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Risco nutricional na população urbana de Ouro Preto, sudeste do Brasil: estudo de corações de Ouro Preto

Resumos

OBJETIVO: Estimar a prevalência do risco nutricional combinado [índice de massa corporal (IMC) e circunferência da cintura (CC)] segundo as características sócio-demográficas e sedentarismo, da população urbana residente em Ouro Preto (MG), Brasil. MÉTODOS: Estudo transversal foi realizado em uma amostra probabilística de 768 indivíduos com 15 ou mais anos de idade. Risco nutricional (RN) foi definido de acordo com os critérios de classificação do IMC e CC do National Institutes of Health, classificando-se em RN isolado (RNI) as mulheres com CC > 80 cm e homens CC > 94 cm e combinado (RNC) (CC acima e/ou IMC > 25 kg/m²). Regressão logística binária e teste de Hosmer & Lemeshow foram utilizados para construir e ajustar os modelos. RESULTADOS: O RNI esteve presente nas diferentes categorias de IMC tanto para mulheres quanto para homens, sendo de 19,1% e 1,4% entre aqueles com peso normal; 91,7% e 56% com sobrepeso e 98,5% e 80% com obesidade, respectivamente. Idade e escolaridade associaram-se de forma independente ao RNC. Mulheres e homens acima de 60 anos apresentavam, respectivamente, Odds Ratio (OR) de RNC de 9,94 e 14,35, quando comparados aos mais jovens. Para mulheres com escolaridade < 4 anos, a OR foi de 1,83 quando comparadas àquelas com mais de 4 anos e, em homens de média escolaridade, de 2,55 em relação aos de alta. CONCLUSÃO: Estes achados mostram o efeito independente da idade e escolaridade na probabilidade de ocorrência do RNC e a importância da análise conjunta do IMC e CC para a seleção de grupos em risco nutricional.

sobrepeso; obesidade; índice de massa corporal; circunferência abdominal; prevalência


OBJECTIVE: To estimate the prevalence of combined nutritional risk according to sociodemographic and sedentarism characteristics of the urban population of Ouro Preto, state of Minas Gerais, Brazil. METHODS: This cross-sectional study was conducted with a probability sampling of 768 subjects aged 15 years or older. Nutritional risk (NR) was defined according to the BMI and WC classification criteria adopted by the National Institutes of Health. Isolated NR (INR) was defined as women with WC > 80 cm and men with WC > 94 cm, and the combined nutritional risk (CNR) as the same WC values mentioned above and/or BMI > 25 kg/m². Binary logistic regression and the Hosmer & Lemeshow test were used to construct and adjust these models. RESULTS: INR was observed in several BMI categories for both women and men, with the following results: 19.1% and 1.4% among those with normal weight, 91.7% and 56% in overweight patients, and 98.5% and 80% in obese patients, respectively. Age and level of education were independently associated with the CNR. Odds ratios (OR) for CNR in women and men over 60 years of age were 9.94 and 14.35, respectively, when compared to younger patients. For women with < 4 years of schooling, the OR was 1.83 compared to patients with more than 4 years of school attendance, while among men with an average number of years of school attendance, the OR was 2.55 relative to those with more years of schooling. CONCLUSION: These findings show that age and education have an independent effect on the probability of CNR occurrence, and also that a joint analysis of BMI and WC is important in screening groups for nutritional risk.

Overweight; obesity; body mass index; abdominal circumference; prevalence


ARTIGO ORIGINAL

Risco nutricional na população urbana de Ouro Preto, sudeste do Brasil: estudo de corações de Ouro Preto

Silvia Nascimento de Freitas; Waleska Teixeira Caiaffa; Cibele Comini César; Valéria Andrade Faria; Raimundo Marques do Nascimento; George Luiz Lins Machado Coelho

Universidade Federal de Ouro Preto, Universidade Federal de Minas Gerais e Instituto de Hipertensão Arterial - Belo Horizonte – Ouro Preto, MG

Correspondência Correspondência: George Luiz Lins Machado Coelho R. Domingos Barroso, 170 35400-000 – Ouro Preto, MG E-mail: gmcoelho@ef.ufop.br

RESUMO

OBJETIVO: Estimar a prevalência do risco nutricional combinado [índice de massa corporal (IMC) e circunferência da cintura (CC)] segundo as características sócio-demográficas e sedentarismo, da população urbana residente em Ouro Preto (MG), Brasil.

