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Efeitos da espironolactona sobre as alterações miocárdicas induzidas pelo hormônio tireoideano em ratos

Resumos

FUNDAMENTO: Estudar o papel do sistema renina-angiotensina-aldosterona na hipertrofia miocárdica induzida pelo hormônio tireoideano, utilizando-se a espironolactona. OBJETIVO: Analisar as alterações morfológicas no miocárdio induzidas pelo hormônio tireoideano e os efeitos da espironolactona nesse processo. MÉTODOS: Foram estudados 40 ratos Wistar, divididos em quatro grupos, que receberam: veículo utilizado para a diluição do hormônio tireoideano (C); levotiroxina sódica (50 µg/rato/dia) (H); espironolactona (0,3 mg/kg/dia) (E) e hormônio tireoideano + espironolactona (HE), nas mesmas doses citadas, durante 28 dias consecutivos. Todos os animais foram submetidos a pesagem, coleta de sangue para dosagens hormonais e realização de ECG no início e no final do experimento. Ao final do período de estudo, os animais foram sacrificados para determinação do peso do ventrículo esquerdo (VE) e obtenção de cortes de VE para análise morfológica. RESULTADOS: Houve aumento dos níveis de T3 no plasma, perda de peso corporal e aumento da freqüência cardíaca nos animais que receberam o hormônio. O peso do VE foi maior nos grupos H e HE. A análise histométrica mostrou maiores diâmetros dos miócitos no grupo H, com os valores decrescentes nos grupos HE, E e C, sendo as diferenças estatisticamente significantes entre todos os grupos. A espironolactona associada ao hormônio tireoideano (HT) diminuiu em 14,6% a hipertrofia transversal dos miócitos. CONCLUSÃO: Em ratos tratados com hormônio tireoideano ocorre hipertrofia cardíaca com aumento do peso do VE e do diâmetro do miócito. A associação de espironolactona ao hormônio tireoideano previne parcialmente essa hipertrofia por mecanismos ainda desconhecidos.

Miocárdio; tireoxina; espironolactona; remodelação ventricular; cardiomegalia


BACKGROUND: To study the possible role of aldosterone on thyroid hormone-induced myocardium hypertrophy, using spironolactone. OBJECTIVE: To evaluate morphological changes in the myocardium induced by thyroid hormone and the possible effects of spironolactone use on these alterations. METHODS: Forty Wistar rats were studied. The animals were allocated to four groups and were given: the vehicle used for dilution of the thyroid hormone (C); sodium levothyroxin at 50 µg/rat/day (H); spironolactone, 0.3 mg/kg/day (S); or thyroid hormone plus spironolactone (HS), at the same doses mentioned above, for 28 consecutive days. All the animals were weighed, had blood drawn for hormonal measurements and underwent ECG at the start and the end of the experiment. At the end of experiment all animals were euthanized, the weight of the left ventricle (LV) was determined and LV slices were obtained for morphological analysis. RESULTS: There was an increase in T3 levels, decrease of body weight and higher heart rate in the animals from group H. The LV weight was significantly higher in the H e HS groups. The histometric analyses that measured the diameter of the myocytes showed higher values in group H and a progressive decrease in groups HS, S and C, with a significant difference among all the groups. The addition of spironolactone decreased the transversal myocyte hypertrophy by 14.6%. CONCLUSION: Rats treated with thyroid hormone present cardiac hypertrophy with increased LV weight and greater myocyte diameter. Spironolactone, when associated with thyroid hormone, can partially prevent this hypertrophy through mechanisms that are yet to be determined.

Myocardium; thyroxine; spironolactone; ventricular remodeling; cardiomegaly


ARTIGO ORIGINAL

Efeitos da espironolactona sobre as alterações miocárdicas induzidas pelo hormônio tireoideano em ratos

Maria Luiza Mendonça Pereira Fernandes; Eloísa Amália Vieira Ferro; Marcelo Emilio Beletti; Elmiro Santos Resende

Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia, MG - Brasil

Correspondência Correspondência: Maria Luiza Mendonça Pereira Fernandes Rua Quinze de Novembro, 363 Ap. 700 38408-236 – Uberlândia, MG - Brasil E-mail: mlfernandes@ufu.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Estudar o papel do sistema renina-angiotensina-aldosterona na hipertrofia miocárdica induzida pelo hormônio tireoideano, utilizando-se a espironolactona.

