Acessibilidade / Reportar erro

Efeito da ingestão de cafeína sobre o desempenho físico e estado de humor de ciclistas

Effects of caffeine on performance and mood of cyclists

Resumos

O objetivo do estudo foi analisar os efeitos da ingestão de cafeína sobre o desempenho físico e estado de humor de ciclistas em teste contrarrelógio de 1 km. Dez ciclistas do sexo masculino realizaram aleatoriamente um teste contrarrelógio de 1 km em duas condições experimentais: ingestão de cafeína (CAF - 6 mg.kg-1) e placebo (PL) 60 min antes do teste. Durante os testes foram obtidas as medidas de tempo total e estado de humor pelo questionário de Brunel (BRUMS). Para comparações dos parâmetros tempo total e estado de humor, foi utilizado o teste t de Student pareado e teste Wilcoxon, respectivamente. Nenhuma diferença estatisticamente significante foi encontrada no tempo total e no estado de humor nas condições CAF e PL (P>0,05). Os resultados sugerem que a cafeína não melhora o desempenho físico e nem altera o estado de humor dos atletas em um teste contrarrelógio de 1 km.

Ergogênico; Cafeína; Humor; Ciclismo


This study analyzed the effects of caffeine ingestion on physical performance and mood state of cyclists in a 1km time trial test. Ten male cyclists performed randomly a 1km time-trial test under two experimental conditions: Caffeine (CAF - 6 mg.kg-1) and placebo (PL) 60 min before the test. During the test were obtained the total time and the mood using the Brunel questionnaire (BRUMS). For comparisons of total time and mood states it was applied the paired Student's t-test and Wilcoxon test, respectively. No significant differences were found in the total time to complete tests and in the mood states between CAF and PL conditions (P>0.05). The results suggested that caffeine does not improve performance or change the mood of cyclists in a 1km time trial test.

Ergogenic; Caffeine; Mood; Cycling


ARTIGOS DE OPINIÃO

Efeito da ingestão de cafeína sobre o desempenho físico e estado de humor de ciclistas

Effects of caffeine on performance and mood of cyclists

João Guilherme CarneiroI; Henrique BortolottiI; Thiago Viana CamataI; Marcelo BigliassiI; Thiago Ferreira Dias KanthackI; Leandro Ricardo AltimariII

IPrograma de Pós-Graduação Associado em Educação Física UEM-UEL, Londrina-PR, Brasil

IIProfessor Doutor do Departamento de Educação Física – CEFE - Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Leandro Ricardo Altimari. Departamento de Educação Física, Centro de Educação Física e Esporte - Universidade Estadual de Londrina. Rodovia Celso Garcia Cid, Pr 445 km 380, Campus Universitário cx. postal 6001. Cep 86051-990, Londrina-PR, Brasil. E-mail altimari@uel.br

RESUMO

O objetivo do estudo foi analisar os efeitos da ingestão de cafeína sobre o desempenho físico e estado de humor de ciclistas em teste contrarrelógio de 1 km. Dez ciclistas do sexo masculino realizaram aleatoriamente um teste contrarrelógio de 1 km em duas condições experimentais: ingestão de cafeína (CAF - 6 mg.kg-1) e placebo (PL) 60 min antes do teste. Durante os testes foram obtidas as medidas de tempo total e estado de humor pelo questionário de Brunel (BRUMS). Para comparações dos parâmetros tempo total e estado de humor, foi utilizado o teste t de Student pareado e teste Wilcoxon, respectivamente. Nenhuma diferença estatisticamente significante foi encontrada no tempo total e no estado de humor nas condições CAF e PL (P>0,05). Os resultados sugerem que a cafeína não melhora o desempenho físico e nem altera o estado de humor dos atletas em um teste contrarrelógio de 1 km.

Palavras-chave: Ergogênico. Cafeína. Humor. Ciclismo.

ABSTRACT

This study analyzed the effects of caffeine ingestion on physical performance and mood state of cyclists in a 1km time trial test. Ten male cyclists performed randomly a 1km time-trial test under two experimental conditions: Caffeine (CAF - 6 mg.kg-1) and placebo (PL) 60 min before the test. During the test were obtained the total time and the mood using the Brunel questionnaire (BRUMS). For comparisons of total time and mood states it was applied the paired Student's t-test and Wilcoxon test, respectively. No significant differences were found in the total time to complete tests and in the mood states between CAF and PL conditions (P>0.05). The results suggested that caffeine does not improve performance or change the mood of cyclists in a 1km time trial test.

