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Tendências da Taxa de Mortalidade por Doenças Cardiovasculares no Brasil, 1980-2012

Resumo

Fundamento:

Estudos questionaram a tendência de queda da mortalidade por doenças cardiovasculares (DCV) no Brasil nos últimos anos.

Objetivo:

analisar as tendências recentes na mortalidade por doença isquêmica do coração (DIC) e doenças cerebrovasculares (DCbV) na população brasileira.

Métodos:

dados de mortalidade e população foram obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e Ministério da Saúde. O risco de morte foi ajustado pelo método direto, tendo como referência a população mundial de 2000. Foram analisadas, nos períodos de 1980-2006 e 2007-2012, as tendências da mortalidade em mulheres e homens.

Resultados:

houve diminuição da mortalidade por DCV e DCbV em mulheres e homens para ambos os períodos (p < 0,001). As variações anuais de mortalidade para os períodos de 1980-2006 e 2007-2012 foram, respectivamente: DCV total: -1,5% e -0,8%; DCV homens: -1,4% e -0,6%; DCV mulheres: -1,7% e -1,0%; DIC homens: -1,1% e 0,1%; DIC mulheres: -1,5% e 0,4%; DCbV homens: -1,7% e -1,4%; DCbV mulheres: -2,0% e -1,9%. De 1980 a 2006, houve diminuição da mortalidade por DIC em homens e mulheres (p < 0,001), mas de 2007-2012, as mudanças na mortalidade por DIC não foram significativas em homens [y = 151 + 0.04 (R2 = 0.02; p = 0,779)] e mulheres [y = 88-0.54 (R2 = 0,24; p = 0,320)].

Conclusão:

A tendência da mortalidade por DIC parou de cair no Brasil de 2007 a 2012.

Palavras-chave:
Doenças Cardiovasculares / epidemiologia; Mortalidade / tendências; Isquemia Miocárdica; Isquemia Encefálica

Abstract

Background:

Studies have questioned the downward trend in mortality from cardiovascular diseases (CVD) in Brazil in recent years.

Objective:

to analyze recent trends in mortality from ischemic heart disease (IHD) and stroke in the Brazilian population.

Methods:

Mortality and population data were obtained from the Brazilian Institute of Geography and Statistics and the Ministry of Health. Risk of death was adjusted by the direct method, using as reference the world population of 2000. We analyzed trends in mortality from CVD, IHD and stroke in women and men in the periods of 1980-2006 and 2007-2012.

Results:

there was a decrease in CVD mortality and stroke in women and men for both periods (p < 0.001). Annual mortality variations for periods 1980-2006 and 2007-2012 were, respectively: CVD (total): -1.5% and -0.8%; CVD men: -1.4% and -0.6%; CVD women: -1.7% and -1.0%; DIC (men): -1.1% and 0.1%; stroke (men): -1.7% and -1.4%; DIC (women): -1.5% and 0.4%; stroke (women): -2.0% and -1.9%. From 1980 to 2006, there was a decrease in IHD mortality in men and women (p < 0.001), but from 2007 to 2012, changes in IHD mortality were not significant in men [y = 151 + 0.04 (R2 = 0.02; p = 0.779)] and women [y = 88-0.54 (R2 = 0.24; p = 0.320).

Conclusion:

Trend in mortality from IHD stopped falling in Brazil from 2007 to 2012.

Keywords:
Cardiovascular Diseases / epidemiology; Mortality / trends; Myocardial Ischemia; Brain Ischemia.

