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Aristocracia judicial brasileira: privilégios, habitus e cumplicidade estrutural

BRAZILIAN JUDICIAL ARISTOCRACY: PRIVILEGES, HABITUS AND STRUCTURAL COMPLICITY

Resumo

Inserido no campo da sociologia das elites, procura-se compreender como e por que a magistratura no Brasil reproduz em suas estruturas uma dinâmica aristocrática e elitista que parece ser incompatível com os discursos que compõem suas próprias justificativas teóricas e com os princípios democráticos que regem suas funções. Os magistrados se estabelecem como um grupo especial que reserva para si um espaço sociopolítico exclusivo por meio de uma série de características e disposições que compõe seu habitus específico, o que produz reflexos no campo jurídico em que atuam. A magistratura distingue-se das outras carreiras do funcionalismo público e, radicalmente, da maioria da população. Para compreender esse cenário, este artigo propõe um exame das contradições presentes na estruturação do Judiciário, notadamente, na permanência de privilégios adquiridos em âmbito histórico, em seu modelo de recrutamento e progressão e nos altos salários pagos aos magistrados brasileiros. Considerando essas distorções, conclui-se que o compartilhamento de espaços de socialização exclusivos entre a elite jurídica e as elites política e econômica distancia-os drasticamente da população e influi de modo decisivo na produção de uma prática judicial que tende a conservar as relações de poder como estabelecidas.

Palavras-chave
Sociologia das elites; magistratura brasileira; elite judicial; campo jurídico; habitus

Abstract

In the field of sociology of elites, the aim here is to understand how and why the judicial system in Brazil reproduces aristocratic and elitist features in its structures, which seem incompatible with the discourses that compose their own theoretical justifications and with the democratic principles governing their functions. Magistrates in Brazil have established themselves as a special group that holds an exclusive socio-political space through a series of characteristics and dispositions that compose their specific habitus, which produces reflexes in the legal field in which they act. They distinguish themselves from others that have careers in public offices, and radically from ordinary citizens. In order to understand this scenario, this article proposes a critical analysis of the structural contradictions of the judicial system, especially of the historic perpetuation of privileges, the dynamics of its career admission and progression, and the high salaries paid to magistrates. Considering those distortions, the consequence is that judges, by sharing an exclusive space of socialization with the economic and politic elites, are radically casted apart from the rest of the people, allowing a judicial practice that tends to preserve the established relations of power.

Keywords
Sociology of elites; Brazilian judiciary; judicial elite; legal field; habitus

Introdução

A magistratura no Brasil é detentora de uma posição econômica privilegiada. Por um lado, os juízes brasileiros recebem salários e benefícios extraordinários, o que contribui para o compartilhamento de um habitus aristocrático e elitista. Por outro, os privilégios excepcionais da magistratura tendem a produzir uma cumplicidade estrutural não só entre seus membros, mas também entre eles e as demais elites do poder, o que coloca em risco os próprios princípios que regem o Estado Democrático de Direito (EDD).

Nada obstante, o caráter aristocrático e elitista da magistratura é mascarado pela racionalização e pela burocratização dos mecanismos de recrutamento, normalização e progressão na carreira. Os privilégios e poderes de juízes são justificados (e normalizados) por um discurso de mérito pessoal e pela importância da função, mascarando os processos desiguais de acumulação de distintos tipos de capitais necessários para constituição de tal mérito. A racionalização da carreira e dos processos de seleção de magistrados oculta, portanto, o fato de que a aquisição ou o compartilhamento dessa visão de mundo (desse habitus privilegiado) e dos méritos valorizados no campo judicial dependem da acumulação de capitais econômicos, sociais e culturais inacessíveis para a maioria dos indivíduos.

A posição social e econômica privilegiada tem como consequências a produção de uma homologia entre os interesses dos magistrados e os das elites econômicas e políticas do país, além do consequente distanciamento da realidade econômica e social do cidadão comum. Se, por um lado, essa posição contraditória pode produzir uma dificuldade de compreensão e de empatia em relação às carências materiais e aos interesses dos grupos sociais menos favorecidos, por outro, ela promove um compartilhamento não só dos espaços sociais de privilégio frequentados pelas elites do poder, como uma afinidade de habitus, interesses e impulsos conservadores das estruturas de privilégio da qual se beneficiam essas elites.

Essas contradições tendem a produzir uma circunstância de alta imoralidade e cumplicidade estruturais intraelites (jurídica, política, econômica, etc.). Considera-se “elite” o seleto grupo de indivíduos que se apropriam em maior quantidade daqueles bens que são mais valorizados em seus respectivos campos de atuação (CODATO e PERISSINOTO, 2009CODATO, Adriano; PERISSINOTO, Renato. Classe social, elite política e elite de classe: por uma análise societalista da política. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 2, p. 243-270, 2009., p. 252). A cumplicidade, por sua vez, manifesta-se na tendência dessas “elites de classe” em tomar decisões que favoreçam a manutenção do status quo que as perpetua;1 1 Para um debate sobre a oportunidade da associação das categorias desenvolvidas pela sociologia das elites e a categoria “classe”, ver CODATO, Adriano; PERISSINOTO, Renato. Classe social, elite política e elite de classe: por uma análise societalista da política. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 2, p. 243-270, 2009. o que não exclui a existência e a persistência de conflitos de interesses, no interior desses grupos, com intensidades distintas no tempo e no espaço. Porém, a dinâmica desses conflitos, entre grupos que têm em comum o interesse de manutenção do sistema de produção e reprodução social, tende a ser mantida nos limites da não negação desses sistemas.

No que concerne à magistratura brasileira, esses traços são agravados pela longevidade de seu caráter elitista e aristocrático. Em função da manutenção dessas características no tempo, os juízes são colocados em uma posição de prestígio e dignidade social que os aproximam mais da figura de um aristocrata do que do povo sobre cujos conflitos decidem. Por seus méritos, medidos supostamente de modo objetivo por meio dos concursos de ingresso na carreira, eles são promovidos de uma condição de igualdade formal para uma posição social privilegiada e vitalícia. A condição de extrema desigualdade que a carreira lhes proporciona tende a produzir circunstâncias institucionais incoerentes com importantes repercussões para a prática jurisprudencial e para a efetivação dos princípios do EDD.

Esse quadro pode estar entre as razões capazes de explicar os elevados custos da justiça no Brasil, onde o orçamento do Judiciário por habitante é, muito provavelmente, o mais alto do Ocidente, superando em mais de duas vezes aquele de países desde os altamente industrializados, como Alemanha e Estados Unidos, até os vizinhos com condições socioeconômicas mais aproximadas da realidade nacional, como Argentina e Venezuela.2 2 Resultados preliminares da pesquisa de Luciano Da Ros (2015) mostram que, enquanto o Brasil gasta 1,30% do Produto Interno Bruto (PIB) com despesas do Poder Judiciário - 89% desse valor com pagamento de pessoal -, Alemanha e Estados Unidos gastam, respectivamente, 0,32% e 0,14%; já Argentina e Venezuela investem 0,13% e 0,34%. O Poder Judiciário brasileiro também é o que conta com o maior número de funcionários auxiliares da magistratura por habitante.

Para enfrentar essas questões, fizemos um exame de dados disponíveis sobre o perfil socioeconômico dos membros da magistratura, os salários e benefícios recebidos e os mecanismos de recrutamento e progressão na carreira. Note-se, não se trata de um exame exaustivo e absolutamente preciso do quantum remuneratório dos magistrados e magistradas brasileiros, mas, antes, o levantamento tem como objetivo oportunizar a dimensão desses valores, de modo a demonstrar sua patente inadequação aos valores republicanos consagrados em nível constitucional. É uma situação que afasta de modo decisivo os nossos julgadores da esmagadora maioria da população.

A partir dessa constatação, propusemos uma análise das contradições entre os discursos legitimadores das estruturas e atividades da carreira e os possíveis efeitos concretos da prática de seus agentes. Para tanto, utilizamos alguns exames e conceitos da Sociologia, como a categoria de elite de Charles Wright Mills e as noções de campo e habitus de Pierre Bourdieu,3 3 Para melhor compreensão das categorias campo e habitus, remetemos o leitor à obra do próprio Bourdieu. O conceito de campo é tratado didaticamente em Os usos da ciência (BOURDIEU, 2004), enquanto a noção de habitus é abordada em capítulo específico de A distinção (BOURDIEU, 2007). Não obstante, as categorias permeiam todo o trabalho do sociólogo francês e podem ser encontradas nas coletâneas publicadas no Brasil, como Razões práticas e O poder simbólico, bem como na produção de seus principais comentadores. a fim de refletir criticamente sobre o caráter contraditório da posição social e econômica ocupada pela magistratura brasileira.

Vale dizer que, embora as noções de habitus e campo de Bourdieu tenham sido pensadas como hipóteses para orientar pesquisas empíricas, elas nos auxiliam a explicar, mesmo que de modo precário e preliminar, as relações de um campo que historicamente justifica-se através do ocultamento das disputas econômicas e políticas que o constituem. Esse ocultamento beneficia-se de um importante déficit empírico no que diz respeito ao habitus da magistratura (suas práticas, seus gostos, seus valores, suas visões de mundo) e sobre sua cumplicidade estrutural com outras elites do poder. Nesse contexto de déficit de dados e pesquisas empíricas sobre a magistratura, propomos uma utilização teórica crítica dessas categorias sem qualquer pretensão de apresentá-las como leis gerais do funcionamento do campo judicial ou de imaginar um habitus homogêneo de seus membros. O objetivo aqui é chamar a atenção, a partir dos dados e das pesquisas disponíveis, para o ocultamento sistemático das contradições e disputas sobre as quais o campo está constituído.

O texto está dividido em cinco partes, além da introdução e da conclusão. Na primeira parte, procuraremos descrever o perfil socioeconômico de nossos magistrados, considerando, sobretudo, o censo do judiciário publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ano de 2014 e uma pesquisa elaborada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) no ano de 2015.4 4 Os documentos citados serão comparados, quando oportuno, com a pesquisa organizada por Luiz Werneck Vianna entre as décadas de 1980-1990 (BURGOS et al., 1997). O perfil sociodemográfico da magistratura, lançado em 2018 pelo CNJ, não estava disponível quando do envio dos originais. Não obstante, alguns dados foram inseridos para evitar informações desatualizadas. Na segunda parte, analisaremos dados públicos disponíveis sobre os altos salários e benefícios pagos aos juízes e juízas, comparando-os com a remuneração de outras carreiras públicas e com os salários médios e mínimos pagos no Brasil e em outros países, a fim de compreender o extrato econômico ocupado e o padrão de vida desfrutado pela magistratura. Na terceira parte, será exposto o atual modelo de seleção de juízes por concurso público, demonstrando como as características elitistas inerentes à função conseguem se perpetuar no tempo, mesmo após a racionalização da burocracia brasileira. Na quarta parte, proporemos uma análise crítica do habitus desenvolvido e compartilhado por magistrados. Por fim, na quinta parte, procuraremos discutir como o perfil socioeconômico, os privilégios acumulados, os méritos ou capitais necessários para o ingresso ou sucesso na carreira, os habitus compartilhados confirmam uma posição de elite da magistratura que contribui para a construção de um cenário de alta imoralidade e cumplicidade estruturais entre as elites do poder, fato que se oculta nos discursos legitimadores e nas práticas dos tribunais.

1. O perfil socioeconômico da magistratura brasileira

Comecemos pelo perfil socioeconômico de juízes e juízas no Brasil. Quem são os magistrados brasileiros? Qual é seu perfil racial e de gênero? Onde se formaram? O que pensam sobre a carreira e seus salários?

Antes de tentar responder a essas e outras questões, é importante ressaltar que partimos de dados coletados e disponibilizados por agências oficiais e pelos próprios tribunais, além de algumas pesquisas acadêmicas que procuram desvendar o perfil e as dinâmicas de poder da magistratura. Mais do que apresentar um estudo abrangente e completo da magistratura, o que escaparia ao escopo da pesquisa, nosso intuito foi também o de denunciar o déficit de dados empíricos e de teorias, sobretudo no campo do direito, que suscitem uma reflexão crítica sobre a posição de elite ocupada por magistrados, sobre os poderes e privilégios excepcionais que decorrem do cargo e sobre as contradições e imoralidades estruturais do judiciário no Brasil, conforme discutiremos mais à frente.

O CNJ publicou em 2014 um documento intitulado Censo do Poder Judiciário, advertindo ser “a primeira pesquisa destinada a traçar o perfil de magistrados e servidores de todos os tribunais e conselhos que compõem o judiciário brasileiro”.5 5 Disponível em: http://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/censo-do-poder-judiciario. Acesso em: 9 ago. 2017. A pesquisa talvez queira chamar a atenção para a própria originalidade quantitativa, uma vez que atingiu mais da metade dos magistrados brasileiros, enquanto a pesquisa da Associação dos Magistrados, realizada um ano após, conseguiu abarcar apenas 30% de seus associados. No entanto, ainda nos anos 1990, uma pesquisa elaborada por um grupo de investigadores buscou compreender “o corpo e a alma da magistratura brasileira”, já levando em consideração questões como idade, gênero e escolaridade na família. Ainda que se trate de uma pesquisa importante, foram aplicados apenas 4 mil questionários. Seus resultados serão utilizados para verificar tendências de conservação ou modificação em relação às pesquisas atuais (BURGOS et al., 1997). O documento é a apresentação dos dados levantados mediante o preenchimento de formulário disponibilizado aos juízes ao longo do ano anterior a sua publicação. Mais de 60% da categoria participou da coleta de dados.

No que concerne à questão de gênero, a proporção geral entre homens e mulheres na magistratura brasileira para o ano de 2013 era de 64,1% e 35,9% − significativamente desfavorável para o gênero feminino. Essa diferença se torna ainda maior quando analisamos as discrepâncias por tipo de carreira, ou seja, na perspectiva da progressão institucional. Entre os juízes substitutos, função de entrada na carreira, a proporção é 57,2% de magistrados do gênero masculino. A cada degrau acima na carreira, essa proporção aumenta até atingir o pico de 82,4% de juízes homens entre os ministros de Tribunais Superiores. Os dados sugerem que, se não há um viés de gênero claro na fase de recrutamento, decerto existem mais obstáculos à progressão das magistradas que dos magistrados.6 6 “Todos esses dados parecem indicar a existência de um viés de gênero menos relacionado com o processo de seleção, mas profundamente vinculado ao modelo de progressão na carreira da magistratura” (MARONA, 2017, s./p.). Curiosamente, a percepção geral das magistradas é de que não há viés de gênero vinculado à progressão (86,1%), mesmo que, de maneira paradoxal, a maioria das juízas declarem que sua vida pessoal é mais impactada que a de seus colegas homens (64,5%).

Não obstante os níveis de desigualdade revelados, ainda assim é possível observar um progresso na diminuição da desigualdade de gênero na magistratura, considerando que, para a pesquisa do fim dos anos 1990, apenas 19,5% dos quadros da magistratura eram ocupados por juízas (BURGOS et al., 1997BURGOS, Marcelo; MELO, Manuel; CARVALHO, Maria Alice; VIANNA, Luiz Werneck. Corpo e alma da magistratura brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1997., p. 68).

