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Controle biológico: Pomacea haustrum Reeve, 1856 (Mollusca, pilidae) sobre planorbíneos, em laboratório

Biological control: Pomacea haustrum Reeve, 1856 (Mollusca pilidae) over planorbids under laboratory conditions

Resumos

Foi acompanhado em laboratório o controle de planorbíneos (Biomphalaria straminea Dunker, 1848; B. tenagophila Orbigny, 1835 e B. glabrata Say, 1818), hospedeiros intermediários da esquistossomose mansoni, através da predação de suas desovas pelo pilídeo Pomacea haustrum Reeve, 1856. De 829 desovas ovipostas por B. straminea, 203 (24,5%) foram expostas a 10 exemplares de P. haustrum; destas, 200 (98,3%) foram predadas. De 892 desovas ovipostas por B. tenagophia, 201 (22,5%) foram expostas a 10 exemplares de P. haustrum; destas, 194 (97,0%) foram predadas. De 1.300 desovas ovipostas por B. glabrata, 657 (50,5%) foram expostas a 10 exemplares de P. haustrum sendo totalmente predadas. Paralelamente, procurou-se observar as possíveis interações ocorridas entre pomáceas e planorbíneos quando da coabitação do mesmo aquário.

Esquistossomose mansônica; Planorbíneos; Pomacea haustrum


The biological control of planorbids (Biomphalaria straminea Dunker, 1848; B. tenagophila Orbigny, 1835 and B. glabrata Say, 1818) through the predation of their eggmasses by the pilid Pomacea haustrum Reeve, 1856, was observed under laboratory conditions. Of 829 eggmasses laid by B. straminea, 203 (24.5%) were exposed to 10 specimens of P. haustrum and 200 (98.3%) of them were predation. Of 892 eggmasses laid by B. tenagophila, 210 (22.5%) were exposed to 10 specimens of P. haustrum and 194 (97.0%) were predate. Of 1,300 eggamsses laid by B. glabrata, 657 (50.5%) were exposed to 10 specimens of P. haustrum and were totally predate. Parallel to this the possible interaction of pomaceas and planorbids when they lived in the same aquarium has been observed.

Schistosomiasis; Planorbidae; Pomacea haustrum


ARTIGO ORIGINAL

Controle biológico: Pomacea haustrum Reeve, 1856 (Mollusca, pilidae) sobre planorbíneos, em laboratório

Biological control: Pomacea haustrum Reeve, 1856 (Mollusca pilidae) over planorbids under laboratory conditions

Carlos Tito Guimarães

Do Laboratório de Ecologia do Centro de Pesquisas "René Rachou"/FIOCRUZ – Caixa Postal 1743 – 30.000 – Belo Horizonte, MG – Brasil

RESUMO

Foi acompanhado em laboratório o controle de planorbíneos (Biomphalaria straminea Dunker, 1848; B. tenagophila Orbigny, 1835 e B. glabrata Say, 1818), hospedeiros intermediários da esquistossomose mansoni, através da predação de suas desovas pelo pilídeo Pomacea haustrum Reeve, 1856. De 829 desovas ovipostas por B. straminea, 203 (24,5%) foram expostas a 10 exemplares de P. haustrum; destas, 200 (98,3%) foram predadas. De 892 desovas ovipostas por B. tenagophia, 201 (22,5%) foram expostas a 10 exemplares de P. haustrum; destas, 194 (97,0%) foram predadas. De 1.300 desovas ovipostas por B. glabrata, 657 (50,5%) foram expostas a 10 exemplares de P. haustrum sendo totalmente predadas. Paralelamente, procurou-se observar as possíveis interações ocorridas entre pomáceas e planorbíneos quando da coabitação do mesmo aquário.

Unitermos: Esquistossomose mansônica. Planorbíneos, controle biológico. Pomacea haustrum.

ABSTRACT

The biological control of planorbids (Biomphalaria straminea Dunker, 1848; B. tenagophila Orbigny, 1835 and B. glabrata Say, 1818) through the predation of their eggmasses by the pilid Pomacea haustrum Reeve, 1856, was observed under laboratory conditions. Of 829 eggmasses laid by B. straminea, 203 (24.5%) were exposed to 10 specimens of P. haustrum and 200 (98.3%) of them were predation. Of 892 eggmasses laid by B. tenagophila, 210 (22.5%) were exposed to 10 specimens of P. haustrum and 194 (97.0%) were predate. Of 1,300 eggamsses laid by B. glabrata, 657 (50.5%) were exposed to 10 specimens of P. haustrum and were totally predate. Parallel to this the possible interaction of pomaceas and planorbids when they lived in the same aquarium has been observed.

