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Intervenção coronariana percutânea de resgate após fibrinolise

EDITORIAL

Intervenção coronariana percutânea de resgate após fibrinolise

Alexandre AbizaidI; Adriano M. CaixetaII

IInstituto Dante Pazzanese de Cardiologia – São Paulo - SP

IIInstituto do Coração – Fundação Zerbini – Brasília - DF

Nas últimas décadas, o uso da terapia fibrinolítica modificou sobremaneira o prognóstico dos pacientes com infarto agudo do miocárdio, por preservar a função ventricular esquerda e reduzir a mortalidade. Apesar destes importantes benefícios após a administração intravenosa de fibrinolíticos1, em um porcentual expressivo de pacientes, não se obtém o restabelecimento do fluxo coronariano epicárdico normal (TIMI classe III). Esse porcentual pode variar de 50 a 70% nos pacientes que recebem o tratamento com estreptoquinase e de 20 a 50% naqueles tratados com medicamentos fibrino-específicos2. As razões para a falha da terapia trombolítica estão freqüentemente relacionadas à extensa ruptura intimal, a uma grande carga de trombo não responsiva ao fibrinolítico ou mesmo à presença de trombo, predominantemente plaquetário, resistente às terapias convencionais.

A intervenção coronariana percutânea de resgate vem sendo utilizada há alguns anos, como opção terapêutica adicional na vigência de insucesso da fibrinólise. Seu principal objetivo é o restabelecimento adequado do fluxo sangüíneo anterógrado, minimizando graves complicações, como a deteriorização da função ventricular e o óbito.

Mattos e cols. relatam a experiência nacional do registro CENIC (Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares), comparando os resultados hospitalares de pacientes admitidos com infarto agudo do miocárdio, submetidos a intervenção coronariana percutânea de resgate ou primária. Nesta expressiva série de 9.371 pacientes, 840 foram submetidos ao procedimento de resgate e 8.531 à intervenção coronariana percutânea primária.

O sucesso do procedimento foi menor nos casos de resgate (88,1% versus 91,2%;p<0,001), cursando com maior mortalidade (7,4% versus 5,6%; p=0,034) comparado à intervenção primária.

As séries iniciais com a aplicação da angioplastia de resgate, utilizando-se apenas o cateter-balão, evidenciam sucesso e patência arterial entre 71% a 100%; contudo, os procedimentos cursavam com cifras de reoclusão hospitalar do vaso-alvo de 18%, variando de 3% até 29%, duas a três vezes maior que aquelas observadas após a aplicação da angioplastia primária3-9. A mortalidade hospitalar média era de 11%, variando de próximo a zero até 17%, com pouca recuperação na função ventricular esquerda. O insucesso do procedimento de resgate resultou em mortalidades de 28% até 39%. O sucesso era obtido independente do tipo de fibrinolítico previamente administrado, mas as cifras de reoclusão eram maiores após a administração de t-PA (20% até 30%) (tab. I). Mattos e cols. discutem seus resultados com os de um registro holandês, publicado por Bar e cols., que comparou 317 procedimentos de intervenção coronariana percutânea de resgate com 442 casos de intervenção coronariana percutânea primaria10. Este foi um dos únicos estudos em que a mortalidade hospitalar foi semelhante nas duas formas de intervenção coronariana percutânea (4.7% versus 6.6%; p= 0,37). Particularmente, neste estudo, o retardo para o tratamento a partir do inicio dos sintomas foi bastante reduzido (< 3h) (fig 1).


O artigo de Mattos e cols. revela a gravidade clínica dos pacientes submetidos à intervenção coronariana percutânea de resgate comparada àqueles submetidos à angioplastia primária. Na realidade brasileira, haja vista que a maioria dos hospitais não realizam angioplastia primária, o tempo de retardo entre a terapia fibrinolítica, habitualmente realizada em hospitais secundários, e a intervenção coronariana percutânea de resgate é, seguramente, bastante alargada. Este retardo do procedimento, associado às razões anatômicas de maior complexidade das lesões e maior carga de trombo justificariam o menor índice de sucesso, um maior dano miocárdico e maior mortalidade neste subgrupo de pacientes.

Existem poucos estudos randomizados com o emprego da angioplastia coronariana de resgate, comparada à terapêutica clínica11,12. No estudo TAMI-513, a aplicação da angioplastia de resgate resultou em índices mais elevados de patência arterial, melhora na função contrátil regional e menor ocorrência de isquemia recorrente, comparada à terapêutica clínica. No estudo RESCUE I6, incluídos apenas pacientes com infarto de localização anterior, os resultados com a intervenção coronariana percutânea de resgaste revelam uma melhora significativa da função ventricular esquerda, menor incidência de insuficiência cardíaca e uma tendência a menor mortalidade, ao final do primeiro mês e de um ano após o infarto agudo do miocárdio. Os benefícios clínicos da associação do abciximab nesses procedimentos foi avaliada por uma subanálise do estudo GUSTO III3, que também mostrou uma redução na mortalidade aos 30 dias favorável à intervenção coronariana percutânea de resgate (3,6% versus 9,7%; p=0,076), porém com risco mais elevado para ocorrência de hemorragias. A angioplastia coronariana de resgate resultou em significativa melhora da função ventricular esquerda regional, reduzindo o risco de falência ventricular, choque cardiogênico e óbito, especialmente em pacientes de alto risco. O prognóstico de pacientes submetidos ao procedimento é similar àqueles que obtêm uma reperfusão bem-sucedida com o emprego de fibrinolíticos. Contudo, o procedimento sem sucesso elevará a mortalidade imediata.