No entanto, a situação é ainda mais alarmante quando considerada a participação de negros e índios na composição do Poder Judiciário. Ainda que os gráficos demonstrem uma tendência ascendente na entrada de juízes e juízas negras nos últimos anos, o percentual total é de apenas de 19,1%, pouco acima das taxas medidas para o ano de 1998. Assim, entre os anos de 1955 e 2013, esses números variaram entre 15% e 20%, nunca ultrapassando esses valores. A baixa representatividade da população negra é ainda mais impressionante levando em consideração a percentagem no universo populacional brasileiro.7 7 Segundo dados apresentados em 2014 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra representava 53,6% da população brasileira. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/12/04/negros-representam-54-da-populacao-do-pais-mas-sao-so-17-dos-mais-ricos.htm. Acesso em: 29 maio 2018.

Em relação à representação dos povos indígenas, a questão é ainda mais dramática. De um total de 11.348 magistrados e magistradas que responderam ao questionário aplicado para publicação do perfil sociodemográfico da magistratura (BRASIL, CNJ, 2018BRASIL. MINISTÉRIO DA ECONOMINA, PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO. Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais Civis e dos Ex-territórios. Brasília, v. 75, mar. 2018. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/gestao-publica/arquivos-e-publicacoes/tabela-de-remuneracao-1. Acesso em: 21 maio 2018.
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), apenas 11 declararam-se indígenas. É importante destacar que, no censo anterior (BRASIL, CNJ, 2014BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Censo do Poder Judiciário. 2014. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/censo-do-poder-judiciario. Acesso em: 9 ago. 2017.
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) - o documento mais atualizado quando da redação original do presente artigo -, nenhum juiz ou juíza havia declarado origem indígena.

Outro dado que chama a atenção no censo realizado pelo CNJ diz respeito ao nível de insatisfação dos magistrados em relação a seus salários. A despeito de nossos juízes receberem os mais altos proventos dentre as carreiras de Estado, apenas 27,8% dos magistrados brasileiros se disseram satisfeitos com seus salários, considerando o trabalho que executam.

Além disso, a faculdade onde os juízes se formaram também exerce influência significativa para a ascensão na carreira. Embora 93,51% das vagas de graduação em Direito sejam oferecidas por instituições privadas, 52,7% dos juízes se graduaram em universidades públicas (ALMEIDA, 2010ALMEIDA, Frederico de. A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da justiça no Brasil. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2010., p. 80). Esses números são reflexos de uma ampliação significativa das vagas no ensino superior como um todo, mas especialmente no ensino jurídico e no setor privado, que não foi acompanhada pela devida regulação da qualidade dessas instituições. No campo do direito, esse cenário tem por consequência o surgimento de uma distinção clara entre um seleto grupo formado nas faculdades tradicionais - notadamente as instituições federais, confessionais católicas e algumas instituições privadas de excelência - e outro grupo, muito mais expressivo no âmbito quantitativo, formado em faculdades privadas que fornecem uma aprendizagem bancária e são gerenciadas pela lógica do menor investimento com a maior taxa de retorno possível.

Considerando que as faculdades privadas com boa reputação não são muitas e que elas oferecem um número significativamente pequeno dentre os 90% das vagas oferecidas pelo setor privado, é interessante nos indagar quantos alunos das demais instituições mercadológicas de ensino chegam de modo efetivo a compor os quadros da elite jurídica, seja como magistrados, promotores ou professores universitários.

A origem do diploma e a titulação parecem exercer um papel fundamental para se chegar ao topo da carreira. Os títulos, além de fornecer uma distinção de status, têm a função de conferir validade formal de “notável saber jurídico”, necessário aos candidatos aos processos de escolha política para acesso a cargos específicos − como sugere o estudo de Almeida (2010, p. 132)ALMEIDA, Frederico de. A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da justiça no Brasil. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2010.. Segundo levantamentos do autor, para o ano de 2008, 40% dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) possuíam doutorado e 90% tinham alguma dedicação à docência, concentrada nas instituições de ensino superior (IES) de caráter público. Quase dez anos depois, o percentual de ministros com doutorado subiu para 54,5% (6 em 11), e todos os integrantes do STF, sem exceção, se dedicam ou se dedicaram a alguma atividade docente, sem mencionar suas participações em eventos acadêmicos da área. O aumento da titulação é uma constante em outros tribunais superiores e mesmo no CNJ.8 8 A concentração de títulos de pós-graduação diminui quando seguimos na direção das instâncias iniciais da magistratura, assim como varia de acordo com o tipo de estrutura (estadual, federal ou trabalhista). No Tribunal de Justiça de Pernambuco, o percentual de magistrados com a titulação mais alta de doutorado é de 1,7%, enquanto 6,6% têm o mestrado concluído. No Tribunal Regional do Trabalho do mesmo estado, os números sobem para 3,6% e 13,3%, respectivamente. No Tribunal Federal Regional da 5ª Região, onde está Pernambuco, os percentuais são de 8,2% e 29%. Os dados sugerem que possuir a titulação não é fator determinante, mas auxilia no processo de promoção. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/censo-do-poder-judiciario/79054relatorios-por-tribunal. Acesso em: 25 abr. 2018.

Talvez o dado que mais chame a atenção, no entanto, seja o de ministros do STF com passagem pela Universidade de São Paulo (USP). Com efeito, cinco dos atuais onze integrantes do STF têm fortes vínculos com a instituição: Celso de Mello, Dias Toffoli e Alexandre de Morais são formados na casa, e o último possui, ainda, os títulos de mestre e doutor pela instituição. Ricardo Lewandowski, apesar de formado na Universidade Federal do ABC, possui mestrado e doutorado pela USP, além de ser professor titular ali. A ministra Carmen Lúcia, atual presidente do STF, iniciou curso de doutorado nessa instituição, porém, não o concluiu. Já Edson Fachin é doutor por outra escola sediada na cidade de São Paulo, a Pontifícia Universidade Católica, onde exerce também a função de docente.

Três ministros são formados em universidades localizadas no Rio de Janeiro: Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, que obtiveram seus diplomas de graduação e doutorado e são professores na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj); e Marco Aurélio Mello, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desse modo, oito dos onze ministros do STF têm formação em universidades públicas localizadas em apenas duas cidades.

Essas informações sugerem não apenas uma forte homogeneidade das narrativas que hoje compõem o STF, mas também que esses espaços privilegiados de socialização, as mais tradicionais faculdades de Direito do país, servem a esses juristas profissionais como espaços nos quais é possível a construção das relações sociais que os auxiliam na obtenção das nomeações necessárias ao acesso à condição de ministro.

Diante da abrangência dos dados trazidos pelo censo do Judiciário, chama a atenção o fato de que não houve um estudo sobre as faixas econômicas (renda familiar) a que pertenciam os magistrados brasileiros quando do momento de ingresso na carreira - assim como não o faz o perfil sociodemográfico de 2018. O formulário disponibilizado aos juízes no qual se baseou o censo do CNJ não fez qualquer consideração sobre faixa de renda anterior à aprovação no concurso. O documento de 2018, no entanto, mostra uma tendência crescente para magistrados com pais portadores de diploma de ensino superior completo,9 9 De acordo com o documento (BRASIL, CNJ, 2018, p. 15), entre os magistrados e magistradas que adentraram as instituições judiciais a partir de 2011, 56% têm mães com segundo grau completo e 57% têm o pai na mesma faixa de escolaridade. o que sugere remunerações mais altas.

Os blocos de questão levaram em consideração a relação dos juízes com a magistratura, questões motivacionais − como salários, condições de trabalho e saúde −, o nível de formação intelectual dos magistrados, informações pessoais importantes como caracterização por gênero e raça e as dificuldades encontradas para progressão na carreira advindas dessas condições. Porém, nenhuma palavra sobre a faixa de renda familiar anterior e atual. Um silêncio eloquente em se tratando de um censo.

O componente “renda familiar” é um vetor importantíssimo para análises sociológicas. Por meio dele, é possível determinar, com alguma segurança, a classe social de pertencimento prévio dos magistrados e, a partir daí, inferir sobre uma série de privilégios de que esses indivíduos potencialmente desfrutaram durante sua formação (escolas, bairro, oferta de cultura, etc.). Já a renda familiar corrente dos magistrados e magistradas seria importante para esclarecer quem mais compõe seus atuais núcleos familiares e se os já exorbitantes salários se dividem ou se multiplicam, nos auxiliando, desse modo, a compreender de modo preciso o efetivo estrato social em que eles estão inseridos.

Mais uma vez, o perfil sociodemográfico de 2018 ajuda-nos a esclarecer a questão, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, não deixa de obscurecê-la. O documento informa que 92% dos magistrados e magistradas casados têm cônjuges com ensino superior completo,10 10 Brasil, CNJ (2018, p. 15). o que indica núcleos familiares com rendas altíssimas, mas não revela, por exemplo, quantos desses magistrados são casados com outros magistrados ou mesmo membros das demais elites jurídicas, políticas e econômicas − dados que seriam fundamentais para a compreensão da exata posição social ocupada por esses agentes.

2. Os altos salários dos magistrados brasileiros

Na tentativa de suprir o silêncio do censo do CNJ no que diz respeito à renda dos magistrados brasileiros, procuramos compreender melhor a posição econômica ocupada por eles, a partir da análise comparativa das informações de rendimentos disponibilizados por alguns tribunais brasileiros. O objetivo é tentar responder a algumas questões incômodas, mas de extrema importância para uma análise crítica das implicações políticas, sociais e jurídicas da posição econômica ocupada por magistrados no Brasil. Afinal, os juízes brasileiros são ricos? Podemos afirmar que eles gozam de uma posição de privilégio econômico e social? Eles compõem a elite econômica do país? Em que medida?

Antes de adentrarmos especificamente na análise dos dados levantados e nas comparações necessárias para sua contextualização, uma ressalva acerca da qualidade da transparência dessas informações se impõe. Apesar do reconhecimento pelo Estado brasileiro da transparência como um direito fundamental, que vai além da mera visibilidade, abarcando também a dimensão da inferabilidade (capacidade de fazer inferências) e a garantia da apresentação dos dados em plataformas compatíveis com as ferramentas das tecnologias de informação e comunicação disponíveis contemporaneamente, as planilhas com os vencimentos da magistratura, ofertadas pelas administrações de Poder Judiciário, passam longe de atender a essas demandas.

Nesse sentido, a exemplo de outras pesquisas, “a forma de publicização das informações financeiras das instituições de justiça se impôs como um robusto desafio à análise pretendida” (CARDOSO, 2017CARDOSO, Luciana Zaffalon Leme. Uma espiral elitista de afirmação corporativa: blindagens e criminalizações a partir do imbricamento das disputas do Sistema de Justiça paulista com as disputas da política convencional. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) - Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2017., p. 169). Não obstante os obstáculos referentes à inferabilidade, que fazem que os resultados encontrados nos bancos de informações possam ser diferentes do que efetivamente receberam os magistrados brasileiros nos períodos considerados, as conclusões se mantêm, muito em função da ordem da dimensão dos números apresentados, como afirmado anteriormente. Nesse sentido, juntamo-nos à posição de que apenas um significativo aprimoramento da transparência possibilitaria um efetivo controle social do Poder Judiciário (CARDOSO, 2017CARDOSO, Luciana Zaffalon Leme. Uma espiral elitista de afirmação corporativa: blindagens e criminalizações a partir do imbricamento das disputas do Sistema de Justiça paulista com as disputas da política convencional. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) - Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2017.).

De todo modo, da análise dos dados disponíveis é possível constituir uma compreensão razoável da remuneração dos magistrados brasileiros e da posição econômica que essa remuneração lhes confere.

Um juiz federal no Brasil recebe, desde o início da carreira, um salário base mensal de R$ 27.500,00. Um ministro do STF, a mais alta corte brasileira, tem um salário base de R$ 33.763,00. Somam-se a esses valores verbas indenizatórias (como o auxílio-moradia, no valor de R$ 4.337,00, além de auxílio-alimentação, de saúde, de transporte) e direitos eventuais (como gratificações e abonos).11 11 Vale ressaltar que o Projeto de Lei da Câmara n. 27 de 2016, que se encontra em tramitação no Senado, pretende fixar os salários dos ministros do STF em R$ 39.293, 32. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/126084. Acesso em: 10 maio 2017. -12 12 Portal do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, dados de 2015. Disponível em: http://www.trf5.jus.br/transparencia/documentos/PE/ANEXO_VIII/PE_08_00_2015_04.pdf. Acesso em: 10 maio 2017. Em exame feito na planilha de rendimentos do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região para o mês de março de 2018, verificamos que a maioria dos magistrados receberam valores líquidos (após deduções de imposto e previdência) superiores a R$ 27.000,00.13 13 Portal Transparência do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/transparencia/remuneracao-dos-magistrados. Acesso em: 13 maio 2018. No caso dos ministros do STF, podemos inferir da análise dos dados disponíveis no site do tribunal que os valores líquidos recebidos superam, de modo geral, os R$ 30.000,00.14 14 A forma como os dados são apresentados dificulta enormemente a análise, já que os valores brutos e líquidos indicados não incluem as verbas indenizatórias, como o auxílio-moradia, que é disponibilizado em outras planilhas. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/remuneracao/pesquisarRemuneracao.asp. Acesso em: 21 maio 2018.

Entre os juízes estaduais, a situação é semelhante. Para citar um exemplo, no estado de Minas Gerais, o salário base mensal pago a um juiz no começo da carreira é de R$ 26.125,00 e, no final da carreira, de R$ 30.471,00. As verbas indenizatórias (auxílio-alimentação, auxílio-saúde, auxílio-moradia) somam ao salário base dos juízes mineiros ao menos R$ 7.800,00. Os rendimentos efetivamente recebidos (após deduções de imposto e previdência) pelos mais de mil juízes de Minas Gerais no mês de março de 2018 foram superiores a R$ 25.000,00.15 15 Portal Transparência do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/transparencia/remuneracao-dos-magistrados. Acesso em: 13 maio 2018. Dos 1.059 juízes e desembargadores ativos analisados, mais de 1.030 tiveram rendimento líquido de mais de R$ 25.000,00.

Outras carreiras jurídicas do Poder Executivo federal brasileiro, como a de procurador, advogado da União e defensor público, têm salários mensais brutos que variam entre R$ 20.109,00 e R$ 26.127,00. Diplomatas ganham entre R$ 15.005,26 e R$ 21.391,00. Delegados da Polícia Federal recebem entre R$ 22.672,00 e R$ 29.604,00. Professores de Direito de universidades federais com título de doutor em regime de trabalho integral e dedicação exclusiva ganham entre R$ 9.585,00 e R$ 19.440,00.16 16 BRASIL. MINISTÉRIO DA ECONOMINA, PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO. Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais Civis e dos Ex-territórios. Brasília, v. 75, mar. 2018. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/gestao-publica/arquivos-e-publicacoes/tabela-de-remuneracao-1. Acesso em: 21 maio 2018. Vale ressaltar que esses salários estão entre os mais altos pagos pelo Estado brasileiro. No entanto, os salários líquidos de juízes no Brasil, quando somados às vantagens e aos benefícios que eles têm o privilégio de receber, representam ao menos três vezes os salários líquidos pagos aos professores que lhes formaram e quase duas vezes os salários líquidos de profissionais que desempenham atividades que exigem os mesmos conhecimentos e que impõem responsabilidades equivalentes.