Keywords: Ergogenic. Caffeine. Mood. Cycling.

INTRODUÇÃO

Entre as diversas estratégias usadas para potencializar o desempenho em atividades esportivas, destaca-se o uso de recursos ergogênicos pela possibilidade de maximizar o desempenho ou melhorar de alguma forma as variáveis que modulam o resultado final. Segundo Kreider et al. (2010), são considerados recursos ergogênicos qualquer tipo de técnica de treinamento, dispositivo mecânico, prática nutricional, método farmacológico ou psicológico que possa melhorar a capacidade de exercício e/ou melhorar as adaptações ao treinamento.

Nos últimos anos, a cafeína tem sido apontada como um recurso ergogênico de caráter nutricional capaz de exercer efeito positivo em exercícios aeróbios (esforços moderados de média e longa duração) e anaeróbios (esforços de alta intensidade e curta duração), com o intuito de amenizar o processo de fadiga e, consequentemente, melhorar o desempenho físico influenciando o resultado final (DOHERTY; SMITH, 2004; SPRIET; GIBALA, 2004; ALTIMARI, 2010).

Particularmente com relação aos exercícios de característica anaeróbia, poucos estudos têm procurado investigar os efeitos ergogênicos da cafeína sobre o desempenho físico (ALTIMARI et al., 2006; ASTORINO; ROBERSON, 2010). Altimari (2010), Astorino e Roberson (2010) sugerem que o aumento da força e potência muscular acompanhado de maior tolerância ao exercício após a ingestão de cafeína possa ocorrer pela ação no sistema nervoso central (SNC) em função de seu efeito antagônico nos receptores de adenosina, melhorando a transmissão dopaminérgica pré e pós-sináptica e, consequentemente, aumentando a taxa de sinapse entre os motoneurônios e a propagação dos sinais neurais entre o córtex cerebral e a junção neuromuscular, contribuindo para o aumento no recrutamento de unidades motoras. (BURKE, 2008; KALMAR; CAFARELLI, 2004; DAVIS; GREEN, 2009; KALMAR; CAFARELLI, 1999).

Além dos efeitos no desempenho físico, a cafeína ao se ligar aos receptores de adenosina no SNC estimula a liberação de serotonina no córtex cerebral, excitando a ação do sistema nervoso simpático e diminuindo a ação da adenosina em retardar a atividade dos neurônios, potencializando um aumento na atividade das células nervosas (DAVIS et al., 2003). Estes mecanismos afetam a cognição e humor dos usuários após a ingestão aguda de cafeína, no qual inclui o aumento da agilidade mental, diminuição do cansaço, melhora no humor e excitação enérgica como resultado da ação da cafeína no SNC (SMITH et al.,1999; DAVIS et al, 2003; EVANS; GRIFFITHS, 1992; HINDMARCH et al., 2000; VAUGEOIS, 2002).

Aspectos psicoafetivos caracterizam-se responsivos e moduladores do desempenho ao longo das variações diárias simples. O simples fato de realizar uma caminhada, correr, nadar ou de qualquer forma realizar uma atividade física pode ocasionar mudanças nos padrões diários e momentâneos do humor, tornando de forma positiva ou negativa domínios antes estabilizados (WICHERS et al., 2012). As variáveis humorais enquanto resposta a um conjunto de estímulos aferentes e subsequente interpretação é delicadamente encontrada em suas mais diversas formas ao longo de atividades e exercícios físicos como ponto chave para representação e controle das respostas advindas da tarefa. Desse modo, deve-se considerar que a cafeína detém seus principais mecanismos de ação em regiões cerebrais e neurotransmissores específicos e responsivos (dopamina e serotonina) justamente às questões psicoafetivas, entre elas o humor.

