Acessibilidade / Reportar erro

Fatores de Risco para Doença Cardiovascular, Síndrome Metabólica e Sonolência em Motoristas de Caminhão

Resumo

Fundamento:

A sonolência de motoristas de caminhão, que pode resultar de diferentes causas, é a principal causa de acidentes com veículos. Obesidade e síndrome metabólica (SMet) estão associadas a distúrbios do sono e fatores de risco primários para doença cardiovascular (DCV). Este estudo verificou a relação entre essas condições e a prevalência de sonolência em motoristas de caminhão.

Métodos:

Este estudo analisou os principais fatores de risco para DCV, dados antropométricos e distúrbios do sono em 2.228 motoristas de caminhão do sexo masculino a partir de informação coletada de 148 paradas efetuadas em rodovias pela Polícia Rodoviária Federal entre 2006 e 2011. Consumo de álcool e de drogas ilícitas e excesso de horas trabalhadas também foram analisados. Sonolência foi avaliada com a Escala de Sonolência de Epworth.

Resultados:

A idade média foi de 43,1 ± 10,8 anos. De 2006 a 2011, observou-se aumento de: circunferências cervical (p = 0,011) e abdominal (p < 0,001); colesterol total (p < 0,001); níveis séricos de triglicerídeos (p = 0,014); sonolência (p < 0,001). Além disso, houve redução de hipertensão (de 39,6% para 25,9%, p < 0,001), consumo de álcool (de 32% para 23%, p = 0,033) e excesso de horas trabalhadas (de 52,2% para 42,8%, p < 0,001). A análise de regressão linear mostrou correlação íntima de sonolência com índice de massa corporal (β = 0,19, Raj2 = 0,659, p = 0,031), circunferência abdominal (β = 0,24, Raj2 = 0,826, p = 0,021), hipertensão (β = -0,62, Raj2 = 0,901, p = 0,002) e triglicerídeos (β = 0,34, Raj2 = 0,936, p = 0,022). Regressão linear múltipla indicou que hipertensão (p = 0,008) e circunferência abdominal (p = 0,025) são variáveis independentes para sonolência.

Conclusões:

Elevada prevalência de sonolência foi associada com os principais componentes da SMet.

Palavras-chave:
Doenças Cardiovasculares; Fatores de Risco; Síndrome Metabólica; Hipertensão; Obesidade; Fases do Sono

Abstract

Background:

Truck driver sleepiness is a primary cause of vehicle accidents. Several causes are associated with sleepiness in truck drivers. Obesity and metabolic syndrome (MetS) are associated with sleep disorders and with primary risk factors for cardiovascular diseases (CVD). We analyzed the relationship between these conditions and prevalence of sleepiness in truck drivers.

Methods:

We analyzed the major risk factors for CVD, anthropometric data and sleep disorders in 2228 male truck drivers from 148 road stops made by the Federal Highway Police from 2006 to 2011. Alcohol consumption, illicit drugs and overtime working hours were also analyzed. Sleepiness was assessed using the Epworth Sleepiness Scale.

Results:

Mean age was 43.1 ± 10.8 years. From 2006 to 2011, an increase in neck (p = 0.011) and abdominal circumference (p < 0.001), total cholesterol (p < 0.001), triglyceride plasma levels (p = 0.014), and sleepiness was observed (p < 0.001). In addition, a reduction in hypertension (39.6% to 25.9%, p < 0.001), alcohol consumption (32% to 23%, p = 0.033) and overtime hours (52.2% to 42.8%, p < 0.001) was found. Linear regression analysis showed that sleepiness correlated closely with body mass index (β = 0.19, Raj2 = 0.659, p = 0.031), abdominal circumference (β = 0.24, Raj2 = 0.826, p = 0.021), hypertension (β = -0.62, Raj2 = 0.901, p = 0.002), and triglycerides (β = 0.34, Raj2 = 0.936, p = 0.022). Linear multiple regression indicated that hypertension (p = 0.008) and abdominal circumference (p = 0.025) are independent variables for sleepiness.

Conclusions:

Increased prevalence of sleepiness was associated with major components of the MetS.