Introdução

As doenças cardiovasculares (DCV) são as principais causas de morte na população brasileira.11 Mansur AP, Favarato D, Souza MF, Avakian SD, Aldrighi JM, César LA, et al. Trends in death from circulatory diseases in Brazil between 1979 and 1996. Arq Bras Cardiol. 2001;76(6):497-510. Erratum in: Arq Bras Cardiol. 2001;77(2):204.,22 Mansur AP, Favarato D. Mortality due to cardiovascular diseases in Brazil and in the metropolitan region of São Paulo: a 2011 update. Arq Bras Cardiol. 2012;99(2):755-61. As DCV são responsáveis por pelo menos 20% das mortes em nossa população com mais de 30 anos de idade. Nas regiões Sul e Sudeste do país, a taxa de mortalidade por DCV foi ainda maior do que em outras regiões.33 Souza MFM, Alencar AP, Malta DC, Moura L, Mansur Ade P. Serial temporal analysis of ischemic heart disease and stroke death risk in five regions of Brazil from 1981 to 2001. Arq Bras Cardiol. 2006;87(6):735-40. Estudos anteriores mostraram dados consistentes sobre tendência de queda na taxa de mortalidade por doenças cardiovasculares no Brasil.44 Mansur AP, Lopes AI, Favarato D, Avakian SD, César LA, Ramires JA. Epidemiologic transition in mortality rate from circulatory diseases in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2009;93(5):506-10.,55 Mansur AP, Favarato D, Avakian SD, Ramires JA. Trends in ischemic heart disease and stroke death ratios in Brazilian women and men. Clinics (Sao Paulo). 2010;65(11):1143-7. As mortes por doenças cerebrovasculares (DCbV) tiveram maior redução na mortalidade em comparação às doenças isquêmicas do coração (DIC).44 Mansur AP, Lopes AI, Favarato D, Avakian SD, César LA, Ramires JA. Epidemiologic transition in mortality rate from circulatory diseases in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2009;93(5):506-10. Recente atualização dos dados de mortalidade das DCV no Brasil e na região metropolitana de São Paulo mostrou tendência de queda na taxa de mortalidade por DIC e DCbV entre 1990 e 2009.22 Mansur AP, Favarato D. Mortality due to cardiovascular diseases in Brazil and in the metropolitan region of São Paulo: a 2011 update. Arq Bras Cardiol. 2012;99(2):755-61. No Brasil, a partir de 1987, as mortes por DIC foram, em homens, maiores do que as mortes por DCbV; nas mulheres, no entanto, essa diferença somente aparece a partir de 1999. Ambas as causas de morte mostraram tendência de queda no período de 1980 a 2009, mas essa tendência foi mais marcante nas mortes por DCbV. No entanto, em homens, de 2007 a 2009, a taxa de mortalidade por DIC ajustada por idade manteve-se inalterada. Porém, devido ao período de apenas 3 anos, não foi possível estabelecer uma real tendência da mortalidade. Este estudo atualizou as tendências da taxa de mortalidade por doenças cardiovasculares no Brasil até 2012, e foram também analisadas e comparadas com anos anteriores as tendências da taxa de mortalidade por DCV, DIC e DCbV para o período de 2007-2012.

Métodos

Foram analisadas as taxas de mortalidade por DCV, DIC e DCbV, no Brasil, de 1980 a 2012 e nos períodos de 1980-2006 e 2007-2012. Os dados sobre a mortalidade foram obtidos no portal www.datasus.gov.br, do Ministério da Saúde do Brasil. Os dados populacionais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram obtidos no mesmo portal. Os óbitos de 1990 a 1995 foram classificados de acordo com o CID-9, 9a Conferência de Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID), de 1975, adotada pela 20ª Assembleia Mundial da Saúde. A partir do ano de 1996, os dados de mortalidade foram obtidos na 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças. As doenças do aparelho circulatório (DC) foram agrupadas nos códigos 390 a 459, as DIC, códigos 410 a 414, e as DCbV, códigos 430 a 438, da 9ª Revisão do CID. A mortalidade, a partir do ano de 1996, foi classificada pela 10ª revisão do CID. As DC estão agrupadas nos códigos I00 a I99, as DIC nos códigos I20 a I25 e as DCbV nos códigos I60 a I69. Foram analisadas as mortalidades a partir da idade de 30 anos, segundo o gênero, por 100.000 habitantes, nas seguintes faixas etárias: 30-39 anos, 40-49 anos, 50-59 anos, 60-69 anos, 70-79 anos e ≥ 80 anos. Para fins de comparação, a mortalidade foi ajustada pelo método direto para a idade segundo a população mundial padrão do ano 2000.66 Segi M, Fujisaku S, Kurihara M, Narai Y, Sasajima K. The age-adjusted death rates for malignant neoplasms in some selected sites in 23 countries in 1954-1955 and their geographical correlation. Tohoku J Exp Med. 1960;72:91-103. A regressão linear simples foi usada para analisar a evolução temporal da taxa de mortalidade associada às DCV, DIC e DCbV, e após foi realizada a comparação das inclinações ("slopes") das linhas de regressão. O nível de significância foi de p < 0,05. O software estatístico utilizado foi o Primer of Biostatistics, version 4.02.9.77 Glantz SA. Primer of biostatistics, version 4.02. New York: McGraw-Hill; 1996.