É importante ressaltar que a remuneração dos magistrados no Brasil os coloca em uma situação econômica excepcional de extremo privilégio. O menor salário líquido mensal pago, em média, a um juiz no Brasil representa mais de vinte e cinco vezes o valor do salário mínimo mensal, que em 2018 era de R$ 958,00, e quase doze vezes o valor do salário médio mensal do brasileiro, que em 2017 era de R$ 2.178,00.17 17 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Rendimento de todas as fontes 2017. PNAD Contínua. 2018. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/acfb1a9112a9eceedc4ea612d5aaf848.pdf. Acesso em: 5 maio 2018.

A título de comparação, nos EUA, a circunstância de privilégio dos magistrados não é muito diferente. Enquanto o salário médio mensal de um americano é de US$ 2.890,18 18 INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Disponível em:http://www.ilo.org/ilostat. Acesso em: 4 jun. 2019. seus juízes federais ganham mensalmente entre US$ 17.091 e US$ 21.941.19 19 UNITED STATES COURTS. Jucidial compensation. Find out how much federal judges are paid currently and since 1968. Disponível em: http://www.uscourts.gov/judges-judgeships/judicial-compensation. Acesso em: 4 jun. 2019. Os juízes estaduais ganham, conforme o Estado e a posição na carreira, entre US$ 9.800 e US$ 19.400.20 20 NATIONAL CENTER FOR STATE COURTS (NCSC). According to the Survey of Judicial Salaries, published by the National Center for State Courts (NCSC) in January 2017, annual salaries of state judges range from $118,384 to $233,888. Disponível em: http://www.ncsc.org/~/media/Microsites/Files/Judicial%20Salaries/JST-2017-layout.ashx. Acesso em: 4 jun. 2019. Desse modo, os juízes norte-americanos ganham entre três e sete vezes o salário médio nacional.

Na França, o salário de juiz no começo de carreira é de 2.958€, valor muito próximo do salário médio do país, de 2.998€.21 21 INSTITUT NATIONAL DE LA STATISTIQUE ET DES ÉTUDES ÉCONOMIQUES (INSEE), dados de 2015, publicados em 2017. Disponível em: https://www.insee.fr/fr/statistiques/. Acesso em: 21 maio 2018. No fim da carreira, o salário de juiz pode chegar a 9.823€,22 22 ÉCOLE NATIONALE DE LA MAGISTRATURE, dados de 2013 (últimos disponíveis). Disponível em: http://www.enm.justice.fr/sites/default/files/rub-devenir-magistrat/grille-indiciaire-magistrats.pdf. Acesso em 21 maio 2018. o que representa pouco mais de três vezes o salário médio nacional. Em Portugal, onde o salário médio mensal é de 1.094€, o salário pago aos juízes varia entre 2.549€ e 6.629€.23 23 MINISTÉRIO DAS FINANÇAS DE PORTUGAL, dados de 2011. Disponível em: http://www.dgaep.gov.pt/upload/SRetributivo2011/Carreiras_Categorias_Nao_Revistas_de_Corpos_Especiais_Remuneracoes_2011.pdf. Acesso em: 21 maio 2018. Os magistrados ganham, pois, entre duas vezes e meia e seis vezes o salário médio do país.

Vale chamar a atenção para o fato de que o salário do juiz brasileiro aproxima-se do salário do juiz americano e é muito mais alto do que o dos juízes portugueses e franceses, países que apresentam uma média salarial muito superior à da brasileira.

Além disso, quando se considera a dinâmica de rendimentos no Brasil, o juiz brasileiro aparece no mais alto estrato econômico, ocupando um privilegiado lugar entre o 0,5% da população mais rica do país. Marc Morgan Milá, em pesquisa orientada por Thomas Piketty na Paris School of Economics, concluiu que em 2013 apenas 0,5% da população brasileira tinha renda anual média superior a R$ 231.151,00 (esse valor sobe a R$ 274.435,00 quando se levam em conta as rendas tributadas auferidas pela Receita Federal).24 24 MILÁ, Marc Morgan. Income concentration in a context of late development: an investigation of top incomes in Brazil using tax records, 1933-2013. Dissertação de Mestrado. Paris School of Economics, 2015. p. 44-45. Considerando que a menor remuneração paga a um juiz no Brasil supera os R$ 300.000,00 anuais (sem contar as verbas indenizatórias não tributáveis, que somam quase R$ 100.000,00 a esse valor), podemos afirmar com segurança que um magistrado no início de carreira já compõe o topo da pirâmide econômica do país.25 25 É importante salientar que, por dez votos a um, recentemente o STF modificou o entendimento sobre a possibilidade de pagamento de remunerações que superem o teto salarial para os servidores públicos que acumulam cargos efetivos. Assim, o que inicialmente fora proibido pela Constituição de 1988 - acumulação de cargos - passou a ser permitido por meio de Emenda Constitucional em 1998, com a imposição de um teto salarial que foi extinto em 2017. Considerando que parcela significativa dos ministros do STF exerce paralelamente à magistratura a função de professor em universidades brasileiras, na prática, dez dos onze juízes que compõem o órgão decidiram pela possibilidade de aumentar ainda mais seus próprios rendimentos, ignorando o sentido mesmo da existência de um teto salarial para o serviço público (AGÊNCIA BRASIL, 2017).

Em suma, ser juiz no Brasil significa ser detentor de uma remuneração extraordinária, acessível para um grupo muito seleto, composto pelo 0,5% dos trabalhadores e/ou rentistas mais ricos do país. Ser juiz no Brasil significa, sem nenhuma dúvida, compor a elite econômica e partilhar um altíssimo padrão de vida e de espaços de socialização e de poder só acessíveis a poucos privilegiados. Em razão dos altos salários, os juízes brasileiros podem tornar-se rapidamente proprietários de um largo patrimônio; muitos se transformam em rentistas dos aluguéis de seus imóveis ou de seus investimentos bancários, deixando de ser dependentes do trabalho para ser dependentes da renda (STREECK, 2013STREECK, Wolfgang. Tempo comprado: a crise adiada do capitalismo democrático. Tradução de Marian Toldy e Teresa Toldy. Lisboa: Actual, 2013.). Eles moram nos melhores bairros,26 26 Atualmente é cada vez mais comum que as elites vivam nos chamados condomínios fechados. Em trabalho recente sobre as formas de vida da atual sociedade brasileira, Christian Dunker analisa como esses espaços [condomínios fechados] foram sendo criados no Brasil a partir da década de 1970 e tornaram-se “um sonho de consumo para as classes altas e novas classes médias em ascensão” (p. 49). Tais empreendimentos são bairros artificiais, formados por uma série de condomínios interligados por um centro comercial e empresarial, protegidos e separados do exterior por muros (DUNKER, 2015, p. 48). frequentam com facilidade os mais caros restaurantes de suas cidades e podem viajar com frequência para o exterior a fim de aproveitar seus dois meses de férias. É evidente que não dependem dos serviços do Estado destinados ao brasileiro comum. Não precisam utilizar os serviços públicos de saúde, educação ou transporte. Enfim, seus privilégios extraordinários permitem-lhes se afastar confortavelmente dos problemas e necessidades da maioria.

3. O processo de recrutamento para a magistratura

Os argumentos mais recorrentes para justificar os altos salários e a posição econômica de extremo privilégio de magistrados estão normalmente associados a (i) importância e responsabilidades inerentes à função jurisdicional, (ii) garantia de incorruptibilidade de juízes e (iii) méritos extraordinários demonstrados em um processo de seleção que é público, rigoroso e baseado em critérios objetivos de conhecimentos e habilidades.

Ao último argumento subjaz a ideia de meritocracia,27 27 O termo meritocracia foi primeiramente utilizado por Michael Young em 1958, na primeira edição do livro The rise of the meritocracy, para defender o primado da técnica sobre a política. O autor enxergava a expressão do mérito como a soma de esforço mais talento, aferível no resultado de processos objetivos de medição da performance (YOUNG, 1961). A ideologia do mérito torna-se hegemônica nas democracias ocidentais por meio da racionalização do processo de seleção das elites estatais e da glorificação da forma escolar como principal método de verificação dessas qualidades (FONTAINHA et al., 2015, p. 674). de que os requisitos e habilidades necessárias à aprovação nos concursos da magistratura são igualmente acessíveis a qualquer um; de que homens e mulheres, brancos e negros, favorecidos e desfavorecidos economicamente teriam, todos, as mesmas condições de acesso à função e aos privilégios que dela decorrem. Mas, afinal, todos os cidadãos e cidadãs brasileiros têm as mesmas condições de acesso e sucesso no processo de seleção de juízes e juízas? Quais são os métodos de recrutamento de magistrados e para quem esses métodos são efetivamente acessíveis? Quais são os perfis ou extratos sociais e econômicos favorecidos pelos mecanismos de seleção adotados? O mérito exigido pode ser desenvolvido por todos ou depende de condições materiais que já estariam presentes àqueles que, em geral, são efetivamente recrutados?

Os métodos de recrutamento de magistrados variam de acordo com uma série de vetores associados aos desenvolvimentos específicos das nações onde são adotados. Entre os métodos popularizados nas democracias capitalistas ocidentais encontramos a eleição popular, as nomeações pelo Executivo - livres ou condicionadas à confirmação pelos demais poderes -, a livre nomeação pela instituição judicial e a realização dos concursos públicos (MARONA, 2017MARONA, Marjorie Corrêa. Que magistrados para o século XXI? Desafios do processo de seleção da magistratura brasileira em tempos de novo constitucionalismo latino-americano. In: AVRITZER, Leonardo; GOMES, Lilian et al. (org.). O constitucionalismo democrático latino-americano em debate: soberania, separação de poderes e sistema de direitos. São Paulo: Autêntica, 2017.). Essas diferentes estratégias se relacionam e se agrupam em dois grandes modelos distintos de seleção: o burocrático e o profissional, com frequência associados às tradições do civil law e do common law, respectivamente.

No Brasil, vigora o modelo técnico burocrático desde 1988, com exceções como o quinto das vagas dos tribunais ocupadas por membros escolhidos entre advogados e procuradores28 28 O quinto constitucional é a reserva de 1/5 das vagas dos tribunais (estaduais, federais e da Justiça do Trabalho) a advogados e membros do Ministério Público. A seleção dos indivíduos que ocuparão essas vagas é determinada por eleição direta entre seus pares. ou as posições dos ministros do STF indicados pelo Presidente da República. Esse modelo está “em tudo associado à tradição liberal”, que faz derivar a legitimidade do exercício jurisdicional de sua suposta neutralidade e da capacidade técnica de seus operadores. Como ressalta Marona (2017)MARONA, Marjorie Corrêa. Que magistrados para o século XXI? Desafios do processo de seleção da magistratura brasileira em tempos de novo constitucionalismo latino-americano. In: AVRITZER, Leonardo; GOMES, Lilian et al. (org.). O constitucionalismo democrático latino-americano em debate: soberania, separação de poderes e sistema de direitos. São Paulo: Autêntica, 2017., a aplicação de um modelo de recrutamento exclusivamente burocrático diz muito pouco acerca da real capacidade do selecionado para o exercício da atividade judicial, visto que privilegia o conhecimento superficial e generalista, altamente conceitual, especializado, técnico e dogmático.

Nem mesmo as modificações feitas no âmbito da reforma do Judiciário, finalmente promulgada em 2004, como a implementação do controle interno da magistratura pelo CNJ e a obrigatoriedade dos cursos de formação continuada, apresentada como resposta às pressões parlamentares e acusações de corrupção no Judiciário, foram capazes de alterar essa dinâmica.

Vale esclarecer que, com a promulgação da Constituição de 1988, a investidura em cargo ou emprego público passou a depender da prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.29 29 Art. 37, II, da Constituição da República Federativa do Brasil. Para o ingresso na carreira de magistrado, o cargo inicial é de juiz substituto. Para ocupá-lo, é necessário, além da condição de bacharel em Direito e de experiência de, no mínimo, três anos no exercício de atividade jurídica, a aprovação em concurso público de provas e títulos conduzido pelos respectivos tribunais, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em todas as etapas.30 30 Art. 93, I, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Na prática, essas avaliações são compostas por cinco fases. A primeira delas constitui uma prova de múltipla escolha de conteúdo geral, abarcando os mais variados ramos tradicionais do Direito, como direito constitucional, direito administrativo, direito penal, direito civil, direito processual, direito empresarial e direito previdenciário. Não é comum a presença de questões de filosofia, sociologia ou antropologia aplicadas ao direito ou de outras áreas de sensibilidade social, como direito agrário, urbanístico ou indígena.31 31 A primeira fase dos concursos para o serviço público é em geral terceirizada. Conhecer o perfil do órgão elaborador das provas influi diretamente no processo de preparação, na medida em que permite ao candidato observar as tendências avaliativas de cada instituição.

A segunda etapa é composta de provas dissertativas, elaboradas pela comissão do concurso, da qual participam desembargadores do tribunal. Nessa etapa, a primeira avaliação consiste, geralmente, em uma dissertação e quatro questões discursivas a critério da comissão. Os conteúdos cobrados e as posições valorizadas variam conforme a composição da comissão, o que exige dos candidatos um bom conhecimento da opinião dos avaliadores. A segunda prova escrita corresponde à elaboração de sentenças hipotéticas. No caso do concurso para juiz federal substituto, as provas consistem normalmente na elaboração de uma sentença de natureza cível e outra de natureza penal. Já em um concurso para preenchimento de cargo de juiz substituto do Trabalho, por exemplo, além de as disciplinas das etapas anteriores variarem de modo significativo em relação ao cargo de juiz federal substituto, as provas de prática de sentença são de natureza trabalhista.32 32 O edital consultado para essa comparação foi o do Concurso Público do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região para juiz do Trabalho substituto de 2012. Disponível em: http://www.cespe.unb.br/concursos/trt5_12_juiz/arquivos/ED_2_2012_TRT_5___JUIZ_DO_TRABALHO_ABERTURA_REPUBLICA____O.PDF. Acesso em: 4 jun. 2019.

Já na terceira etapa, são realizados procedimentos de sindicância da vida pregressa e investigação social, exames de sanidade física e mental e outro exame psicotécnico. Esses procedimentos são realizados por profissionais da área, sob a supervisão da comissão do concurso. Após essa etapa, há ainda a realização de uma prova oral com efeito eliminatório e classificatório, também a critério da comissão do concurso.

Por fim, realiza-se a prova de títulos, de caráter classificatório, na qual se avaliam elementos da vida acadêmica e profissional do candidato. Nessa etapa são considerados desde o exercício pretérito de emprego ou função pública privativa de bacharel em Direito, passando pelo exercício do magistério superior até o da advocacia ou de outras funções jurídicas não previstas no edital. Além disso, são atribuídos pontos para cursos de pós-graduação e outras graduações. Ainda na prova de títulos, são consideradas as publicações de obras jurídicas, desde livros completos de autoria única até obras coletivas e artigos científicos publicados em revistas da área.

