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Comunicação Interatrial em Adultos: A Correção Sempre Cura?

Cardiopatias Congênitas; Comunicação Interatrial/cirurgia; Disfunção Ventricular Direita; Hipertensão Pulmonar; Procedimentos Cirúrgicos Minimamente Invasivos

A comunicação interatrial (CIA) é a anomalia cardíaca congênita mais prevalente em adultos1Geva T, Martins JD, Wald RM. Atrial septal defects [review]. Lancet. 2014;383(9932):1921-32., representando cerca de 35% de todos os defeitos cardíacos congênitos. A apresentação tardia deve-se ao insidioso desenvolvimento do remodelamento ventricular direito, com aumento das câmaras cardíacas direitas. Os pacientes podem buscar cuidados médicos apresentando sintomas relacionados a disfunção miocárdica direita ou global, arritmias ou eventos tromboembólicos. Até recentemente, a vasculopatia pulmonar era considerada uma rara complicação de pacientes com CIA. No entanto, com o conhecimento e o interesse crescentes no tratamento da hipertensão arterial pulmonar (HAP), os números estão mudando. De 1877 adultos com cardiopatia congênita acompanhados por cinco anos na União Europeia, 896 tinham o diagnóstico de CIA, com prevalências de HAP de 12% e 34% para defeitos corrigidos e não corrigidos, respectivamente. Quadro completo de síndrome de Eisenmenger foi observado em 15 pacientes2Engelfriet PM, Duffels MG, Möller T, Boersma E, Tijssen JG, Thaulow E, et al. Pulmonary arterial hypertension in adults born with a heart septal defect: the Euro Heart Survey on adult congenital heart disease. Heart. 2007;93(6):682-7..

O aspecto positivo é que a disseminação do uso da ecocardiografia permitiu o diagnóstico precoce de um grande número de pacientes. Além disso, o fechamento percutâneo dos defeitos tipo ostium secundum é uma alternativa menos invasiva de correção para pacientes que preencham os critérios anatômicos e de tamanho, podendo ser uma opção terapêutica apropriada para aqueles com embolia paradoxal3Nayor M, Maron BA. Contemporary approach to paradoxical embolism [review]. Circulation. 2014;129(18):1892-7.. Ainda, as técnicas cirúrgicas minimamente invasivas e com auxílio de vídeo permitem o bem-sucedido fechamento das comunicações, representando uma nova e promissora abordagem terapêutica para o tratamento da CIA4Castro Neto JV, Melo EC, Silva JF, Rebouças LL, Corrêa LC, Germano A de Q, et al. Minimally invasive procedures - direct and video-assisted forms in the treatment of heart diseases. Arq Bras Cardiol. 2014;102(3):219-25.. O aspecto negativo é que, com a apresentação tardia, os tratamentos podem livrar os pacientes das comunicações, mas não resolvem o remodelamento e a falência ventricular direita avançados, as arritmias graves e a vasculopatia pulmonar.

Em termos de anormalidades vasculares pulmonares, permanece a questão: uma bem-sucedida correção cura todos os pacientes com CIA?5Lopes AA. Is surgical treatment the cure for patients with congenital heart disease? Pulm Circ. 2012;2(3):273-4.. Há muitos pontos importantes a serem considerados. Primeiro, embora o risco de desenvolvimento de HAP grave seja relativamente baixo para pacientes com CIA em geral (<10%), é maior para aqueles com defeitos do tipo ‘seio venoso’ (~14%). Segundo, há evidência crescente de que os desfechos para pacientes com HAP no pós-operatório tardio de correção de defeitos cardíacos septais congênitos são consideravelmente piores se comparados àqueles de pacientes com vasculopatia pulmonar moderada a grave não operados. Terceiro, a despeito do entusiasmo com os “novos medicamentos” para HAP, não houve evidência de benefício da combinação de terapias medicamentosa e cirúrgica para pacientes com cardiopatia congênita. A literatura sobre o assunto limita-se a relatos de casos e pequenas séries, não havendo informação sobre observações de longo prazo. Com base nessas dificuldades, uma força tarefa específica reunida no 5º Simpósio Mundial de Hipertensão Pulmonar da Organização Mundial da Saúde (Nice, França, 2013) concluiu não haver, até o momento, evidência de benefício da estratégia “tratar‑e‑corrigir” para pacientes com cardiopatia congênita e HAP6Galié N, Simonneau G. (editors) The Fifth World Symposium on Pulmonary Hypertension. J Am Coll Cardiol. 2013;62(Suppl. D):D1-D126..

