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Utilização da fração semipurificada da proteinase do Trypanosoma cruzi no imunodiagnóstico da doença de Chagas

The use of a semipurified fraction of Trypanosoma cruzi proteinase in immunodiagnosis of Chagas' disease

Resumos

Foram sensibilizadas hemácias humanas 0 Rh negativo com a fração semipurificada (Fp) da proteinase do Trypanosoma cruzi, e testadas quanto a antigenicidade com soros de pacientes portadores de tripanossomíase americana crônica e de outras doenças parasitárias não relacionadas. Reações de hemaglutinação positivas foram observadas com os soros de pacientes chagásicos e com alguns soros de indivíduos portadores de leishmaniose cutaneo-mucosa. Não foram observadas reações cruzadas com os soros de pacientes portadores de leishmaniose visceral, malária, toxoplasmose, sífilis, esquistossomose e mononucleose. Os resultados obtidos são favoráveis ao emprego desta fração antigênica em testes de imunodiagnóstico da tripanossomíase americana.

Tripanossomíase americana; Trypanosoma cruzi; Proteinase


Group 0 Rh negative human erytrocytes were coated with the semipurified fraction of T. cruzi proteinase and tested with sera both from patients with chagas' disease and from others with unrelated parasitic diseases. Positive haemagglutination reactions were only observed with the sera from the former and with that from two patients with mucocutaneous leishmaniasis. No crossed reactions were observed with visceral leishmaniasis, malaria, toxoplasmosis syphilis, schistosomiasis or mononucleosis sera. Results suggest that this purified fraction can be used in immunodiagnosis of American Trypanosomiasis.

Trypanosomiasis, South American; Trypanosoma cruzi; Peptide peptidohydrolases


ARTIGO ORIGINAL

Utilização da fração semipurificada da proteinase do Trypanosoma cruzi no imunodiagnóstico da doença de Chagas

The use of a semipurified fraction of Trypanosoma cruzi proteinase in immunodiagnosis of Chagas' disease

Ajax Mercês AttaI; Angela Maria de Carvalho PontesI; Maria Luiza de SouzaI; Daria RepkaII; Humberto A. RangelII

IDo Departamento de Farmácia Qualitatica da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia - Campus Universitário de Ondina - Rua Jereneoaba, s/n° - 40.000 - Salvador, BA, Brasil

IIDo Departamento de Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas - Caixa Postal 6109 - 13100 - Campinas, SP - Brasil

RESUMO

Foram sensibilizadas hemácias humanas 0 Rh negativo com a fração semipurificada (Fp) da proteinase do Trypanosoma cruzi, e testadas quanto a antigenicidade com soros de pacientes portadores de tripanossomíase americana crônica e de outras doenças parasitárias não relacionadas. Reações de hemaglutinação positivas foram observadas com os soros de pacientes chagásicos e com alguns soros de indivíduos portadores de leishmaniose cutaneo-mucosa. Não foram observadas reações cruzadas com os soros de pacientes portadores de leishmaniose visceral, malária, toxoplasmose, sífilis, esquistossomose e mononucleose. Os resultados obtidos são favoráveis ao emprego desta fração antigênica em testes de imunodiagnóstico da tripanossomíase americana.

Unitermos:Tripanossomíase americana, diagnóstico. Trypanosoma cruzi. Proteinase.

ABSTRACT

Group 0 Rh negative human erytrocytes were coated with the semipurified fraction of T. cruzi proteinase and tested with sera both from patients with chagas' disease and from others with unrelated parasitic diseases. Positive haemagglutination reactions were only observed with the sera from the former and with that from two patients with mucocutaneous leishmaniasis. No crossed reactions were observed with visceral leishmaniasis, malaria, toxoplasmosis syphilis, schistosomiasis or mononucleosis sera. Results suggest that this purified fraction can be used in immunodiagnosis of American Trypanosomiasis.

Uniterms: Trypanosomiasis, South American, diagnosis. Trypanosoma cruzi. Peptide peptidohydrolases.

