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Terapia de resgate com amiodarona em crianças com grave disfunção ventricular esquerda causada por veneno de escorpião

Resumos

FUNDAMENTO: As crianças picadas por escorpião, pressintam ativação maciça do sistema nervoso simpática com vários graus de disfunção sistólica ventricular esquerda. OBJETIVO: Testar um protocolo de resgate em crianças com grave disfunção ventricular esquerda causada por picada de escorpião. Métodos: Quatro crianças após serem picadas por escorpião foram submetidas a: Encubação endotraqueal e suporte respiratório, eletrocardiograma, radiografia de tórax, ecocardiograma e determinação sérica da norepinefrina e troponina I. As análises foram repetidas após 12, 24 e 48 horas. As seguintes medicações intravenosas foram administradas: dobutamina 4-6 μg/kg/min; amiodarona 3 mg/kg durante duas horas, com dose de manutenção de 5 mg/kg/dia; e furosemida 0,5 mg/kg. Amiodarona, dobutamina e furosemida foram administradas durante as primeiras 48 horas. Bloqueadores beta-adrenérgicos e inibidores da enzima conversora da angiotensina foram administrados até 48 após a internação, uma vez que o estado clínico havia melhorado e a fração de ejeção ventricular esquerda encontrava-se acima de 0,35%. RESULTADOS: Na admissão, a dosagem da norepinefrina foi 1.727,50± 794,96 pg/ml, a de troponina I 24,53 ± 14,09 ng/ml e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi 0,20 ± 0,056. Após 12 horas, os níveis séricos de norepinefrina e de troponina I diminuíram para a metade dos valores iniciais e a fração de ejeção aumentou para 0,32 ± 0,059. Durante as 24 e 48 horas subseqüentes, a fração de ejeção elevou-se para 0,46 ± 0,045 (p<0,01) e a norepinefrina e de troponina I diminuíram para 526,75 ± 273,73 (p< 0,02) e 2,20 ± 2,36 (p<0,02) respectivamente. CONCLUSÃO: É bem provável que a amiodarona, ao agir como neuromodulador, seja responsável pela redução rápida e progressiva dos níveis séricos de norepinefrina.

Venenos de escorpião; norepinefrina; amiodarona; betaagonistas


FUNDAMENTO: Los niños con picaduras de escorpión sufren activación masiva del sistema nervioso simpático con varios grados de disfunción sistólica ventricular izquierda. OBJETIVO: Probar un protocolo de rescate en niños con disfunción ventricular severa izquierda ocasionada por picadura de escorpión. MÉTODOS: Cuatro niños tras un escorpión picarlas se sometieron a: incubación endotraqueal y soporte respiratorio, electrocardiograma, radiografía de tórax, ecocardiograma y determinación sérica de la norepinefrina y troponina I. Los análisis se repitieron tras 12, 24 y 48 horas. Las siguientes medicaciones intravenosas se administraron: dobutamina 4-6 mcg/kg/min; amiodarona 3 mg/kg durante dos horas, con dosis de mantenimiento de 5 mg/kg/día; y furosemida 0.5 mg/kg. Amiodarona, dobutamina y furosemida se administraron durante las primeras 48 horas. Bloqueante betaadrenergicos e inhibidores de la enzima convertidora de la angiotensina se administraron hasta 48 tras la internación, una vez que el estado clínico había mejorado y la fracción de eyección ventricular izquierda se hallaba superior a un 0,35%. RESULTADOS: Al ingreso, la dosificación de la norepinefrina fue 1727,50± 794,96 pg/ml, la de troponina I 24,53 ± 14,09 ng/ml y la fracción de eyección del ventrículo izquierdo fue 0,20 ± 0,056. Tras 12 horas, los niveles séricos de norepinefrina y de troponina I disminuyeron para la mitad de los valores iniciales y la fracción de eyección aumentó para 0,32 ± 0,059. Durante las 24 y 48 horas subsiguientes, la fracción de eyección se elevó para 0,46 ± 0,045 (p<0,01) y la norepinefrina y de troponina I se redujeron para 526,75 ± 273,73 (p< 0,02) y 2,20 ± 2,36 (p<0,02) respectivamente. CONCLUSIÓN: Es bien probable que la amiodarona, al actuar como neuromodulador, sea responsable de la reducción rápida y progresiva de los niveles séricos de norepinefrina.