MÉTODOS: Estudo transversal foi realizado em uma amostra probabilística de 768 indivíduos com 15 ou mais anos de idade. Risco nutricional (RN) foi definido de acordo com os critérios de classificação do IMC e CC do National Institutes of Health, classificando-se em RN isolado (RNI) as mulheres com CC > 80 cm e homens CC > 94 cm e combinado (RNC) (CC acima e/ou IMC > 25 kg/m2). Regressão logística binária e teste de Hosmer & Lemeshow foram utilizados para construir e ajustar os modelos.

RESULTADOS: O RNI esteve presente nas diferentes categorias de IMC tanto para mulheres quanto para homens, sendo de 19,1% e 1,4% entre aqueles com peso normal; 91,7% e 56% com sobrepeso e 98,5% e 80% com obesidade, respectivamente. Idade e escolaridade associaram-se de forma independente ao RNC. Mulheres e homens acima de 60 anos apresentavam, respectivamente, Odds Ratio (OR) de RNC de 9,94 e 14,35, quando comparados aos mais jovens. Para mulheres com escolaridade < 4 anos, a OR foi de 1,83 quando comparadas àquelas com mais de 4 anos e, em homens de média escolaridade, de 2,55 em relação aos de alta.

CONCLUSÃO: Estes achados mostram o efeito independente da idade e escolaridade na probabilidade de ocorrência do RNC e a importância da análise conjunta do IMC e CC para a seleção de grupos em risco nutricional.

Palavras-chave: sobrepeso, obesidade, índice de massa corporal, circunferência abdominal, prevalência.

Introdução

A obesidade é uma doença crônica multifatorial caracterizada pelo excesso de tecido adiposo. Tem sido simultaneamente apontada como um fator de risco importante para a elevação da mortalidade e para a ocorrência de doenças crônicas não-transmissíveis1,2. A relevância do emprego de indicadores antropométricos para o seu diagnóstico e avaliação do risco nutricional para co-morbidades tem sido demonstrada por diferentes estudos2-4.

Em estudos epidemiológicos, o indicador de obesidade comumente utilizado é o índice de massa corporal (IMC) por apresentar boa correlação com a gordura corporal total e ter alta aplicabilidade e baixo custo5. Entretanto, limitações desse índice na definição do sobrepeso/obesidade são evidenciadas nas diferentes categorias de sexo, idade, raça e atividade física e na avaliação do risco nutricional para co-morbidade3,6,7, não conseguindo tampouco diferenciar e quantificar a distribuição de gordura5,8.

Sabe-se que o risco de diabetes, hipertensão arterial e síndrome metabólica está associado à distribuição da gordura corporal e, mais especificamente, ao aumento da gordura central2,3,9,10. O método mais utilizado para avaliar a gordura central tem sido a medida da circunferência da cintura (CC), devido a sua boa correlação com a gordura visceral3,11,12. Alguns autores têm demonstrado que, em indivíduos com peso normal, sobrepeso e obesidade grau I definidos pelo IMC, o risco nutricional para ocorrência de co-morbidades não transmissíveis pode ser subestimado quando há elevação da CC3,7,12.