Uniterms: Schistosomiasis. Planorbidae. Pomacea haustrum.

INTRODUÇÃO

Os estudos sobre controle biológico de moluscos hospedeiros intermediários das esquistossomoses remontam ao início do século, devendo-se a pesquisadores japoneses (Miyoshima e Juzen Igakkai13, 1917 e Yuki e Kioto Igakkai17, 1919) as primeiras sugestões: utilização de larvas de lampirídeos (Coleoptera) e peixes (carpas) no controle dos hospedeiros intermediários do Schistosoma japonicum.

A partir daí, diferentes espécies – de bactérias e mamíferos – foram tidas como capazes de combater moluscos de importância médica (Michelson9, 1957 e Ferguson 2, 1972).

Em relação ao uso de moluscos no controle biológico dos hospedeiros intermediários das esquistossomoses, desde 1955 o pilídeo Marisa cornuarietis vem sendo estudado em Porto Rico, tendo sido considerado um eficiente controlador de Biomphalaria glabrata. Além dele, outros moluscos também já foram indicados como possíveis predadores/competidores dos hospedeiros intermediários das esquistossomoses: Helisoma duryi, H. tenue, Bulinus tropicus, Physa aculta (África); Potamopyrgus jenkinsi (Córsega); Thiara granifera (Porto Rico).

Entre nós, representantes do gênero Pomacea (= Ampullaria) têm sido indicados como prováveis controladores dos hospedeiros intermediários do Schistosoma mansoni, embora Ferguson e col.3 (1958) afirmassem: "Ampullaria has shown no promise to date as a significant competitor of Australorbis".

Entretanto, Milward-de-Andrade 10 (1974), Milward-de-Andrade e Guimarães12 (1977), Guimarães6 (1978) e Milward-de-Andrade e Carvalho11 (1979) assinalam reduções na densidade de populações de B. glabrata em Calciolândia (município de Arcos, MG) e Baldim, MG, após a introdução de Pomacea haustrum.

Paralelamente, Matthiensen8 (1976) observa o declínio do número de planorbíneos em um lago no município de Rio Claro, SP, após a introdução de um outro representante do gênero Pomacea (P. lineata).

Em condições de laboratório, Milward-de-Andrade (1965),* * Dados inéditos. Paulinyi e Paulini16 (1971) e Guimarães6 (1978) assinalam a predação de desovas e exemplares recém-eclodidos de B. glabrata e B. straminea pela P. haustrum.

No presente trabalho foram acompanhadas, principalmente, as atividades predatórias da P. haustrum sobre desovas de B. straminea, B. tenagophila e B. glabrata. Paralelamente, outras observações foram feitas visando, por um lado, a criação de um modelo para testar possíveis predadores-competidores de planorbíneos em condições de laboratório e, por outro, a obtenção de informações adicionais que possam ter utilidade em estudos de competição em condições naturais.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizados 6 aquários retangulares (60x30x30 cm) de paredes de vidro e armação de ferro com aproximadamente 30 litros de água de torneira, tendo como substrato 2.000 cm 3 de terra laterítica acrescida de carbonato de cálcio na proporção de 10%.

Em 03/novembro/1980 foram distribuídos nestes aquários um total de 150 moluscos de acordo com o seguinte esquema:

Os exemplares de B. straminea tinham diâmetro médio de 8,2 mm; os de B. tenagophila, 14,8 mm e os de B. glabrata, 18,5 mm. Todos foram criados em laboratório a partir de cepas originárias de Belo Horizonte, MG (B. tenagophila e B. glabrata) e Brumadinho, MG (B. straminea). As pomáceas foram coletadas no Lago da Pampulha (Belo Horizonte, MG) e tinham, em média, 42,0/33,5 mm de altura e diâmetro, respectivamente.

O experimento foi dividido em 6 fases, com cada uma correspondendo a 3 semanas (21 dias). Como alimento foram oferecidas folhas frescas de alface (Lactuca sativa L.); as eventuais sobras eram retiradas no dia seguinte e substituídas por outras novas.