Keywords:
Cardiovascular Diseases; Risk Factors; Metabolic Syndrome; Hypertension; Obesity; Sleep Stages

Introdução

Os acidentes de trânsito são uma importante causa externa de morte, estando associados a significativos custos sociais. Em 2010, ocorreram no Brasil 320 mil acidentes rodoviários, 35,1% dos quais na região sudeste, sendo 20,4% no estado de São Paulo11 Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte - DNIT. Anuário estatístico das Rodovias Federais 2010: acidentes de trânsito e ações de enfrentamento ao crime. [Citado 2012 mar10 ]. Disponível em: http://www.dnit.gov.br/rodovias/operacoes-rodoviarias/estatisticas-deacidentes/anuario-2010.pdf
http://www.dnit.gov.br/rodovias/operacoe...
. Os veículos de carga foram responsáveis por mais de 30% desses acidentes, embora tais veículos representem apenas 9% da frota nacional22 Secretaria dos Transportes: Governo do Estado de São Paulo. [Notícias - Internet]. São Paulo: Secretaria dos Transportes. [Citado 2012 mar 10]. Disponível em: http://www.transportes.sp.gov.br/v20/noticias/imprime_noticia.asp?cod=2105
http://www.transportes.sp.gov.br/v20/not...
.

Inúmeras variáveis mostraram-se associadas a acidentes de carro33 Connor J, Norton R, Ameratunga S, Jackson R. The contribution of alcohol to serious car crash injuries. Epidemiology. 2004;15(3):337-44.

4 Li MC, Brady JE, DiMaggio CJ, Lusardi AR, Tzong KY, Li G. Marijuana use and motor vehicle crashes. Epidemiol Rev. 2012;34:65-72.

5 Stutts JC, Wilkins JW, Scott Osberg J, Vaughn BV. Driver risk factors for sleep-related crashes. Accid Anal Prev. 2003;35(3):321-31.
-66 Smolensky MH, Di Milia L, Ohayon MM, Philip P. Sleep disorders, medical conditions, and road accident risk. Accid Anal Prev. 2011;43(2):533-48.. Connor e cols.33 Connor J, Norton R, Ameratunga S, Jackson R. The contribution of alcohol to serious car crash injuries. Epidemiology. 2004;15(3):337-44. relataram que o consumo de álcool antes de dirigir foi responsável por cerca de 30% das lesões em colisões de veículos. Uma meta-análise recente mostrou que o consumo de maconha quase triplicou o risco de colisão de veículo44 Li MC, Brady JE, DiMaggio CJ, Lusardi AR, Tzong KY, Li G. Marijuana use and motor vehicle crashes. Epidemiol Rev. 2012;34:65-72.. Em um estudo caso-controle de base populacional, Stutts e cols.55 Stutts JC, Wilkins JW, Scott Osberg J, Vaughn BV. Driver risk factors for sleep-related crashes. Accid Anal Prev. 2003;35(3):321-31. relataram que motoristas envolvidos em colisões relacionadas a privação de sono tinham maior probabilidade de trabalhar em múltiplos empregos, no turno da noite ou em jornadas não usuais. O excesso de horas trabalhadas, o turno da noite, uma jornada de trabalho não usual ou ≥ 60 horas por semana foram associadas a colisões relacionadas à privação de sono55 Stutts JC, Wilkins JW, Scott Osberg J, Vaughn BV. Driver risk factors for sleep-related crashes. Accid Anal Prev. 2003;35(3):321-31..

Smolensky e cols.66 Smolensky MH, Di Milia L, Ohayon MM, Philip P. Sleep disorders, medical conditions, and road accident risk. Accid Anal Prev. 2011;43(2):533-48. revisaram a contribuição potencial de várias condições médicas para os distúrbios do sono e para o risco de colisão no trânsito. Obesidade e síndrome metabólica (SMet) são prevalentes entre motoristas de caminhão77 Marqueze EC, Ulhôa MA, Moreno CR. Irregular working times and metabolic disorders among truck drivers: a review. Work. 2012;41 Suppl 1:3718-25.,88 Mohebbi I, Saadat S, Aghassi M, Shekari M, Matinkhah M, Sehat S. Prevalence of metabolic syndrome in Iranian professional drivers: results from a population based study of 12,138 men. PLoS One. 2012;7(2):e31790. e relacionam‑se a maus hábitos alimentares e a reduzida atividade física. Obesidade foi associada a alguns eventos críticos de segurança. Motoristas obesos de veículo comercial pesado apresentam risco de colisão 55% maior se comparado aos de peso normal99 Anderson JE, Govada M, Steffen TK, Thorne CP, Varvarigou V, Kales SN, et al. Obesity is associated with the future risk of heavy truck crashes among newly recruited commercial drivers. Accid Anal Prev. 2012;49:378-84.. Motoristas obesos de caminhão apresentam maior prevalência de fadiga e risco de envolvimento em acidentes de veículos1010 Wiegand DM, Hanowski RJ, McDonald SE. Commercial drivers' health: a naturalistic study of body mass index, fatigue, and involvement in safety critical events. Traffic Inj Prev. 2009;10(6):573-9.. Motoristas obesos envolvidos em acidentes de veículos também apresentam maior taxa de mortalidade quando comparados a motoristas não obesos1111 Zhu S, Layde PM, Guse CE, Laud PW, Pintar F, Nirula R, et al. Obesity and risk for death due to motor vehicle crashes. Am J Public Health. 2006;96(4):734-9..