Recentemente, tem sido proposto, para a avaliação do risco nutricional de uma população, a utilização conjunta do IMC e CC3,7,9,13,14, considerando que esse procedimento aumenta a acurácia do diagnóstico. Entretanto, deve-se ressaltar que o risco nutricional pode variar segundo características sociais, econômicas, demográficas e comportamentais dos diferentes grupos populacionais15,16. Considerando o acima exposto, este trabalho teve como objetivo estimar a prevalência do risco nutricional combinado [índice de massa corporal (IMC) e circunferência da cintura (CC)] segundo as características sócio-demográficas e sedentarismo da população urbana residente em Ouro Preto (MG), Região Sudeste do Brasil.

Métodos

População do estudo - O estudo foi realizado no ano de 2001, na população com idade de 15 anos ou mais, residente nos domicílios particulares da cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, que compreende 25.222 indivíduos.

Desenho do estudo e amostra - Estudo epidemiológico do tipo seccional foi delineado para estimar a prevalência dos fatores de risco para as doenças cardiovasculares nesta população. A amostra de 929 domicílios foi calculada utilizando a prevalência estimada da hipertensão arterial sistêmica de 25%17; precisão desejada de 3%, nível de significância de 95% e perda estimada de 20%. Os domicílios foram selecionados a partir da listagem de endereços distribuídos em 33 setores censitários e da densidade de domicílios por setor de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)18. Em cada domicílio amostrado foi selecionado um indivíduo, com 15 anos ou mais, cuja data de aniversário era a mais próxima à data da entrevista. No caso de recusa do indivíduo selecionado, o domicílio era descartado e substituído pela próxima casa à direita. Imóveis coletivos ou comerciais ou cujos residentes recusavam-se a participar da pesquisa eram substituídos pela próxima casa à direita.

Coleta de dados - Os indivíduos entrevistados foram agendados para a realização do exame clínico e antropométrico no horário de 7 às 10 horas da manhã, após um jejum de 12 horas. Para aferir o peso utilizou-se a balança TANITA BF 542® ajustada a cada medição, com capacidade de 136 kg, variação de 0,2 kg com os indivíduos vestindo um mínimo de roupas, sem jóias e/ou bijuterias, com a bexiga vazia e em jejum.

Para a medida da altura utilizou-se o método preconizado por Frisancho19 por meio de um antropômetro de campo. O critério adotado para a classificação do índice de massa corporal (IMC) de adultos e de idosos foi o da Organização Mundial de Saúde adaptado pelo National Institutes of Health (NIH)20, onde indivíduos com IMC < 18,5 kg/m2 são de baixo peso, de 18,5 a 24,9 kg/m2 são normais, > 25 a 29,9 kg/m2 estão com sobrepeso e > 30 kg/m2 são obesos; para os adolescentes, foi adotado o padrão internacional de Cole e cols.21, que classifica o IMC < percentil 5 como baixo peso, entre o percentil > 85 a < 95, sobrepeso e no percentil > 95, como obeso.

A circunferência da cintura (CC) foi aferida no ponto médio entre o último arco costal e a crista ilíaca ou cintura natural com o indivíduo na posição supina. Mulheres com valores > 80 e < 88 cm e homens com > 94 e < 102 cm foram considerados com excesso de gordura central (sobrepeso central), portanto, com risco nutricional isolado (RNI) moderado para morbidades não transmissíveis. Aqueles com CC > 88 cm para mulheres e > 102 cm para homens foram considerados com obesidade central, ou com RNI elevado de acordo com os critérios propostos por Lean e cols.22. A denominação RNI foi adotada para verificação da presença do risco nas diferentes categorias de IMC.

Para a definição do risco nutricional combinado (RNC) adotaram-se os critérios de classificação da CC e IMC. Foram classificados sem risco os que apresentaram CC normal (CC < 80 cm para mulheres e < 94 cm para homens) e IMC baixo peso ou normal (IMC < 25 kg/m2 ou menor que o percentil 85 [adolescentes]). Com risco, aqueles com RNI (CC > 80 cm para mulheres e CC > 94 cm para homens) independente da categoria do IMC, e também aqueles com sobrepeso ou obesidade pelo IMC para a definição do modelo explicativo final na logística multivariada.