Da análise do barema de títulos do último edital para o cargo de juiz federal substituto do Tribunal Regional da 5ª Região,33 33 Na realidade, o último concurso foi realizado no ano de 2017, após a redação original do trabalho. Mantivemos a citação original em função de, no que concerne ao tema, não haver qualquer mudança significativa entre os documentos. Disponível em: http://www.cespe.unb.br/concursos/trf5_12_juiz/arquivos/ED_1_2012_TRF5_ABT_4_10_FINAL___DEFINITIVO___EDITAL_DE_ABERTURA___04.10.2012___1715.PDF. Acesso em: 4 jun. 2019. consultado quanto a essa questão, nota-se com clareza uma hipervalorização da atividade prática profissional, uma vez que é estabelecida uma hierarquia de pontuação que se inicia com o exercício de outras magistraturas - contando desde o início da ocupação, com valores para até três anos e para mais de três anos - e termina com o exercício do magistério superior que, além de valer menos, apenas garante pontuação se tiver sido exercido pelo prazo mínimo de cinco anos. Os valores das publicações de obras jurídicas também são relativamente insignificantes perto da pontuação destinada ao exercício prático profissional.

A compreensão do processo seletivo para magistratura tem especial importância a um exame crítico da suposta neutralidade e objetividade na avaliação do mérito dos candidatos. Em teoria, em consonância com os princípios do Estado de Direito, o concurso para juiz deveria ser igualmente acessível a todos e selecionar com objetividade aqueles que demonstrarem maior conhecimento e capacidade técnica. Todavia, na prática, a realização e os resultados dos certames revelam, por meio dos conteúdos avaliados e dos indivíduos selecionados, os benefícios de um alinhamento prévio a determinadas posições ideológicas estabelecidas no âmbito do tribunal - verificáveis, por exemplo, por meio da análise jurisprudencial de temas sensíveis - e as vantagens que detêm os candidatos que “naturalmente” compartilham das visões e perspectivas que prevalecem no campo judicial como um todo.

Aprofundando a questão, o tipo de conhecimento, habilidade e perfil que se escolhe exaltar expressa os valores sobre os quais o Judiciário sustenta suas estruturas e ações. Embora esses valores sejam apresentados como expressões de uma racionalidade técnico-científica, há que se questionar se eles não representariam interesses específicos de determinados grupos sociais. Há que se perguntar também se, em função de sua posição socioeconômica, os magistrados não garantiriam, por meio do recrutamento, a reprodução (apenas parcialmente consciente) dos interesses que representam, selecionando aqueles com que se identificam ou que estão em condições de se ajustar a eles.

Se na atualidade os concursos públicos são formalmente abertos a todos os bacharéis em Direito e se a condição de diplomado na área já não é um privilégio tão exclusivo das elites econômicas,34 34 Indubitavelmente, o diploma universitário no Brasil continua sendo uma condição de privilégio, visto que apenas 11% da população entre 25 e 64 anos possuía esse título no ano de 2008. Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2011-04-21/pesquisa-sobre-populacao-com-diploma-universitario-deixa-brasil-em-ultimo-lugar-entre-36-paises. Acesso em: 30 jan. 2018. Porém, com as políticas de expansão do ensino superior, especialmente considerando o diploma em Direito, essa proporção, ainda que baixa, é muito superior aos números de outros períodos. O número de cursos jurídicos chega à alarmante cifra de 1.240, superior à soma de todos os cursos existentes na China, nos Estados Unidos e na totalidade da Europa (levantamento feito em 2010 pelo CNJ; TENENTE, 2017). Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/guia-de-carreiras/noticia/brasil-tem-mais-faculdades-de-direito-que-china-eua-e-europa-juntos-saiba-como-se-destacar-no-mercado.ghtml. Acesso em: 30 jan. 2018. No entanto, essa ampliação, que inicialmente poderia significar uma democratização das oportunidades, representa muito mais uma massificação de um ensino técnico de baixa qualidade (SILVA JUNIOR, 2017). pergunta-se: como essa suposta reprodução de interesses e ideologias é garantida? Apesar de o processo de seleção para a magistratura ter sido formalmente democratizado, podemos afirmar que na prática ele continua recrutando de modo majoritário membros das elites econômica e política?35 35 Dos magistrados que responderam à pesquisa “A AMB quer ouvir você”, da AMB, 26,9% declararam que a “faixa de renda de seus pais” era superior a 20 salários mínimos. A pesquisa faz essa única menção à renda e acaba por encobrir mais que revelar. Essa quantia hoje significaria uma renda de R$ 19.080,00; portanto, ao perguntar apenas pelas rendas acima de 20 salários, não sabemos, por exemplo, o percentual de magistrados associados a rendas familiares entre R$ 10.000,00 e R$ 19.000,00 ou entre R$ 5.000,00 e R$ 10.000,00 - faixas que pressupomos que, juntas, concentrariam a esmagadora maioria dos entrevistados -, bem como não conhecemos os extremos, ou seja, aqueles juízes e juízas advindos de famílias com rendas de até um salário mínimo e acima de 50 salários. No que concerne à reprodução do capital cultural, 30,6% dos magistrados que responderam à pesquisa declararam que seu pai tinha grau de formação “universitário completo”, um número aparentemente pouco expressivo, mas que cresce, considerando o cenário de distribuição de diplomas de duas ou três décadas atrás (segundo o IBGE, em 2017, 51% dos brasileiros possuíam apenas o ensino fundamental completo). As informações sobre o judiciário estão disponíveis em: http://www.amb.com.br/novo/wp-content/uploads/2015/12/Pesquisa-PDF.pdf. Para os dados sobre educação, ver: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2013-agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-apenas-o-ensino-fundamental-completo.html. Acesso em: 5 maio 2018.

A dificuldade, os custos e a metodologia dos processos públicos de seleção de juízes respondem em parte a essas questões. Os aprovados são normalmente recrutados entre os mais abastados porque os custos envolvidos na preparação para as provas são altíssimos e, em geral, apenas podem ser sustentados pelas famílias mais afortunadas. Eles também são representantes da elite cultural, pois é importantíssima a acumulação, na unidade familiar, desse tipo específico de capital educacional para o desenvolvimento da disposição a fim de custear e incentivar a formação mais provável à aprovação. Quanto aos custos, esses vão desde uma educação básica de qualidade, capaz de abrir as portas das melhores universidades, passando pela capacidade financeira para dedicação exclusiva de até dez horas diárias aos estudos, por mensalidades em cursos preparatórios e, até mesmo, pela contratação de um coach.36 36 O coach para concursos é uma ferramenta recente e ainda em construção no Brasil. Consiste na contratação de um profissional para acompanhar o candidato em todas as fases dos concursos, treinando-o desde como e o que deve estudar até o que deve vestir e como se comportar de acordo com as especificidades apresentadas. Esses profissionais, usualmente, são recém-aprovados na área referente ao concurso (juízes, auditores fiscais, promotores, etc.) e chegam a cobrar R$ 10.000,00 por seus serviços, o que compromete de modo significativo o discurso do mérito.

Por mais que o discurso do acesso pelo mérito à magistratura tenha sido aprimorado nas últimas décadas, culminando no complexo processo de provas públicas já descrito, na prática, em função dos altos custos envolvidos na preparação para esses exames, o recrutamento de futuros juízes continua sendo feito majoritariamente nas camadas sociais mais abastadas, a exemplo de como já acontecia de modo mais evidente em outros períodos da história brasileira.

Para se ter uma ideia, as Ordenações Filipinas (1603), legislação portuguesa mais longeva do período colonial, estabeleciam entre os pré-requisitos necessários à investidura como juiz nas mais altas cortes (Casa de Suplicações, Desembargo do Paço, etc.) a condição de fidalgo (capital econômico e social), letrado (capital cultural) e de sangue limpo (não judeu ou, de maneira mais precisa, de origem católica, o que per si já garantia determinadas visões de mundo compartilhadas e reforçadas pela Coroa). O texto era complementado, ainda, pela disposição que deixava as intenções ainda mais claras: era imprescindível que o indivíduo fosse “abastado de bens temporais, [para] que sua particular necessidade não seja causa de em alguma coisa a perverter a inteireza e constância com que deve servir” (ORDENAÇÕES FILIPINAS, 1870ORDENAÇÕES FILIPINAS. Livro I, XVI. 1870. Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm. Acesso em: 4 jun. 2019.
http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas...
).37 37 É importante destacar que uma suposta garantia de incorruptibilidade ainda é utilizada para justificar os altos rendimentos da magistratura, assim como é argumento frequente das demandas por aumento salarial da classe.

Atento a essa questão, ao examinar a questão no Tribunal de Relação da Bahia (1609-1751), Schwartz (2011)SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras , 2011. conclui que, em função da importância do dizer e aplicar o direito à época, impunham-se certos procedimentos de seleção baseados na origem social, não descartando também a coexistência dos apadrinhamentos e das vendas de cargos, muito comuns no Brasil colonial.

Na atual ordem jurídica, esses critérios foram afastados. Desde o período do Brasil imperial, aliás, observa-se a tentativa de profissionalização das funções públicas, seja por meio da substituição dos juízes leigos pelos juízes letrados, seja pela proibição da cumulação das funções de magistrado e representante político (CARVALHO, 1996CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1996., p. 165 e ss.).

Nada obstante, é possível identificar no campo jurídico, especialmente na magistratura, a permanência de mecanismos de ingresso na carreira baseados na acumulação de capitais sociais e políticos, que dependem, em grande medida, de relações primárias de afinidades ideológica e política, apesar da introdução de dispositivos de recrutamento e de progressão burocratizados (ALMEIDA, 2016ALMEIDA, Frederico de. Os juristas e a política no Brasil: permanências e reposicionamentos. Lua Nova, São Paulo, n. 97, p. 213-250, 2016., p. 244-245).38 38 A partir de uma análise local, realizada tendo em consideração a realidade da elite jurídica do Rio Grande do Sul uma década antes, Engelmann (2006) identificou a cisão do campo jurídico daquele estado entre os usos do direito para conservação da ordem social versus seus usos alternativos para transformação social. Naquele momento o autor apresentava certo otimismo em relações às possibilidades progressistas do campo jurídico que, a nosso ver, não se confirmaram.

Esse é o caso, por exemplo, das nomeações dos ministros do STF, que são feitas, desde a Constituição de 1891, pelo chefe do Poder Executivo, com posterior confirmação pelo Senado. Trata-se de um processo em essência político, mas que, mais uma vez, se justifica em um discurso meritocrático de natureza exclusivamente técnica.

O texto da Constituição é pouco específico sobre o processo de escolha dos ministros do STF, trazendo apenas a disposição que informa que a nomeação dos membros da Corte é competência exclusiva do Presidente da República,39 39 Art. 84, XIV, da Constituição da República Federativa do Brasil. após aprovação pelo Senado Federal, e que essa escolha deve ser feita entre os cidadãos com idade entre 35 e 75 anos, possuidores de notável saber jurídico e reputação ilibada.40 40 Art. 101, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Trata-se de critérios com alta carga de indeterminação. Dessa maneira, a escolha acaba sendo feita, sim, entre “candidatos reconhecidos por seu mérito profissional”, mas menos por esse fato em si e mais para que a diplomação possa ser apresentada como expressão de uma decisão de caráter técnico, motivada por princípios republicanos.41 41 Essa decisão entre indivíduos com atuações políticas desejadas pelo Presidente, mas com competência técnica reconhecida, funciona “como estratégia de evitar críticas de oponentes, de aliados e dos próprios profissionais da área” (DA ROS, 2012, p. 160).

O problema central é que, nada obstante o fato do campo jurídico ter suas práticas fortemente influenciadas e às vezes determinadas pelos mais variados tipos de poder (o econômico, o político, o cultural, etc. ), essa influência não é admitida nos discursos dominantes sobre o campo, o que obstaculiza qualquer mecanismo democrático de controle da prática jurisprudencial. Com efeito, a magistratura justifica seu poder através de um discurso racionalista de neutralidade e imparcialidade, o que encobre os aspectos políticos, econômicos e culturais de suas ações.

As disputas de poder, inerentes ao campo jurídico, não podem ser expostas para a sociedade em sua forma crua, sobretudo atualmente, quando há uma expansão do jurídico sobre o político, que precisa encontrar justificação fora da lógica do sufrágio e das próprias disputas políticas.42 42 Para uma descrição da expansão da jurisdição sobre o político como um movimento de elite politicamente interessado, no contexto de surgimento do novo constitucionalismo, ver Hirschl (2004). Em busca dessa legitimação, os agentes do campo jurídico se apoiam no discurso de sua profissionalização e no formalismo técnico com que supostamente conduzem suas atividades, o que acaba por ocultar os interesses políticos, econômicos e sociais que perpassam o campo e influenciam a práxis.

É mais simples constatar que as afinidades políticas são também determinantes para o preenchimento do quinto das vagas de magistrados dos tribunais (indicados pela OAB e pelo Ministério Público), bem como para o preenchimento das vagas dos ministros dos tribunais superiores. Contudo, ela é também determinante nos processos e nos mecanismos de progressão na carreira, embora de modo menos evidente. As progressões dependem de uma combinação de critérios objetivos (produção, antiguidade, etc.) e eleições intracorporação. Dessa maneira, juízes que demonstram afinidade política e ideológica com seus pares terão mais chances de promoção e sucesso na carreira, uma vez que têm maior probabilidade de atrair votos para si.

Em síntese, embora o Judiciário funcione por meio de procedimentos que se apresentam como neutros, ausentes de qualquer viés político e ideológico, não se deve desconsiderar que esses procedimentos funcionam como dispositivos de poder, cujo efeito concreto impõe o ajustamento das condutas às perspectivas e aos valores hegemônicos no campo − desde em relação aos candidatos ao concurso público até aos juízes durante toda a carreira.

Os procedimentos de seleção e os de progressão constituem mecanismos eficientes de moldagem das perspectivas desviantes aos valores hegemônicos preestabelecidos, no sentido de que servem para “barrar” aqueles e aquelas que possuam disposições contrárias ao habitus do campo e “punir” os magistrados e magistradas jovens que resistam a esse ajustamento, dificultando-lhes a promoção. É notória a manutenção dos magistrados substitutos “rebeldes” o maior tempo possível na primeira entrância, ou o afastamento deles dos espaços de poder que definem as regras do jogo do campo, além de outros entraves possíveis a suas progressões na carreira.

Do ponto de vista das condições materiais para o ingresso na magistratura, é importante notar que o mérito necessário tanto para a participação quanto para o sucesso no processo seletivo depende da aquisição de um conjunto de capitais econômico, social e cultural que não está disponível para a maioria das pessoas, um processo que se estende pelo exercício da profissão em suas dinâmicas de progressão. Conclui-se, portanto, que nas circunstâncias de extremas desigualdades econômica e social nas quais os processos de seleção de magistrados são realizados no Brasil, eles constituem um importante fator de preservação do campo jurídico como um espaço quase exclusivo das elites do poder, conforme veremos a seguir.

