétrons no lado p que passa a ficar negativamente carregado. O processo inverso ocorre no lado n, que se torna positivo. Este acúmulo de cargas aprisionadas na interface de contato cria um campo elétrico que eventualmente leva a um equilíbrio da passagem de cargas de um lado para o outro. Ocorre portanto um nivelamento das energias de Fermi do lado n com o lado p, na região da junção. Se a junção for exposta à luz, com energia maior que a BG, ocorrerá a formação de pares elétrons-buracos, havendo aceleração e separação de cargas onde o campo é diferente de zero, produzindo uma corrente através da junção. Surge então uma diferença de potencial, que é o efeito fotovoltaico. Fechando-se o circuito externo para circulação de corrente, temos assim uma célula solar de silício em operação.

Já uma CSNS é composta de duas pequenas placas de vidro, recobertas por um substrato condutor transparente de óxido de estanho (SnO2) ou material similar. Sobre o lado condutor de um desses vidros, é depositada uma fina camada com 10-40 µm de espessura, de nanopartículas de TiO2, de 5-30 nm de diâmetro. Esse vidro é então sinterizado a uma temperatura de 400 ºC, adquirindo características de um semicondutor nanoporoso de elevada área de superfície. Essa superfície é dopada com um corante sensibilizador cujos detalhes são mostrados mais adiante. Na outra placa de vidro é depositada sobre a face condutora, uma fina camada catalisadora de platina ou grafite que será o eletrodo positivo da célula. As faces condutoras e semicondutoras são colocadas em contato através de um eletrólito líquido não-aquoso de acetonitrila, onde existem íons de iodo em solução (CH3CN/3-metil-2-oxazolidinona(NMO)(peso% 50:50) contendo 0,3 M LiI e 30 mM I2) [3]. No final da fabricação, a célula é selada para evitar vazamento do eletrólito, mas já existe CSNS com eletrólito em gel semi-sólido [4]. Quando a CSNS está em operação há conversão de iodeto, I-, em triiodeto, , dentro do eletrólito de forma regenerativa.

O TiO2 é uma substância não-tóxica, usada principalmente como pigmento branco para dar opacidade a tintas, cosméticos, plásticos e papéis. Existem três formas cristalinas na natureza do dióxido de titânio: rutilo tetragonal, anátase e bruquita ortorrômbica, sendo que apenas as duas primeiras são comercialmente produzidas e encontradas no Brasil [2]. Por ser transparente à luz visível e possuir uma banda proibida de energia (BG) de 3 eV [5], o TiO2 necessita de luz ultravioleta para gerar pares de buracos e elétrons. Para facilitar esse processo, um filme de corante que absorve a luz na sua cor específica (podendo variar da forma incolor até a preta) é depositado sobre a superfície nanoporosa. Assim o TiO2 e o corante, possuem mesmo nível de energia de Fermi. Os elétrons que estão no nível de valência do corante ou pigmento orgânico (PO) podem ser excitados e injetados na BC do TiO2. Neste processo ocorre o surgimento de buracos nas moléculas de PO, que são preenchidas muito rapidamente, na escala de femtosegundos [4], por íons de iodo que estão no eletrólito. Os íons de iodo, I-, se juntam ao preencherem os buracos dos pigmentos e são convertidos em na superfície nanoporosa. O processo inverso ocorre no eletrodo positivo, quando recebe elétrons que completam o ciclo através do circuito externo. A eficiência desta célula tem atingido aproximadamente 11%, com o uso de corante preto (4,9,14-tricarboxila 2, 2'-6,6'terpiridil Ru(II) tritiocianato) e eletrólito na forma líquida, apresentando longo tempo de vida útil e mostrando bom desempenho em locais de temperatura ambiente em torno de 40 ºC [3, 6, 7]. Essas células de TiO2, além de converter energia solar em energia elétrica, são usadas também em pesquisas que as utilizam como sinalizadores eletrocrômicos, onde são exploradas as propriedades que as mesmas possuem de variar a cor do corante, quando passam do estado oxidado para o reduzido, por variação do potencial dos eletrodos. Neste caso, nanopartículas de óxido de zinco (ZnO2) também foram empregadas com sucesso [6]. A Fig. 1 mostra um esboço de uma CSNS dando ênfase aos elementos constituintes e ao ciclo do iodo no eletrólito.