As informações sócio-demográficas e de sedentarismo foram obtidas através de entrevistas face a face utilizando questionário estruturado e pré-codificado. A escolaridade foi agrupada em baixa (analfabeto ao 1º grau incompleto), média (1º grau completo a 2º grau incompleto) e alta (> 2º grau completo). A classe econômica foi definida pelos critérios propostos pela Associação Nacional de Pesquisa23, de acordo com a contagem dos bens de consumo, empregados domésticos, número de banheiros no domicílio e nível de instrução do chefe da família. Para a análise, as classes foram agrupadas em A e B (alta e média), C (média baixa), D e E (baixa e muito baixa). A atividade ocupacional foi categorizada em: leve (atividades executadas sentadas ou facilmente, exemplo: secretária), moderada (trabalhos que implicavam caminhar e sentar, exemplo: almoxarife) ou pesada (trabalho manual pesado, tais como: operário da construção civil). O sedentarismo foi definido neste estudo a partir do agrupamento da atividade ocupacional e tempo de atividade física exercida na hora de lazer24,25. Aqueles que exerciam atividade ocupacional leve ou moderada, tais como estudante, escriturário, professor, entre outras, e praticavam atividade física de lazer com tempo semanal inferior a 150 minutos foram classificados como sedentários.

Análise estatística - A análise foi ponderada26 por sexo e idade, sendo os pesos determinados pela razão entre as proporções de indivíduos no IBGE e na amostra (tabela 1). O teste qui-quadrado (c2) de Pearson foi utilizado para comparar as proporções de indivíduos na amostra e a estimada pelo IBGE e para comparar aqueles com RNC de acordo com as variáveis sócio-demográficas e sedentarismo. A análise de variância foi utilizada para a comparação das médias das medidas antropométricas e o teste de diferença mínima significativa de Student para comparar os grupos de pares. Regressão logística binária e o teste de Hosmer & Lemeshow foram utilizados para construir e verificar o ajuste dos modelos de fatores associados de forma independente ao risco nutricional combinado (CC e IMC). O valor p < 0,20 e a plausibilidade epidemiológica e biológica foram os critérios utilizados para a inclusão das variáveis no modelo multivariado. Assumiu-se como nível de significância estatística o valor p < 0,05 para a definição do modelo final.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto, sob o número 2001/26.

Resultados

Comparando-se as características da amostra do estudo com informações da população estimadas pelo IBGE na cidade, foi observada uma significativa maior proporção de mulheres (70%) e adultos (71,9%). Foi então realizada a ponderação da amostra por sexo e idade, composta de 768 indivíduos, sendo 50,8% de mulheres e 49,2% de homens; 16,5% dos participantes eram da faixa etária de 15 a 19 anos, 45,3% de 20 a 39 anos, 27,2% de 40 a 59 anos e 10,9% com 60 anos ou mais. Recusas em participar da segunda fase do estudo, quando eram realizados os exames clínicos e antropométricos, após três convites sistemáticos, totalizaram 17,2%.

Na tabela 2, estratificada por sexo, encontram-se as médias e os desvios-padrão dos indicadores antropométricos pelas características sócio-demográficas e de sedentarismo. Resumidamente, entre mulheres, as médias de IMC e CC variaram significativamente com a idade e a escolaridade, sendo mais elevadas naquelas com idade de 60 anos ou mais e naquelas com baixa escolaridade. Não foram encontradas diferenças significativas com relação a classe econômica e sedentarismo. Entre homens, o IMC médio variou com a idade; entretanto, a CC média aumentou significativamente com o passar dos anos e com a melhoria da classe econômica.

Na tabela 3 está descrito o perfil nutricional, a partir das classificações do IMC e CC, de acordo com características sócio-demográficas e de sedentarismo. Observa-se variação significativa do perfil nutricional de acordo com sexo, idade, escolaridade e sedentarismo.