4. O habitus da magistratura

Nossa tentativa de apresentar uma compreensão do perfil socioeconômico de juízes brasileiros e das condições materiais e políticas que determinam as possibilidades de ingresso e sucesso no campo judicial tem como objetivo demonstrar que os capitais econômico, social e cultural influem decisivamente para a formação de um habitus da magistratura que não só favorece o ingresso e o sucesso na carreira, mas produz uma forte afinidade com os valores, interesses e visão de mundo das elites econômica, política e cultural.

É inquestionável que essa compreensão só estaria completa com informações empíricas precisas sobre a renda familiar de magistrados e sobre o contexto de socialização e acumulação de capitais que antecedem o ingresso na carreira. Todavia, apesar da ausência desses dados, podemos inferir que, em razão dos custos envolvidos e dos capitais necessários para o sucesso no processo de recrutamento da magistratura, muitos juízes e juízas já se beneficiavam dos privilégios necessários para a constituição dos méritos e dos habitus valorizados no campo judicial. O silêncio do censo do CNJ sobre a questão, seja ele intencional ou não, tem como consequência escamotear essa “verdade” inconveniente ao negar dados que seriam preciosos para uma análise sociológica completa do perfil dos nossos magistrados.

Por outro lado, a simples análise dos altos salários, dos privilégios acumulados e da posição de elite econômica é suficiente para concluir que os magistrados brasileiros partilham dos mesmos espaços de socialização das elites do poder, tanto do poder econômico quanto do político. A questão consiste em se reconhecer que as excepcionais circunstâncias econômicas de um juiz brasileiro influem decisivamente para a construção de um habitus com profundas interseções com aqueles das demais elites do poder. Afinal, eles passam a dividir os mesmos espaços sociais e políticos das classes mais ricas e, em consequência, tendem a assumir compreensões de mundo e interesses econômicos semelhantes e tendencialmente conservadores da ordem estabelecida.

É nesse sentido que Pierre Bourdieu (1989, p. 242)BOURDIEU, Pierre. A força do direito. In: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989. afirma que a prática dos agentes que produzem e aplicam o direito deve muito às afinidades que eles têm em relação àqueles que detêm poder político e econômico: “A proximidade dos interesses e, sobretudo, a afinidade dos habitus, ligada a formações familiares e escolares semelhantes, favorecem o parentesco das visões de mundo”. A escolha que fazem entre interesses, valores e visões de mundo diferentes “têm poucas probabilidades de desfavorecer os dominantes”.

O habitus, categoria desenvolvida pelo sociólogo francês, pode ser entendido como visão de mundo adquirida por indivíduos que ocupam os mesmos espaços sociais e que partilham dos mesmos mecanismos de educação formal, familiar e religiosa (BOURDIEU, 2007BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Tradução de Daniela Kern e Guilherme Teixeira. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2007., p. 162). O habitus organiza as práticas e as percepções, expressando-se nas ações individuais. Ele é um sistema de esquemas de referência e avaliação que disciplina escolhas inconscientes. Nas palavras de Bourdieu (2005, p. 356)BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005., ele “orienta de maneira constante escolhas que, embora não sejam deliberadas, não deixam de ser sistemáticas e, embora não sejam ordenadas e organizadas expressamente em vista de um objetivo último, não deixam de ser portadoras de uma espécie de finalidade que se revelará post festum”.

No campo jurídico, assim como em outros espaços sociais, os laços compartilhados pelos indivíduos que possuem um mesmo habitus influenciam diretamente nas relações interpessoais estabelecidas e nas vantagens que se pode conquistar dentro desse campo. Na carreira da magistratura não é diferente. Aqueles que se ajustam às perspectivas hegemônicas, ao habitus objetificado no campo, ao sentido de seu jogo, tendem a agregar com mais facilidade o apoio, a aprovação, os votos, as intervenções favoráveis que são fundamentais tanto para o ingresso e progressão na carreira quanto para que se possa ocupar um lugar de poder dentro do campo.

Esse ajustamento ao habitus da magistratura não é necessariamente consciente. Nós sabemos por experiência que, de modo geral, aqueles que frequentam os mesmos clubes e restaurantes tendem a adquirir ou a se ajustar a um modo de agir e pensar semelhante.43 43 Não pretendemos afirmar que os integrantes das elites pertençam de modo consciente a uma classe socialmente reconhecida e, a partir desse ponto, organizem suas ações coletivas. “Não obstante, para reconhecer o que pretendemos investigar, devemos anotar algo que todas as biografias e memória dos ricos, poderosos e eminentes deixam claro: não importa o que mais sejam, as pessoas dessas altas rodas estão envolvidas num conjunto de ‘grupos’ que se tocam e de ‘igrejinhas’ intrincadamente ligadas. Há uma espécie de atração mútua entre os que ‘se sentam no mesmo terraço’ - embora isso frequentemente só torne claro a eles, bem como aos outros, quando sentem necessidade de estabelecer uma linha divisória. Somente quando, na defesa comum, compreendem o que têm em comum, cerram fileiras contra os intrusos” (MILLS, 1981, p. 20). Sabemos que aqueles que têm acesso a determinada faixa de renda e a certos espaços sociais (ou aqueles que aspiram adquirir esse acesso) tendem a compartilhar interesses, a construir gostos comuns (viagens, esportes, alimentação, etc.) e a reproduzir opiniões e valores parecidos (BOURDIEU, 2007BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Tradução de Daniela Kern e Guilherme Teixeira. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2007.).

Aqueles que não partilham (que não podem ou que não querem se ajustar) às características dominantes do habitus de certo espaço social terão dificuldades em se integrar ou se beneficiar das relações ali estabelecidas. Na magistratura, em razão do alto padrão econômico, da “sofisticação” dos gostos adquiridos, da especificidade dos interesses e dos poderes que seus agentes encarnam, o ajustamento necessário é concretamente impossível para a maioria. O próprio processo seletivo de novos magistrados já elimina os que não puderam se ajustar (ou simular com sucesso o ajustamento). Os mecanismos de progressão na carreira e as disputas internas do campo cuidarão de estabelecer e impor as características dominantes do habitus judicial. Aqueles que não partilham dessas características terão efetivamente menos chances de ingressar nas carreiras da magistratura ou de ascender aos tribunais. Isso também vale para aqueles que de maneira consciente decidam ir contra o sentido do jogo, defendendo posições não compartilhadas ou contestando os valores dominantes.

Conforme vimos, as promoções na carreira da magistratura ocorrem por antiguidade e merecimento, alternadamente.44 44 Art. 93, II, da Constituição da República Federativa do Brasil. Existem alguns mecanismos com o intuito de contornar, ou pelo menos atenuar, o jogo político inerente ao processo, sobretudo no caso da promoção por antiguidade, quando o tribunal apenas poderá negar-se a promover o magistrado mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros.45 45 Art. 93, II, d), da Constituição da República Federativa do Brasil. Já nos casos de promoção por merecimento, auferidos por meio de critérios objetivos de produtividade e presteza, além da frequência em cursos de aperfeiçoamento, é obrigatória a promoção do juiz que figure três vezes consecutivas ou cinco alternadas nas listas que são preparadas para escolha pelo tribunal.46 46 Art. 93, II, a), da Constituição da República Federativa do Brasil.

Não obstante esses mecanismos de garantias formais de igualdade na progressão, é comum que magistrados não sejam promovidos por merecimento para as instâncias superiores em razão de uma atuação crítica que destoe do habitus ou das posições das elites judiciais, o que os deixa à mercê de uma progressão tardia por antiguidade que, em última hipótese, ainda pode ser barrada pela vontade de dois terços dos membros do tribunal.

Portanto, a magistratura também dispõe de mecanismos para adequar o habitus daqueles indivíduos com disposições contrárias ao sentido do jogo ou, em último caso, isolá-los das instâncias de poder da instituição, bem como conta com procedimentos capazes de neutralizar as tendências contestadoras daqueles e daquelas que conseguem ascender à condição de juízes e juízas a partir de contextos sociais de escassez de recursos econômicos e sociais e de outras circunstâncias adversas.

O próprio ato oficial de investidura na função de juiz funciona como um rito de “magia social” (BOURDIEU, 2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado: cursos no Collège de France (1989-92). Tradução de Rosa d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 391) que atribui automaticamente ao portador do novo título uma série de características pressupostas que são associadas a sua nova função, como honradez, inteligência, sensatez, senso de justiça, etc. Essas características são assimiladas com rapidez, como se fossem emanadas do próprio indivíduo. Em um concurso público para magistratura, a insignificante diferença entre o último aprovado e o primeiro classificado − mas fora das vagas uma diferença centesimal que efetivamente não nos diz nada sobre as capacidades dos candidatos para o bem exercer da função − é a fronteira do mundo mágico que coroa os mais novos juízes.

5. A elite judicial brasileira: alta imoralidade e cumplicidade estrutural?

Se os altos salários pagos desde o início da carreira, além dos poderes e prestígio que derivam da função, conduzem os novos magistrados instantaneamente à condição de elite econômica, quais são as implicações dessa posição?

O termo elite refere-se a um grupo minoritário que detém poderes excepcionais dos quais a maioria está parcial ou integralmente privada. As elites destacam-se por terem mais do que os demais dos elementos e experiências que são valorizadas no âmbito social. “A elite é simplesmente o grupo que tem o máximo que se pode ter, inclusive, de modo geral, dinheiro, poder e prestígio” (MILLS, 1981MILLS, Wright. A elite do poder. Tradução de Otávio Guilherme Velho. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981., p. 17).

Em relação aos juízes brasileiros, o termo se aplica em pelo menos dois sentidos. Os magistrados constituem uma elite em relação aos demais grupos sociais, em razão do prestígio, do poder e da remuneração que sua função lhes atribui, e, além disso, os juízes que ocupam posições nos tribunais superiores constituem uma elite dentro da própria carreira da magistratura, na medida em que eles se destacam e, de certo modo, se impõem aos demais colegas.47 47 No caso brasileiro, os magistrados constituem ainda uma elite histórica, talvez a mais importante do momento de formação do Estado nacional (CARVALHO, 1996) e que, até hoje, logrou manter-se ininterruptamente nas mais altas rodas do poder, apesar das mais variadas transições políticas ocorridas. Pesquisa recente, centrada, sobretudo, na atuação pretérita das elites judiciárias em outras instâncias do campo do poder (órgãos do Estado), parece apontar para o fato de que a circulação dos magistrados entre as demais elites do poder continua a ser um fator importante de homogeneização ideológica, além de uma espécie de pré-requisito para as indicações políticas que conduzem aos mais altos cargos do campo jurídico (ALMEIDA, 2016).

No primeiro sentido, o simples exercício da função de magistrado, em razão do prestígio social decorrente do poder em dizer o direito e dos altíssimos salários pagos desde o início da carreira no Brasil, é capaz de atribuir a qualquer pessoa que ocupe essa posição o status de elite. Os juízes brasileiros compõem não só a elite econômica do país, mas também a elite do serviço público,48 48 Segundo Bourdieu (2013, p. 371), “los portadores de los diferentes tipos de capital trabajan para preservar o aumentar su patrimonio y, correlativamente, sostener o mejorar su posición en el espacio social”. As novas elites burguesas, a nobreza do Estado, “que deben su poder al concurso y al título escolar, invocan [...] el mérito o el don” para justificar seus privilégios (BOURDIEU, 2013, p. 371). do Poder Judiciário e, até mesmo, dos profissionais do campo do Direito.49 49 Mesmo que se possa argumentar que alguns advogados ganhem fortunas que superam exponencialmente os ganhos de um magistrado no exercício da advocacia, não se pode tomar casos excepcionais de sucesso e enriquecimento como a regra geral. Em pesquisa divulgada pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine) para os últimos doze meses, a média salarial de um advogado com mais de oito anos de experiência em um prestigiado escritório de advocacia é de R$ 10.226,81. Já o ganho médio mensal de um advogado no começo de carreira é de R$ 2.478,64. Dados disponíveis em: https://www.sine.com.br/media-salarial-para-advogado. Acesso em: 9 ago. 2017. Lembramos que o salário de entrada dos juízes federais é quase três vezes maior que a renda mensal média dos advogados experientes de grandes bancas de advocacia.

Vale acrescentar, conforme descreve Almeida (2014, p. 87)ALMEIDA, Frederico de. As elites da Justiça: instituições, profissões e poder na política da justiça brasileira. Revista de Sociologia Política, v. 22, n. 52, p. 77-95, 2014., que “as posições de elite são determinadas pela combinação cumulativa de capitais econômicos, culturais e próprios de cada campo”, e nunca por uma simples questão de mérito, como normalmente se justificam os processos de ingresso e ascensão na carreira judicial.

Todavia, apesar da importância e das consequências do status de elite que detêm os juízes brasileiros, pouco se discute como essa posição permite a proliferação, a manutenção e o aprofundamento de similaridades entre os habitus específicos das elites econômicas, políticas e judiciais. É uma aproximação que com frequência se manifesta por meio de acordos pouco transparentes - para dizer o mínimo -, como o que garantiu, no segundo semestre de 2018, um reajuste salarial de 16,38% para o judiciário federal, desafiando o discurso de austeridade econômica e controle dos gastos públicos que predomina na política brasileira desde meados dessa década.50 50 Reportagem da Folha de S.Paulo noticiou que os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux teriam negociado diretamente com o então Presidente Michel Temer, argumentando que o aumento serviria para substituir o contestado auxílio-moradia recebido pelos juízes − a nosso ver, portanto, admitindo que o auxílio não tem caráter indenizatório, mas indevidamente remuneratório. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/08/temer-e-supremo-fecham-acordo-por-reajuste-de-1638-a-juizes.shtml. Acesso em: 25 mar. 2019.

Afinal, essa propinquidade entre as elites produz, segundo Mills (1981, p. 399), um contexto de “alta imoralidade”, uma vez que estabelece uma cumplicidade estrutural entre elas. Com efeito, o magistrado brasileiro tende a se identificar mais com as elites econômicas e políticas, a partir do compartilhamento de muitas características de seu habitus, do que com o cidadão comum. Ele distancia-se radicalmente das condições de vida da grande maioria das pessoas sobre cujos conflitos deverá decidir.51 51 Wolkmer nos lembra que a experiência político-jurídica colonial reforçou uma realidade que se repetiria constantemente na história do Brasil: a dissociação entre a elite e a imensa massa da população (WOLKMER, 2010, p. 63). No mesmo sentido, Carvalho (2017) denuncia que a “ausência do povo” seria o pecado original de nossa república; um pecado ainda não reconciliado.

Diante disso, não podemos deixar de nos perguntar até que ponto é possível desenvolver, a partir de uma posição de extremo privilégio, uma verdadeira compreensão ou empatia em relação a pretensões que não são próprias da vida que vivemos, mas que paradoxalmente representam os interesses da maioria das pessoas. Nesse sentido, o compartilhamento de um habitus elitista bastante desigual e privilegiado, que alberga, em geral, interesses antidemocráticos e desejos de manutenção de privilégios, parece-nos incompatível com uma efetiva promoção de igualdade de condições para o exercício de prerrogativas democráticas.

