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Oncocercose em expansão no Brasil

CARTAS AO EDITOR LETTER TO THE EDITOR

ONCOCERCOSE EM EXPANSÃO NO BRASIL

Victor Py-Daniel

Coordenador da Atividade de Transmissão na Rede de Pesquisa de Campo do Programa de Eliminação da Oncocercose para as Américas. - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Coordenação de Pesquisas em Entomologia, Caixa Postal 478, 69011-970, Manaus, Amazonas.

Em carta anterior à Rev. Saúde públ. (publicada no número 23(3) em 1989) evidenciamos a possibilidade de existirem outros focos de oncocercose na Bacia Amazônica, além do que normalmente era aceito como existente (na área Yanomami), com a descrição do caso de um religioso que morou muito tempo nas regiões dos rios de Tefé e Jutaí, no Estado do Amazonas.

A partir de agosto de 1993, o Brasil entrou efetivamente no Programa de Eliminação da Oncocercose para as Américas (OEPA - Onchocerciasis Elimination Program in the Americas), do qual já faziam parte outros 5 países (Venezuela, Equador, Colômbia, Guatemala e México).

Esse Programa é apoiado pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), pela Organização Mundial de Saúde (OMS), sendo coordenado e administrado financeiramente pela Fundação Cegueira do Rio (River Blindness Foundation).

Essa carta tem função semelhante à anterior, mas ressalta novos aspectos obtidos no desenvolvimento do programa "OEPA".

Durante o desenvolvimento dos levantamentos epidemiológicos preliminares, de agosto/93 até abril/94 (entomológicos e biópsias) na área da reserva Yanomami, no Estado de Roraima, foram assinalados 3 novos casos de oncocercose em pessoas que não têm origem nem Yanomami e nem Yekuana).

Esses 3 novos casos foram assinalados em funcionários da FUNAI (Fundação Nacional do índio) que trabalham em postos indígenas (Posto Indígena do Homoxi, Bacia do rio Mucajaí; Posto Indígena de Surucucus, Bacia do rio Parima; Posto indígena de Waikás, Bacia do rio Uraricoera).

Os funcionários da FUNAI têm como característica no desenvolvimento dos próprios trabalhos que cumprem, fazerem temporariamente rodízios entre os Postos Indígenas (muitas vezes até em áreas indígenas muito diferentes e distantes entre si, por exemplo: funcionários que trabalharam muito tempo na área Yanomami estão agora lotados na área Waimiri-Atroari no Estado do Amazonas, perto de Manaus).

Os funcionários desta Fundação federal não são estimulados a fazer exames médicos periódicos quando permutam entre as áreas de trabalho e com certeza estão servindo de dispersores de filárias como Mansonella ozzardii ou Onchocerca volvulus, além de outras endemias que não são de interesse citar aqui.

Entre os funcionários da FUNAI, que foram assinalados como portadores da Onchocerca volvulus, dois possuem as suas origens na área dos índios Macuxis, região de cerrado (savana), ao nordeste de Roraima e outro é de fora deste Estado.

Esses funcionários de origem Macuxi, periodicamente têm adentramento na área de origem, o que cria ativamente a possibilidade de ocorrerem novos focos, já fora da área Yanomami, pois aí também estão presentes os mesmos vetores (piuns, borrachudos) que exercem uma constante atividade de hematofagia no ser humano.

Quanto a esse aspecto de novos focos fora da área Yanomami, existem outros fatos que devem ser expostos:

1 - Grande número de garimpeiros que foram, e estão periodicamente sendo retirados da área Yanomami, desenvolvem suas atividades garimpeiras na área de lavrado (cerrado, savana) ao nordeste de Roraima, essencialmente na região dos rios Cotingo e Mau (áreas da etnia Macuxi), divisa fronteiriça com a Guiana.

2 - Outro grande número de garimpeiros que foram retirados da área Yanomami, para continuarem a desenvolver a mesma atividade, mesmo que sobre a esxtração de outros minerais, além de ouro, foram localizar-se em outros Estados ao Sul da Bacia Amazônica, como Pará (rios Tapajós, Xingu), Rondônia (rio Madeira), Mato Grosso (grande número de pequenos rios que fazem parte das cabeceiras de rios amazônicos ou mesmo da Bacia do rio Paraná). Nesses outros sistemas fluviais também são encontrados vetores destas filárias, citadas acima.

3- Possuímos informações fornecidas pelas DSY/FNS-AM (Distrito Sanitário Yanomami da Fundação Nacional de Saúde, Superintendência do Amazonas) que tanto em índios de outra etnia (Baniwa) como em pessoas de origem branca (moradores da Missão Tunuí, no rio alto Içana), que vivem em áreas fronteiriças com a Colômbia, portanto fora da área indígena Yanomami, já foi assinalada a presença da Onchocerca volvulus.

Quanto aos indígenas da etnia Baniwa, isto faz com que se tenha que considerar a existência de grupos inclusos na área denominada Reserva Yanomami (no rio Demeni, Amazonas), e que os mesmos fazem migrações para contactos com grupos de suas famílias em direção à Colômbia, permitindo assim um alargamento do foco tanto geograficamente como em nível de grupos étnicos naturais envolvidos, pois hoje, oficialmente é apenas reconhecido um como foco Yanomami (restrito a índios Yanomami e Yekuana). O grupo Yekuana (Maiongongs, Makiritares) até o momento está registrado no Brasil (Roraima) apenas por três comunidades (duas localizadas no rio Auaris e uma no rio Uraricoera, sendo esta última de origem no Auaris).

Uma pessoa com a filária Onchocerca volvulus não apresenta sintomas em um curto tempo, o que leva-nos a ponderar que obrigatoriamente os Pelotões de Fronteira, do Exército Brasileiro, que estão sendo instalados dentro da área focal (atualmente já presentes em Surucucu e Aurais (Roraima), em Querari, São Joaquim, Cucuí e Maturacá (Amazonas), deverão ter constante apreciação médica quanto à presença desta filária nos soldados, pois muitos deles, principalmente os de nível de oficial, têm suas origens em outras partes do Brasil, e fazem periodicamente, exatamente como os Funcionários da FUNAI, deslocamento entre áreas muito distintas da região Yanomami.

Essas constatações servem de alerta para que se tome consciência que o oficialmente aceito, foco de Oncocercose no Brasil, na realidade já está muito além do que se denominou originalmente como um foco (área isolada) Yanomami, ao extremo Norte do Brasil, restrita entre dois grupos indígenas específicos.

Recebido para publicação em 17.05.94

Aprovado para publicação em 03.06.94

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2003
  • Data do Fascículo
    Abr 1994
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