OBJETIVO: Analisar as alterações morfológicas no miocárdio induzidas pelo hormônio tireoideano e os efeitos da espironolactona nesse processo.

MÉTODOS: Foram estudados 40 ratos Wistar, divididos em quatro grupos, que receberam: veículo utilizado para a diluição do hormônio tireoideano (C); levotiroxina sódica (50 µg/rato/dia) (H); espironolactona (0,3 mg/kg/dia) (E) e hormônio tireoideano + espironolactona (HE), nas mesmas doses citadas, durante 28 dias consecutivos. Todos os animais foram submetidos a pesagem, coleta de sangue para dosagens hormonais e realização de ECG no início e no final do experimento. Ao final do período de estudo, os animais foram sacrificados para determinação do peso do ventrículo esquerdo (VE) e obtenção de cortes de VE para análise morfológica.

RESULTADOS: Houve aumento dos níveis de T3 no plasma, perda de peso corporal e aumento da freqüência cardíaca nos animais que receberam o hormônio. O peso do VE foi maior nos grupos H e HE. A análise histométrica mostrou maiores diâmetros dos miócitos no grupo H, com os valores decrescentes nos grupos HE, E e C, sendo as diferenças estatisticamente significantes entre todos os grupos. A espironolactona associada ao hormônio tireoideano (HT) diminuiu em 14,6% a hipertrofia transversal dos miócitos.

CONCLUSÃO: Em ratos tratados com hormônio tireoideano ocorre hipertrofia cardíaca com aumento do peso do VE e do diâmetro do miócito. A associação de espironolactona ao hormônio tireoideano previne parcialmente essa hipertrofia por mecanismos ainda desconhecidos.

Palavras-chave: Miocárdio, tireoxina, espironolactona, remodelação ventricular, cardiomegalia.

Introdução

A relação entre doença tireoideana e cardiopatia foi estabelecida, pela primeira vez, em 1825, quando Caleb Parry notou a associação existente entre o aumento do volume tireoideano e a insuficiência cardíaca1. Somente 50 anos mais tarde, Robert Graves descreveu a doença que hoje leva seu nome. A importância das manifestações cardíacas na tireotoxicose tem sido universalmente reconhecida2,3, particularmente aquelas relacionadas à hipertrofia miocárdica4-7 e à presença de arritmias8,9.

A ação hipertrófica do hormônio tireoideano (HT) no coração ocorre tanto por ação direta, modulando a síntese protéica nos miócitos10-12, quanto por efeitos indiretos sistêmicos13,14, provocando mudanças importantes na hemodinâmica15,16.

Nos últimos 30 anos, tem sido reconhecido que a aldosterona está associada tanto com a patogênese quanto com a progressão da falência cardíaca17. Resultados do CONSENSUS l demonstraram que valores elevados da aldosterona plasmática correlacionam-se com baixa sobrevivência em pacientes com ICC, em classe funcional IV, e que a associação de enalapril à terapia para insuficiência cardíaca reduziu em 27% a mortalidade em relação ao grupo placebo18,19.

A ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona na hipertensão arterial pode levar à remodelação do miocárdio pelo acúmulo progressivo de colágeno no interstício e à hipertrofia cardíaca. Essa fibrose reativa parece ser um importante determinante da disfunção diastólica e da hipertrofia patológica6,17.

Estudos mais recentes como o RALES20 e o EPHESUS21 demonstraram que a elevação plasmática da aldosterona tem efeitos deletérios no sistema cardiovascular. Complementando esses achados, um estudo em ratos demonstrou que a espironolactona previne a proliferação de colágeno no miocárdio após infarto22. Nesses animais, a fibrose reativa que se segue à necrose diminui a função sistólica e diastólica e induz heterogeneidade e dispersão elétrica, o que predispõe a arritmias23.

A participação do sistema renina-angiotensina-aldosterona20,24,25 na remodelação miocárdica ainda não foi investigada nas hipertrofias induzidas pelo estado tireotóxico.

O objetivo do presente estudo é verificar se tal relação com a aldosterona existe e se ela pode ser bloqueada utilizando-se um competidor específico para esse hormônio, a espironolactona.

Métodos

Animais - Foram utilizados 40 ratos da linhagem Wistar, machos, adultos, avaliados nas mesmas condições ambientais. Os animais tinham livre acesso à água e à alimentação. Após um período de adaptação ao ambiente que teve duração de uma semana, os 40 ratos foram distribuídos, seqüencialmente, em quatro grupos de 10 animais cada, identificados como controle (C), hormônio tireoideano (H), espironolactona (E) e hormônio tireoideano + espironolactona (HE).