Obesidade e SMet são condições intimamente relacionadas. A SMet caracteriza-se por obesidade abdominal, hipertensão e alterações sanguíneas metabólicas, em particular elevação da glicemia e piora do perfil lipídico1212 Grundy SM, Brewer HB Jr, Cleeman JI, Smith SC Jr, Lenfant C; American Heart Association; National Heart, Lung, and Blood Institute. Definition of metabolic syndrome: Report of the National Heart, Lung, and Blood Institute/American Heart Association conference on scientific issues related to definition. Circulation. 2004;109(3):433-8.. Obesidade e SMet acham-se fortemente associadas com apneia do sono obstrutiva (ASO)1313 Malhotra A, White DP. Obstructive sleep apnoea. Lancet. 2002;360(9328):237-45., que é uma importante causa de excessiva sonolência diurna em motoristas de caminhão e ainda um importante fator associado a acidentes1414 Powell NB, Chau JK. Sleepy driving. Med Clin North Am. 2010;94(3):531-40.,1515 Ward KL, Hillman DR, James A, Bremner AP, Simpson L, Cooper MN, et al. Excessive daytime sleepiness increases the risk of motor vehicle crash in obstructive sleep apnea. J Clin Sleep Med. 2013;9(10):1013-21..

Este estudo analisou as associações de fatores de risco cardiovascular, álcool e drogas ilícitas com sonolência e acidentes de trânsito.

Métodos

Este é um estudo transversal sobre os principais fatores de risco para doença cardiovascular e distúrbios do sono realizado com 2.228 motoristas de caminhão do sexo masculino a partir de informação obtida em 148 paradas efetuadas em rodovias pela Polícia Rodoviária Federal entre 2006 e 2011, durante o programa “Comandos de Saúde” direcionado à saúde de motoristas de caminhão.

Tal programa é realizado uma vez ao ano, em um dia específico, em todo o território nacional. Os motoristas de caminhão foram convidados a participar, tendo-se coletado os dados demográficos e laboratoriais daqueles que aceitaram. A taxa de resposta foi de quase 100%, tendo poucos (< 0,5%) se recusado a participar do programa. Todos os motoristas do estudo foram casos individuais, sendo a probabilidade de inclusão do mesmo indivíduo duas vezes no estudo igual a zero.

A entrevista foi conduzida e os dados antropométricos coletados por estudantes de enfermagem ou de outras profissões relacionadas à saúde humana sob a supervisão de enfermeiras graduadas, usando-se um questionário padrão. Utilizaram-se testes rápidos (em inglês, point-of-care testing) para medir os níveis séricos de glicose, triglicerídeos e colesterol total. Os dados demográficos analisados foram: pessoais (idade, sexo, estado civil, etnia, nível educacional e socioeconômico, circunferências cervical e abdominal e gordura corporal); ocupacionais (tipo de emprego, número de horas trabalhadas por dia, número de horas dirigidas por dia e sonolência); e autorrelato sobre consumo de drogas. Os motoristas foram sondados quanto ao uso de anfetamina, maconha, cocaína e benzodiazepínicos.