O humor pode ser definido como um conjunto de sentimentos transitórios por natureza que se diferenciam em intensidade e duração e que geralmente compõe mais de uma emoção (LANE; TERRY, 2000). O humor reflete os estados emocionais que possuem caráter somático alterado por fatores externos que são percebidos de forma consciente pelo atleta; esta interação tem relação direta com o comportamento, sentimento, pensamentos, percepção corporal e entusiasmo frente à realização de determinada tarefa (WEINBERG; GOULD, 2008; St CLAIR GIBSON et al., 2003; REJESKI, 1985). O desempenho esportivo pode ser significativamente comprometido à medida que alterações no humor não propiciam ao atleta condições ótimas para o rendimento e/ou indicam em excesso de treinamento físico (ROHLFS et al., 2008; HAGTVET; HANIN, 2007).

Ressalta-se que o efeito agudo da ingestão de cafeína no SNC pode proporcionar aumentos nos estados afetivos positivos do atleta frente à tarefa resultando melhora no desempenho. Em contrapartida, os resultados se encontram bastantes contraditórios na literatura, tornando precipitada uma conclusão definitiva sobre os efeitos positivos da cafeína na realização de exercícios aeróbios e anaeróbios (ALTIMARI et al, 2006, ALTIMARI, 2010). Considerando as informações descritas acima, faz-se necessário investigar possíveis influências da cafeína no desempenho em exercício anaeróbio (alta intensidade e curta duração) que simulam uma situação competitiva real, bem como sua ação no estado de humor dos atletas durante esse tipo de exercício, adicionalmente ao fato de não encontrarmos na literatura relatos com essa finalidade. Assim, o propósito do presente estudo foi investigar o efeito da ingestão de cafeína (6 mg.kg-1) sobre o desempenho físico e estado de humor de ciclistas em teste contrarrelógio de 1 km.

MATERIAIS E MÉTODOS

Sujeitos

Participaram do presente estudo dez ciclistas saudáveis, do sexo masculino, selecionados voluntariamente, com idade média de 27,0 ± 8,0 anos e tempo médio de prática na modalidade de 7,0 ± 4,0 anos. Todos relataram participar de treinamento de ciclismo de quatro a cinco vezes por semana e manterem um volume médio semanal de 345,0 ± 92,0 km. Os indivíduos foram convenientemente informados sobre a proposta do estudo e sobre os procedimentos aos quais seriam submetidos e, posteriormente, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina (Parecer 226/2009) de acordo com as normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisa envolvendo seres humanos.

Delineamento Experimental

Inicialmente foram realizadas medidas antropométricas para caracterização da amostra e teste pré-experimental no intuito de familiarizar os sujeitos aos equipamentos e os protocolos. Posteriormente, os voluntários compareceram ao laboratório nos horários pré-definidos, onde foram submetidos a um teste incremental máximo para obtenção dos parâmetros máximos dos atletas. Em seguida, os sujeitos compareceram ao laboratório em duas sessões distintas e foram submetidos ao teste de circuito fechado quando pedalaram em prova simulada de contrarrelógio (Time Trial) de 1 km, após a ingestão de cafeína (CAF) ou placebo (PL).

Os horários de avaliação de cada voluntário foram padronizados entre os dias de testes, fazendo com que estes realizassem todos os testes em horário aproximado, evitando assim possíveis interferências circadianas. Vale ressaltar que os sujeitos foram orientados para que não realizassem atividades físicas vigorosas 24h e não ingerissem substâncias cafeinadas ou alcoólicas nas 48h precedentes aos testes, para evitar possíveis interferências. Antes, durante e/ou após o teste contrarrelógio de 1 km nas diferentes condições experimentais foram analisadas as variáveis: tempo total e estado de humor. Os procedimentos de obtenção de cada variável seguem descritos abaixo.

Antropometria

A massa corporal foi medida em balança da marca Filizola, modelo ID-1500, com precisão de 0,1 kg ao passo que a estatura foi obtida em estadiômetro, com precisão de 0,1 cm, de acordo com os procedimentos descritos por Gordon et al (1988). Todos os indivíduos foram medidos descalços, vestindo apenas shorts. O índice de massa corporal (IMC) foi determinado pelo quociente massa corporal/estatura2, e a massa corporal foi expressa em quilogramas (kg) e a estatura em metros (m).