INTRODUÇÃO

Diferentes técnicas têm sido desenvolvidas visando o diagnóstico sorológico da doença de Chagas, em particular na sua fase crônica, onde a demonstração do Trypanosoma cruzi por métodos diretos, na maioria das vezes, não é possível (Camargo e Takeda1). Entre estas, a hemaglutinação passiva, introduzida por Muniz (Goble4) no sorodiagnóstico da infecção chagásica, tem recebido especial atenção devido à sua facilidade de execução, alta sensibilidade e reprodutibilidade. Na busca de tornar esta reação específica para o diagnóstico laboratorial da tripanossomíase americana, diferentes antígenos, somáticos ou de membrana plasmática do T. cruzi, têm sido usados na sensibilização de hemácias humanas ou de origem animal (Goble4 e Carniol e col.2). Recentemente, Rangel e col.7 isolaram uma proteinase do T. cruzi, que pode ser encontrada nas três formas evolutivas de diferentes cepas do parasito e capaz de digerir diferentes substratos protéicos em ampla faixa de pH. No presente trabalho procurou-se obter informações sobre a possibilidade do emprego da fração semipurificada desta proteinase para a sensibilização de hemácias, com a finalidade de imunodiagnóstico da doença de Chagas na fase crônica.

MATERIAL E MÉTODOS

Fração semipurificada (Fp) da proteinase doT. cruzi – Foi obtida a partir da fração solúvel de lisados delipidados de formas de cultura de T. cruzi da cepa y em meio LIT, ajustada para pH 4.5 pela adição de HCL O,1N, seguido de precipitação por acetona em banho refrigerado a -5°C sob agitação constante (Rangel e col.8).

Soros humanos - Soros normais foram obtidos de indivíduos aparentemente sadios, com sorologia negativa para a doença de Chagas. Os soros de pacientes chagásicos procederam das seguintes instituições: Hospital Professor Edgar Santos (UFBA) e Laboratório Central Gonçalo Moniz. Estes soros apresentaram testes positivos para a tripanossomíase americana, conforme determinado por reações de fixação de complemento, imunofluorescência indireta e de hemaglutinação passiva. Soros de pacientes portadores de doenças não relacionadas à doença de Chagas foram obtidos do Instituto de Medicina Tropical da USP e do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília.

Testes de hemaglutinação passiva - Hemácias humanas 0 Rh negativo foram formolizadas segundo Csizmas3 e tratadas com ácido tânico e sensibilizadas com o antígeno de acordo com as recomendações de Hebert5. Na sensibilização dos eritrócitos foram utilizados 2mg da Fp, dosados pelo método de Lowry e col.6 contra, um padrão de ovalbumina. Os testes de hemaglutinação passiva foram realizados em placas de policabonato, com o fundo em U, utilizando-se volumes de 50 microlitros das diluições seriadas dos soros em salina fosfatada 0,15 M, pH 7.2, contendo como estabilizador 0,4% de soro de cobaia previamente inativada e absorvido com as hemácias suportes, e volumes de 25 microlitros da suspensão a 1% das hemácias sensibilizadas. As reações foram lidas após duas horas de incubação à temperatura ambiente, considerando-se positivos os títulos iguais ou superiores a 1/16. Controles apropriados para investigar a ocorrência de aglutinação inespecífica foram constantemente incluídos nestes testes.

RESULTADOS

Foram testados 85 soros pela hemaglutinação passiva usando hemácias sensibilizadas pela Fp. Destes, 31 soros eram de pacientes com doença de Chagas enquanto que os 54 soros restantes eram de indivíduos não chagásicos, situando-se entre estes 19 soros de pessoas sadias e 35 soros de pacientes portadores de doenças parasitárias outras, não relacionadas à tripanossomíase americana.

Os resultados destes testes, assim como a distribuição por títulos, são apresentados na Tabela 1

Avaliando-se a especificidade do teste de hemaglutinação passiva frente aos soros de pacientes portadores de outras doenças, foi verificada a ocorrência de reações cruzadas com apenas dois soros testados, procedentes de indivíduos com leishmaniose cutaneomucosa.