Utilizando-se o IMC, a prevalência geral de baixo peso encontrada foi de 6,4% (n = 49), sobrepeso de 30% (n = 230) e obesidade de 11,9% (n = 92). O sobrepeso e obesidade foram mais freqüentes nas mulheres, respectivamente de 31% e 17,2%; nos participantes com idade > 60 anos (43,5% e 18,8%) e naqueles com baixa escolaridade (35,8% e 15,2%).

Quanto à prevalência geral do sobrepeso central, 19,1% (n = 146) dos participantes preenchiam esse critério, assim como 19,4% (n = 149) no tocante à obesidade central; em mulheres, o sobrepeso central esteve presente em 21,9% e a obesidade central em 32,4% e, em homens, ocorreu em 16,4% e 6,1%, respectivamente. Esses dois indicadores também foram maiores naqueles com idades > 60 anos (29,8% e 40,5%) e nos classificados como sedentários (20,3% e 21,5%). Quanto à escolaridade, indivíduos com baixa escolaridade apresentaram prevalências de aproximadamente 50% de sobrepeso central/obesidade central, sendo que este esteve presente em 40% dos indivíduos da classe alta. Em se tratando da freqüência do risco nutricional isolado associado a diferentes categorias de IMC e CC (tab. 4), foram encontrados indivíduos com risco nutricional pela CC em todas as classificações do IMC. Isto é, mesmo classificados com IMC normal, participantes apresentavam médias de CC acima dos valores de normalidade, sendo 19,1% das mulheres e 1,4% dos homens. Já para o IMC sobrepeso, o percentual de risco elevado (obesidade central) foi de 47,9% para mulheres e de 8,3% para homens. Quando classificados como obesos, pelo IMC, observou-se que a grande maioria das mulheres neste grupo (97%) tinha obesidade central pela CC, enquanto que entre os homens este percentual foi de 52%. Na categoria baixo peso, pelo IMC, encontrou-se somente uma mulher com risco nutricional elevado, ou seja, com obesidade, e nenhum homem na categoria de RNI.

Na tabela 5 encontram-se as prevalências dos riscos nutricionais combinados (IMC e CC). Mulheres e homens apresentavam aumento significativo desses indicadores de risco com o envelhecimento e redução com o aumento da escolaridade. Naqueles com 60 anos ou mais, a prevalência do RNC chegava a 84,8% para mulheres e 63,2% para homens, e de 70,6% e 43,4% para mulheres e homens de baixa escolaridade, respectivamente. Ressalta-se que entre as mulheres foi encontrada diferença significativa (p < 0,01) em todas as categorias de escolaridade, enquanto que entre homens com média e alta escolaridade os RNC eram semelhantes (p = 0,53).

A ausência de atividade física não se associou significativamente com o RNC em ambos os sexos, assim como as categorias de classe econômica entre mulheres (p > 0,20).

Resultados das análises bi e multivariada encontram-se na tabela 6. O risco nutricional combinado se associou significativamente com a idade e escolaridade em ambos os sexos, e com a classe econômica nos homens. O RNC elevou-se com o avançar da idade em ambos os sexos, com magnitudes mais acentuadas entre os homens, quando comparados às mulheres. Quanto à escolaridade, comportamento diferenciado foi encontrado entre sexos. Ressalve-se que no momento da construção dos modelos multivariados optou-se por duas categorias classificatórias da escolaridade para mulheres. Mulheres de baixa escolaridade (< 4 anos) apresentaram maior RNC quando comparadas às de melhor escolaridade, enquanto entre homens, o RNC se mostrou significativo entre aqueles com média escolaridade quando comparados aos de alta escolaridade.

Tendência de proteção para o RNC foi observada entre os homens das classes econômicas D e E (OR: 0,46; p = 0,058) quando comparados aos das classes A e B, o que justificou a permanência da classe econômica no modelo final. Os ajustes dos modelos pelo teste de Hosmer & Lemeshow foram de p = 0,90 para as mulheres e de p = 0,47 para os homens.