Teste Incremental Máximo (TiMAX)

O TIMAX foi realizado para obtenção dos parâmetros máximos (PMAX e FCMAX) dos atletas em ciclossimulador, modelo VELOTRON DYNAFIT™ (Racer Mate®, Seattle, WA, USA). Após um aquecimento de 2 min a 100 W, foram adicionados 50 W a cada 2 min até a exaustão voluntária ou incapacidade de manter a cadência mínima estipulada por mais de 5 segundos, sendo esta de 70 rotações por minuto (rpm) (LUCIA et al, 2000). A PMAX foi considerada a potência do último estágio completo somado ao produto do percentual do tempo de permanência no estágio de exaustão pelo incremento padronizado (50 W) (AMANN et al, 2006). A FCMAX foi o maior valor de FC encontrado no último minuto de teste.

Teste contrarrelógio de 1 km

Previamente a cada teste contrarrelógio de 1 km foi realizado um aquecimento padronizado específico que contribui para o melhor rendimento em provas de contrarrelógio (HAJOGLOU et al., 2005). Em seguida, os voluntários realizaram um teste contrarrelógio de 1 km, quando foi obtido o tempo total de prova, nas condições CAF e PL, momento que os atletas deveriam cumprir a distância no menor tempo possível, com escolha livre de cadência e relação de engrenagens, sendo a única restrição à permanência na posição sentada durante todo o teste. Os voluntários receberam retroalimentação sobre a distância percorrida durante o teste por meio da visualização no monitor.

Ingestão de Cafeína

Os voluntários selecionados no presente estudo ingeriram cafeína pura (CAF- 6 mg.kg-1 de peso corporal) ou placebo (PL- maltodextrina) preparados e embalados em cápsulas, cerca de 60 min. antes do início do teste contrarrelógio de 1 km. Os mesmos permaneceram em repouso durante este período. O processo foi conduzido em ordem aleatória em sistema duplo cego, com pelo menos 72h de intervalo entre um teste e outro. A ingestão de água foi ad libitum.

Mensuração do Estado de Humor

No momento de chegada ao laboratório e após o contrarrelógio de 1 km (TT1KM) nas condições CAF e PL os indivíduos responderam o questionário de humor de Brunel (BRUMS) desenvolvido por Terry et al., (2003), o qual foi traduzido e validado por Rohlfs (2006) para à versão brasileira. Este questionário permite a mensuração rápida do estado de humor em adolescentes e adultos e consiste em 24 indicativos de humor em escala Likert (0 a 4) que compõe seis domínios: fadiga, tensão, vigor, depressão, confusão e raiva. (ROHLFS, 2006, ROHLFS et al, 2008). Cada domínio foi composto por quatro indicativos de humor pode atingir uma variação de 0 a 16 pontos que foram normalizados pela pontuação obtida no momento anterior a chegada ao laboratório, sendo a variação da pontuação de um domínio determinado pela diferença da pontuação deste no momento pré-teste em relação à obtida no momento pré e pós-teste, conforme fórmula abaixo:

VARIAÇÃO = PONTUAÇÃO MOMENTO PRÉ TT1KM – PONTUAÇÃO MOMENTO TT1KM*

*MOMENTO TT1KM = momento pré e pós-TT1KM

Consequentemente, todos os atletas partiram com valor nulo, ou seja, pontuação zero, no momento pré do contrarrelógio de 1 km depois de realizada a normalização.

Tratamento Estatístico

Para a análise estatística dos resultados, foi empregado o pacote estatístico STATISTICATM 6.0® (STATSOFT INC, OK, USA). Depois de constatada a normalidade (teste de Shapiro-Wilk) e homogeneidade dos dados, esses foram agrupados em média e desvio-padrão. As comparações dos parâmetros de desempenho máximo (tempo total) no contrarrelógio de 1 km nas condições CAF e PLforam realizadas utilizando-se do teste t de student pareado. Para a comparação nos diferentes momentos do contrarrelógio de 1 km da variação do estado de humor (raiva, confusão, depressão, fadiga, tensão e vigor), entre as condições CAF e PL, foi utilizado o teste de Wilcoxon pareado e os resultados obtidos agrupados em valores de mediana e semiamplitude interquartil. O nível de significância adotado foi de 5%.

RESULTADOS

Na Tabela 1 são apresentados os dados das características gerais dos ciclistas estudados.

Os parâmetros máximos médios referentes a PMAX e FCMAX obtidos no TIMAX foram 375,7 ± 58,8 W e 190,0 ± 8,0 bpm, respectivamente.