Resultados

De 1980 a 2012, houve diminuição da mortalidade por DCV, DIC e DCbV em homens e mulheres (Tabela 1). Os resultados de regressão linear para tal período foram: DCV total: y = 627,4-8,0 (R2 = 0,98, p < 0,001); DCV homens: y = 684,4-8,6 (R2 = 0,94, p < 0,001); DCV mulheres: y = 593,9-7,6 (R2 = 0,95, p < 0,001); DIC total: y = 181-2,0 (R2 = 0,23, p < 0,001); DIC homens: y = 219,2-2,3 (R2 = 0,93; p < 0,001); DIC mulheres: y = 144,9-1,8 (R2 = 0,95, p < 0,001); DCbV total: y = 181,3-2,8 (R2 = 0,69; p < 0,001); DCbV homens: y = 231,6-2,9 (R2 = 0,91; p < 0,001); DCbV mulheres: y = 171,3-2,7 (R2 = 0,94; p < 0,001). A comparação das regressões lineares entre homens e mulheres mostrou maior redução da mortalidade por DCV (p = 0,031) e DIC (p < 0,001) nos homens, mas não mostrou redução significativa das DCbV (p = 0,228) (Figura 1). A percentagem de redução de morte por DCV, DIC e DCbV entre 1980-2012 e para os períodos de 1980-2006 e 2007-2012 estão apresentados na Tabela 2.

Tabela 1
Risco de morte* * ajustada pelo método direto para a população padronizada mundial de 2000; var(%) = variação percentual (2012/1980). , por 100 mil habitantes, por doenças cardiovasculares (DCV), doença isquêmica do coração (DIC) e cerebrovasculares (DCbV) e a variação total no período de observação (1980-2012), em homens (H) e mulheres (M), no Brasil

Figura 1
Análise de regressão linear simples e comparação entre as linhas de regressão da mortalidade por doenças cardiovasculares (DCV), doenças isquêmicas do coração (DIC) e doenças cerebrovasculares (DCbV) no período de 1980 a 2012.

Tabela 2
Variação percentual do risco de morte ajustada para idade das doenças cardiovasculares (DCV), doenças isquêmicas do coração (DIC) e doenças cerebrovasculares (DCbV) de 1980 a 2012, e para os períodos de 1980 a 2006 e 2007 a 2012

As alterações anuais na mortalidade para os períodos de 1980-2006 e 2007-2012 foram respectivamente: DCV total: -1,5% e -0,8%; DCV homens: -1,4% e -0,6%; DCV mulheres: -1,7% e -1,0%; DIC total: -0,90% e -0,08%; DIC (homens): -1,1% e 0,1%; DIC (mulheres): -1,5% e -0,4%; DCbV (total): -1,26% e -1,60%; DCbV (homens): -1,7% e -1,4%; DCbV (mulheres): -2,0% e -1,9%. De 1980 a 2006, houve diminuição na mortalidade por DCV, DIC e DCbV em homens e mulheres (p < 0,001 para todas as comparações) (Figura 2). Resultados da regressão linear para o período de 1980-2006 foram: DCV total: y = 625,9-7,8 (R2 = 0,40; p < 0,001); DCV homens: y = 707,5-8,4 (R2 = 0,91; p < 0,001); DCV mulheres: y = 544,2-7,3 (R2 = 0,92; p < 0,001); DIC total: y = 180,1-2,0 (R2 = 0,16; p = 0,003); DIC homens: y = 220,8-2,3 (R2 = 0,89; p < 0,001); DIC mulheres: y = 140,5-1,7 (R2 = 0,91; p < 0,0001); DCbV total: y = 180,1-2,7 (R2 = 0,56; p < 0,001); DCbV homens: y = 198,1-2,7 (R2 = 0,94; p < 0,001); DCbV mulheres: y = 162,2-2,6 (R2 = 0,91; p < 0,001). As comparações das regressões lineares entre homens e mulheres mostraram maior redução de DIC (p = 0,002) nos homens, mas não significativa para as DCV (p = 0,120) e DCbV (p = 0,708) (Figura 2).

