Acessibilidade / Reportar erro

Dislipidemia Secundária em Crianças Obesas - Há Evidências para Tratamento Farmacológico?

Palavras-chave:
Cardiopatias Congênitas; Dislipidemia; Estresse Oxidativo; Síndrome Metabólica; Indicadores de Morbimortalidade

A obesidade é uma condição que vem aumentando progressivamente em todo o mundo, inclusive em crianças e adolescentes, gerando elevados custos para os sistemas de saúde. A obesidade pediátrica está associada à dislipidemia, ao estresse oxidativo, à resistência à insulina e à disfunção endotelial, fatores de risco cardiovascular e componentes da síndrome metabólica,11 Chandrasekhar T, Suchitra MM, Pallavi M, Srinivasa Rao PV,Pallavi M, Sachan A. Risk factors for cardiovascular disease in obese children. Indian Pediatr. 2017;54(9):752-5. e leva a consequências adversas como a mortalidade precoce e morbidade física na idade adulta em curto e em longo prazos.

A dislipidemia típica da obesidade consiste no aumento dos triglicérides e dos ácidos graxos livres associado à diminuição do HDL-c (colesterol de alta densidade), normalidade ou discreto aumento do LDL-c (colesterol de baixa densidade) e aumento do VLDL-c (colesterol de densidade muito baixa). As concentrações de apolipoproteina plasmática B (apo B) também estão frequentemente aumentadas, em parte devido à produção hepática aumentada de lipoproteínas contendo apo B.22 Franssen R, Monajemi H, Stroes ES, Kastelein JJ. Obesity and dyslipidemia. Med Clin North Am. 2011,95(5):893-902.,33 Wang H, Peng DQ. New insights into the mechanism of low high-density lipoprotein cholesterol in obesity. Lipids Health Dis. 2011 Oct 12;10:176

Na maioria dos casos, a dislipidemia é decorrente de maus hábitos de vida, como dieta rica em gorduras saturadas ou trans e sedentarismo. Para fins de planejamento de monitorização e tratamento, deve-se fazer a estratificação de risco cardiovascular desde a infância, orientando-se não só a criança, mas principalmente toda a família que convive com ela. Estudos longitudinais têm demonstrado que intervenções em crianças são efetivas na prevenção da doença cardiovascular em adultos.

O tratamento da dislipidemia associada à obesidade deve ser direcionado para a perda de peso, por meio do aumento do exercício físico e de melhores hábitos alimentares, com uma redução na ingestão total de calorias e redução da ingestão de ácidos graxos essenciais. As mudanças no estilo de vida melhoram sinergicamente a resistência à insulina e a dislipidemia.44 Klop B, Cabezas MC. Chylomicrons: a key biomarker and risk fator for cardiovascular disease and for the understanding of obesity. Curr Cardiovasc Risk Rep. 2012.6(1):27-34. A criança e o adolescente devem idealmente ser acompanhados por um nutricionista ou nutrólogo, devido ao risco de comprometimento do seu crescimento e desenvolvimento.

Interação entre genes, obesidade e níveis lipídicos, mas também com o tipo de gordura consumida na dieta, foi recentemente descrita.55 Yin RX, Wu DF, Misao L, Aung LH, Cao XL, Yan TT, et al. Several genetic polymorphisms Interact with overweight/obesity to influence serum lipid levels. Cardiovasc Diabetol. 2012 Oct 8;11:123.,66 Sanchez-Moreno C, Ordovas JM, Smith CE, Craza JC, Lee YC, Garaulet M APOAS gene variation interacts with dietary fat intake to modulate obesity and circulating triglycerids in a Mediterranean population. J Nutr.2012;141(5):380-5. Estudos sugerem a utilidade potencial de uma abordagem nutrigenômica para intervenções dietéticas para prevenir ou tratar a obesidade e sua dislipidemia associada.55 Yin RX, Wu DF, Misao L, Aung LH, Cao XL, Yan TT, et al. Several genetic polymorphisms Interact with overweight/obesity to influence serum lipid levels. Cardiovasc Diabetol. 2012 Oct 8;11:123.,66 Sanchez-Moreno C, Ordovas JM, Smith CE, Craza JC, Lee YC, Garaulet M APOAS gene variation interacts with dietary fat intake to modulate obesity and circulating triglycerids in a Mediterranean population. J Nutr.2012;141(5):380-5.