Na Figura 1 é apresentado o tempo total dos ciclistas, para completar o teste de 1 km, nas condições CAF (84,2 ± 5,6 s) e PL (84,8 ± 6 s). Não houve diferença significativa entre as condições (p<0,05).


A variação do estado de humor analisada a partir dos domínios de raiva, confusão, depressão, fadiga, tensão e vigor entre início e o final do teste de contrarrelógio de 1 km para as condições CAF e PL é apresentada na Figura 2, medidos por escala Likert, e quando as barras se apresentarem do lado negativo do eixo Y, significa uma média menor comparada com a média deste mesmo domínio antes da realização do teste e o inverso quando se apresentar na parte superior do eixo Y. Nenhuma diferença significante foi encontrada para os parâmetros analisados (P>0,05).


DISCUSSÃO

A cafeína tem sido utilizada de forma aguda, previamente à realização de exercícios aeróbios e anaeróbios, com o intuito de melhorar o desempenho físico (GRAHAN, 2001; ALTIMARI et al. 2006; GOLDSTEIN et al, 2010; ALTIMARI, 2010). Desse modo, o principal objetivo do nosso estudo foi verificar o uso da CAF (6 mg.kg-1) como ergogênico em uma situação próxima da condição ecológica de competição no intuito de analisar o real impacto da substância sobre o desempenho físico e o humor de ciclistas em teste contrarrelógio de 1 km. Nesta perspectiva, o ciclismo tornou-se um bom meio de experimentação, uma vez que o ciclossimulador usado apresenta boa representatividade e reprodutibilidade da situação ocorrida na prova (ABBISS at al., 2009). Nossos achados não demonstraram nenhum efeito ergogênico da cafeína, de forma que não foi constatada diferença significante no desempenho (tempo total), bem como sobre o estado de humor no percurso de 1 km na condição CAF e na condição PL. Neste caso, a substância avaliada pode não ter exercido influência sobre as variáveis estudadas pelo tempo/características da prova e ao nível de aptidão/capacidade de ativação própria dos sujeitos avaliados, além de suas principais evidências quanto ao uso de cafeína em esportes, estarem direcionadas primordialmente para modalidades e tarefas de cunho submáximo (GOLDSTEIN et. al, 2010; GANIO et al., 2009). Diferente dos nossos achados, estudos que investigaram o efeito da ingestão de cafeína sobre o desempenho anaeróbio no ciclismo constataram melhora significante do desempenho (DOHERTY, 1998; BELL et al., 2001; DOHERTY et al., 2004; ALTIMARI et al., 2008; WOOLF et al., 2008). No entanto, é importante ressaltar que os protocolos de exercícios utilizados nesses estudos foram realizados até a exaustão voluntária (open loop) com duração entre 2 e 5 min, situação essa raramente encontrada na prática esportiva, onde as variáveis como tempo e distancia são bem definidos. Esses achados são reforçados por estudos de revisão bastante consistentes que mostram que a ingestão de cafeína melhora o desempenho em intensidades máximas e supramáximas de curta duração (<5 min) em diferentes tipos de exercício (ex: ciclismo, corrida e natação) (GRAHAN, 2001; ALTIMARI et al., 2006; DOHERTY; SMITH, 2004; ASTORINO; ROBERSON, 2010; GREER et al, 1998).

O mesmo não se pode dizer com relação aos exercícios supramáximos de curta duração que utilizaram de protocolos closed-loop do tipo time-trial com tempo inferior a 60 s ou ainda quando os esforços são intermitentes, onde a ingestão de cafeína parece não proporcionar qualquer alteração no desempenho físico (CROWE, 2006; GREER et al., 2006; LORINO et al., 2006). São escassos os estudos que utilizaram protocolos de exercício que buscasse aproximar a realidade competitiva do ciclismo de pista. Estudo realizado por Wiles et al. (2006) envolveu um grupo de oito ciclistas treinados que apresentam resultados favoráveis à ingestão da substância (5 mg.kg-1) em prova de contrarrelógio de 1 km onde a ingestão de CAF resultou em melhora do desempenho com redução (~3,1%) significante do tempo (CAF = 71,1 ± 2,0 s, PL = 73,4 ± 2,3 s; P = 0,02), contrapondo nossos achados. Esse estudo foi o único encontrado na literatura que utilizou contrarrelógio de 1 km. Acreditamos que essa magnitude de melhora promovida pela ingestão da cafeína pode ser em parte explicada pelo coeficiente de variação nesse tipo de exercício (3,35%) (CURRELL; JEUKENDRUP, 2008).