Figura 2
Análise de regressão linear simples e comparação entre as linhas de regressão, entre homens e mulheres, da mortalidade por doenças cardiovasculares (DCV), doenças isquêmicas do coração (DIC) e doenças cerebrovasculares (DCbV) para os períodos de 1980 a 2006 e de 2007 a 2012.

De 2007 a 2012, houve redução da mortalidade por DCV e DCbV em homens e mulheres, e os resultados da regressão linear para esse período foram: DCV total: y = 394,2-4,1 (R2 = 0,01; p = 0,753); DCV homens: y = 460,1-3,7 (R2 = 0,66; p = 0,049); DCV mulheres: y = 329-4,5 (R2 = 0,72; p = 0,033); DCbV total: y = 101,3-2,1 (R2 = 0,05; p =0,495); DCbV homens: y = 116,4-1,9 (R2 = 0,90; p = 0,004); DCbV mulheres: y = 86,7-2,1 (R2 = 0,90; p = 0,003). No entanto, não foram observadas alterações significativas na mortalidade para o DIC total: y = 119,3-,25 (R2 = 0,02; p = 0,978); DIC homens: y = 151 + 0,04 (R2 = 0,15; p = 0,779); DIC mulheres: y = 87,7-,54 (R2 = 0,24; p = 0,320). As comparações das regressões lineares entre homens e mulheres não mostraram diferenças nas tendências de mortalidade para DCV (p = 0,713), DIC (p = 0,374) e DCbV (p = 0,591).

Discussão

Este estudo mostrou tendência da redução da mortalidade por doenças cardiovasculares de 1980 a 2012, mas na análise dos anos de 2007 a 2012 não se observou, em homens e mulheres, redução da mortalidade por DIC.

Estudos mostraram tendência de redução da mortalidade por doenças cardiovasculares em vários países, principalmente naqueles mais desenvolvidos da Europa Ocidental, EUA e Canadá.88 Nichols M, Townsend N, Scarborough P, Rayner M. Cardiovascular disease in Europe 2014: epidemiological update. Eur Heart J. 2014;35(42):2950-9.