Os seguintes fatores de risco cardiovascular foram avaliados: tabagismo, dislipidemia, diabetes, hipertensão, estilo de vida sedentário e obesidade. A porcentagem de gordura corporal foi calculada usando-se a fórmula: % de gordura corporal = 495/(1,0324-0,19077(log(cintura-pescoço))+ 0,15456(log(altura)))-450 (log10)1616 Hodgdon JA, Beckett MB. Prediction of percent body fat for U.S. Navy men from body circumferences and height. Report No. 84-11. San Diego, CA: Naval Health Research Center. Available from: Naval Health Research Center, 1984. (Report nº 84-11).. Circunferências do pescoço, abdome e cintura acima do limite normal foram definidas como ≥ 40 cm, ≥ 102 cm e ≥ 109 cm, respectivamente1717 Pinto JA, Godoy LB, Marquis VW, Sonego TB, Leal CF, Artico MS. Anthropometric data as predictors of Obstructive Sleep Apnea Severity. Braz J Otorhinolaryngol. 2011;77(4):516-21.. Obesidade foi definida de acordo com o índice de massa corporal (IMC) (kg/m22 Secretaria dos Transportes: Governo do Estado de São Paulo. [Notícias - Internet]. São Paulo: Secretaria dos Transportes. [Citado 2012 mar 10]. Disponível em: http://www.transportes.sp.gov.br/v20/noticias/imprime_noticia.asp?cod=2105
http://www.transportes.sp.gov.br/v20/not...
) como se segue: peso normal (IMC ≥ 18,5 e < 25), sobrepeso (IMC ≥ 25 e < 30) e obesidade (IMC ≥ 30)1818 World Health Organization. (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO Consultation. Geneva, World Health Organization, 2000 Technical Report Series, n. 894. Geneva; 2000. (Technical Report Series nº 894).. Tabagismo foi classificado em atual versus passado. Diagnosticou-se hipertensão quando a pressão arterial sistólica > 140 mmHg, pressão arterial diastólica > 90 mmHg, ou quando do uso de anti-hipertensivos1919 Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. [VI Brazilian Guidelines on Hypertension]. Arq Bras Cardiol. 2010;95(1 Suppl):1-51.. Diagnosticou-se dislipidemia em indivíduos com colesterol total ≥ 240 mg/dL, triglicerídeos ≥ 200 mg/dL, colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL) ≥ 130 mg/dL, ou quando do uso de hipolipemiantes2020 Santos RD; Sociedade Brasileira de Cardiologia. [III Brazilian Guidelines on Dyslipidemias and Guideline of Atherosclerosis Prevention from Atherosclerosis Department of Sociedade Brasileira de Cardiologia]. Arq Bras Cardiol. 2001;77 Suppl 3:1-48.. Diagnosticou-se diabetes em indivíduos com glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL ou glicemia casual ≥ 200 mg/dL, assim como em indivíduos em uso de hipoglicemiantes2121 American Diabetes Association. Diagnosis and classification of Diabetes Mellitus. Diabetes Care. 2006;29(Suppl 3):S43-8.. O estilo de vida foi avaliado de maneira qualitativa e considerado sedentário através do autorrelato de ausência de qualquer atividade física adicional não relacionada à jornada de trabalho regular.

A Escala de Sonolência de Epworth foi usada para avaliar sonolência, com um ponto de corte > 102222 Johns MW. A new method for measuring daytime sleepiness: the Epworth sleepiness scale. Sleep. 1991;14(6):540-5..

O Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo aprovou este estudo (protocolo n°539/13).

Análise estatística

Comparação de porcentagens e regressão linear foram usadas para a análise estatística de cada variável (IMC, diabetes, hipertensão, excesso de horas trabalhadas, drogas ilícitas, álcool, tabagismo, hipercolesterolemia, sonolência, circunferência abdominal, gordura corporal e triglicerídeos). Todas as variáveis foram dicotomizadas e analisadas como uma porcentagem da presença da variável alterada por cada ano. Tendo sonolência como a variável dependente, realizaram-se análises multivariadas de regressão linear com as seguintes variáveis independentes: diabetes; consumo de drogas ilícitas e álcool; hipercolesterolemia; hipertrigliceridemia; e circunferência abdominal. A mesma análise foi feita para acidente de trânsito como variável dependente e as seguintes variáveis independentes: diabetes; consumo de drogas ilícitas e álcool; hipercolesterolemia; hipertrigliceridemia; sonolência e circunferência abdominal. Adotou-se o nível de significância estatística de 5% (p < 0,05). As análises estatísticas foram realizadas com o programa SAS (Statistical Analysis System, SAS Institute Inc., 1989-1996, Cary, NC, EUSA) para Windows, versão 9.2.