Durante a primeira fase a distribuição dos moluscos nos aquários permaneceu como descrita anteriormente. Nas fases seguintes foram feitas as seguintes alterações:

Diariamente, entre 15:00 e 17:00 h, eram feitas as seguintes anotações:

– Número de desovas de planorbíneos depositadas e desaparecidas nas paredes de vidro dos aquários. Estas desovas eram assinaladas do lado externo do vidro quando depositadas e ao desaparecerem tinham suas marcas apagadas.

– Número de desovas de planorbíneos depositadas nas conchas dos moluscos e nas folhas de alface.

– Número de moluscos mortos que eram substituídos por outros da mesma origem e dimensões.

– Temperaturas do ar e da água dos aquários.

Semanalmente, fazia-se a medida do pH das águas dos aquários.

Ao final de cada fase eram feitas as seguintes observações:

– Número de desovas (pomáceas e planorbíneos) encontradas nos aquários.

– Número de moluscos encontrados nos aquários.

– Dimensionamento destes moluscos.

Ao término de cada fase os aquários eram cuidadosamente lavados, pois as desovas dos planorbíneos eram conservadas neles de uma fase para outra. Água e substrato eram trocados – exceto ao final da 5.ª fase quando foram mantidos para a 6.ª visando verificar, especialmente nos aquários 1, 2 e 3, se as pomáceas secretariam algum tipo de substância que, permanecendo na água, prejudicasse de alguma forma os planorbíneos. O substrato era passado em peneira de nylon com malhas de um milímetro que retia os moluscos com diâmetro maior que esta medida.

Cada fase era sempre iniciada com o mesmo numero de moluscos iniciais; os novos que apareciam no decorrer das fases eram retirados dos aquários quando da lavagem dos mesmos.

RESULTADOS

Nas condições do experimento, a P. haustram demonstrou ser um efetivo predador de desovas de planorbíneos. A Tabela 1 mostra claramente esta predação. Em conseqüência, não houve aumento nas populações de planorbíneos nos aquários em que as duas espécies conviviam (Tabela 2).

Nas paredes de vidro dos aquários 1 e 4 os planorbíneos (B. straminea) depositaram 829 desovas. Destas, 203 (24,5%) foram expostas às pomáceas que predaram 200 (98,3%) (Tabela 1). Nos aquários 2 e 5 os planorbíneos (B. tenagophila) depositaram 892 desovas. Destas, 201 (22,5%) ficaram expostas às pomáceas que predaram 194 (97,0%) (Tabela 1).

Já nos aquários 3 e 6 os planorbíneos (B. glabrata) depositaram 1.300 desovas. Destas, 657 (50,5%) foram expostas às pomáceas, sendo totalmente predadas (Tabela 1).

No total, os planorbíneos depositaram nas paredes de vidro dos 6 aquários 3.021 desovas. Destas, 1.061 (35,1%) foram expostas às pomáceas que predaram 1.051 (99,1%).

É importante ressaltar que para avaliar com maior segurança a predação das desovas dos planorbíneos pelas pomáceas foram consideradas, apenas, as desovas depositadas pelos planorbíneos nas paredes de vidro dos aquários por permitirem, conforme anteriormente referido, sua marcação quando ovipostas e, conseqüentemente, o apagamento desta marca quando desapareciam.

Em relação à mortalidade dos moluscos, os dados da Tabela 2 mostram que no decorrer do experimento morreram 252 planorbíneos e 15 pomáceas. Dos 252 planorbíneos mortos, 158 (62,7%) morreram quando conviviam com as pomáceas e 94 (37,3%) nos aquários sem elas.

Dos 252 planorbíneos mortos, 166 (65,9%) eram B. straminea; 51 (20,2%) B. glabrata e 35 (13,9%) B. tenagophila.

Dos 166 exemplares de B. straminea mortos, 101 (60,8%) morreram nas fases em que coabitavam os mesmos aquários com as pomáceas e 65 (39,2%) na ausência delas. Dos 51 exemplares de B. glabrata mortos, 35 (68,6%) morreram quando conviviam com as pomácea e 16 (31,4%) na ausência delas. Finalmente, dos 35 exemplares de B. tenagophila mortos, 22 (62,9%) morreram na presença das pomáceas e 13 (37,1%) na ausência delas.