O problema é grave, em especial, quando se trata do Poder Judiciário por dois motivos. Principalmente porque, em um EDD, construído a partir do repúdio aos privilégios aristocráticos e fundado sobre os princípios da igualdade e da liberdade, a extrema superioridade econômica de juízes e os privilégios sociais que eles concedem a si mesmos são atentatórios aos princípios morais estabelecidos pela própria ordem jurídica. Mas também porque, diferentemente das elites políticas, sobre as quais sempre existirá a possibilidade de renovação pelo sufrágio, as elites judiciais exercem seus cargos de maneira vitalícia e livre do controle democrático.

Não obstante a forte crítica que apresentamos, é importante ter em mente que a história das instituições, incluindo entre elas o Poder Judiciário, é marcada pelo encontro de duas narrativas: sua verdade é realizada na dialética entre as inclinações inscritas nos corpos dos indivíduos (história subjetiva) e as tendências objetivadas no campo (história objetiva); mais especificamente, nos cargos e nas funções que os indivíduos assumem dentro desses espaços sociais. Isso quer dizer que não deve haver qualquer maniqueísmo reducionista na relação entre instituição e indivíduos: nem o Judiciário está organizado como uma estrutura completamente antirrepublicana, capaz de corromper qualquer agente que nela adentre, nem os sujeitos que ingressam na instituição são de todo livres para ou desejosos de trabalhar apenas em benefício próprio.

Aqui chamamos a atenção para o fato de que, em função de contingências históricas específicas − relacionadas, sobretudo, (i) ao modo como foi construído e se desenvolveu o campo jurídico nacional e (ii) o perfil de reprodução das elites judiciais −, a junção dessas duas histórias no Brasil tem se prestado muito mais à construção de um ambiente exclusivo da elite do poder, que atua de maneira aristocrática na busca da conservação do status quo ou, pior, à reação aos movimentos democratizantes.

O Judiciário não é evidentemente a única instituição na qual o espírito aristocrático52 52 O termo aristocracia (ἀριστοκρατία) significa literalmente o domínio (κράτος/kratos) dos melhores (ἄριστος/aristos). Na origem grega da palavra, os melhores são aqueles dotados da virtude (ἀρετή/aretê), da sabedoria e do conhecimento, e, portanto, a eles deve ser atribuído o privilégio de governar. Ao privilégio do poder, associa-se em geral o desejo nobiliárquico de manutenção do status e de transmissão e reprodução controlada das relações sociais, econômicas e políticas que a condição de privilégio constitui. “Ideologicamente, a Nobreza, com seus privilégios, é fruto da virtude” (MARTIGNETTI, 1998, p. 833.) encontra sua expressão no Brasil. Porém, ele é decerto a estrutura em que a contradição entre o discurso liberal do mérito pessoal e da igualdade de condições e as velhas percepções sobre a nobreza das virtudes e a necessidade dos privilégios aparece de modo mais evidente.

É verdade que em um EDD, como no caso do Brasil, todo privilégio é formalmente repudiado e a liberdade e a igualdade estão declaradas como fundamentos da ordem política. Além disso, o Judiciário brasileiro está organizado conforme os mais modernos princípios legais e políticos. O exercício da atividade jurisdicional está submetido à constituição e às leis. A arbitrariedade dos juízes é formalmente limitada por um sistema processual complexo e por tribunais superiores responsáveis por resguardar o respeito à lei e à constituição. O exercício da função de juiz depende da aprovação em concurso público que é, em teoria, acessível a qualquer um que tenha formação em Direito e alguma experiência em atividades jurídicas. As condições econômicas e as relações sociais e familiares daqueles que desejam ingressar na carreira da magistratura não são, ao menos de maneira formal, critérios para a admissão. Em tese, a aprovação nos exames depende apenas de uma árdua preparação e do mérito pessoal.53 53 Segundo trabalho recente, vigora no Brasil uma espécie de ideologia concurseira, uma crença de que os certames públicos “recrutam os mais habilidosos, competentes e aptos”. No entanto, por meio de ampla pesquisa empírica realizada com editais aplicados entre 2001 e 2010, demonstrou-se que os concursos não selecionam “nem os melhores profissionais experimentados, nem os melhores egressos do sistema de ensino”; antes, são recrutados os que têm mais sucesso na feitura das provas, especialmente nas fases de questões de múltipla escolha (FONTAINHA et al., 2015, p. 693).

A perpetuação dos privilégios através da magistratura, embora encoberta pelo discurso dominante do mérito pessoal, é controlada e mantida em geral dentro dos limites de classes econômicas mais favorecidas. A consequência é a reprodução dentro do Poder Judiciário de perspectivas aristocráticas e de certas ideologias ou visões de mundo formatadas pelas circunstâncias de privilégio dos indivíduos que o compõem.

Ainda sobre a relação entre instituição e indivíduo: para o bom funcionamento de uma instituição jurídica, é imprescindível que haja a “cumplicidade das disposições”, ou seja, é importante que os agentes, de algum modo, sintam-se confortáveis em seus espaços de atuação. Dessa maneira, é comum que as características objetivadas nos espaços jurídicos tendam a atrair indivíduos que previamente já possuam a disposição voluntária de aceitá-las como legítimas. Por outro lado, essas “estruturas estruturadas” (BOURDIEU, 2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado: cursos no Collège de France (1989-92). Tradução de Rosa d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 233) recompensam aqueles sujeitos que melhor desempenham os interesses de reprodução da classe e do campo, usualmente com reconhecimento e outras modalidades de sucesso.

Bourdieu (2001, p. 193)BOURDIEU, Pierre. Meditações pascalianas. Tradução de Sérgio Miceli. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. sugere que, à medida que cresce a regulação e o enrijecimento das condutas - o que encontramos justamente nos casos das profissões mais antigas e mais bem codificadas dentre as funções públicas, como no caso da magistratura -, maior é a identificação do indivíduo com o cargo; e essa identificação tende a extravasar os espaços burocráticos nos quais se dá o exercício de suas funções para tomar conta de todos os aspectos da vida do funcionário público. E tanto maior será essa identificação quanto maior for a dependência social do indivíduo em relação ao cargo que ocupa.

É dessa forma que o autor explica a forte disposição da “pequena burguesia”, das classes intermediárias em geral,54 54 Destacamos que compreendemos as classes médias não a partir da posse de propriedades, afastando-nos dos debates marxistas, mas com base em desenvolvimentos weberianos da noção, atentos à formação de burocracias nas quais se alojam esses estratos sociais − como observado por Mills (1951), que defronta uma antiga classe média, baseada na pequena propriedade, e uma nova classe média, dos white collar workers, ou Goldthorpe (2000) que diferencia a nova classe média da classe trabalhadora pelos membros da primeira possuírem empregos e remunerações mais estáveis e menos diretamente relacionados à produção. Para o debate contemporâneo de classes no Brasil, ver Salata e Scalon (2012) e, no campo marxista,Boito Junior (2007). de incorporar à sua práxis existencial - ou pelo menos aparentar incorporar - as virtudes exigidas pela boa prática do serviço público de que sua reprodução depende: probidade, minúcia, rigor e propensão à indignação moral (BOURDIEU, 2001BOURDIEU, Pierre. Meditações pascalianas. Tradução de Sérgio Miceli. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. , p. 190 e ss.).

No caso brasileiro, em que a classe média, que então surgia muito em função da pequena diversidade produtiva acarretada pela amplitude e pela longevidade da utilização da mão de obra escrava, se acostumou a enxergar na função pública e no apadrinhamento político, com frequência em ambos, as únicas possibilidades de estabilidade e ascensão social, essa identificação com o cargo conduz, não raras vezes, a uma relação de devoção ao aparelho estatal ao qual sua reprodução social está intimamente atada. No caso específico do Judiciário brasileiro, entre as consequências mais graves desse processo, está a representação messiânica que parte da população faz dos magistrados − crença da qual os próprios juízes e juízas acabam sendo os principais fiéis e pregadores.

O caminho mais comum à magistratura brasileira é bem conhecido por aqueles que de alguma forma participam do ensino jurídico no país ou que são familiares a ele. Trata-se de jovens de classes média e alta, advindos de núcleos familiares com grandes volumes de capitais cultural e econômico acumulados, formados nas melhores escolas básicas e secundaristas do país, que, ao final do bacharelado, dispõem de recursos financeiros suficientes - frequentemente ainda de origem familiar - para investir mais alguns anos em cursinhos preparatórios e na realização de sucessivas tentativas até a obtenção da tão desejada − e “merecida” − aprovação. Após a nomeação, por um ato de mágica estatal, passam de imediato da condição de bacharéis (muitas vezes “desempregados”) com pouca ou nenhuma experiência prática para a posição de membros de uma das elites mais tradicionais do país. Portanto, de certa forma, socialmente, devem tudo o que são ao aparelho, desde sua independência financeira ao prestígio que a partir daquele momento a sociedade lhes destinará.

É importante destacar, mais uma vez, que não se trata de qualquer determinismo, pois nem todos os indivíduos que aspiram à magistratura atuam ou passam a atuar dessa maneira uma vez que se tornam juízes. São condições estruturais que estão presentes no campo desde sua gênese. Relacionam-se a estruturas mais ou menos rígidas que não são remodeladas com facilidade pelas disposições desviantes. Ao contrário, o mais comum é o indivíduo ceder antes de vencer a instituição.

Não se pode inferir dos nossos argumentos que todo magistrado seja em essência imoral ou que esteja necessariamente consciente das relações bastante assimétricas de poder das quais participa. Nossa análise aqui é feita a partir da noção de habitus de Bourdieu justamente por ela explicar como as ações sociais estão quase sempre fundadas em valores e referências adquiridos nos espaços sociais frequentados que tendem a ser naturalizados (tomados como necessários). Embora um agente do campo judicial possa adquirir consciência dos valores e referências que motivam suas posições e ações, elas são, de modo geral, pré-reflexivas. É nesse sentido que se poderia falar em uma cumplicidade estrutural, que se dá através de mecanismos de formação e de ajustamento às perspectivas que garantem melhores chances de sucesso no campo, de uma cumplicidade que decorre muitas vezes das necessidades construídas pelas dinâmicas de poder que constituem a estrutura judicial e que formam os agentes que a ocupam e dependem dela.

É evidente que existem homens e mulheres corruptos em instituições honestas, assim como há homens e mulheres honestos em instituições corrompidas. Porém, quando as instituições corrompem muitos dos que nela se inserem, então ocorre o que Mills identifica como institucionalização da alta imoralidade (MILLS, 1981MILLS, Wright. A elite do poder. Tradução de Otávio Guilherme Velho. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981., p. 399). Não é uma imoralidade consciente ou desejada, mas uma imoralidade estrutural, visto que o exercício de poderes - no caso da magistratura, o exercício do poder jurisdicional −, está inserido em uma estrutura que contradiz seus próprios princípios (ou seus discursos legitimadores).

Conforme Bourdieu (2004, p. 20 e ss.)BOURDIEU, Pierre. Os usos da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora Unesp, 2004., qualquer que seja o campo em consideração, ele é, antes de tudo, lugar de disputa. Assim, os indivíduos e as instituições podem determinar a estrutura dos campos onde atuam de acordo com o volume de capital que acumulam e a proporção de seu peso, que depende da soma de todos os pesos dos demais agentes.

Não se trata de um determinismo sociológico no sentido de que qualquer um que adentre agremiações necessariamente passará a pensar e a agir como parte orgânica dessa instituição. Os indivíduos têm disposições adquiridas ao longo de suas vidas, habitus, “maneiras de ser permanentes, duráveis”, que podem levar homens e mulheres a resistir e a se opor ao campo ou, simplesmente, a nadar com a maré.

Todavia, resistir ao campo depende de esforços arriscados e de grandes sacrifícios. No âmbito interno da carreira, os juízes que pretendem ascender à elite de seu campo não podem contar com exclusividade com seu mérito pessoal, ainda que justifiquem essa ascensão nesses termos. Eles devem agradar aos membros já devidamente estabelecidos de seu campo.

Afinal, a vontade de um juiz recém-ingresso na magistratura tem menores chances de prevalecer e modificar as estruturas do que a vontade de um desembargador, que tem o poder de rever suas decisões. Por sua vez, a opinião desse mesmo desembargador “vale menos” do que a de um ministro dos tribunais superiores.

No entanto, mesmo entre os mais prestigiados juízes brasileiros, o poder de influenciar o campo jurídico não é partilhado igualmente. Os ministros dos tribunais superiores não se equivalem em peso no campo jurídico, pois prevalece aquele indivíduo que conserva as melhores relações para além do campo, sobretudo na política. E isso vale muitas vezes independente do conteúdo e da qualidade técnica dessas vontades, opiniões e interpretações manifestadas.55 55 “As oportunidades que um agente singular tem de submeter as forças do campo aos seus desejos são proporcionais à sua força sobre o campo, isto é, seu capital de crédito científico ou, mais precisamente, à sua posição na estrutura da distribuição do capital” (BOURDIEU, 2004, p. 25).

As contradições que promovem e perpetuam a imoralidade estrutural da magistratura brasileira decorrem da própria posição de elite que ostentam seus membros, o que implica o gozo de privilégios claramente aristocráticos, embora justificados, de modo paradoxal, por um discurso de mérito, lastreado em uma afirmação formalista e abstrata de igualdade que não se confirma na realidade concreta das relações e das disputas sociais. Vale destacar uma passagem de Mills (1981, p. 405), simples, porém muito ilustrativa, sobre as elites burocráticas:

Justificando-se pelo mérito superior e pelo trabalho árduo, mas tendo por base a escolha pela igrejinha, feita frequentemente por motivos inteiramente diversos, o carreirista de elite tem de convencer continuamente aos outros, e também a si, que é o oposto daquilo que realmente é.

Além disso, não devemos subestimar o componente psicológico que, na busca de uma vida tranquila, tende a sublimar as contradições inerentes das circunstâncias que vivemos, sobretudo quando nos encontramos em uma posição que nos oferece um nível extraordinário de conforto em uma sociedade tão desigual quanto a brasileira. Para aqueles a quem se impõe o compromisso de promover, por meio de sua função pública, a justiça, a igualdade e a liberdade, a contradição de sua condição de extremo privilégio econômico precisa ser sublimada para dar espaço a uma tranquila fruição dessa confortável situação.

A elite judicial brasileira justifica sua posição depositando toda sua fé no mérito individual como razão de seus privilégios, repetindo-o como um mantra − uma construção ideológica que, impreterivelmente, rebaixa aqueles que não alçaram as mais prestigiosas posições, culpando-os de modo individual por seus insucessos.56 56 Sobre a “institucionalização do fracasso” no Brasil, ver Freitas (2016). Ela precisa sublimar todas as causas estruturais da pobreza e da desigualdade social para viver em paz com o luxo e o privilégio.