O desempenho das CSNS está relacionado também com a razão de concentração LiI/I2 do eletrólito. Para uma dada razão obtém-se um valor específico na concentração de . Células com concentração de 2 mM de apresentaram maior voltagem de circuito aberto (Vca) do que células com 46 mM, e conseqüentemente maior desempenho. A corrente de curto circuito (Jcc) mostrou dependência linear com o aumento da luminosidade em eletrólito com alta concentração de (> 10 nM). No entanto para concentrações menores foi observado linearidade em baixa potência de radiação (< 10 mW/cm2), e contínua diminuição da inclinação para radiações maiores, com tendência de saturação. Outra descoberta importante é que a recombinação de cargas ocorre em segunda ordem com a concentração de . Esse processo é atribuído à reação de separação de ® + I- que ocorre na superfície do TiO2, devido ao fato que o I2 atua como aceitador de elétrons [8].

O movimento de cargas em CSNS pode ser estudado de forma teórica. O modelo da caminhada aleatória em tempo contínuo(CATC), que descreve o comportamento eletrônico no TiO2, foi sugerido por J. Nelson [9]. Nesse modelo os elétrons desempenham movimento browniano em uma rede de estados aprisionados e cada nanocristal de TiO2 pode conter centenas de armadilhas. Cada elétron se move depois de esperar um certo tempo aleatório que é determinado pela energia de ativação da armadilha ocupada. Os estados aprisionados estão sob uma distribuição com densidade exponencial, enquanto que o tempo de espera e a fotocorrente gerada obedecem a leis de potência. O tempo de espera representa também a desordem energética, cujas configurações se tornam importantes quando os movimentos dos elétrons são causados por excitações térmicas, causando tunelamento ou salto entre estados localizados. Esse efeito também é conhecido como transição de Anderson [10], e por ocorrer principalmente na superfície do TiO2, tem elevada importância para um melhor entendimento no processo de recombinação de cargas em CSNS.

Os processos mais relevantes no funcionamento das CSNS são: (i) separação de cargas e (ii) recombinação de cargas. Nós os detalhamos nas seções 2 e 3 a seguir.

2. Separação de cargas

Quando a luz solar atinge a superfície nanoporosa de uma CSNS, ela encontra uma grande área de absorção. A área das nanopartículas de TiO2 é de 68 m2/cm3. O que faz com que se obtenha uma alta eficiência na injeção de elétrons dos pigmentos, que estão na superfície, para a BC do TiO2 [3]. A carga negativa (o elétron) é então separada da carga positiva no pigmento orgânico.

A quantidade de energia necessária para injetar um elétron diretamente da BV do TiO2 para a sua BC é de 3 eV [5], que é o limite que diferencia um semicondutor de um isolante. A energia em função do comprimento de onda é calculada por:

onde h é a constante de Planck, c é a velocidade da luz e l o comprimento de onda utilizado. Portanto, para que o elétron ultrapasse os 3 eV da banda proibida, é necessário um comprimento de onda máximo lm tal que lm = 415 nm. No espectro eletromagnético, esse comprimento de onda, representa luz com cor violeta. Essa quantidade de energia está muito próxima da região de luz ultravioleta, o que significa que se torna difícil fazer com que um elétron seja ejetado e ultrapasse uma BG tão extensa. Para amenizar este problema, um PO é introduzido no semicondutor. O PO absorve fótons visíveis, pois o mesmo contém níveis de energia na banda proibida, entre a BC e a BV do TiO2. Assim um elétron do PO pode ser injetado na BC com uma quantidade de energia menor que o BG do TiO2. A injeção ocorre em escalas de tempo de picosegundos. O processo pelo qual uma impureza é introduzida em uma rede cristalina com a finalidade de melhorar as propriedades fotovoltaicas do semicondutor é chamado de sensibilização. A Fig. 2 mostra o diagrama de energia de uma CSNS. São muito utilizados como sensibilizadores os corantes orgânicos contendo rutênio. Um deles citado nas ref. [3, 4] é o Ru(II)(4,4'- dicarboxila-2,2'-bipiridina)2(NCS)2). Com este corante agregado à superfície obteve-se um máximo de absorção de energia em um comprimento de onda de aproximadamente 550 nm (luz de cor verde) facilitando assim a injeção de elétrons na banda de condução do TiO2. Ao saltar para a BC, cada elétron deixa um buraco no pigmento que é preenchido muito rapidamente pelos elétrons que estão no eletrólito. Com isso os íons de iodo I- doam elétrons para o PO, oxidando-se para . No contra-eletrodo os elétrons, depois de percorrerem um circuito externo onde liberam energia, provocam a redução em sentido inverso. é convertido em 3I-, completando assim o ciclo de oxi-redução do eletrólito e o ciclo do elétron na CSNS.