Estudos recentes têm sugerido que a substância investigada poderia proporcionar um impacto relevante sobre o estado de humor (DUNCAN; OXFORD, 2011; BELL, 2001; RUXTON, 2008; DESLANDES at al., 2005). Entretanto, nenhuma alteração significante foi constatada no presente estudo para os parâmetros de confusão, raiva, depressão, fadiga, tensão e vigor após ingestão de cafeína. Acredita-se que o tempo no contrarrelógio de 1 km foi curto (~1 min.) e não suficiente para alterar a sensação de humor dos indivíduos atrelada ao uso do recurso ergogênico. Alterações da sensação de humor estão atreladas à prática de exercício de alta intensidade e longa duração, em geral, associadas a ambientes quentes e secos (RUXTON, 2008). Da mesma forma, Deslandes et al. (2005) não detectaram alterações causadas pela ingestão de cafeína no estado de humor e no desempenho cognitivo, bem como nas áreas cerebrais relacionadas. Ressalta-se que os estudos são inconcluvivos quanto o real efeito cognitivo e de humor associado ao consumo da cafeína (CROWE, 2006; RUXTON, 2008).

Por fim, de acordo com os resultados do presente estudo é possível concluir que a ingestão de CAF (6 mg.kg-1 de peso corporal) não melhorou o tempo total de prova e não alterou a variação do estado de humor na prova de ciclismo de contrarrelógio de 1 km. Vale ressaltar que o presente estudo apresenta limitações relativas ao tamanho da amostra, diminuindo consideravelmente o poder estatístico e de transferência de resultados para a população similar, além disso, a baixa heterogeneidade da amostra propõe grande preocupação à interpretação dos achados, além da pouca especificidade dos atletas quanto à modalidade na qual foram avaliados, sendo considerada de alta intensidade e curta duração, peculiaridade essa na qual nenhum dos atletas mantinha especialidade. Apesar disso, vale ressaltar ainda a grande dificuldade relativa ao recrutamento de atletas de alto nível para estudos na área esportiva investigando o uso de ergogênicos no esporte. Adicionalmente, as variações de humor ao longo dos dias devem ser consideradas como uma variável de extrema importância para avaliação e controle dos parâmetros de desempenho e ativação para a tarefa. Por fim, o presente estudo não traz suporte para recomendar o uso da ingestão de cafeína em modalidades de ciclismo de curta duração e alta intensidade em protocolos de caráter fechado (contrarrelógio) como um ergogênico nutricional em potencial, sendo necessários outros trabalhos que investiguem o uso deste recurso em protocolos que se aproximem mais da realidade do desporto.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq, pelas bolsas outorgadas e a Fundação Araucária pelo apoio financeiro (processo 15114; convênio 418/2009).