Schweiger et cols.,14 recentemente, mostraram que na compilação dos estudos TIMI 10B e 14B, pacientes com infarto agudo do miocárdio e TIMI 0 ou I tratados pela intervenção coronariana percutânea de resgate apresentam menor mortalidade em 30 dias que no grupo não tratado com intervenção coronariana percutânea (p=0,01).

Em uma outra subanálise do estudo TIMI 10B, utilizando o t-PA ou tenecteplase no infarto agudo do miocárdio, empregou-se o critério angiográfico de falha do trombolítico. Os pacientes que apresentavam insucesso do tratamento fibrinolítico (TIMI 0 ou I em 90 min) submetidos a intervenção coronariana percutânea de resgate apresentaram menor mortalidade em 2 anos, quando comparados aos que não a receberam (p=0,03) (fig. 2)15.


As terapias farmacológicas contemporâneas, incluindo o uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, altas doses de drogas tienopiridínicas, novas heparinas e o emprego em larga escala de stents coronarianos, possivelmente propiciarão melhores resultados angiográficos e clínicos das intervenção coronariana percutânea de resgate.

Neste contexto, recomenda-se que em pacientes com diagnóstico de infarto agudo do miocárdio em centro habilitado e que preencha todas as condições necessárias, a intervenção coronariana percutânea primária seja considerada a melhor estratégia. Por outro lado, nos portadores de infarto agudo do miocárdio de qualquer localização, submetidos primariamente à terapia fibrinolítica, quando os sinais clínicos de sucesso da reperfusão não sejam alcançados (persistência da dor, recorrência precoce da dor mesmo após o término da infusão do fármaco, associado ou não à instabilidade hemodinâmica, ou persistente elevação do segmento ST, principalmente nos infartos de localização anterior) recomenda-se a sua transferência de imediato para um centro habilitado para a realização de cinecoronariografia e intervenção coronariana percutânea com implante de stents, associado ou não à infusão de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa.

Referências

1. Grines CL, Serruys P, O'Neill WW. Fibrinolytic therapy: is it a treatment of the past? Circulation 2003; 107:2538-42.

2. The GUSTO angiographic investigators. The effect of tissue plasminogen activator, streptokinase, or both on coronary-artery patency, ventricular function and survival after acute myocardial infarction. N Engl J Med 1993;329:1615-22.

3. Miller JM, Ohman EM, et al. Survival benefit of abciximab administration during early rescue angioplasty: analysis of 387 patients from the GUSTO III trial (Abstract). J Am Coll Cardiol 1998;31: 191A.

4. Bär F, Vainer J, Stevenhagen J, et al. Ten-year experience with early angioplasty in 759 patients with acute myocardial infarction. J Am Coll Cardiol 2000;36:51-8.

5. The CORAMI study group. Outcome of attempted coronay angioplasty after failed thrombolysis for acute myocardial infarction. Am J Cardiol 1994; 74:172-4.

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7. Ross A, Reiner JS, Thompson MA, et al. Immediate and follow-up procedural outcome of 214 patients undergoing rescue PTCA in the GUSTO trial: no effect of the lytic agent (Abstract). Circulation 1993;88:I-40.

8. Grines CL, Nissen SE, Booth DC, et al. A new thrombolytic regimen for acute myocardial infarction using combination half dose t-pa with full dose streptokinase: a pilot study. J Am Coll Cardiol 1989;14:573-80.

9. Abbottsmith CW, Topol EJ, George BS, et al. Fate of patients with acute myocardial infarction with patency of the infarct-related vessel achieved with successful thrombolysis versus rescue angioplasty. J Am Coll Cardiol 1990;16:770-8.

10. Bar F, Vainer J, Stevenhagen J, at al. Ten-year experience with early angioplasty in 759 patients with acute myocardial infarction. J Am Coll Cardiol 2000;36:51-8.

11. Widminsky P, Groch L, Zeliske M, et al. Multicentre randomized trial comparing transport to primary angioplasty vs. Immediate thrombolysis vs combined strategy for patients with acute myocardial infarction presenting to community hospital without a catetherization laboratory. The PRAGUE study. Eur Heart J 2000;21:830-3.

12. Vermeer F, Oude O Berg J, al. Prospective randomized comparison between thrombolysis, rescue PTCA, and primary PTCA in patients with acute myocardial infarction admitted to hospital without PTCA. Heart 1999;82:426-31.

13. O'Neill WW, Timmis GC, Bourdillon PD, et al. A prospective randomized trial of intracoronary streptokinase versus coronary angioplasty for acute myocardial infarction. N Engl J Med 1986;314:812-18.

14. Schweiger MJ, Cannon CP, Murphy AS, et al. Early coronary intervention following pharmacologic therapy for acute myocardial infarction: the combined TIMI 10B and 14 experience. Am J Cardiol 2001; 88: 831-836.

15. Gibson CM, Cannon CP, Murphy FA, et al. Relationship of the TIMI myocardial perfusion grades, flow grades, frame count, and percutaneous coronary intervention to long-term outcome after thrombolytic administration in acute myocardial infarction. Circulation 2002; 105: 1909-1913.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jun 2004
  • Data do Fascículo
    Maio 2004
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