Dentro do eletrólito o processo de oxi-redução pode ser representado pelas seguintes reações [11]:

A equação de oxi-redução pode ser representada de forma mais simplificada. No eletrodo negativo ou semicondutor, temos:

Para o eletrodo positivo ou catalítico, o que temos é a reação inversa, ou seja,

Com o objetivo de melhorar o desempenho das CSNS vários estudos estão sendo executados em diversos laboratórios. Do ponto de vista experimental pode-se utilizar outro tipo de pigmento ou corante utilizado na CSNS e comparar os resultados das eficiências. Estudos teóricos, por outro lado, procuram desenvolver modelos que descrevem o processo de recombinação cinética dos portadores de carga em uma CSNS. Estudos foram feitos usando a teoria de transporte de massa em partículas com caminhadas aleatórias usando para isso a equação de difusão [9]. O entendimento físico do que ocorre no interior de uma CSNS é fundamental para a construção destas células com melhor desempenho.

A injeção de elétrons na BC do semicondutor também está relacionada com a corrente de curto circuito, (Jcc), que caracteriza uma CSNS. Assim, sob uma taxa de iluminação constante, comparando duas CSNS feitas do mesmo material, deve apresentar maior Jcc aquela que possuir maior área superficial.

3. Recombinação de cargas

Um dos fatores limitantes na eficiência em uma CSNS é a recombinação dos portadores de cargas. Este processo ocorre principalmente entre os portadores que estão na superfície nanoporosa de TiO2 e os íons de triiodeto, , antes mesmo desses portadores deixarem o semicondutor. Podemos também considerar a existência de recombinação de cargas entre os elétrons injetados na BC do TiO2 com as moléculas de PO oxidadas, No entanto, o tempo que os elétrons de iodo levam para preencher os níveis nas moléculas de PO oxidadas é muito curto, fazendo com que esse tipo de perda seja desprezível [3, 4]. Em analogia a um processo mecânico, podemos interpretar a recombinação de cargas em CSNS como o atrito que dissipa a energia gerada.

Um importante fator que merece destaque no processo de recombinação de cargas é a rugosidade da superfície nanoporosa. Estamos realizando simulações para modelar teoricamente a cinética de recombinação, que ocorre principalmente nessa superfície. Quando a luz incide no semicondutor, tem início o processo de injeção de elétrons que provoca a separação de cargas. O PO é oxidado e adquire assim um buraco que é imediatamente preenchido por íons do eletrólito. A seguir os elétrons entram em difusão entre os pequenos cristais de TiO2. Por se tratar de partículas muito pequenas, e como a variação do campo elétrico é insignificante dentro do cristal, os elétrons permanecem aprisionados nos cristais por um pequeno intervalo de tempo aleatório, devido a fenômenos de localização da função de onda [9, 12]. O elétron pode sair por um circuito externo, ou pode ser recombinado (aniquilado) na superfície com íons de , havendo, neste caso liberação de calor.

4. Eficiência das CSNS

Para que se tenha uma eficiência ideal em uma CSNS, seria necessário minimizar as perdas de recombinação. Isso poderia ser implementado, por exemplo, através do uso de dispositivos catalíticos que bloqueassem a recombinação dos íons de na superfície do semicondutor. Também se poderia acrescentar elementos à superfície nanoporosa de TiO2, de tal forma que a voltagem característica de circuito aberto, (Vca), da CSNS e sua resistência interna, pudessem ser controladas.