Os grupos foram submetidos aos seguintes procedimentos:

Grupo C - 0,5 ml/dia, via intraperitoneal, do veículo usado para diluição do hormônio tireioideano (solução tampão).

Grupo H - hormônio tireoideano diluído em solução tampão, na dose de 50 ug/rato/dia, por via intraperitoneal.

Grupo E - espironolactona, em dose única, diária, de 0,3 mg/kg/dia, via subcutânea, diluído em azeite de oliva, em solução de 20 mg/ml.

Grupo HE - hormônio tireoideano, na dose de 50 ug/rato/dia, via intraperitoneal, e espironolactona, em dose única diária de 0,3 mg/kg/dia, via subcutânea, diluída em azeite de oliva, em solução de 20 mg/ml.

A duração do experimento foi de 28 dias para todos os grupos, com sacrifício ocorrendo no final.

Todos os animais foram pesados antes e após os 28 dias de tratamento.

Os ratos foram anestesiados com cetamina, na dose de 0,1 ml/100 g por via intramuscular, associada ao cloridrato de xilazina, na dose de 0,1 ml/100g, em injeção intramuscular.

De todos os animais anestesiados foram colhidas amostras de sangue no tempo zero e quatro semanas após o uso dos agentes descritos no protocolo experimental. Nessas amostras foram feitos hematócrito e dosagem de T3 e T4 (realizada pelo método de quimioluminescência). A coleta de sangue no tempo basal foi feita cortando-se a ponta da cauda do rato e coletando o sangue gota a gota, até o volume de 0,8 ml. Após as quatro semanas, o sangue foi colhido através de punção cardíaca, antes do sacrifício do animal.

A aferição da freqüência cardíaca (FC) no momento basal e após as quatro semanas de uso dos agentes foi feita pelo eletrocardiograma convencional. No final do tempo previsto, os ratos foram sacrificados sob anestesia, procedendo-se à abertura do tórax e retirada do coração, o qual foi exaustivamente lavado com Ringer Lactato® e fixado em solução de formol a 10%. Depois de 24 horas, o coração foi pesado em uma balança de precisão sendo, em seguida, separado o ventrículo esquerdo, juntamente com o septo interventricular, e novamente pesado.

Em seguida, a amostra foi colocada em álcool a 70% até sua inclusão em parafina.

A análise foi feita tendo em conta aspectos de microscopia óptica e da histometria a partir da digitalização das fotos das lâminas para medida do diâmetro transversal dos miócitos.

Técnicas de diluição dos agentes utilizados - Para diluição do hormônio tireoideano, utilizou-se uma solução tampão PBS (Na2HPO4, 50mM em pH 7,4)26. A espironolactona foi dissolvida em acetona e em seguida diluída em azeite de oliva. A evaporação da acetona foi feita em banho ultra-sônico.

Peso do ventrículo esquerdo (VE) - O peso do VE foi determinado juntamente com o septo interventricular. Para evitar interferência derivada das modificações do peso corporal sobre o peso do VE, determinou-se o peso esperado dessa câmara para qualquer peso final do animal. Isso foi feito a partir do peso do VE do grupo controle e do peso final dos animais. Foi realizada uma análise de regressão linear e obtida uma equação de reta que permite calcular o peso esperado do VE para qualquer rato com qualquer peso. Uma vez definido o peso esperado do VE em cada grupo, foi feita a comparação desse com o respectivo peso observado após o tratamento.

Histomorfometria - As imagens foram obtidas por meio de microscópio óptico binocular. Todas as imagens foram capturadas por câmara de vídeo no aumento de 40x. A seleção das imagens para captura e digitalização foi feita visualmente.

A morfometria dessas imagens obtidas e digitalizadas foi realizada utilizando-se software apropriado para tal fim. De cada um dos cinco cortes obtidos do VE de cada animal foram realizadas cinco capturas de campos diferentes, escolhidos de acordo com o local onde se pudesse visualizar mais células em corte transversal. Dessas, foram medidos os menores diâmetros de 4.759 células nos 40 ratos estudados.