É necessário conhecermos mais a respeito do comportamento dos marcadores de doença arterial coronariana, dos níveis séricos de colesterol total, lipoproteína de baixa densidade, apolipoproteína B, lipoproteína de alta densidade das crianças e adolescentes em relação aos adultos,22 Franssen R, Monajemi H, Stroes ES, Kastelein JJ. Obesity and dyslipidemia. Med Clin North Am. 2011,95(5):893-902. tanto no pré e no pós tratamento da dislipidemia secundária à obesidade, como no curto e longo prazos, considerando os riscos cardiovasculares e os efeitos adversos decorrentes do tratamento farmacológico, sobretudo das estatinas.33 Wang H, Peng DQ. New insights into the mechanism of low high-density lipoprotein cholesterol in obesity. Lipids Health Dis. 2011 Oct 12;10:176,77 Ferguson MA, Alderson NL, Trost SG, Essig DA, Burke JR, et al. Effects of four diferente single exercice session on lipids, lipoproteins, and liporprotein lipase. J Appl Physiol. 1998;85(3):1169-74.

8 Zhou YH, Ma XQ, Wu C, Lu J, Zhang SS,Gui J, et al. Effect of anti-obesity drug on cardiovascular risk factors: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. PLos One. 2012;7(6):e39062.

9 Catapano AL, Reiner Z, Backer G, Graham I, Taskinen MR Wiklund O, et al. ESC/EAS Guidelines for the management of dyslipidaemias: The Task Force for the management of dyslipidaemias of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Atherosclerosis Society (EAS). Atherosclerosis. 2011; 217(1):1-44

10 Berglun L, Brunzess JD, Goldberg IJ, Sacks F, Murad MH, Stalenhoef AF, et al. Evaluation and treatment of hypertriglyceridemia: an endocrine society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2012;97(9):2969-89.
-1111 Watts GF, Karpe F. Triglycerides and atherogenic dyslipidaemia: extending treatment beyond statins in the high-risk cardiovascular patient. Heart. 2011;97(5):350-5.

A terapia hipolipemiante deve ser iniciada após pelo menos seis meses de intensiva modificação de estilo de vida. Os medicamentos utilizados são as estatinas, os inibidores da absorção do colesterol (ezetimiba), os sequestradores dos ácidos biliares, os suplementos de fitosteróis, o ômega 3 e os fibratos.

As estatinas são o fármaco de primeira escolha dentre todos os agentes farmacológicos para reduzir LDL-c, não-HDL-c e/ou apoB. Entretanto, as estatinas reduzem pouco os triglicérides e não corrigem totalmente a dislipidemia característica observada na obesidade, mantendo um risco residual após o início da terapia.1111 Watts GF, Karpe F. Triglycerides and atherogenic dyslipidaemia: extending treatment beyond statins in the high-risk cardiovascular patient. Heart. 2011;97(5):350-5. Recentemente, estratégias para terapias combinadas com estatinas e outras drogas para atingir níveis ainda mais baixos de colesterol foram revisadas.1111 Watts GF, Karpe F. Triglycerides and atherogenic dyslipidaemia: extending treatment beyond statins in the high-risk cardiovascular patient. Heart. 2011;97(5):350-5.

12 Watts GF, Karpe F. Why, when and how should hypertriglyceridemia be treated in the high-risk cardiovascular patient? Expert Rev Cardiovasc Ther. 2011;9(8):987-97.

13 Dujovne CA, Williams CA, Williams CD, Ito MK, What combination therapy with a statin, ef any, would you recommend? Curr Atheroscler Rep. 2011;13(1):12-22.

14 Rubenfire M, Brook RD, Rosenson RS. Treating mixed hyerlipidemia and the atherogenic lipid phenotype for prevention of cardiovascular events. Am J Med. 2010;123(10:892-8.
-1515 Toth PP. Drug treatment of hyperlipidaemia: a guide to the rational use of lipid-loweing drugs. Drugs. 2010;70(11):1363-79.

As crianças e os adolescentes com dislipidemias e que não respondem adequadamente a mudanças de estilo de vida e a doses habituais de hipolipemiantes devem ser encaminhados a centros especializados.