A Tabela 1 foi adaptada do trabalho de S.K. Deb et al. [3] e mostra resultados experimentais que relacionam a eficiência de uma CSNS com a fotovoltagem característica. Os detalhes na elaboração dessa tabela, são mostrados por S.Y. Huang et al. [8]. O PO de ativação do semicondutor apresentado nesses trabalhos foi cis-ditiocianato-N,N-bis(2,2'-bipiridil-4,4'-dicarboxilato)-Ru(II), recoberto com tiocianato de rutênio (RuL2(NCS)2), a luz incidente foi de 100 mW/cm2 (AM 1,5) e o eletrólito utilizado foi o CH3CN/3-metil-2-oxazolidinona(NMO)(peso%50:50) contendo 0,3 M de LiI e 30 mM de I2. Para modificar a voltagem característica nas células, foram feitos tratamentos do eletrodo semicondutor usando diferentes substâncias que são descritas na Tabela 1. Um dos resultados importantes obtidos é que a corrente de curto circuito Jcc é pouco afetada pelos diferentes tratamentos químicos da superfície. Isto significa que a taxa de injeção de elétrons deve estar relacionada com o conjunto (PO, TiO2 e luminosidade) que não foi afetado pelo tratamento. Também foi observado que células com fotovoltagem de circuito aberto (Vca) maior apresentam melhor eficiência.

O fato de uma CSNS usar eletrólito fêz com que alguns pesquisadores buscassem relações entre o índice de pH e outros parâmetros da célula [13]. Surpreendentemente, observou-se pouca ou nenhuma mudança na transferência de elétrons quando houve variação de pH = 2,5 para pH = 8. Isto faz com que o processo de injeção de elétrons e separação de carga destes dispositivos possam ser explicados através da teoria de semicondutores.

5. Proposta para o ensino de laboratório de Física usando CSNS

Nesta seção mostraremos um exemplo que pode ser usado em aulas de Laboratório de Física, para estudar os componentes físicos dentro de geradores do tipo CSNS.

A base de fabricação de uma CSNS é a lâmina de vidro recoberto com substrato condutor de SnO2. O fornecimento de lâminas com TiO2 com dimensões e estruturas nanocristalinas específicas prefabricadas é extremamente raro. Na produção de uma célula solar com eficiência em torno de 10% são necessários critérios de fabricação cuja discussão está além dos propósitos deste trabalho. Já a produção de forma artesanal pode ser feita por alunos em aulas de laboratório. O TiO2 pode ser sinterizado sobre o substrato em uma chama por 10-15 min [14]. Pigmentos orgânicos naturais encontrados em chá, vinho, ou suco de frutas podem ser usados por alunos para construção de CSNS [11]. A eficiência obtida nesses experimentos é baixa mas, às vezes, o custo é tão importante quanto a eficiência. A experiência que é passada para os alunos com a construção uma célula solar com produtos não tóxicos também é importante. O material proposto para cada grupo na realização do experimento é de até cinco placas de vidro com SnO2, sobre as quais o TiO2 é sinterizado e sensibilizado com algum tipo de PO. Sugerimos o uso de PO naturais e a aquisição do kit contendo vidro com substrato condutor, TiO2, etc [14]. Como tópicos avançados os participantes podem tratar as superfícies sensibilizadas usando diferentes substâncias (acetona, amônia, etc), deixando uma delas sem tratamento para poder fazer comparações. A seguir pode-se fazer as montagens das células e por fim as medidas das Vca e das , com anotações dos respectivos valores em uma tabela. Os resultados podem servir na construção gráfica semelhante à que está sendo desenvolvida nesta seção.

