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Doença periodontal como potencial fator de risco para síndromes coronarianas agudas

EDITORIAL

Doença periodontal como potencial fator de risco para síndromes coronarianas agudas

Carlos Vicente Serrano Jr.I; Juliana Ascenção de SouzaI, II

IInstituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP

IIInstituto do Coração - DF – InCor-DF – Fundação Zerbini - São Paulo, SP - Brasília, DF

Correspondência Correspondência: Carlos Vicente Serrano Jr. InCor Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 – Andar AB 05403-904 – São Paulo, SP E-mail: carlos.serrano@incor.usp.br

A inflamação crônica é reconhecidamente o principal desencadeante e perpetuador da doença aterosclerótica1. Condições associadas à indução e/ou manutenção de atividade inflamatória exacerbada, como infecções bacterianas persistentes, têm sido correlacionadas à doença arterial coronariana (DAC). Inúmeros estudos têm avaliado o papel da doença periodontal (DP)2,3, especialmente a periodontite, ou infecção bacteriana crônica das estruturas que suportam os dentes. Os mecanismos envolvidos nesta associação seriam: 1) o grau de infecção por patógenos bacterianos da placa dentária; 2) a exposição persistente a antígenos; 3) produção de endotoxinas e 4) a liberação de citocinas inflamatórias da periodontite. Estes fenômenos contribuiriam para o processo aterogênico e para a indução de fenômenos tromboembólicos, predispondo assim os pacientes ao aumento do risco de eventos cardiovasculares4.

A DP é extremamente freqüente em todo o mundo e especialmente em países em desenvolvimento e/ou subdesenvolvidos, onde a saúde bucal ainda não atinge a população de forma homogênea. Além disso, nestes paises a incidência da doença aterosclerótica vem aumentando. Na última década inúmeros estudos vêm sendo realizados para avaliação da correlação existente entre a DP e DAC.

O estudo de Accarini e Godoy, publicado nesta edição, é a primeira análise brasileira que associa estas duas freqüentes patologias. O estudo, em concordância com a literatura, mostrou forte correlação entre a presença de DP e doença coronariana obstrutiva grave, documentada por coronariografia (CATE), em 361 pacientes internados com diagnóstico de síndrome coronariana aguda (SCA). Vale ressaltar a gravidade de doença bucal na população estudada, haja vista, cerca de 50% dos pacientes não apresentava número mínimo de dentes para adequado exame odontológico. Apesar disso, foi possível avaliar 171 pacientes que realizaram CATE e foram submetidos a exame bucal. Accarini demonstrou que a chance de ocorrência de DP ativa em pacientes com SCA e doença coronariana obstrutiva de qualquer grau é de 2,5 vezes, confirmando dados existentes de que há maior possibilidade de ocorrência de evento coronariano agudo, quando da existência de DP.

A dificuldade de padronização mundial de avaliação da DP é a principal dificuldade encontrada para a realização deste tipo de estudo clínico. Com essa preocupação, Andriankaja e cols.5 utilizaram diferentes formas de avaliação e definições da DP e demonstraram que a associação entre DP e incidência de infarto do miocárdio foi consistente, independente do uso diferentes classificações e formas de avaliação da DP.

O mecanismo fisiopatológico envolvido nesta associação tem sido alvo de inúmeros estudos. O grau de infecção e o número de diferentes espécies bacterianas encontradas na placa dentária parecem estar correlacionados com a maior presença ou não de DAC6. A intensidade e persistência da reação inflamatória associada à DP puderam ser avaliadas em pacientes com diagnóstico de DAC através da dosagem sérica de marcadores inflamatórios, como proteína C-reativa (PCR)7, interleucinas4 e anticorpos direcionados a conhecidos patógenos da mucosa oral8. Em recente estudo, demonstrou-se que, apesar de não haver diferença estatisticamente significante nos níveis de PCR entre pacientes com SCA e diferentes estados de saúde periodontal, aqueles pacientes que possuem alto grau de DP, apresentaram queda dos níveis de PCR de forma mais lenta quando comparados aos pacientes com melhor saúde periodontal7. Em contrapartida, Montebugnoli e cols.4 mostraram que a saúde periodontal melhora o estado inflamatório e hemostático, reduzindo níveis de PCR, leucócitos, fibrinogênio e outros fatores de coagulação, além de reduzir o estresse oxidativo, com significante diminuição dos níveis de lipoproteínas oxidadas.