Discussão

Neste estudo, independentemente do indicador utilizado, foi observada uma alta prevalência de obesidade e sobrepeso na população acima de 15 anos em Ouro Preto. Entre mulheres o sobrepeso/obesidade foi de 48,2% e entre homens, de 35,5%, quando se utilizava o IMC. Situava-se nos patamares de 54,2% e 22,4%, respectivamente, quando o critério classificatório era a circunferência da cintura. Esses dados sugerem que indivíduos com IMC normal ou com sobrepeso, notadamente mulheres, podem apresentar obesidade central, indicando que características da distribuição da gordura corporal devem ser consideradas na avaliação do risco nutricional.

Alguns estudos têm demonstrado que o IMC pode subestimar ou superestimar o sobrepeso e a obesidade5,8, pois, apesar de estar correlacionado com excesso de gordura corporal, refletiria somente a proporção corporal, não estimando a adiposidade e distribuição de gordura corporal5. Por outro lado, a CC tem sido recentemente utilizada como indicador de risco à saúde4,9,14,22,27.

Apesar da não existência, no Brasil, de dados nacionais sobre prevalência do sobrepeso central e de obesidade central, a sua relevância epidemiológica tem sido cada vez mais demonstrada na análise do risco nutricional para as doenças não transmissíveis em decorrência de sua boa correlação com os depósitos de gordura visceral10,11,28. Ambos os indicadores têm sido apontados como adequados preditores de complicações metabólicas, com base no conhecimento do metabolismo dos depósitos viscerais de triglicérides29. Estes possuem turnover mais acelerado do que os de outras regiões, aumentando assim a oferta de ácidos graxos livres no sistema-porta, estimulando a gliconeogênese, inibindo a depuração hepática da insulina e contribuindo para elevar a glicemia, a insulinemia e a resistência insulínica4,29,30, com conseqüente aumento do risco de hipertensão arterial, doenças cardiovasculares e câncer9,31.

Neste estudo, de acordo com a classificação do RNI (CC > 80 cm em mulheres e > 94 cm em homens) e IMC, encontramos três categorias distintas de indivíduos. As duas primeiras constituídas de indivíduos com sobrepeso central (RNI moderado) ou obesidade central (RNI elevado), mas com IMC normal/sobrepeso ou com obesidade e a última categoria, com CC normal (RNI baixo), mas com sobrepeso ou obesidade pelo IMC. Possíveis explicações para essas discordâncias poderiam ser atribuídas à distribuição desigual da gordura corporal ou da massa muscular que, por sua vez, poderia estar aumentada pelo tipo de atividade física exercida por alguns indivíduos classificados com sobrepeso ou mesmo obesos pelo IMC5,8. Entretanto, na segunda hipótese, não há relato de risco à saúde8,32. Contudo, é provável que esta não seja aplicável para Ouro Preto, principalmente levando em consideração a alta prevalência de sedentarismo nesta população, tanto em indivíduos com peso normal quanto naqueles com sobrepeso ou obesidade33. Resta-nos, portanto, a primeira hipótese, em que os resultados sugerem, uma vez mais, que o IMC isoladamente poderia estar sub ou superestimando a prevalência e dificultando a triagem da população em risco nutricional, se não for levada em consideração a CC3,7.

Na população estudada, mulheres com 40 anos ou mais e com baixa escolaridade apresentaram uma prevalência mais elevada do RNC quando comparadas às dos outros estratos, dados esses semelhantes aos mostrados por outros estudos nacionais10,15,16. Entre os homens, além do observado entre mulheres, também se associou à análise a inserção econômica baixa e muito baixa, cuja prevalência do RNC foi menor do que nas outras classes. Estes resultados também são concordantes com a literatura quanto à classificação econômica, onde se observa que os homens das classes econômicas mais elevadas apresentam maior prevalência do risco nutricional15,34.