Os demais soros, inclusive os de pacientes com calazar, não apresentaram reações de hemaglutinação positivas (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos nos testes de hemaglutinação passiva com hemácias sensibilizadas com a fração semipurificada da proteinase do T. cruzi são, aparentemente, favoráveis ao emprego desta fração no imunodiagnóstico da doença de Chagas. A facilidade de obtenção da Fp, possível em laboratório de médio porte, assim como a aparente ausência de reações cruzadas, com exceção daquelas observadas com alguns soros de pacientes com leishmaniose tegumentar, justificam a realização de análises mais detalhadas da sua antigenicidade, uma vez que, como demonstrado por Rangel e col.8, diferentes antígenos do T. cruzi estão presentes na Fp, além de conter cerca de 66% da atividade proteinásica original dos Usados de cultura do parasito. Realizando reações de hemaglutinação com as hemácias sensibilizadas com a Fp e soros antiproteinase obtidos através da imunização de coelhos com a enzima purificada, foram verificadas reações positivas, indicando a sua presença na superfície destas células. Estudos estão sendo conduzidos visando identificar a especificidade dos anticorpos dirigidos contra a Fp, tanto nos soros de pacientes chagásicos como nos soros de portadores de leishmaniose cutaneomucosa que reagem cruzadamente. Provavelmente surgirão destes estudos informações que possibilitem a obtenção de uma fração antigênica mais específica para o diagnóstico sorológico da doença de Chagas, do mesmo modo que poderá ser investigada a ocorrência de anticorpos antiproteinase, o que fornecerá alguns dados relativos ao papel desta enzima na patologia da tripanossomíase americana.

AGRADECIMENTOS

À Dra. Maria Emília Amorim Ramos, Laboratório Central Gonçalo Moniz, e aos Drs. Antônio Walter Ferreira e Air Colombo Barreto, do Instituto de Medicina Tropical da USP e do Núcleo de Medicina Tropical da UNB respectivamente, por possibilitarem a aquisição de alguns dos soros utilizados no presente trabalho.

Recebido para publicação em 07/08/84

Aprovado para publicação em 04/10/84

Trabalho realizado com auxílio parcial da FINEP. Proc. B/76/81/360/00/00

  • 1. CAMARGO, M. E. & TAKEDA, G. K. F. - Diagnóstico de laboratório. In: Brener, Z. & Andrade, Z.A. Trypanosoma cruzi e Doenças de Chagas. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1979. p. 175-98.
  • 2. CARNIOL, C.; NEVES, M.; ZINGALES, B.; ARAUJO, P. S. & COLLI, W. Plasma membrane origin of Trypanosoma cruzi antigenic determinants in Chagas' disease. Rev. Inst. Med. trop. S. Paulo, 24: 83-7, 1982.
  • 3. CSIZMAS, L. Preparation of formolinized erythrocytes. Proc. Soe. exp. Biol., New York, 103:157-60,1960.
  • 4. GOBLE, F.C. South American Trypanosomes. In: Herman, R. & Singer, J Immunity to parasitic animals. New York, The Rockefeller University, 1970. p. 597-689.
  • 5. HEBERT, W. J. Passive haemagglutination with special reference to the tanned cell technique. In: Weir, D. M. Handbook of experimental immunology. 3rd ed. Oxford, Blackwell Scientific Publications, 1979. p. 20.1-20.20
  • 6. LOWRY, O. H.; ROSEBROUGH,N. J.;FARR, A. L. & RANDALL, R. J. Protein measurement with the Folin phenol reagent. J. biol. Chem., 193:265-75,1951.
  • 7. RANGEL, H. A.; ARAÚJO, P. M. F.; CAMARGO, I. J. B.; BONFITTO, M.; REPKA, D.; SAKURADA, J. K. & ATTA, A. M. Detection of a proteinase common to epimastigote, trypamastigote and amastigote of different strains of Trypanosoma cruzi, Tropenmed. Parasit., 32: 87-92, 1981.
  • 8. RANGEL, H. A.; ARAÚJO, P. M. F.; REPKA, D. & COSTA, M. G. Trypanosoma cruzi: isolation and characterization of a proteinase. Exp. Parasit., 52: 199-209, 1981.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 1984

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 1984
  • Aceito
    04 Out 1984
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