O uso de tratamento antibiótico na prevenção da DAC ainda encontra-se na fase de intensa discussão, havendo sucesso no tratamento em alguns estudos clínicos, não se repetindo o mesmo resultado em outros. Atual hipótese que vem sendo levantada seria de que o estado de saúde periodontal influenciaria na resposta ao tratamento antibiótico direcionada contra Chlamydia pneumonie para a prevenção de eventos coronarianos. Paju e cols.9,10 mostraram que o tratamento com claritromicina reduz a recorrência de eventos cardiovasculares em pacientes sem periodontite, o que não ocorreu em pacientes com deficiente saúde periodontal. Sugerem ainda que os efeitos inflamatórios sistêmicos da DP estivessem possivelmente relacionados à falência do tratamento com antibióticos na DAC.

O estudo de Accarini é extremamente importante por ser o primeiro a demonstrar na população brasileira a possível associação entre DP e DAC. Apesar de não haver registros fidedignos de toda a população, a prevalência de DP é elevada e pode estar associada a pior prognóstico da DAC em nosso país. Estes dados apontam, novamente, que a prevenção e tratamento da DAC passam pelo envolvimento de equipe multidisciplinar, incluindo avaliação e tratamento odontológico na tentativa de redução da DP e, conseqüentemente, do risco de surgimento de novos eventos cardiovasculares.

Referências

1. Ross R. Atherosclerosis-an inflammatory disease. N Engl J Med 1999;340(2):115-26.

2. DeStefano F, Anda RF, Kahn HS, Williamson DF, Russell CM. Dental disease and risk of coronary heart disease and mortality. BMJ (Clinical research ed) 1993;306(6879):688-91.

3. Czerniuk MR, Gorska R, Filipiak KJ, Opolski G. Inflammatory response to acute coronary syndrome in patients with coexistent periodontal disease. J Periodontol 2004;75(7):1020-6.

4. Montebugnoli L, Servidio D, Miaton RA, et al. Periodontal health improves systemic inflammatory and haemostatic status in subjects with coronary heart disease. J Clin Periodontol 2005;32(2):188-92.

5. Andriankaja OM, Genco RJ, Dorn J, et al. The use of different measurements and definitions of periodontal disease in the study of the association between periodontal disease and risk of myocardial infarction. J Periodontol 2006;77(6):1067-73.

6. Spahr A, Klein E, Khuseyinova N, et al. Periodontal infections and coronary heart disease: role of periodontal bacteria and importance of total pathogen burden in the Coronary Event and Periodontal Disease (CORODONT) study. Arch Intern Med 2006;166(5):554-9.

7. Czerniuk MR, Gorska R, Filipiak KJ, Opolski G. C-reactive protein in patients with coexistent periodontal disease and acute coronary syndromes. J Clin Periodontol 2006;33(6):415-20.

8. Beck JD, Eke P, Heiss G, et al. Periodontal disease and coronary heart disease: a reappraisal of the exposure. Circulation 2005;112(1):19-24.

9. Paju S, Pussinen PJ, Sinisalo J, et al. Clarithromycin reduces recurrent cardiovascular events in subjects without periodontitis. Atherosclerosis 2006;188(2):412-9.

10. Paju S, Sinisalo J, Pussinen PJ, Valtonen V, Nieminen MS. Is periodontal infection behind the failure of antibiotics to prevent coronary events? Atherosclerosis 2006.

  • Correspondência:
    Carlos Vicente Serrano Jr.
    InCor
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 – Andar AB
    05403-904 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Nov 2006
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