Recebido em 30/04/2012

Revisado em 13/06/2012

Aceito em 20/08/2012

  • ABBISS, C. R. et al. Accuracy of the Velotron ergometer and SRM power meter. International Journal of Sports Medicine, Sttutgart, v. 30, no. 2, p. 107-112, 2009.
  • ALTIMARI, L. R. et al. Cafeína e performance em exercícios anaeróbios. Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences, São Paulo, v. 42, n. 1, p. 17-27, 2006.
  • ALTIMARI, L. R. et al. ingestão de cafeína aumenta o tempo para fadiga neuromuscular e desempenho físico durante exercício supramaximo no ciclismo. Brasilian Journal Biomotricity, Itaperuna, v. 2, no. 3, p. 195-203, 2008
  • ALTIMARI, L. R. Ingestão de cafeína como estratégia ergogênica no esporte: substância proibida ou permitida? Revista Brasileira de Medicina, São Paulo, v. 16, no. 4, p. 314, 2010.
  • AMANN, M. et al. Predictive validity of ventilatory and lactate thresholds for cycling time trial performance. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, Copenhagen, v. 16, n. 1, p. 27-34, 2006.
  • ASTORINO, T. A.; ROBERSON, D. W. Efficacy of acute caffeine ingestion for short-term high-intensity exercise performance: a systematic review. Journal of Strength and Conditioning Research, Colorado Springs, v. 24, no. 1, p. 257-265, 2010.
  • BURKE, L. M. Caffeine and sports performance. Applied Physiology, Nutrition, and Metabolism, Ottawa, v. 33, no. 6, p. 1319-1334, 2008.
  • BELL, D. G. et al. Effect of caffeine and ephedrine ingestion on anaerobic exercise performance. Medicine and Science in Sports and Exercise, Madison, v. 33, no. 8, p. 1399-1403, 2001.
  • CURRELL, K.; JEUKENDRUP, A. E. Validity, reliability and sensitivity of measures of sporting performance. Sports Medicine, Auckland, v. 38, n. 4, p. 297-316, 2008.
  • CROWE, M. J. Physiological and cognitive responses to caffeine during repeated, high-intensity exercise. International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, Champaign, v. 16, no. 5, p. 528-544, 2006.
  • DAVIS, J. M. et al. Central nervous system effects of caffeine and adenosine on fatigue. American Journal of Physiology Regulatory Integrative Comparative Physiology. Bethesda, v. 284, no. 2, p. 399404, 2003.
  • DAVIS, J. K.; GREEN, J. M. Caffeine and Anaerobic Performance: ergogenic value and mechanisms of action. Sports Medicine, Auckland, v. 39, no. 10, p. 813-832, 2009.
  • DESLANDES, A. C. et al. Effects of caffeine on the electrophysiological, cognitive and motor responses of the central nervous system. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, São Paulo, v. 38, no. 7, p. 1077-1086, 2005.
  • DOHERTY, M. The effects of caffeine on the maximal accumulated oxygen deficit and short-term running performance. International Journal of Sport Nutrition, Champaign, v. 8, no. 2, p. 95-104, 1998.
  • DOHERTY, M. et al. Caffeine lowers perceptual response and increases power output during high-intensity cycling. Journal of Sports Sciences, London, v. 22, no. 7, p. 637-643, 2004.
  • DOHERTY, M.; SMITH, P. M. Effects of caffeine ingestion on exercise testing: a meta-analysis. International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, Champaign, v. 14, no. 6, p. 626-646, 2004.
  • DUNCAN, M. J;  OXFORD, S. W. The effect of caffeine ingestion on mood state and bench press performance to failure. Journal of Strength Conditioning Research, Colorado Spring, v. 25, no. 1, p.178185, 2011.
  • EVANS, S. M.; GRIFFITHS, R. R. Caffeine tolerance and choice in humans. Psychopharmacology Berlin, v. 108, no. 1, p. 5159, 1992.
  • GANIO M. S. et al. Effect of caffeine on sport-specific endurance performance: a systematic review. Journal of Strength Conditioning Research Colorado Spring, v. 23, no. 1, p. 315-324, 2009.
  • GOLDSTEIN, E. R. et. al. International society of sports nutrition position stand: caffeine and performance. Journal of International Society of Sports Nutrition, Woodland Park, v. 7, no. 1, p. 5, 2010.
  • GORDON, C. C. et al. Stature, recumbent length, weight. Anthropometric Standardizing Reference Manual Champaign: Human Kinetics, 1988.
  • GRAHAM, T. E. Caffeine and exercise: metabolism, endurance and performance. Sports Medicine, Auckland, v. 31, no. 11, p. 785-807, 2001.
  • GREER, F. et al. Caffeine, performance, and metabolism during repeated Wingate exercise tests. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 85, no. 4, p. 1502-1508, 1998.
  • GREER, F. et al. Wingate performance and surface EMG frequency variables are not affected by caffeine ingestion. Applied Physiology, Nutrition, and Metabolism, Ottawa, v. 31, no. 5, p. 597-603, 2006