Venenos de escorpión; norepinefrina; amiodarona; betaagonistas


BACKGROUND: Children with scorpion envenomation have massive sympathetic activation and variable degrees of left ventricular systolic dysfunction. OBJECTIVE: To evaluate a rescue protocol for children with severe left ventricular dysfunction secondary to scorpion envenomation. METHODS: Four children, after scorpion envenomation, were subjected to a rescue protocol for acute left ventricular dysfunction: Endotracheal intubation and respiratory assistance, electrocardiograms, chest x-Ray, echocardiograms and blood samples for norepinephrine and troponin I serum levels. Samples and echocardiograms were repeated at 12, 24 and 48 hours. Intravenous medications: Dobutamine: 4-6 μg/kg/min. Amiodarone: 3 mg/kg during a 2 hour period. Maintenance: 5 mg/kg/day. Furosemide: 0.5 mg/kg/dose. Diuretics were given when the systemic blood pressure was above percentile fifty. Amiodarone, Dobutamine and Furosemide were administered during the first 48 hours. Beta-adrenergic blockers and angiotensin converting enzyme were given, at 48 hours after admission, once the left ventricular Ejection fraction > 0.35 and the clinical status had improved. RESULTS: On admission, norepinephrine was 1,727.50 ±794.96 pg/ml, troponin I 24.53 ± 14.09 ng/ml and left ventricular ejection fraction 0.20 ± 0.056. At twelve hours, norepinephrine and troponin I serum levels were down to half of the initial values and the ejection fraction increased to 0.32 ± 0.059. During the next 24 and 48 hours, the ejection fraction rose to 0.46 ± 0.045, (p<0.01) and norepinephrine and troponin diminished to 526.75 ± 273.73 (p < 0.02) and 2.20 ± 2.36 (p<0.02) respectively. CONCLUSION: Amiodarone, by acting as a neuromodulator, is very likely responsible for the early and progressive decrease of serum norepinephrine.

Scorpion venoms; norepinephrine; amiodarone; adrenergic beta-agonists


ARTIGO ORIGINAL

CARDIOLOGIA PEDIÁTRICA

Terapia de resgate com amiodarona em crianças com grave disfunção ventricular esquerda causada por veneno de escorpião

Justo J. SantiagoI, II, III; Carmen A. Mazzei de DávilaII, III; Diego F. DavilaI, II, III; Jose H. DonisI, II,III; Vanesa VillaroelIII

IInstituto de Investigaciones Cardiovasculares de la Universidad de los Andes, Mérida, Venezuela

IIHospital Universitario de los Andes, Mérida, Venezuela

IIIUniversidad de los Andes, Mérida, Venezuela

Correspondência Correspondência: Justo J. Santiago Av. Fernandes Peña con Monseñor Chacon, residencias el Tepuy Apto 4-a Ejido - 5111, Mérida, Venezuela E-mail: : justos@ula.ve

RESUMO

FUNDAMENTO: As crianças picadas por escorpião, pressintam ativação maciça do sistema nervoso simpática com vários graus de disfunção sistólica ventricular esquerda.

OBJETIVO: Testar um protocolo de resgate em crianças com grave disfunção ventricular esquerda causada por picada de escorpião.

Métodos: Quatro crianças após serem picadas por escorpião foram submetidas a: Encubação endotraqueal e suporte respiratório, eletrocardiograma, radiografia de tórax, ecocardiograma e determinação sérica da norepinefrina e troponina I. As análises foram repetidas após 12, 24 e 48 horas. As seguintes medicações intravenosas foram administradas: dobutamina 4-6 μg/kg/min; amiodarona 3 mg/kg durante duas horas, com dose de manutenção de 5 mg/kg/dia; e furosemida 0,5 mg/kg. Amiodarona, dobutamina e furosemida foram administradas durante as primeiras 48 horas. Bloqueadores beta-adrenérgicos e inibidores da enzima conversora da angiotensina foram administrados até 48 após a internação, uma vez que o estado clínico havia melhorado e a fração de ejeção ventricular esquerda encontrava-se acima de 0,35%.

RESULTADOS: Na admissão, a dosagem da norepinefrina foi 1.727,50± 794,96 pg/ml, a de troponina I 24,53 ± 14,09 ng/ml e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi 0,20 ± 0,056. Após 12 horas, os níveis séricos de norepinefrina e de troponina I diminuíram para a metade dos valores iniciais e a fração de ejeção aumentou para 0,32 ± 0,059. Durante as 24 e 48 horas subseqüentes, a fração de ejeção elevou-se para 0,46 ± 0,045 (p<0,01) e a norepinefrina e de troponina I diminuíram para 526,75 ± 273,73 (p< 0,02) e 2,20 ± 2,36 (p<0,02) respectivamente.