Análise estatística - Para a comparação entre os grupos estudados foi utilizada a Análise de Variância complementada pelo teste de Tukey, quando necessário. Esse teste foi aplicado à FC, dosagem de T3 e diâmetro dos miócitos. O teste t de Student para amostras não-independentes foi aplicado quando se compararam os pesos dos animais no início e no final do experimento em cada grupo e quando se compararam os pesos esperados e observados do VE para cada grupo estudado.

Estabeleceram-se, como significantes, valores de p d" 5%.

Ética - Foram respeitadas as normas estabelecidas pelo Guide for the Care and Use of Laboratory Animals (Institute of Laboratory Animal Resources, National Academy of Sciences, Washington, D. C. 1996) e os Princípios Éticos na Experimentação Animal do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA).

Resultados

Peso dos animais - Não houve diferença significante no peso dos animais nos grupos C e HE antes e após o tratamento. No grupo H,o peso final foi significantemente menor do que o inicial. Ao contrário, no grupo E, o peso final foi maior do que o inicial. As diferenças porcentuais no peso dos animais do início para o fim do estudo foram de 12,53% de perda de peso para o grupo H e de 8,63% de ganho de peso para o grupo E.

T3 total - O T3 total final no grupo C foi de 104±9 ng/dl, no H foi de 173±40 ng/dl, no grupo E 102±9 ng/dl e no grupo hormônio HE 180±44 ng/dl. Esses valores foram significantemente maiores nos grupos H e HE.

Freqüência cardíaca final (FC) em batimentos por minuto (bpm) - A FC final no grupo C, H, E e HE foi, respectivamente, 215±19 bpm, 309±23 bpm, 211±2 bpm e 301±48 bpm.

A FC final foi significantemente maior nos grupos H e HE.

Peso do VE - Como mostra a tabela 1, o peso observado do VE foi significantemente maior do que o peso esperado somente nos grupos H e HE.

Histomorfometria - A medida do diâmetro das fibras musculares dos grupos C, H, E e HE são significantemente diferentes entre si. Os valores estão apresentados na tabela 2.

O grupo C teve os menores diâmetros das fibras (13,90±3,00 µ) e o grupo H (20,95±4,29 µ) as maiores medidas. O grupo E também apresentou aumento do diâmetro das fibras em relação ao grupo C.

Discussão

Vários modelos experimentais têm sido utilizados para estudar os múltiplos aspectos que envolvem a remodelação ventricular. Nessa situação está envolvida a participação, direta ou indireta, de substâncias que integram o eixo neuro-hormonal, ativado em situações de baixo débito sangüíneo. Integram esse eixo substâncias vasoconstritoras (noradrenalina, angiotensina II, endotelina I e arginina-vasopressina) e vasodilatadoras (peptídeos natriuréticos, bradicinina). Pouco se conhece, porém, da participação do hormônio tireoideano27 na remodelação ventricular24,26.

O presente experimento foi delineado com o objetivo de estudar os efeitos do HT na hipertrofia cardíaca. A indução do estado tireotóxico nos ratos é simples27 e a confirmação dessa condição pode ser obtida pelos níveis elevados de T3, aumento da FC e perda de peso corporal.

A duração total da exposição ao HT foi de 28 dias. Poderíamos indagar se as modificações estruturais do coração já estariam presentes em tão curto período de tempo. Em estudo interessante, KLEIN24 demonstrou aumento das proteínas contráteis cardíacas após 4, 7, 10 e 14 dias de tratamento com T4, com estabilização do modelo de hipertrofia a partir desse ponto.

A hipertrofia cardíaca em nosso modelo de tireotoxicose foi claramente demonstrada pelo aumento do peso do VE, que foi, em média, 17,3% maior no grupo com hormônio tireoideano. Resultados semelhantes também foram detectados em outros experimentos. Esse aumento do peso do VE parece ser o resultado de ações diretas e indiretas do hormônio tireoideano sobre o miocárdio que se expressa pelo aumento da síntese protéica25, com conseqüente hipertrofia do miócito. O hormônio tireoideano não altera somente o miócito, mas também a matriz de colágeno28. À microscopia óptica, o diâmetro médio dos miócitos foi 50,68% superior ao do grupo controle.

Assim como descrito por outros autores26-29 em estudos similares, não foram identificadas áreas de necrose no material analisado.