A análise ajustada confirmou o papel independente da idade e escolaridade no agravamento do risco nutricional para mulheres e homens, achados estes semelhantes aos observados por outros autores35,36. Mostrou também que, homens adultos jovens (20 a 39 anos) apresentaram OR elevada de RNC, dado este que pode sugerir um risco precoce para hipertensão, diabetes mellitus e doenças cardiovasculares para os homens e, possivelmente, explicar as taxas mais elevadas de mortalidade por doenças do aparelho circulatório do município de Ouro Preto entre esses indivíduos em todas as faixas etárias e em relação às mulheres com menos de 50 anos37.

Em se tratando da escolaridade, a associação ocorreu de forma diferenciada para mulheres e homens. Mulheres com menor escolaridade apresentaram maior OR de RNC, enquanto que entre os homens o RNC foi maior entre os de média escolaridade. Uma possibilidade a ser investigada seria de que o gradiente dessa associação poderia estar sendo influenciado pelo tipo de atividade ocupacional exercida pelos homens5,8,38,39. Ou seja, os homens de classe econômica baixa ou muito baixa poderiam apresentar atividades ocupacionais pesadas exigindo intensa atividade física, o que poderia estar contribuindo para a tendência de proteção encontrada neste estudo. Entretanto, os indicadores aqui utilizados não permitiram a aferição precisa da atividade física exercida, pois se considerou somente a atividade ocupacional e de lazer relatada e não a capacidade funcional dos indivíduos entrevistados; e tampouco permitiu medir a direção da associação.

Cabe ainda ressaltar que a utilização dos padrões de referência de adultos para a classificação da CC dos adolescentes pode ter levado a uma subestimação sistemática da população em RNC, pois, conforme demonstrado na literatura, a proporção de gordura corporal é dependente da idade e adolescentes tendem a apresentar uma menor proporção de gordura intra-abdominal quando comparados aos adultos29. Contudo, estudos que estabeleçam a relação entre risco nutricional para doenças não transmissíveis são escassos neste grupo e, na ausência de critérios específicos, os valores determinados para os adultos têm sido empregados para a população jovem11.

Apesar das limitações inerentes aos estudos de delineamento transversal para o estabelecimento de inferências causais, concluímos que a idade e escolaridade foram fatores independentes associados ao risco nutricional em ambos os sexos. Também o IMC sozinho não parece ter sido capaz de captar as diferentes categorias de risco nutricional, uma vez que neste estudo 17% das mulheres classificadas com peso normal pelo IMC apresentaram risco nutricional aumentado avaliado pela CC.

Portanto, estes achados, assim como os de outros autores, agregam evidências para a possível subestimação do risco nutricional quando apenas um indicador é utilizado em uma avaliação nutricional3,7,40, como tem ocorrido em relação ao IMC. A proposta feita por Zhu e cols.13 sobre a utilização combinada de IMC e CC no processo de identificação de fatores de risco cardiovasculares, com pontos de risco combinados específicos para mulheres e homens brancos, ajustada para co-variáveis tais como atividade física, fumo, consumo de álcool e nível educacional, encontra respaldo em nossos dados.

Além disso, os resultados aqui encontrados possibilitam a reflexão sobre a relevância do uso combinado de IMC e CC nos serviços de saúde para o aumento da acurácia no diagnóstico do risco nutricional, além da importância de se considerarem idade e escolaridade.

Agradecimentos

Ao CNPq, Universidade Federal de Ouro Preto, Prefeitura Municipal de Ouro Preto, Unimed dos Inconfidentes, Alcan Alumínio do Brasil.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 23/01/06; revisado recebido em 29/03/06; aceito em 1/06/06.

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  • Correspondência:

    George Luiz Lins Machado Coelho
    R. Domingos Barroso, 170
    35400-000 – Ouro Preto, MG
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Aceito
      01 Jun 2006
    • Revisado
      29 Mar 2006
    • Recebido
      23 Jan 2006
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