9 Roth GA, Forouzanfar MH, Moran AE, Barber R, Nguyen G, Feigin VL, et al. Demographic and epidemiologic drivers of global cardiovascular mortality. N Engl J Med. 2015;372(14):1333-41.
-1010 Mozaffarian D, Benjamin EJ, Go AS, Arnett DK, Blaha MJ, Cushman M, et al; American Heart Association Statistics Committee and Stroke Statistics Subcommittee. Heart disease and stroke statistics--2015 update: a report from the American Heart Association. Circulation. 2015;131(4):e29-322. Erratum in: Circulation. 2015;131(24):e535. Atualização recente mostrou redução significativa da mortalidade por DCV em todos os estados dos EUA.1010 Mozaffarian D, Benjamin EJ, Go AS, Arnett DK, Blaha MJ, Cushman M, et al; American Heart Association Statistics Committee and Stroke Statistics Subcommittee. Heart disease and stroke statistics--2015 update: a report from the American Heart Association. Circulation. 2015;131(4):e29-322. Erratum in: Circulation. 2015;131(24):e535. Contudo, observou-se apenas uma discreta redução da mortalidade por DIC nos adultos jovens, especialmente mulheres.1111 Wilmot KA, O'Flaherty M, Capewell S, Ford ES, Vaccarino V. Coronary heart disease mortality declines in the United States from 1979 through 2011: evidence for stagnation in young adults, especially women. Circulation. 2015;132(11):997-1002. Apesar de importantes discrepâncias entre as taxas de morte por DCV na Europa, muitos países europeus também tiveram aumento ou discreta redução na mortalidade por DCV.1212 Nichols M, Townsend N, Scarborough P, Rayner M. Trends in age-specific coronary heart disease mortality in the European Union over three decades: 1980-2009. Eur Heart J. 2013;34(39):3017-27. O controle dos fatores de risco, melhorias nos tratamentos clínicos e intervencionistas são as principais justificativas para a redução da mortalidade nos países mais desenvolvidos.1313 Ford ES, Ajani UA, Croft JB, Critchley JA, Labarthe DR, Kottke TE, et al. Explaining the decrease in U.S. deaths from coronary disease, 1980-2000. N Engl J Med. 2007;356(23):2388-98.,1414 Braunwald E. The ten advances that have defined modern cardiology. Trends Cardiovasc Med. 2014;24(5):179-83. Assim como em nosso estudo, observou-se também, em muitos países em desenvolvimento, uma redução na mortalidade por tais doenças.1515 Souza MFM, Gawryszewski VP, Orduñez P, Sanhueza A, Espinal MA. Cardiovascular disease mortality in the Americas: current trends and disparities. Heart. 2012;98(16):1207-12. Mesmo com a mudança populacional nesses países, tais como aumento e envelhecimento da população, as tendências de redução da mortalidade por DCV se mantiveram com o ajuste do coeficiente para idade, sexo e doença específica (DIC ou DCbV).99 Roth GA, Forouzanfar MH, Moran AE, Barber R, Nguyen G, Feigin VL, et al. Demographic and epidemiologic drivers of global cardiovascular mortality. N Engl J Med. 2015;372(14):1333-41. O nosso estudo mostrou redução significativa e constante da mortalidade por DCbV no período de 1980 a 2012. Isso ocorreu, muito provavelmente, devido a maior facilidade no diagnóstico e tratamento do principal fator de risco para tais doenças - a hipertensão arterial sistêmica. Em 2013, o diagnóstico de HAS foi de 21,2% para a população com idade acima de 18 anos e de > 50% para indivíduos com mais de 65 anos de idade. Quase 70% desses pacientes com HAS tiveram algum tipo de assistência médica e 36% obtiveram pelo menos um medicamento para hipertensão no Programa Farmácia Popular.1616 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Indicadores IBGE. [Acesso em 2015 dez 12]. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/trabalho_e_rendimento/pesquisa
ftp://ftp.ibge.gov.br/trabalho_e_rendime...

Por outro lado, a complexidade dos fatores envolvidos na fisiopatologia do processo da aterosclerose faz com que seja muito maior o desafio na prevenção das DIC. O controle da HAS tem grande impacto na morbi-mortalidade das DCbV, enquanto diagnóstico e tratamento das DIC envolvem outros fatores de risco, tais como dislipidemia, tabagismo, diabetes, muitas vezes desconhecidos até o momento do primeiro evento coronariano. Associado à complexidade do tratamento clínico, observa-se também a limitada disponibilidade do tratamento intervencionista restrito aos grandes centros urbanos. O resultado é a grande heterogeneidade do risco de morte por infarto agudo do miocárdio nas diferentes regiões do Brasil.1717 Nicolau JC, Franken M, Lotufo PA, Carvalho AC, Marin Neto JA, Lima FG, et al. Use of demonstrably effective therapies in the treatment of acute coronary syndromes: comparison between different Brazilian regions. Analysis of the Brazilian Registry on Acute Coronary Syndromes (BRACE). Arq Bras Cardiol. 2012; 98(4):282-289 2. Porém, no período entre 2007 e 2012, as justificativas para a parada na tendência de queda da mortalidade por DIC são desconhecidas. Aspectos socioeconômicos e menor acesso da população menos favorecida a um adequado sistema de saúde para o diagnóstico e tratamento das DIC podem estar impactando a mudança observada na tendência da mortalidade por tais doenças. Baena et al.1818 Baena CP, Chowdhury R, Schio NA, Sabbag AE Jr, Guarita-Souza LC, Olandoski M, et al. Ischaemic heart disease deaths in Brazil: current trends, regional disparities and future projections. Heart. 2013;99(18):1359-64. mostraram aumento da mortalidade por DIC nas regiões nordeste e norte e inalterada na região centro-oeste, sabidamente regiões menos favorecidas do Brasil. Na mortalidade por DCV,1919 Mackenbach JP, Cavelaars AE, Kunst AE, Groenhof F. Socioeconomic inequalities in cardiovascular disease mortality; an international study. Eur Heart J. 2000;21(14):1141-51.