  • HAJOGLOU, A. et al. Effect of warm-up on cycle time trial performance. Medicine and Science in Sports and Exercise, Madison, v. 37, no. 9, p. 1608-1614, 2005
  • HAGTVET, K. A.; HANIN, Y. L. Consistency of performance-related emotions in elite athletes: generalizability theory applied to the IZOF model. Psychology of Sports and Exercise, Maryland v. 8, no. 1, p. 47-72, 2007.
  • HINDMARCH, I. et al. A naturalistic investigation of the day-long consumption of tea, coffee, and water on alertness, sleep onset and sleep quality. Psychopharmacology, Berlin v. 149, no. 3, p. 203216, 2000.
  • KALMAR, J. M.; CAFARELLI, E. Effects of caffeine on neuromuscular function. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 87, no. 2, p. 801-808, 1999.
  • KALMAR, J. M.; CAFARELLI, E. Caffeine: a valuable tool to study central fatigue in humans? Exercise and Sport Sciences Reviews, Toronto, v. 32, no. 4, p. 143-147, 2004.
  • KREIDER, R. B. et al. ISSN exercise & sport nutrition review: research & recommendations. Journal of the International Society of Sports Nutrition, Woodland Park, v. 7, no. 1, p. 7, 2010.
  • LANE, A. M.; TERRY, P. C. The nature of mood:  development of a conceptual model with a Focus on depression. Journal Applied Sports Psychology, Philadelphia v. 12, no. 1, p. 16-33, 2000.
  • LORINO, A. J. et al. The effects of caffeine on athletic agility. Journal of Strength and Conditioning Research, Colorado Springs, v. 20, no. 4, p. 851854, 2006
  • LUCÍA, A. et al. Heart rate and performance parameters in elite cyclists: a longitudinal study. Medicine and Science in Sports and Exercise, Madison, v. 32, n. 10, p. 1777-1782, 2000
  • REJESKI, W. J. Perceived exertion: an inactive or passive process? Journal of Sport Psychology, Champaign, v. 7, p. 371-378, 1985.
  • ROHLFS, I. C. P. M. Validação do teste BRUMS para avaliação de humor em atletas e não atletas brasileiros 2006. 112 f. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano)- Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.
  • ROHLFS, I. C. P. M. et al. A Escala de Humor de Brunel (Brums): instrumento para detecção precoce da síndrome do excesso de treinamento. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, São Paulo, v. 14, n. 3, p. 176-181, 2008.
  • RUXTON, C. H. S. The impact of caffeine on mood, cognitive function, performance and hydration: a review of benefits and risks. Nutrition Bulletin, Tokyo, v. 33, n. 1, p. 15-25, 2008.
  • SMITH, A. et al. Effects of a low dose of caffeine given in different drinks on mood and performance. Human Psychopharmacology, Chichester, v 14, n. 7, p. 473482, 1999.
  • SPRIET, L.; GIBALA, M. Nutritional strategies to influence adaptations to training. Journal of Sports Sciences, London, v. 22, no. 1, p. 127-141, 2004.
  • St CLAIR GIBSON, A. et al. The conscious perception of the sensation of fatigue. Sports Medicine, Auckland, v. 33, no. 3, p.167176, 2003
  • TERRY, P. C. et al. Construct validity of the Profile of Mood States: adolescents for use with adults. Psychology of Sport and Exercise, Maryland, v. 4, n. 2, p. 125-139, 2003
  • VAUGEOIS, J. M. Signal transduction: positive feedback from coffee. Nature, London, v. 418, no. 6899, p.734736, 2002.
  • WEINBERG, R. S.; GOULD, D. Fundamentos da psicologia do esporte e do exercício 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008
  • WICHERS, M. et al. A time-lagged momentary assessment study on daily life physical activity and affect. Health Psychology, Washington, DC, v. 31, no. 2, p. 135-144, 2012
  • WILES, J. D. et al. The effects of caffeine ingestion on performance time, speed and power during a laboratory-based 1 km cycling time-trial. Journal of Sports Sciences, London, v. 24, no. 11, p. 1165-1171, 2006.
  • WOOLF, K. et al. The Effect of caffeine as an ergogenic Aid in anaerobic exercise. International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, Champaign, v. 18, no. 4, p. 412-429, 2008.
  • Endereço para correspondência:
    Leandro Ricardo Altimari.
    Departamento de Educação Física, Centro de Educação Física e Esporte - Universidade Estadual de Londrina.
    Rodovia Celso Garcia Cid, Pr 445 km 380, Campus Universitário
    cx. postal 6001. Cep 86051-990, Londrina-PR, Brasil.
    E-mail
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      30 Abr 2012
    • Aceito
      20 Ago 2012
    • Revisado
      13 Jun 2012
    Universidade Estadual de Maringá Avenida Colombo, 5790, 87020-900 Maringá - PR, Tel.: (55 44) 3011 4470 - Maringá - PR - Brazil
    E-mail: revdef@uem.br