O trabalho apresentado nesta edição sobre a dislipidemia secundária em crianças obesas demonstra a raridade na literatura de ensaios clínicos randomizados do uso de estatinas para o tratamento de crianças e adolescentes com dislipidemia secundária à obesidade.1616 Radaelli G, Sausen G, Cesa CC, Portal VL, Pellanda LC. Dislipidemia secundária em crianças obesas - Há evidências de tratamento farmacológico. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(3):356-361.

Sem dúvida, é um tema que devemos pesquisar profunda e detalhadamente com estudos bem delimitados para atestarmos a eficácia dos diversos tratamentos, já consagrados para a população adulta, na faixa etária pediátrica e de adolescentes.

  • Minieditorial referente ao artigo: Dislipidemia Secundária em Crianças Obesas - Há Evidências para Tratamento Farmacológico?

References

  • 1
    Chandrasekhar T, Suchitra MM, Pallavi M, Srinivasa Rao PV,Pallavi M, Sachan A. Risk factors for cardiovascular disease in obese children. Indian Pediatr. 2017;54(9):752-5.
  • 2
    Franssen R, Monajemi H, Stroes ES, Kastelein JJ. Obesity and dyslipidemia. Med Clin North Am. 2011,95(5):893-902.
  • 3
    Wang H, Peng DQ. New insights into the mechanism of low high-density lipoprotein cholesterol in obesity. Lipids Health Dis. 2011 Oct 12;10:176
  • 4
    Klop B, Cabezas MC. Chylomicrons: a key biomarker and risk fator for cardiovascular disease and for the understanding of obesity. Curr Cardiovasc Risk Rep. 2012.6(1):27-34.
  • 5
    Yin RX, Wu DF, Misao L, Aung LH, Cao XL, Yan TT, et al. Several genetic polymorphisms Interact with overweight/obesity to influence serum lipid levels. Cardiovasc Diabetol. 2012 Oct 8;11:123.
  • 6
    Sanchez-Moreno C, Ordovas JM, Smith CE, Craza JC, Lee YC, Garaulet M APOAS gene variation interacts with dietary fat intake to modulate obesity and circulating triglycerids in a Mediterranean population. J Nutr.2012;141(5):380-5.
  • 7
    Ferguson MA, Alderson NL, Trost SG, Essig DA, Burke JR, et al. Effects of four diferente single exercice session on lipids, lipoproteins, and liporprotein lipase. J Appl Physiol. 1998;85(3):1169-74.
  • 8
    Zhou YH, Ma XQ, Wu C, Lu J, Zhang SS,Gui J, et al. Effect of anti-obesity drug on cardiovascular risk factors: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. PLos One. 2012;7(6):e39062.
  • 9
    Catapano AL, Reiner Z, Backer G, Graham I, Taskinen MR Wiklund O, et al. ESC/EAS Guidelines for the management of dyslipidaemias: The Task Force for the management of dyslipidaemias of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Atherosclerosis Society (EAS). Atherosclerosis. 2011; 217(1):1-44
  • 10
    Berglun L, Brunzess JD, Goldberg IJ, Sacks F, Murad MH, Stalenhoef AF, et al. Evaluation and treatment of hypertriglyceridemia: an endocrine society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2012;97(9):2969-89.
  • 11
    Watts GF, Karpe F. Triglycerides and atherogenic dyslipidaemia: extending treatment beyond statins in the high-risk cardiovascular patient. Heart. 2011;97(5):350-5.
  • 12
    Watts GF, Karpe F. Why, when and how should hypertriglyceridemia be treated in the high-risk cardiovascular patient? Expert Rev Cardiovasc Ther. 2011;9(8):987-97.
  • 13
    Dujovne CA, Williams CA, Williams CD, Ito MK, What combination therapy with a statin, ef any, would you recommend? Curr Atheroscler Rep. 2011;13(1):12-22.
  • 14
    Rubenfire M, Brook RD, Rosenson RS. Treating mixed hyerlipidemia and the atherogenic lipid phenotype for prevention of cardiovascular events. Am J Med. 2010;123(10:892-8.
  • 15
    Toth PP. Drug treatment of hyperlipidaemia: a guide to the rational use of lipid-loweing drugs. Drugs. 2010;70(11):1363-79.
  • 16
    Radaelli G, Sausen G, Cesa CC, Portal VL, Pellanda LC. Dislipidemia secundária em crianças obesas - Há evidências de tratamento farmacológico. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(3):356-361.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2018
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br