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21 Bassanesi SL, Azambuja MI, Achutti A. Premature mortality due to cardiovascular disease and social inequalities in Porto Alegre: from evidence to action. Arq Bras Cardiol. 2008;90(6):370-9.
-2222 Polanczyk CA, Ribeiro JP. Coronary artery disease in Brazil: contemporary management and future perspectives. Heart. 2009;95(11):870-6. estudos mostraram, também, a importância das desigualdades sociais e da escolaridade da população. A metade das causas de morte por DCV, antes do 65 anos, pode ser atribuída à pobreza. Da mesma forma, baixa escolaridade contribui para pobreza, aumentando o índice de mortalidade por DCV. Alimentação inadequada, baixa atividade física, consumo de álcool e tabagismo são outros importantes fatores de risco para as DCV, e é mais prevalente nas classes sociais menos favorecidas da população.2323 Nogueira MC, Ribeiro LC, Cruz OG. [Social inequalities in premature cardiovascular mortality in a medium-size Brazilian city]. Cad Saude Publica. 2009;25(11):2321-32.,2424 Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet. 2011;377(9781):1949-61. Portanto, a instituição de políticas públicas de prevenção das DCV deve ser intensificada com o objetivo de restituir a tendência de queda da mortalidade por DIC. Isto porque os fatores ambientais, ocupacionais, comportamentais e metabólicos foram responsáveis por quase 90% dos anos de vida ajustados por incapacidade e de mortes por DCV.2525 Forouzanfar MH, Alexander L, Anderson HR, Bachman VF, Biryukov S, Brauer M, et al. GBD 2013 Risk Factors Collaborators. Global, regional, and national comparative risk assessment of 79 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks in 188 countries, 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet. 2015;386(10010):2287-323.

As limitações do estudo estão relacionadas à qualidade dos dados brasileiros de mortalidade, tais como erros relacionados ao diagnóstico e precisão dos atestados de óbito, as mortes associadas a causas desconhecidas e erros de entrada de dados. O número de certidões de óbito que tem diagnóstico para a causa da morte, como sintomas, sinais e as condições de saúde mal definidos é indicador indireto da qualidade padrão dos dados. Tais certificados, apesar da melhora progressiva, são ainda significativos nas regiões nordeste, norte e centro-oeste, mas não nas regiões Sul e Sudeste.2626 França E, Abreu DX, Rao C, Lopez AD. Evaluation of cause-of-death statistics for Brazil, 2002-2004. Int J Epidemiol. 2008;37(4):891-901.,2727 Gaui EN, Oliveira GM, Klein CH. Mortality by heart failure and ischemic heart disease in Brazil from 1996 to 2011. Arq Bras Cardiol. 2014;102(6):557-65. Estudos de validação para os dados de taxa de mortalidade não estão disponíveis na maioria dos estados ou cidades no Brasil.

Conclusão

Ao contrário das DCbV, a tendência da mortalidade por DIC parou de cair no Brasil nos últimos 6 anos. Intensificação de políticas de saúde pública no controle dos principais fatores de risco faz-se necessária para retorno da tendência de queda na mortalidade por DIC.

  • Fontes de Financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação Acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2016
  • Data do Fascículo
    Jul 2016

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2015
  • Revisado
    21 Out 2015
  • Aceito
    19 Fev 2016
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