Resultados

A Tabela 1 mostra os dados clínicos e laboratoriais de 2.228 motoristas de caminhão obtidos a partir de paradas realizadas pela Polícia Rodoviária Federal durante o programa “Comandos de Saúde” de 2006 a 2011. A idade média foi de 43,1 ± 10,8 anos. No período estudado, as seguintes variáveis aumentaram: circunferências cervical (de 7,5% para 13,9%, p = 0,011) e abdominal (de 19,8% para 52,8%, p < 0,001); colesterol total (de 4,4% para 13,7%, p < 0,001); triglicerídeos (de 25,8% para 39,1%, p = 0,014); e sonolência (de 4,9% para 14,7%, p < 0,001) (Figura 1). Além disso, observou-se redução nas seguintes variáveis: hipertensão (de 39,6% para 25,9%, p < 0,001); consumo de álcool (de 32% para 23%, p = 0,033); e excesso de horas trabalhadas (de 52,2% para 42,8%, p < 0,001). As seguintes variáveis foram semelhantes às dos anos anteriores: gordura corporal (de 56,1% para 62,4%, p = 0,395); tabagismo (de 20,3% para 17,7%, p = 0,192); hiperglicemia (de 14,9% para 11%, p = 0,267); e consumo de drogas ilícitas (de 5,5% para 8,1%, p = 0,127). A análise de regressão linear mostrou correlação íntima de sonolência com as seguintes variáveis: IMC (β = 0,19, Raj2 = 0,659, p = 0,031); circunferência abdominal (β = 0,24, Raj2 = 0,826, p = 0,021); hipertensão (β = -0,62, Raj2 = 0,901, p = 0,002); e triglicerídeos (β = 0,34, Raj2 = 0,936, p = 0,022). A variável acidente de trânsito mostrou correlação apenas com IMC (β = 0,21, Raj2 = 0,807, p = 0,024). A regressão linear múltipla para sonolência identificou hipertensão (p = 0,008) e circunferência abdominal (p = 0,025) como variáveis independentes; para acidente de trânsito, no entanto, preditores independentes não foram identificados.

Tabela 1
Dados clínicos e laboratoriais de motoristas de caminhão obtidos a partir de paradas nas rodovias realizadas pela Polícia Rodoviária Federal de 2006 a 2011
Figura 1
Resultados da regressão linear das variáveis de 2006/2007 a 2011.

Discussão

Este estudo mostrou a associação entre aumento de sonolência e os principais componentes da SMet. Aumento da circunferência abdominal e hipertensão associaram-se de modo independente a sonolência. Sabe-se que nossa população está se tornando cada vez mais obesa2323 Rtveladze K, Marsh T, Webber L, Kilpi F, Levy D, Conde W, et al. Health and economic burden of obesity in Brazil. PLoS One. 2013;8(7):e68785., e, segundo nosso estudo, a mesma tendência é observada entre os motoristas de caminhão. O ganho de peso acha-se em geral associado com algum grau de hipertensão, diabetes e dislipidemia, e, portanto, com SMet.

Recentemente, Hirata e cols.2424 Hirata RP, Sampaio LM, Leitão Filho FS, Braghiroli A, Balbi B, Romano S, et al. General characteristics and risk factors of cardiovascular disease among interstate bus drivers. Scientific World Journal. 2012;2012:216702. relataram um aumento da prevalência de hipertensão, obesidade, hiperlipidemia e hiperglicemia em motoristas de ônibus. Tais achados foram relacionados ao estilo de vida, como maus hábitos alimentares e reduzida atividade física2525 Pasqua IC, Moreno CR. The nutritional status and eating habits of shift workers: a chronobiological approach. Chronobiol Int. 2004;21(6):949-60.. A sonolência nesses indivíduos pode estar relacionada a fatores, como excesso de horas de trabalho, má qualidade de sono, consumo de drogas ilícitas e álcool, e obesidade. Excesso de horas de trabalho foi responsável por 22% dos acidentes rodoviários, estando associado a maior taxa de mortalidade quando comparado a outras causas2626 Garbarino S. [Sleep disorders and road accidents in truck drivers]. G Ital Med Lav Ergon. 2008;30(3):291-6.. No nosso estudo, entretanto, o excesso de horas de trabalho permaneceu constante.

O consumo de álcool e drogas ilícitas é conhecido como importante fator associado a sonolência. Observamos uma redução na porcentagem de consumo de álcool nos nossos motoristas de caminhão, tendo a porcentagem do consumo de drogas ilícitas permanecido constante durante o período analisado, sugerindo uma influência menor, se é que existe alguma, dessas variáveis no expressivo aumento de sonolência no nosso estudo.