A adição da espironolactona ao HT não interferiu nos níveis de T3 e não modificou o comportamento da FC, cuja elevação na tireotoxicose é desencadeada por mecanismos diretos e indiretos do hormônio tireoideano21. A espironolactona também não interferiu no peso do VE em relação ao grupo controle, mas, quando associada ao hormônio tireoideano, houve diminuição da hipertrofia. Essa ação da espironolactona na hipertrofia induzida pelo HT ainda não foi descrita, embora seu efeito de prevenção da fibrose que ocorre nos modelos de hipertensão arterial seja bastante conhecido6,17.

Na análise à MO, a espironolactona diminuiu, em média, 14% o diâmetro dos miócitos em relação ao grupo que só recebeu HT. Esses resultados confirmam a hipótese de que esse fármaco é capaz de reduzir a hipertrofia induzida pelo hormônio tireoideano e reforça seu papel na remodelação ventricular, não só reduzindo a fibrose, mas agindo também no componente muscular, como já demonstrado em modelos de HAS30,31. Nos últimos anos tem-se reconhecido que a aldosterona está associada tanto com a patogênese quanto com a progressão da falência cardíaca20,31 por facilitar padrões desproporcionais de hipertrofia e fibrose miocárdicas. Se o bloqueio da aldosterona pela espironolactona foi capaz de prevenir parcialmente a hipertrofia induzida pelo hormônio tireoideano, presume-se que o sistema hormonal ao qual se integra a aldosterona pode estar envolvido nas alterações miocárdicas que ocorrem na tireotoxicose.

A conexão entre essas ações pode estar relacionada à família das proteínas G, um extenso grupo de substâncias mediadoras da ação de catecolaminas e existentes na membrana plasmática. Sabe-se que o processo de crescimento celular envolve a ativação da família dos receptores acoplados a essas proteínas ligadas ao GTP que constituem o mais vasto grupo de proteínas conhecidas que integram a membrana celular e estão envolvidas nos sinais de transdução de alguns hormônios32. Se o hormônio tireoideano age ativando a proteína G e com isso pode desencadear a angiogênese e a hipertrofia dos miócitos14, é possível que a espironolactona bloqueie, pelo menos parcialmente, essas ações, modulando a hipertrofia tanto na HAS17 como naquela induzida pelo hormônio tireoideano.

O resultado de um grande ensaio clínico – Randomized Aldactone Evaluation Study (RALES)20 –, no qual a espironolactona reduziu em 30% a mortalidade e em 35% a hospitalização de pacientes com insuficiência cardíaca avançada quando associada à terapia padrão para essa enfermidade, corrobora a importância do bloqueio da aldosterona na evolução clínica dessa doença20,33.

Além disso, um estudo mais recente – Eplerenone Post Acute Myocardial Infarction Efficacy and Survival Study (EPHESUS)21 –, que associou eplerenone, um bloqueador seletivo da aldosterona, ao tratamento convencional em pacientes com infarto agudo do miocárdio complicado com disfunção ventricular esquerda e falência cardíaca, também mostrou redução significativa da morbidade e mortalidade. O efeito do eplerenone reduzindo a hipertrofia e a falência cardíaca em ratos com hipertensão sal-sensível pode ser atribuído, pelo menos em parte, à atenuação do estresse oxidativo no miocárdio e na inflamação vascular coronária induzida pelo receptor de mineralocorticóide ativado por glicocorticóide34-37.

Se as ações indesejáveis do hipertireoidismo no miocárdio forem moduladas, a melhora das condições hemodinâmicas produzidas pelo hormônio tireoideano poderá ter importância no controle da ICC.

Aspecto curioso registrado é o aumento do diâmetro dos miócitos quando foram expostos à espironolactona. Esse fato também precisa ser investigado em futuros estudos com esse fármaco.

Em conclusão, em ratos tratados com hormônio tireoideano ocorre hipertrofia cardíaca com aumento do peso do VE e do diâmetro do miócito. A associação de espironolactona ao hormônio tireoideano previne parcialmente essa hipertrofia. Os mecanismos responsáveis por essas modificações do peso do VE e do diâmetro dos miócitos cardíacos ainda permanecem desconhecidos.

Artigo enviado em 19/01/07; revisado recebido em 23/02/07; aceito em 04/06/07.

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  • Correspondência:
    Maria Luiza Mendonça Pereira Fernandes
    Rua Quinze de Novembro, 363 Ap. 700
    38408-236 – Uberlândia, MG - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      04 Jun 2007
    • Revisado
      23 Fev 2007
    • Recebido
      19 Jan 2007
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