A alta imoralidade a que se refere Mills (1981, p. 399) parece ser uma característica estrutural das democracias ocidentais, da qual, evidentemente, não escapa o Poder Judiciário. Todavia, ela se agrava em especial em um país como o Brasil, onde a ruptura com as perspectivas aristocráticas do nosso passado se operou sempre de modo negociado e parcial (MATOS e RAMOS, 2015MATOS, Andityas Soares de Moura Costa; RAMOS, Marcelo Maciel. Brazilian legal culture: from the tradition of exception to the promise of emancipation. International Journal for the Semiotics of Law, Amsterdam, Springer, p. 1-26, 2015.). Além disso, seria possível dizer que ela é consequência da elevação do dinheiro ao mais importante critério de êxito no tempo presente. Com a ascensão de um relativismo ético cínico, a objetividade do verbo “ter” passa a comandar os valores da sociedade, e as funções sociais mais bem remuneradas serão também as mais respeitadas (FROMM, 2011FROMM, Erich. Ter ou ser? Tradução de Nathanael Caixeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2011., p. 31) − mesmo que seja a corrupção o meio de obtenção da riqueza e do prestígio que a acompanha. Afinal, o privilégio não seria a mais fundamental de todas as corrupções em uma sociedade que declara a igualdade como seu princípio fundamental?

Conclusões

Não há dúvidas de que estruturas aristocráticas de poder e a concessão de privilégios extraordinários a determinado grupo social representam uma evidente corrupção dos princípios basilares de um Estado que se pretenda democrático.

Embora o Poder Judiciário brasileiro, assim como ocorre de modo geral nos países ocidentais, justifique-se discursivamente enquanto estrutura hábil a fazer frente à arbitrariedade e aos excessos dos demais poderes, bem como enquanto órgão responsável por garantir a observância da lei e dos princípios constitucionais, como a liberdade e a igualdade, ele acaba por promover, por meio de suas próprias estruturas e habitus, o excesso da autoconcessão de privilégios a seus membros, pervertendo o sentido e a possibilidade de efetivação dos princípios que promete defender.

Desde o sistema de ingresso na carreira, a magistratura brasileira tende a admitir em seus quadros pessoas que partilham um habitus muito semelhante, sobretudo no que toca às circunstâncias econômicas privilegiadas de que desfrutam, o que compromete o caráter plural e democrático que o Estado brasileiro declara querer promover em sua Carta Constitucional.

Além disso, os salários excepcionais permitem aos juízes entrar ou permanecer no círculo dos mais afortunados economicamente, o que conduz a uma assimilação e uma reprodução do habitus - isto é, das visões de mundo, dos interesses, das relações de poder, dos valores, das opções de consumo, etc. - compartilhado pelas elites econômicas e políticas.

A consequência disso é um distanciamento inevitável entre magistrados e a grande massa da população, colocando-os em uma relação tão assimétrica que torna difícil, de modo geral, uma identificação de juízes e jurisdicionados enquanto cidadãos de mesmo valor. Outra consequência desse distanciamento é a distorção do sentido da própria função jurisdicional, que passa a ser compreendida não enquanto múnus republicano, do qual o magistrado é mero servidor, mas como honraria nobiliárquica vitalícia, cujos privilégios são custeados pela grande massa desprivilegiada dos cidadãos brasileiros.