Má qualidade de sono e obesidade acham-se intimamente relacionadas. Sabe‑se que sonolência resulta de ASO, um importante fator nessa população obesa e em indivíduos com SMet2727 Moreno CR, Carvelho FA, Lorenzi C, Matuzaki LS, Prezotti S, Bighetti P, et al. High risk for obstructive sleep apnea in truck drivers estimated by the Berlin questionnaire: prevalence and associated factors. Chronobiol Int 2004;21(6):871-9.,2828 Hartenbaum N, Callop N, Rosen IM, Phillips B, George CF, Rowley JA, et al; American College of Chest Physicians; American College of Occupational and Environmental Medicine; National Sleep Foundation. Sleep apnea and commercial motor vehicle operators: Statement from the joint task force of the American College of Chest Physicians, the American College of Occupational and Environmental Medicine, and the National Sleep Foundation. Chest. 2006;130(3):902-5..

Moreno e cols.2929 Moreno CR, Louzada FM, Teixeira LR, Borges F, Lorenzi-Filho G. Short sleep is associated with obesity among truck drivers. Chronobiol Int. 2006;23(6):1295-303. valeram-se do Questionário de Berlim para mostrar que tabagismo e consumo de drogas são variáveis independentes associadas com o aumento do risco para ASO na nossa população de motoristas de caminhão. Baixo risco para ASO está associado com algum grau de exercício.

Outro estudo com motoristas de caminhão brasileiros indicou que menos de 8 horas diárias de sono, idade > 40 anos, glicemia > 200 mg/dL, níveis de colesterol > 240 mg/dL, ronco e hipertensão são fatores independentes associados com obesidade2929 Moreno CR, Louzada FM, Teixeira LR, Borges F, Lorenzi-Filho G. Short sleep is associated with obesity among truck drivers. Chronobiol Int. 2006;23(6):1295-303.. Alguns desses fatores são componentes da SMet. Xie e cols.3030 Xie W, Chakrabarty S, Levine R, Johnson R, Talmage JB. Factors associated with obstructive sleep apnea among commercial motor vehicle drivers. J Occup Environ Med. 2011;53(2):169-73. também mostraram que IMC ≥ 30, hipertensão e diabetes acham-se independentemente associados com ASO em motoristas de veículos comerciais motorizados. No nosso estudo, obesidade central e hipertensão estão associados com sonolência. É provável que tais alterações estejam relacionadas aos maus hábitos alimentares, devidos às refeições altamente calóricas consumidas pelos motoristas de caminhão nos restaurantes rodoviários, e à falta de atividade física consequente ao excesso de horas trabalhadas. Entretanto, não houve alteração no número de acidentes de trânsito durante o período do estudo. Esse achado pode resultar de algumas melhorias na infraestrutura e logística do sistema de transporte3131 Agencia Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Relatórios anuais. Brasília; 2008/2013. [Citado em 2014 jun 10]. Disponível em http://www.antt.gov.br/index.php/content/view/4880/Relatorios_Anuais.html#lista
http://www.antt.gov.br/index.php/content...
. Entretanto, as melhorias para a saúde de motoristas de caminhão podem ter um importante impacto nos acidentes de veículos de carga.

Uma recente pesquisa sobre a saúde desses motoristas interestaduais nos EUA mostrou que 83,4% deles apresentavam sobrepeso/obesidade, 57,9% tinham distúrbios do sono e cerca de 40% relatavam preocupação com doenças cardiovasculares3232 Apostolopoulos Y, Sönmez S, Shattell MM, Gonzales C, Fehrenbacher C. Health survey of U.S. long-haul truck drivers: work environment, physical health, and healthcare access. Work. 2013;46(1):113-23.. Um outro estudo sobre motoristas de caminhão interestaduais nos EUA indicou aumento da mortalidade cardiovascular naqueles com idade inferior a 55 anos3333 Robinson CF, Burnett CA. Truck drivers and heart disease in the United States, 1979-1990. Am J Ind Med. 2005;47(2):113-9.. Essa é uma faixa etária importante na nossa população de motoristas de caminhão. A incidência de doença cardiovascular em homens aumentou significativamente a partir daquela idade. Logo, trata-se de um grupo importante para a implementação de intervenções preventivas.

A principal limitação deste estudo foi que a análise estatística baseou‑se em uma porcentagem da variável agrupada por ano em lugar de basear-se em dados individuais. Como usamos uma porcentagem de dados indicativos de presença ou ausência de certa variável, não podemos quantificar a intensidade de cada variável. Outras limitações deste estudo: acurácia dos testes rápidos usados para medir os níveis séricos de glicose, triglicerídeos e colesterol total. Um problema comum nos estudos com este design é a causalidade reversa que pode mascarar os efeitos de algumas associações investigadas. Confundimento residual e viés de seleção podem ter influenciado os resultados.