Com base nessas suposições, gostaríamos de propor a cuidadosa avaliação de adultos com CIA candidatos à correção (cirúrgica ou percutânea). Embora a avaliação diagnóstica não invasiva seja suficiente na maioria dos casos, quando há suspeita de elevação da resistência vascular pulmonar, procedimentos diagnósticos mais sofisticados, como cateterismo cardíaco, devem ser considerados. Indivíduos com defeitos do tipo ‘seio venoso’, artérias pulmonares centrais significativamente dilatadas (Figura 1), saturação periférica de oxigênio < 93% ao esforço (na ausência de distúrbios respiratórios) ou achados ecocardiográficos sugestivos de hemodinâmica pulmonar não usual podem ser considerados “de risco” para complicações pós-operatórias e desfechos limitados.

Figura 1
Aumento do coração, principalmente das câmaras direitas, com artéria pulmonar proeminente e vasos hilares marcadamente dilatados em uma adulta com comunicação interatrial. Todas essas anormalidades podem ser vistas na hipertensão arterial pulmonar avançada. Logo, extensa avaliação diagnóstica faz-se necessária.

Assim, propomos uma curta lista de passos e índices que podem ajudar o processo de decisão em adultos com CIA, potenciais candidatos à correção. É importante lembrar que não se trata de diretriz e que tão pouco esperamos que todos os clínicos sigam exatamente os passos apresentados nessa lista. Apenas propomos que os índices sejam considerados, em especial para os pacientes “de risco”. Os parâmetros listados na Tabela 1 devem ser vistos como características de um candidato ideal ao fechamento de CIA. Em geral, tais parâmetros nos ajudam a decidir qual a real situação dos pacientes em relação à condição ideal. A ideia geral é que, ao fechar uma CIA, precisamos ter certeza de que a comunicação não será mais necessária para manter o paciente estável. Ou seja, o fechamento da CIA em adultos está associada a “preocupação bidirecional”. A comunicação pode ser necessária não apenas em pacientes com risco de insuficiência cardíaca direita devida a hipertensão pulmonar ou fisiologia restritiva ventricular direita (“preocupação direita-esquerda”), mas também para prevenir um aumento na pressão capilar pulmonar (e edema pulmonar) em indivíduos com importante cardiopatia esquerda (“preocupação esquerda-direita”).

Tabela 1
Parâmetros ideais para encaminhamento de pacientes com CIA para correção

Concluindo, a maioria dos adultos com CIA é atualmente tratada de maneira segura, usando-se técnicas de correção cirúrgica ou percutânea disponíveis, não apresentando complicações de longo prazo. No entanto, um arsenal diagnóstico sofisticado acha-se disponível e deve ser usado para identificar uma diminuta fração de pacientes considerados “de risco” para complicações pós-operatórias, em particular a persistência de elevada resistência vascular pulmonar e HAP. Há consenso de que o fechamento de CIA nessa pequena população possa ser arriscado, com desfechos de longo prazo ruins. A avaliação diagnóstica individualizada e a discussão caso a caso ainda são a melhor política.

References

  • 1
    Geva T, Martins JD, Wald RM. Atrial septal defects [review]. Lancet. 2014;383(9932):1921-32.
  • 2
    Engelfriet PM, Duffels MG, Möller T, Boersma E, Tijssen JG, Thaulow E, et al. Pulmonary arterial hypertension in adults born with a heart septal defect: the Euro Heart Survey on adult congenital heart disease. Heart. 2007;93(6):682-7.
  • 3
    Nayor M, Maron BA. Contemporary approach to paradoxical embolism [review]. Circulation. 2014;129(18):1892-7.
  • 4
    Castro Neto JV, Melo EC, Silva JF, Rebouças LL, Corrêa LC, Germano A de Q, et al. Minimally invasive procedures - direct and video-assisted forms in the treatment of heart diseases. Arq Bras Cardiol. 2014;102(3):219-25.
  • 5
    Lopes AA. Is surgical treatment the cure for patients with congenital heart disease? Pulm Circ. 2012;2(3):273-4.
  • 6
    Galié N, Simonneau G. (editors) The Fifth World Symposium on Pulmonary Hypertension. J Am Coll Cardiol. 2013;62(Suppl. D):D1-D126.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014
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