Em relação à oviposição e mortalidade dos planorbíneos nos aquários l, 2 e 3, na última fase do experimento (quando foram mantidos nestes aquários a água e o substrato da fase anterior), observou-se um decréscimo no número de oviposições em relação às fases anteriores em que também não haviam pomáceas nos aquários (fases 2 e 4), mas foram trocados água e substrato. Este decréscimo ocorreu com maior intensidade no aquário 3 (B. glabrata) (Tabela 1). Quanto à mortalidade, os aquários 1 e 2 não apresentaram diferenças significativas em relação às fases 2 e 4. No aquário 3, entretanto, morreram 6 exemplares na última fase, enquanto não havia morrido nenhum nas fases 2 e 4 (Tabela 2).

Considerando ser o principal objetivo do presente trabalho verificar a predação das desovas dos planorbíneos pelas pomáceas, foi feita uma avaliação estatística para se conhecer o nível de significância dos dados obtidos em relação a este aspecto.

Deve-se ressaltar que, para efeito de cálculo, foram consideradas as percentagens das desovas desaparecidas na presença e na ausência das pomáceas e não o número de desovas desaparecidas. Desta forma, cada fase pode ser considerada como um experimento isolado permitindo, conseqüentemente, uma avaliação estatística mais correta.

Assim, de acordo com os dados contidos na Tabela 3, os resultados obtidos mostraram-se significativos ao nível de 1%.

No decorrer do experimento, as temperaturas da água dos aquários e do ambiente variaram de 21,5 a 25,0 °C e 22,0 a 27,0 °C.

O pH da água dos aquários variou de 6,0 a 7,9.

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Nas condições do experimento, a P. haustrum mostrou-se um efetivo controlador de populações de B. straminea, B. tenagophila e B. glabrata, confirmando observações anteriores de Guimarães6 (1978).

Ao que as observações sugerem esta ação se estabeleceria em, pelo menos, dois níveis diferentes. No primeiro e o mais importante, as pomáceas predando as desovas dos planorbíneos não permitiriam o desenvolvimento das populações dos mesmos. No segundo, ocorreria competição pelo alimento.

No primeiro caso, a predação é evidente e perfeitamente mensurável, além de respaldada pelo não encontro de planorbíneos recém-eclodidos nos aquários em que eles conviviam com as pomáceas. É interessante registrar o ocorrido no aquário - 2, fase-3 (Tabela 1) quando das 21 desovas depositadas pelos planorbíneos (B. tenagophila), 9 (42,8%) o foram fora d'água, sugerindo, talvez, uma tentativa em escapar à predação das pomáceas. Entretanto, ainda assim, duas destas desovas foram predadas pelas pomáceas naquela condição, ou seja, fora d'água, enquanto as 7 restantes secaram e se perderam. Este fato levanta uma questão: as pomáceas ingerem as desovas dos planorbíneos porque as encontram casualmente ao se movimentarem pelo aquário ou procuram-nas ativamente?

A predação das duas desovas fora da água poderia fortalecer a hipótese da procura ativa. Entretanto, como normalmente a P. haustrum desova fora d'água – a oviposição dentro d'água só ocorre em condições especiais (Guimarães4,5,6, 1973, 1981) – pode ter ocorrido que ao sair da água para desovar a ou as pomáceas tenham encontrado casualmente as desovas. Estudos de campo e laboratório sobre os hábitos alimentares da P. haustrum (Guimarães 4,5,6, 1978, 1981) classificaram-na como voraz e onívora. Estas duas características, associadas à sua constante movimentação pelo aquário, sugerem que realmente a predação seja casual, o que inclusive poderia justificar o encontro de desovas de planorbíneos ao final de fases em que eles conviviam com pomáceas nos mesmos aquários (Tabela 1: aquário 1, fase-5; aquário 2, fase-3; aquário 4, fase-4 e aquário 5, fase-4).

A competição pelo alimento provavelmente também ocorreu, mesmo considerando que em algumas ocasiões o alface não foi totalmente consumido pelas pomáceas, permitindo que os planorbíneos se alimentassem. Convém assinalar que segundo Paulinyi e Palini 16 (1971) o consumo médio de alimento (alface) da P. haustrum é de 0,5 g/caramujo/dia e o da B. glabrata 0,25 g/caramujo/dia. Entretanto, nas condições do experimento, a competição pelo alimento não seria considerada como principal fator limitante do desenvolvimento das populações dos planorbíneos.