  • 1
    Para um debate sobre a oportunidade da associação das categorias desenvolvidas pela sociologia das elites e a categoria “classe”, ver CODATO, Adriano; PERISSINOTO, Renato. Classe social, elite política e elite de classe: por uma análise societalista da política. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 2, p. 243-270, 2009.
  • 2
    Resultados preliminares da pesquisa de Luciano Da Ros (2015)DA ROS, Luciano. O custo da justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória. The newsletter of the Observatory of Social and Political Elites of Brazil, v. 2, n. 9, 2015. mostram que, enquanto o Brasil gasta 1,30% do Produto Interno Bruto (PIB) com despesas do Poder Judiciário - 89% desse valor com pagamento de pessoal -, Alemanha e Estados Unidos gastam, respectivamente, 0,32% e 0,14%; já Argentina e Venezuela investem 0,13% e 0,34%. O Poder Judiciário brasileiro também é o que conta com o maior número de funcionários auxiliares da magistratura por habitante.
  • 3
    Para melhor compreensão das categorias campo e habitus, remetemos o leitor à obra do próprio Bourdieu. O conceito de campo é tratado didaticamente em Os usos da ciência (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora Unesp, 2004.), enquanto a noção de habitus é abordada em capítulo específico de A distinção (BOURDIEU, 2007BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Tradução de Daniela Kern e Guilherme Teixeira. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2007.). Não obstante, as categorias permeiam todo o trabalho do sociólogo francês e podem ser encontradas nas coletâneas publicadas no Brasil, como Razões práticas e O poder simbólico, bem como na produção de seus principais comentadores.
  • 4
    Os documentos citados serão comparados, quando oportuno, com a pesquisa organizada por Luiz Werneck Vianna entre as décadas de 1980-1990 (BURGOS et al., 1997BURGOS, Marcelo; MELO, Manuel; CARVALHO, Maria Alice; VIANNA, Luiz Werneck. Corpo e alma da magistratura brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1997.). O perfil sociodemográfico da magistratura, lançado em 2018 pelo CNJ, não estava disponível quando do envio dos originais. Não obstante, alguns dados foram inseridos para evitar informações desatualizadas.
  • 5
    Disponível em: http://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/censo-do-poder-judiciario. Acesso em: 9 ago. 2017. A pesquisa talvez queira chamar a atenção para a própria originalidade quantitativa, uma vez que atingiu mais da metade dos magistrados brasileiros, enquanto a pesquisa da Associação dos Magistrados, realizada um ano após, conseguiu abarcar apenas 30% de seus associados. No entanto, ainda nos anos 1990, uma pesquisa elaborada por um grupo de investigadores buscou compreender “o corpo e a alma da magistratura brasileira”, já levando em consideração questões como idade, gênero e escolaridade na família. Ainda que se trate de uma pesquisa importante, foram aplicados apenas 4 mil questionários. Seus resultados serão utilizados para verificar tendências de conservação ou modificação em relação às pesquisas atuais (BURGOS et al., 1997BURGOS, Marcelo; MELO, Manuel; CARVALHO, Maria Alice; VIANNA, Luiz Werneck. Corpo e alma da magistratura brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1997.).
  • 6
    “Todos esses dados parecem indicar a existência de um viés de gênero menos relacionado com o processo de seleção, mas profundamente vinculado ao modelo de progressão na carreira da magistratura” (MARONA, 2017MARONA, Marjorie Corrêa. Que magistrados para o século XXI? Desafios do processo de seleção da magistratura brasileira em tempos de novo constitucionalismo latino-americano. In: AVRITZER, Leonardo; GOMES, Lilian et al. (org.). O constitucionalismo democrático latino-americano em debate: soberania, separação de poderes e sistema de direitos. São Paulo: Autêntica, 2017., s./p.).
  • 7
    Segundo dados apresentados em 2014 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra representava 53,6% da população brasileira. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/12/04/negros-representam-54-da-populacao-do-pais-mas-sao-so-17-dos-mais-ricos.htm. Acesso em: 29 maio 2018.
  • 8
    A concentração de títulos de pós-graduação diminui quando seguimos na direção das instâncias iniciais da magistratura, assim como varia de acordo com o tipo de estrutura (estadual, federal ou trabalhista). No Tribunal de Justiça de Pernambuco, o percentual de magistrados com a titulação mais alta de doutorado é de 1,7%, enquanto 6,6% têm o mestrado concluído. No Tribunal Regional do Trabalho do mesmo estado, os números sobem para 3,6% e 13,3%, respectivamente. No Tribunal Federal Regional da 5ª Região, onde está Pernambuco, os percentuais são de 8,2% e 29%. Os dados sugerem que possuir a titulação não é fator determinante, mas auxilia no processo de promoção. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/censo-do-poder-judiciario/79054relatorios-por-tribunal. Acesso em: 25 abr. 2018.
  • 9
    De acordo com o documento (BRASIL, CNJ, 2018BRASIL. MINISTÉRIO DA ECONOMINA, PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO. Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais Civis e dos Ex-territórios. Brasília, v. 75, mar. 2018. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/gestao-publica/arquivos-e-publicacoes/tabela-de-remuneracao-1. Acesso em: 21 maio 2018.
    http://www.planejamento.gov.br/assuntos/...
    , p. 15), entre os magistrados e magistradas que adentraram as instituições judiciais a partir de 2011, 56% têm mães com segundo grau completo e 57% têm o pai na mesma faixa de escolaridade.
  • 10
    Brasil, CNJ (2018, p. 15)BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Perfil sociodemográfico dos magistrados brasileiros 2018. 2018. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/09/49b47a6cf9185359256c22766d5076eb.pdf. Acesso em: 13 mar. 2019.
    http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arq...
    .
  • 11
    Vale ressaltar que o Projeto de Lei da Câmara n. 27 de 2016, que se encontra em tramitação no Senado, pretende fixar os salários dos ministros do STF em R$ 39.293, 32. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/126084. Acesso em: 10 maio 2017.
  • 12
    Portal do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, dados de 2015. Disponível em: http://www.trf5.jus.br/transparencia/documentos/PE/ANEXO_VIII/PE_08_00_2015_04.pdf. Acesso em: 10 maio 2017.
  • 13
    Portal Transparência do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/transparencia/remuneracao-dos-magistrados. Acesso em: 13 maio 2018.
  • 14
    A forma como os dados são apresentados dificulta enormemente a análise, já que os valores brutos e líquidos indicados não incluem as verbas indenizatórias, como o auxílio-moradia, que é disponibilizado em outras planilhas. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/remuneracao/pesquisarRemuneracao.asp. Acesso em: 21 maio 2018.
  • 15
    Portal Transparência do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/transparencia/remuneracao-dos-magistrados. Acesso em: 13 maio 2018. Dos 1.059 juízes e desembargadores ativos analisados, mais de 1.030 tiveram rendimento líquido de mais de R$ 25.000,00.
  • 16
    BRASIL. MINISTÉRIO DA ECONOMINA, PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO. Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais Civis e dos Ex-territórios. Brasília, v. 75, mar. 2018. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/gestao-publica/arquivos-e-publicacoes/tabela-de-remuneracao-1. Acesso em: 21 maio 2018.
  • 17
    INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Rendimento de todas as fontes 2017. PNAD Contínua. 2018. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/acfb1a9112a9eceedc4ea612d5aaf848.pdf. Acesso em: 5 maio 2018.
  • 18
    INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Disponível em:http://www.ilo.org/ilostat. Acesso em: 4 jun. 2019.
  • 19
    UNITED STATES COURTS. Jucidial compensation. Find out how much federal judges are paid currently and since 1968. Disponível em: http://www.uscourts.gov/judges-judgeships/judicial-compensation. Acesso em: 4 jun. 2019.
  • 20
    NATIONAL CENTER FOR STATE COURTS (NCSC). According to the Survey of Judicial Salaries, published by the National Center for State Courts (NCSC) in January 2017, annual salaries of state judges range from $118,384 to $233,888. Disponível em: http://www.ncsc.org/~/media/Microsites/Files/Judicial%20Salaries/JST-2017-layout.ashx. Acesso em: 4 jun. 2019.
  • 21
    INSTITUT NATIONAL DE LA STATISTIQUE ET DES ÉTUDES ÉCONOMIQUES (INSEE), dados de 2015, publicados em 2017. Disponível em: https://www.insee.fr/fr/statistiques/. Acesso em: 21 maio 2018.
  • 22
    ÉCOLE NATIONALE DE LA MAGISTRATURE, dados de 2013 (últimos disponíveis). Disponível em: http://www.enm.justice.fr/sites/default/files/rub-devenir-magistrat/grille-indiciaire-magistrats.pdf. Acesso em 21 maio 2018.
  • 23
    MINISTÉRIO DAS FINANÇAS DE PORTUGAL, dados de 2011. Disponível em: http://www.dgaep.gov.pt/upload/SRetributivo2011/Carreiras_Categorias_Nao_Revistas_de_Corpos_Especiais_Remuneracoes_2011.pdf. Acesso em: 21 maio 2018.
  • 24
    MILÁ, Marc Morgan. Income concentration in a context of late development: an investigation of top incomes in Brazil using tax records, 1933-2013. Dissertação de Mestrado. Paris School of Economics, 2015. p. 44-45.
  • 25
    É importante salientar que, por dez votos a um, recentemente o STF modificou o entendimento sobre a possibilidade de pagamento de remunerações que superem o teto salarial para os servidores públicos que acumulam cargos efetivos. Assim, o que inicialmente fora proibido pela Constituição de 1988 - acumulação de cargos - passou a ser permitido por meio de Emenda Constitucional em 1998, com a imposição de um teto salarial que foi extinto em 2017. Considerando que parcela significativa dos ministros do STF exerce paralelamente à magistratura a função de professor em universidades brasileiras, na prática, dez dos onze juízes que compõem o órgão decidiram pela possibilidade de aumentar ainda mais seus próprios rendimentos, ignorando o sentido mesmo da existência de um teto salarial para o serviço público (AGÊNCIA BRASIL, 2017AGÊNCIA BRASIL. Servidor público que acumula cargo pode receber mais que o teto, decide STF, de 27-04-2017. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-04/stf-decide-que-servidores-publicos-podem-receber-mais-que-o-teto. Acesso em: 1º maio 2017.
    http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica...
    ).
  • 26
    Atualmente é cada vez mais comum que as elites vivam nos chamados condomínios fechados. Em trabalho recente sobre as formas de vida da atual sociedade brasileira, Christian Dunker analisa como esses espaços [condomínios fechados] foram sendo criados no Brasil a partir da década de 1970 e tornaram-se “um sonho de consumo para as classes altas e novas classes médias em ascensão” (p. 49). Tais empreendimentos são bairros artificiais, formados por uma série de condomínios interligados por um centro comercial e empresarial, protegidos e separados do exterior por muros (DUNKER, 2015DUNKER, Christian Ingo Lenz. Mal-estar, sofrimento e sintonia. São Paulo: Boitempo, 2015., p. 48).
  • 27
    O termo meritocracia foi primeiramente utilizado por Michael Young em 1958, na primeira edição do livro The rise of the meritocracy, para defender o primado da técnica sobre a política. O autor enxergava a expressão do mérito como a soma de esforço mais talento, aferível no resultado de processos objetivos de medição da performance (YOUNG, 1961YOUNG, Michael. The rise of meritocracy: (1870-2033) an essay on education and equality. Londres: Penguin Books, 1961. ). A ideologia do mérito torna-se hegemônica nas democracias ocidentais por meio da racionalização do processo de seleção das elites estatais e da glorificação da forma escolar como principal método de verificação dessas qualidades (FONTAINHA et al., 2015FONTAINHA, Fernando de Castro; GERALDO, Pedro Heitor Barros; VERONSE, Alexandre; ALVES, Camila Souza. O concurso público brasileiro e a ideologia concurseira. Revista Jurídica da Presidência, v. 16, n. 110, pp. 671-702, 2015., p. 674).
  • 28
    O quinto constitucional é a reserva de 1/5 das vagas dos tribunais (estaduais, federais e da Justiça do Trabalho) a advogados e membros do Ministério Público. A seleção dos indivíduos que ocuparão essas vagas é determinada por eleição direta entre seus pares.
  • 29
    Art. 37, II, da Constituição da República Federativa do Brasil.
  • 30
    Art. 93, I, da Constituição da República Federativa do Brasil.
  • 31
    A primeira fase dos concursos para o serviço público é em geral terceirizada. Conhecer o perfil do órgão elaborador das provas influi diretamente no processo de preparação, na medida em que permite ao candidato observar as tendências avaliativas de cada instituição.
  • 32
    O edital consultado para essa comparação foi o do Concurso Público do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região para juiz do Trabalho substituto de 2012. Disponível em: http://www.cespe.unb.br/concursos/trt5_12_juiz/arquivos/ED_2_2012_TRT_5___JUIZ_DO_TRABALHO_ABERTURA_REPUBLICA____O.PDF. Acesso em: 4 jun. 2019.
  • 33
    Na realidade, o último concurso foi realizado no ano de 2017, após a redação original do trabalho. Mantivemos a citação original em função de, no que concerne ao tema, não haver qualquer mudança significativa entre os documentos. Disponível em: http://www.cespe.unb.br/concursos/trf5_12_juiz/arquivos/ED_1_2012_TRF5_ABT_4_10_FINAL___DEFINITIVO___EDITAL_DE_ABERTURA___04.10.2012___1715.PDF. Acesso em: 4 jun. 2019.
  • 34
    Indubitavelmente, o diploma universitário no Brasil continua sendo uma condição de privilégio, visto que apenas 11% da população entre 25 e 64 anos possuía esse título no ano de 2008. Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2011-04-21/pesquisa-sobre-populacao-com-diploma-universitario-deixa-brasil-em-ultimo-lugar-entre-36-paises. Acesso em: 30 jan. 2018. Porém, com as políticas de expansão do ensino superior, especialmente considerando o diploma em Direito, essa proporção, ainda que baixa, é muito superior aos números de outros períodos. O número de cursos jurídicos chega à alarmante cifra de 1.240, superior à soma de todos os cursos existentes na China, nos Estados Unidos e na totalidade da Europa (levantamento feito em 2010 pelo CNJ; TENENTE, 2017TENENTE, Luiza. Brasil tem mais faculdades de direito que China, EUA e Europa juntos; saiba como se destacar no mercado, de 06-07-2017. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/guia-de-carreiras/noticia/brasil-tem-mais-faculdades-de-direito-que-china-eua-e-europa-juntos-saiba-como-se-destacar-no-mercado.ghtml. Acesso em: 30 jan. 2018.
    https://g1.globo.com/educacao/guia-de-ca...
    ). Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/guia-de-carreiras/noticia/brasil-tem-mais-faculdades-de-direito-que-china-eua-e-europa-juntos-saiba-como-se-destacar-no-mercado.ghtml. Acesso em: 30 jan. 2018. No entanto, essa ampliação, que inicialmente poderia significar uma democratização das oportunidades, representa muito mais uma massificação de um ensino técnico de baixa qualidade (SILVA JUNIOR, 2017SILVA JUNIOR, João do Reis. The new Brazilian University: a busca por resultados comercializáveis: para quem? Bauru: Canal 6, 2017.).
  • 35
    Dos magistrados que responderam à pesquisa “A AMB quer ouvir você”, da AMB, 26,9% declararam que a “faixa de renda de seus pais” era superior a 20 salários mínimos. A pesquisa faz essa única menção à renda e acaba por encobrir mais que revelar. Essa quantia hoje significaria uma renda de R$ 19.080,00; portanto, ao perguntar apenas pelas rendas acima de 20 salários, não sabemos, por exemplo, o percentual de magistrados associados a rendas familiares entre R$ 10.000,00 e R$ 19.000,00 ou entre R$ 5.000,00 e R$ 10.000,00 - faixas que pressupomos que, juntas, concentrariam a esmagadora maioria dos entrevistados -, bem como não conhecemos os extremos, ou seja, aqueles juízes e juízas advindos de famílias com rendas de até um salário mínimo e acima de 50 salários. No que concerne à reprodução do capital cultural, 30,6% dos magistrados que responderam à pesquisa declararam que seu pai tinha grau de formação “universitário completo”, um número aparentemente pouco expressivo, mas que cresce, considerando o cenário de distribuição de diplomas de duas ou três décadas atrás (segundo o IBGE, em 2017, 51% dos brasileiros possuíam apenas o ensino fundamental completo). As informações sobre o judiciário estão disponíveis em: http://www.amb.com.br/novo/wp-content/uploads/2015/12/Pesquisa-PDF.pdf. Para os dados sobre educação, ver: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2013-agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-apenas-o-ensino-fundamental-completo.html. Acesso em: 5 maio 2018.
  • 36
    O coach para concursos é uma ferramenta recente e ainda em construção no Brasil. Consiste na contratação de um profissional para acompanhar o candidato em todas as fases dos concursos, treinando-o desde como e o que deve estudar até o que deve vestir e como se comportar de acordo com as especificidades apresentadas. Esses profissionais, usualmente, são recém-aprovados na área referente ao concurso (juízes, auditores fiscais, promotores, etc.) e chegam a cobrar R$ 10.000,00 por seus serviços, o que compromete de modo significativo o discurso do mérito.
  • 37
    É importante destacar que uma suposta garantia de incorruptibilidade ainda é utilizada para justificar os altos rendimentos da magistratura, assim como é argumento frequente das demandas por aumento salarial da classe.
  • 38
    A partir de uma análise local, realizada tendo em consideração a realidade da elite jurídica do Rio Grande do Sul uma década antes, Engelmann (2006)ENGELMANN, Fabiano. Sociologia do campo jurídico: juristas e usos do direito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2006. identificou a cisão do campo jurídico daquele estado entre os usos do direito para conservação da ordem social versus seus usos alternativos para transformação social. Naquele momento o autor apresentava certo otimismo em relações às possibilidades progressistas do campo jurídico que, a nosso ver, não se confirmaram.
  • 39
    Art. 84, XIV, da Constituição da República Federativa do Brasil.
  • 40
    Art. 101, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil.
  • 41
    Essa decisão entre indivíduos com atuações políticas desejadas pelo Presidente, mas com competência técnica reconhecida, funciona “como estratégia de evitar críticas de oponentes, de aliados e dos próprios profissionais da área” (DA ROS, 2012DA ROS, Luciano. Juízes profissionais? Padrões de carreira dos integrantes das Supremas Cortes de Brasil (1829-2008) e Estados Unidos (1789-2008). Revista de Sociologia Política, Curitiba, v. 21, n. 41, 2012., p. 160).
  • 42
    Para uma descrição da expansão da jurisdição sobre o político como um movimento de elite politicamente interessado, no contexto de surgimento do novo constitucionalismo, ver Hirschl (2004)HIRSCHL, Ran. The political origins of the new constitucionalism. Indiana Journal of Global Studies, v. 11, n. 1, p. 71-108, 2004..
  • 43
    Não pretendemos afirmar que os integrantes das elites pertençam de modo consciente a uma classe socialmente reconhecida e, a partir desse ponto, organizem suas ações coletivas. “Não obstante, para reconhecer o que pretendemos investigar, devemos anotar algo que todas as biografias e memória dos ricos, poderosos e eminentes deixam claro: não importa o que mais sejam, as pessoas dessas altas rodas estão envolvidas num conjunto de ‘grupos’ que se tocam e de ‘igrejinhas’ intrincadamente ligadas. Há uma espécie de atração mútua entre os que ‘se sentam no mesmo terraço’ - embora isso frequentemente só torne claro a eles, bem como aos outros, quando sentem necessidade de estabelecer uma linha divisória. Somente quando, na defesa comum, compreendem o que têm em comum, cerram fileiras contra os intrusos” (MILLS, 1981MILLS, Wright. A elite do poder. Tradução de Otávio Guilherme Velho. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981., p. 20).
  • 44
    Art. 93, II, da Constituição da República Federativa do Brasil.
  • 45
    Art. 93, II, d), da Constituição da República Federativa do Brasil.
  • 46
    Art. 93, II, a), da Constituição da República Federativa do Brasil.
  • 47
    No caso brasileiro, os magistrados constituem ainda uma elite histórica, talvez a mais importante do momento de formação do Estado nacional (CARVALHO, 1996CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1996.) e que, até hoje, logrou manter-se ininterruptamente nas mais altas rodas do poder, apesar das mais variadas transições políticas ocorridas. Pesquisa recente, centrada, sobretudo, na atuação pretérita das elites judiciárias em outras instâncias do campo do poder (órgãos do Estado), parece apontar para o fato de que a circulação dos magistrados entre as demais elites do poder continua a ser um fator importante de homogeneização ideológica, além de uma espécie de pré-requisito para as indicações políticas que conduzem aos mais altos cargos do campo jurídico (ALMEIDA, 2016ALMEIDA, Frederico de. Os juristas e a política no Brasil: permanências e reposicionamentos. Lua Nova, São Paulo, n. 97, p. 213-250, 2016.).
  • 48
    Segundo Bourdieu (2013, p. 371)BOURDIEU, Pierre. La nobleza de Estado: educación de elite y espíritu de cuerpo. Tradução para o espanhol de Alicia Beatriz Gutiérrez. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2013. , “los portadores de los diferentes tipos de capital trabajan para preservar o aumentar su patrimonio y, correlativamente, sostener o mejorar su posición en el espacio social”. As novas elites burguesas, a nobreza do Estado, “que deben su poder al concurso y al título escolar, invocan [...] el mérito o el don” para justificar seus privilégios (BOURDIEU, 2013BOURDIEU, Pierre. La nobleza de Estado: educación de elite y espíritu de cuerpo. Tradução para o espanhol de Alicia Beatriz Gutiérrez. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2013. , p. 371).
  • 49
    Mesmo que se possa argumentar que alguns advogados ganhem fortunas que superam exponencialmente os ganhos de um magistrado no exercício da advocacia, não se pode tomar casos excepcionais de sucesso e enriquecimento como a regra geral. Em pesquisa divulgada pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine) para os últimos doze meses, a média salarial de um advogado com mais de oito anos de experiência em um prestigiado escritório de advocacia é de R$ 10.226,81. Já o ganho médio mensal de um advogado no começo de carreira é de R$ 2.478,64. Dados disponíveis em: https://www.sine.com.br/media-salarial-para-advogado. Acesso em: 9 ago. 2017. Lembramos que o salário de entrada dos juízes federais é quase três vezes maior que a renda mensal média dos advogados experientes de grandes bancas de advocacia.
  • 50
    Reportagem da Folha de S.Paulo noticiou que os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux teriam negociado diretamente com o então Presidente Michel Temer, argumentando que o aumento serviria para substituir o contestado auxílio-moradia recebido pelos juízes − a nosso ver, portanto, admitindo que o auxílio não tem caráter indenizatório, mas indevidamente remuneratório. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/08/temer-e-supremo-fecham-acordo-por-reajuste-de-1638-a-juizes.shtml. Acesso em: 25 mar. 2019.
  • 51
    Wolkmer nos lembra que a experiência político-jurídica colonial reforçou uma realidade que se repetiria constantemente na história do Brasil: a dissociação entre a elite e a imensa massa da população (WOLKMER, 2010WOLKMER, Antônio Carlos. História do direito no Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010., p. 63). No mesmo sentido, Carvalho (2017)CARVALHO, José Murilo de. O pecado original da República: debates, personagens e eventos para compreender o Brasil. Rio de Janeiro: Bazar do Vento, 2017. denuncia que a “ausência do povo” seria o pecado original de nossa república; um pecado ainda não reconciliado.
  • 52
    O termo aristocracia (ἀριστοκρατία) significa literalmente o domínio (κράτος/kratos) dos melhores (ἄριστος/aristos). Na origem grega da palavra, os melhores são aqueles dotados da virtude (ἀρετή/aretê), da sabedoria e do conhecimento, e, portanto, a eles deve ser atribuído o privilégio de governar. Ao privilégio do poder, associa-se em geral o desejo nobiliárquico de manutenção do status e de transmissão e reprodução controlada das relações sociais, econômicas e políticas que a condição de privilégio constitui. “Ideologicamente, a Nobreza, com seus privilégios, é fruto da virtude” (MARTIGNETTI, 1998MARTIGNETTI, Giuliano. Nobreza. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Tradução de Carmen C. Varriale et al. Brasília: Editora UnB, 1998., p. 833.)
  • 53
    Segundo trabalho recente, vigora no Brasil uma espécie de ideologia concurseira, uma crença de que os certames públicos “recrutam os mais habilidosos, competentes e aptos”. No entanto, por meio de ampla pesquisa empírica realizada com editais aplicados entre 2001 e 2010, demonstrou-se que os concursos não selecionam “nem os melhores profissionais experimentados, nem os melhores egressos do sistema de ensino”; antes, são recrutados os que têm mais sucesso na feitura das provas, especialmente nas fases de questões de múltipla escolha (FONTAINHA et al., 2015FONTAINHA, Fernando de Castro; GERALDO, Pedro Heitor Barros; VERONSE, Alexandre; ALVES, Camila Souza. O concurso público brasileiro e a ideologia concurseira. Revista Jurídica da Presidência, v. 16, n. 110, pp. 671-702, 2015., p. 693).
  • 54
    Destacamos que compreendemos as classes médias não a partir da posse de propriedades, afastando-nos dos debates marxistas, mas com base em desenvolvimentos weberianos da noção, atentos à formação de burocracias nas quais se alojam esses estratos sociais − como observado por Mills (1951)MILLS, Wright. White collar. New York: Oxford University Press , 1951., que defronta uma antiga classe média, baseada na pequena propriedade, e uma nova classe média, dos white collar workers, ou Goldthorpe (2000)GOLDTHORPE, John. Social class and the differentiation of employment contracts. In: GOLDTHORPE, John (org.). On Sociology: numbers, narratives, and the integration of research and theory. New York: Oxford University Press, 2000. que diferencia a nova classe média da classe trabalhadora pelos membros da primeira possuírem empregos e remunerações mais estáveis e menos diretamente relacionados à produção. Para o debate contemporâneo de classes no Brasil, ver Salata e Scalon (2012)SALATA, André; SCALON, Celi. Uma nova classe média? O debate a partir da perspectiva sociológica. Revista Sociedade e Estado, v. 27, n. 2, p. 387-407, 2012. e, no campo marxista,Boito Junior (2007)BOITO JUNIOR, Armando. Estado, política e classes sociais. São Paulo: Unesp, 2007..
  • 55
    “As oportunidades que um agente singular tem de submeter as forças do campo aos seus desejos são proporcionais à sua força sobre o campo, isto é, seu capital de crédito científico ou, mais precisamente, à sua posição na estrutura da distribuição do capital” (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora Unesp, 2004., p. 25).
  • 56
    Sobre a “institucionalização do fracasso” no Brasil, ver Freitas (2016)FREITAS, Lorena. A instituição do fracasso: a educação da ralé. In: SOUZE, Jessé (org.). A ralé brasileira: quem é e como vive. 2. ed. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2016. .

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2017
  • Aceito
    03 Abr 2019
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