Conclusão

Aumento de sonolência foi associado aos principais componentes da SMet. A implementação de medidas preventivas, como melhora dos hábitos alimentares e atividade física, horas de trabalho regulares e melhores condições de trabalho, pode reduzir as doenças cardiovasculares nesta população. Mudanças no estilo de vida e controle dos fatores de risco cardiovascular podem reduzir a sonolência e, portanto, diminuir os acidentes com veículos de carga.

Ao Departamento de Medicina Legal, Ética Médica, Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo pelo financiamento da edição em inglês deste manuscrito, e ao Departamento de Polícia Federal Rodoviária pela aquisição dos dados.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Agradecimentos

Ao Departamento de Medicina Legal, Ética Médica, Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo pelo financiamento da edição em inglês deste manuscrito, e ao Departamento de Polícia Federal Rodoviária pela aquisição dos dados.

References

  • 1
    Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte - DNIT. Anuário estatístico das Rodovias Federais 2010: acidentes de trânsito e ações de enfrentamento ao crime. [Citado 2012 mar10 ]. Disponível em: http://www.dnit.gov.br/rodovias/operacoes-rodoviarias/estatisticas-deacidentes/anuario-2010.pdf
    » http://www.dnit.gov.br/rodovias/operacoes-rodoviarias/estatisticas-deacidentes/anuario-2010.pdf
  • 2
    Secretaria dos Transportes: Governo do Estado de São Paulo. [Notícias - Internet]. São Paulo: Secretaria dos Transportes. [Citado 2012 mar 10]. Disponível em: http://www.transportes.sp.gov.br/v20/noticias/imprime_noticia.asp?cod=2105
    » http://www.transportes.sp.gov.br/v20/noticias/imprime_noticia.asp?cod=2105
  • 3
    Connor J, Norton R, Ameratunga S, Jackson R. The contribution of alcohol to serious car crash injuries. Epidemiology. 2004;15(3):337-44.
  • 4
    Li MC, Brady JE, DiMaggio CJ, Lusardi AR, Tzong KY, Li G. Marijuana use and motor vehicle crashes. Epidemiol Rev. 2012;34:65-72.
  • 5
    Stutts JC, Wilkins JW, Scott Osberg J, Vaughn BV. Driver risk factors for sleep-related crashes. Accid Anal Prev. 2003;35(3):321-31.
  • 6
    Smolensky MH, Di Milia L, Ohayon MM, Philip P. Sleep disorders, medical conditions, and road accident risk. Accid Anal Prev. 2011;43(2):533-48.
  • 7
    Marqueze EC, Ulhôa MA, Moreno CR. Irregular working times and metabolic disorders among truck drivers: a review. Work. 2012;41 Suppl 1:3718-25.
  • 8
    Mohebbi I, Saadat S, Aghassi M, Shekari M, Matinkhah M, Sehat S. Prevalence of metabolic syndrome in Iranian professional drivers: results from a population based study of 12,138 men. PLoS One. 2012;7(2):e31790.
  • 9
    Anderson JE, Govada M, Steffen TK, Thorne CP, Varvarigou V, Kales SN, et al. Obesity is associated with the future risk of heavy truck crashes among newly recruited commercial drivers. Accid Anal Prev. 2012;49:378-84.
  • 10
    Wiegand DM, Hanowski RJ, McDonald SE. Commercial drivers' health: a naturalistic study of body mass index, fatigue, and involvement in safety critical events. Traffic Inj Prev. 2009;10(6):573-9.
  • 11
    Zhu S, Layde PM, Guse CE, Laud PW, Pintar F, Nirula R, et al. Obesity and risk for death due to motor vehicle crashes. Am J Public Health. 2006;96(4):734-9.
  • 12
    Grundy SM, Brewer HB Jr, Cleeman JI, Smith SC Jr, Lenfant C; American Heart Association; National Heart, Lung, and Blood Institute. Definition of metabolic syndrome: Report of the National Heart, Lung, and Blood Institute/American Heart Association conference on scientific issues related to definition. Circulation. 2004;109(3):433-8.
  • 13
    Malhotra A, White DP. Obstructive sleep apnoea. Lancet. 2002;360(9328):237-45.
  • 14
    Powell NB, Chau JK. Sleepy driving. Med Clin North Am. 2010;94(3):531-40.
  • 15
    Ward KL, Hillman DR, James A, Bremner AP, Simpson L, Cooper MN, et al. Excessive daytime sleepiness increases the risk of motor vehicle crash in obstructive sleep apnea. J Clin Sleep Med. 2013;9(10):1013-21.