Pomáceas e planorbíneos podem ter competido também pelo "espaço-vital". Entretanto, a avaliação deste tipo de competição é difícil, considerando-se, dentre outros aspectos, o desconhecimento do "espaço-vital" requerido por pomáceas e planorbíneos nas condições do experimento.

A eliminação pelas pomáceas de substâncias prejudiciais aos planorbineos seria também uma hipótese a considerar. Todavia, os resultados obtidos não permitem assegurar nem a ocorrência nem a extensão deste fenômeno.

Embora de inegável importância prática, o controle biológico dos hospedeiros intermediários das esquistossomoses tem sido alvo de críticas e ceticismo.

Uma das principais condenações a este tipo de controle está calcada no fato de que a maioria dos estudos são desenvolvidos em condições de laboratório, onde algumas interações que em condições naturais poderiam alterar ou até mesmo impedir a inter-relação estudada, são controladas e as vezes totalmente eliminadas. Um exemplo disto é a densidade das populações envolvidas que, normalmente em laboratório, é bem diferente da observada nos ecossistemas naturais. Outro exemplo clássico são as condições climáticas (mudanças bruscas de temperatura, ventos e chuvas, principalmente) que em condições naturais são extremamente importantes (especialmente em relação aos moluscos aquáticos), mas que em condições de laboratório têm pouca ou nenhuma influência sobre as populações, exceto em situações muito especiais.

Estas considerações poderiam sugerir que os experimentos de laboratório não teriam maior significado em relação ao que ocorre no campo, em condições naturais. Entretanto, Odum 15 (1975), mostrando a importância dos estudos de laboratório, afirma: "O ecossistema de laboratório bem vale a pena de ser estudado por sua .própria razão de ser, mesmo que não houvesse aplicação direta aos problemas maiores da Natureza; apenas ser capaz de compreender e predizer o que sucede ao pequeno ecossistema já é justificativa bastante para seu estudo. O estudo das populações de laboratório contribui para a compreensão das populações naturais, desde que nós consideremos as observações e experiências nos ecossistemas maiores e mais naturais. Mais importante, talvez, o trabalho em laboratório permite-nos construir uma hipótese-tentativa do que poderá ocorrer na Natureza. Depois de a hipótese ter sido testada experimentalmente e talvez transformada em um modelo matemático, teremos algo concreto para medir e testar, em uma dada situação natural".

Felizmente, alguns resultados positivos de controle biológico de planorbíneos, em condições naturais, já são conhecidos, como por exemplo o controle de populações de B. glabrata em lagos e reservatórios de água em Porto Rico (Jobin e col.7, 1977) e a eliminação de B. pfeifferi, Bulinus tropicus e Lymneae natalensis na Tanzânia (Nguma e col.14, 1982) pela Marisa cornuarietis. Entre nós, Milward-de-Andrade10, 1974; Milward-de-Andrade e Guimarães12, 1977; Guimarães6, 1978 e Milward-de-Andrade e Carvalho11, 1979, registram sensíveis reduções de densidade em populações de B. glabrata em Calciolândia, MG e B. glabrata e B. straminea em Baldim, MG, após introdução de P. haustrum nas referidas localidades.

Assim, a utilização de métodos de controle biológico dos hospedeiros intermediários das esquistossomoses – em que pese não terem apresentado até então resultados excelentes – não deve ser abandonada.

Ao se tentar identificar as causas das possíveis limitações de diferentes tentativas de controle biológico de moluscos, algumas considerações devem ser feitas. Em primeiro lugar, ao contrário dos métodos físicos e químicos, os métodos biológicos, via de regra, não apresentam resultados imediatos – razão pela qual algumas tentativas, eventualmente bem iniciadas, foram cedo abandonadas. Por outro lado, o conhecimento das interações e da biologia das espécies envolvidas nem sempre seriam suficientes para correto manejo do problema. Também determinados aspectos ecológicos, fundamentais em estudos desta natureza, não teriam sido, talvez, adequadamente considerados. Berg1 (1973), aponta uma outra causa importante de insucesso em estudos deste tipo ao afirmar: "On the other hand, specialists on the intermediate hosts snails may have failed to develop effective programs because they do not understand the basic principles of biological control".

Recebido para publicação em 26/10/1982

Aprovado para publicação em 17/12/1982

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  • *
    Dados inéditos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 1983

    Histórico

    • Aceito
      17 Dez 1982
    • Recebido
      26 Out 1982
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