Uma pilha eletroquímica convencional pode ser representada através da Fig. 3, cujos elementos internos são a força eletromotriz (fem ou e), a resistência interna em série (r) e a resistência interna de vazamento em paralelo (rv). A rv possui valor ôhmico muito elevado e quase sempre é desprezada, sendo no entanto, a responsável pela descarga de uma pilha ou bateria após longo tempo em desuso. No caso de uma CSNS, a rv, chamada de resistência interna total de recombinação rt, possui seu valor relativamente baixo e não deve ser desprezada. A fotocorrente Jf em uma CSNS é definida fazendo-se uso da conservação da carga pela seguinte equação ([8]):

onde Jinj é o fluxo de elétrons que estão sendo injetados na BC do TiO2 e Jr é a corrente dos elétrons que estão retornando ao eletrólito sem sair da célula, ou seja a corrente de recombinação. Quando a luz incide na célula há produção de fotocorrente que sai da superfície e percorre um circuito externo até o pólo positivo.


Quando a CSNS se encontra no escuro, não existe fotocorrente, porém passa a existir um sentido preferencial da corrente de forma inversa, quando lhe é aplicada uma diferença de potencial. Dessa forma, uma CSNS na ausência de luz funciona como um diodo com polarização invertida, ou seja, a corrente imposta no escuro tem sentido convencional de movimento entrando no eletrodo nanoporoso e saindo do eletrodo catalítico (o contra eletrodo). No entanto, quando a CSNS está em operação, continua a produzir corrente escura (Je), que é chamada de corrente de recombinação Jr, cujo sentido é contrário ao da Jf. A Jr ocorre também quando a célula está gerando corrente em curto circuito, porém com valor desprezível e pode ser desconsiderado [8].

Em células solares de TiO2, de acordo com as medidas típicas da Tabela 1, os valores máximos são cerca de 15 mA para a fotocorrente e de 570-810 mV para a Vca, sob uma taxa de iluminação de 100 mW/cm2. A obtenção desses parâmetros é relativamente fácil se o laboratório dispõe de instrumentação apropriada. Já as medidas das curvas I vs. V não são tão simples de se obter, requerendo um arranjo experimental mais elaborado. Um exemplo de aparato é um reostato associado a um volt-amperímetro que opere na faixa de corrente e voltagem da célula. Quando o valor da resistência do reostato é muito alto, a fotovoltagem se aproxima do valor da Vca e a fotocorrente tende a zero. Quando a resistência do reostato tende a zero, a fotovoltagem deve se anular e a fotocorrente se aproxima do valor da . Detalhes da elaboração dessas curvas de forma experimental também podem ser encontrados na Ref. [15].

A fotovoltagem que é obtida nos terminais de uma CSNS depende de vários fatores internos. Foi mostrado na seção anterior que o simples fato de fazer tratamento químico da superfície nanoporosa já afeta o valor da fotovoltagem mas, teoricamente, sabemos que fem em uma CSNS sob taxa de iluminação constante deve depender apenas do PO, do TiO2 e do eletrólito. Vamos admitir para fins didáticos que o valor da fem para os dados da Tabela 1, seja de 1 V e que possamos representar uma CSNS pela Fig. 3, que é um modelo simplificado de forma que em curto circuito a corrente de recombinação é anulada e a voltagem de circuito aberto, Vca, pode variar, justificando dados experimentais [8]. Conhecendo-se os valores das fem, Jcc e da Vca, de uma CSNS, pode-se assim calcular a resistência interna total dessa célula. Usando os dados típicos das células de TiO2 da Tabela 1 das Ref. [3, 8], vamos estimar os valores das suas resistências internas. A resistência total (rt) do circuito é dada pela soma:

onde r é a resistência interna que fica em série e rr a resistência interna de recombinação. Fazendo o uso da lei de Ohm temos:

A corrente de curto circuito Jcc equivale nesta equação a , para a fotocorrente máxima (veja Eq. (6)).