  • 16
    Hodgdon JA, Beckett MB. Prediction of percent body fat for U.S. Navy men from body circumferences and height. Report No. 84-11. San Diego, CA: Naval Health Research Center. Available from: Naval Health Research Center, 1984. (Report nº 84-11).
  • 17
    Pinto JA, Godoy LB, Marquis VW, Sonego TB, Leal CF, Artico MS. Anthropometric data as predictors of Obstructive Sleep Apnea Severity. Braz J Otorhinolaryngol. 2011;77(4):516-21.
  • 18
    World Health Organization. (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO Consultation. Geneva, World Health Organization, 2000 Technical Report Series, n. 894. Geneva; 2000. (Technical Report Series nº 894).
  • 19
    Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. [VI Brazilian Guidelines on Hypertension]. Arq Bras Cardiol. 2010;95(1 Suppl):1-51.
  • 20
    Santos RD; Sociedade Brasileira de Cardiologia. [III Brazilian Guidelines on Dyslipidemias and Guideline of Atherosclerosis Prevention from Atherosclerosis Department of Sociedade Brasileira de Cardiologia]. Arq Bras Cardiol. 2001;77 Suppl 3:1-48.
  • 21
    American Diabetes Association. Diagnosis and classification of Diabetes Mellitus. Diabetes Care. 2006;29(Suppl 3):S43-8.
  • 22
    Johns MW. A new method for measuring daytime sleepiness: the Epworth sleepiness scale. Sleep. 1991;14(6):540-5.
  • 23
    Rtveladze K, Marsh T, Webber L, Kilpi F, Levy D, Conde W, et al. Health and economic burden of obesity in Brazil. PLoS One. 2013;8(7):e68785.
  • 24
    Hirata RP, Sampaio LM, Leitão Filho FS, Braghiroli A, Balbi B, Romano S, et al. General characteristics and risk factors of cardiovascular disease among interstate bus drivers. Scientific World Journal. 2012;2012:216702.
  • 25
    Pasqua IC, Moreno CR. The nutritional status and eating habits of shift workers: a chronobiological approach. Chronobiol Int. 2004;21(6):949-60.
  • 26
    Garbarino S. [Sleep disorders and road accidents in truck drivers]. G Ital Med Lav Ergon. 2008;30(3):291-6.
  • 27
    Moreno CR, Carvelho FA, Lorenzi C, Matuzaki LS, Prezotti S, Bighetti P, et al. High risk for obstructive sleep apnea in truck drivers estimated by the Berlin questionnaire: prevalence and associated factors. Chronobiol Int 2004;21(6):871-9.
  • 28
    Hartenbaum N, Callop N, Rosen IM, Phillips B, George CF, Rowley JA, et al; American College of Chest Physicians; American College of Occupational and Environmental Medicine; National Sleep Foundation. Sleep apnea and commercial motor vehicle operators: Statement from the joint task force of the American College of Chest Physicians, the American College of Occupational and Environmental Medicine, and the National Sleep Foundation. Chest. 2006;130(3):902-5.
  • 29
    Moreno CR, Louzada FM, Teixeira LR, Borges F, Lorenzi-Filho G. Short sleep is associated with obesity among truck drivers. Chronobiol Int. 2006;23(6):1295-303.
  • 30
    Xie W, Chakrabarty S, Levine R, Johnson R, Talmage JB. Factors associated with obstructive sleep apnea among commercial motor vehicle drivers. J Occup Environ Med. 2011;53(2):169-73.
  • 31
    Agencia Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Relatórios anuais. Brasília; 2008/2013. [Citado em 2014 jun 10]. Disponível em http://www.antt.gov.br/index.php/content/view/4880/Relatorios_Anuais.html#lista
    » http://www.antt.gov.br/index.php/content/view/4880/Relatorios_Anuais.html#lista
  • 32
    Apostolopoulos Y, Sönmez S, Shattell MM, Gonzales C, Fehrenbacher C. Health survey of U.S. long-haul truck drivers: work environment, physical health, and healthcare access. Work. 2013;46(1):113-23.
  • 33
    Robinson CF, Burnett CA. Truck drivers and heart disease in the United States, 1979-1990. Am J Ind Med. 2005;47(2):113-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Out 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2015
  • Aceito
    06 Ago 2015
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br