Para circuito aberto temos, pela segunda lei de Kirchoff, as seguintes relações:

e

Para circuito aberto não há produção de fotocorrente, de forma que:

e

Substituindo o valor de r da Eq. (8), temos:

Para estimar um valor para a resistência de recombinação, rr, fazemos, mais uma vez, uso da lei de Ohm, para o circuito aberto, ou seja:

Substituindo o valor da corrente de recombinação da Eq.(9), temos:

5.1. Algumas estimativas numéricas

Nesta subseção vamos fazer uma análise numérica para os parâmetros físicos internos em uma CSNS, utilizando para isso os dados das Tabelas 1 e 2, juntamente com as Eqs. (8), (9) e (10), para poder obter alguma relação entre o aumento da eficiência e a variação dos valores da sua resistência interna e da resistência de recombinação. A Tabela 2 mostra a variação das resistências internas rt, r e rr calculadas a partir das Eqs. (8), (7) e (10). O valor atribuído para a fem com a finalidade de se fazer uma estimativa de dados, foi de 1 V. O resultado observado de início é o que já conhecemos sobre geradores, ou seja, que a diminuição do valor da resistência interna, r, aumenta a eficiência do gerador, o que só ocorreu com tratamento com amônia. Nos três primeiros casos obtivemos um aumento da eficiência apesar do aumento do valor de r, o que nos leva a procurar outras explicações que relacionem o aumento da eficiência com o tipo de tratamento químico usado na CSNS. A dependência do valor da rt e de sua respectiva corrente elétrica (Jr), pode ser estudada de forma a justificar esse comportamento da eficiência. A Fig. 4 mostra a curva de versus a eficiência, utilizando os valores da Tabela 1 aplicados na Eq. (9). É fácil ver que existe uma dependência da eficiência, ou rendimento da CSNS, em função da corrente de recombinação, . Para maior temos um menor rendimento na célula solar. Uma outra estimativa gráfica, foi feita para o rendimento em função da resistência interna de recombinação, rr. Como se observa na Fig. 5, células com rr maior, apresentam maior rendimento. Por fim, foi traçado um gráfico comparativo na tentativa de se obter alguma semelhança entre as curvas do rendimento e a curva da fotovoltagem de circuito aberto, Vca, cujo resultado é mostrado através da Fig. 6. Pode-se notar uma certa semelhança entre as duas curvas ou seja, CSNS com maior rr, apresenta maior fotovoltagem, Vca, e também maior eficiência. Um outro gráfico poderia ser mostrado na tentativa de se obter alguma relação importante entre a resistência interna total de recombinação, rt, e a eficiência, porém as curvas características se assemelham bastante com a Fig. 6.




6. Discussão e conclusão

O ensino de Física experimental pode moldar talentos em estudantes, motivando-os a compreender as leis da natureza. Este artigo surge como um instrumento que pode ser utilizado de forma didática e experimental, visando à produção e caracterização de células solares de Grätzel em laboratório de ensino. Dispondo do material necessário, um professor criativo terá a possibilidade de realizar aulas experimentais que venham despertar curiosidades científicas.

Sugerimos, com finalidades didáticas, um experimento para traçar curvas que relacionam o rendimento ou a eficiência de uma CSNS com suas resistências internas, que são, resistência interna convencional (r) e resistência interna de recombinação de cargas (rr). Foi possível fazer uma estimativa das curvas, mostrando a dependência da eficiência com a variação da rr, onde se observou que células com rr maior apresentam melhor rendimento.

Em conclusão, fizemos nesse trabalho uma introdução dos mecanismos físicos relevantes em células solares de Grätzel (CSNS), mostrando o ciclo completo do elétron, através de equações estequiométricas. Em conjunto, foi descrito o processo regenerativo do eletrólito. Os principais efeitos que ocorrem quando uma CSNS recebe luz são a injeção de elétrons, a difusão eletrônica no TiO2 nanocristalino, a recombinação de cargas e a geração de fotocorrente.

Agradecimentos

Agradecemos a F.S. Passos, V.J.S. Pereira, A.C.O. Lopes, A.S. Morais, F.A.B. Moura, M.L. Lyra e M.V.D. Vermelho pelas discussões. Agradecemos o apoio financeiro do BNB, CNPq, CAPES e FAPEAL.

Recebido em 19/7/2005; Revisado em 2/12/2005; Aceito em 13/12/2005

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  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jul 2006
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Aceito
      13 Dez 2005
    • Revisado
      02 Dez 2005
    • Recebido
      19 Jul 2005
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