CONCLUSÃO: É bem provável que a amiodarona, ao agir como neuromodulador, seja responsável pela redução rápida e progressiva dos níveis séricos de norepinefrina.

Palavras-chave: Venenos de escorpião, norepinefrina, amiodarona, betaagonistas.

Introdução

Identificamos, em Mérida, na Venezuela, áreas geográficas distintas em que a picada de escorpião é potencialmente letal1,2. Nossas descobertas iniciais indicaram que as manifestações clínicas eram predominantemente cardiovasculares (isto é, edema pulmonar e choque cardiogênico). Em uma segunda investigação clínica, realizamos ecocardiogramas bidimensionais e determinamos os níveis séricos de norepinefrina para avaliar simultaneamente a função cardíaca e a ativação simpática3. Nossos resultados revelaram que, nas crianças picadas por escorpião, o edema pulmonar e o choque cardiogênico eram acompanhados por uma ativação maciça do sistema nervoso simpático e por vários graus de disfunção sistólica ventricular esquerda reversível.

Os mecanismos pelos quais o veneno do escorpião provoca lesão miocárdica e disfunção sistólica ainda são objetos de grande controvérsia4-9. Acredita-se que a ativação do sistema nervoso simpático9,10 e os efeitos diretos do veneno sobre o miocárdio11-12 sejam responsáveis pela lesão miocárdica e disfunção sistólica. Os resultados dos exames histopatológicos em casos de morte por picada de escorpião em seres humanos mostraram evidências inequívocas de miocitólise coagulante5,7,13. Essas lesões, conhecidas como faixas de contração miocárdica, são consideradas a principal característica da cardiotoxicidade das catecolaminas14. Além disso, os níveis de troponina cardíaca, um marcador biológico de necrose miocárdica, registrados no momento da internação aumentam entre 24 e 36 horas após a picada15,16.

Crianças com edema pulmonar e choque cardiogênico causados por picada de escorpião geralmente apresentam um quadro clínico crítico e instabilidade hemodinâmica4,17. O objetivo do tratamento médico é fornecer assistência cardiorrespiratória para aumentar a perfusão e a oxigenação tecidual18. O ideal é que a cardioproteção contra a cardiotoxicidade da catecolamina se baseie no uso de antagonistas beta-adrenérgicos19,20. Entretanto, a presença de depressão aguda da função sistólica impede a administração desses medicamentos utilíssimos3,17,21,22. Por esse motivo, usamos a ação simpatolítica da amiodarona oral e intravenosa como terapia de resgate para crianças com grave disfunção ventricular esquerda causada por picada de escorpião23.

Métodos

Crianças encaminhadas ao Setor de Emergência Pediátrica do Hospital Universitário de Los Andes entre novembro de 2003 e novembro de 2004 com diagnóstico clínico de envenenamento por picada de escorpião e edema pulmonar ou choque cardiogênico foram tratadas de acordo com o seguinte protocolo de resgate para grave disfunção sistólica ventricular esquerda.

Na internação, depois que os pais das crianças assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, todos os pacientes foram avaliados pelo mesmo médico, que constatou instabilidade hemodinâmica. Intubação endotraqueal e suporte respiratório foram empregados quando necessário. Todos os pacientes foram submetidos aos seguintes exames não-invasivos: eletrocardiograma, radiografia de tórax, ecocardiograma bidimensional e exames de sangue. A coleta de sangue para análise incluiu amostras especiais para determinação de norepinefrina por cromatografia líquida de alta pressão19 e troponina I por imunoensaio enzimático (Immulite Automated Analyser, EUA). Nesse método, os valores normais de troponina I são inferiores a <1 ng/ml. As amostras de sangue e os ecocardiogramas bidimensionais foram repetidos 12, 24 e 48 horas após a internação, sendo que o pesquisador responsável por essa parte do protocolo não tinha conhecimento do quadro clínico do paciente. Este protocolo foi aprovado pelo Conselho de Ética e Pesquisas em Seres Humanos do Instituto de Investigaciones Cardiovasculares da Universidad de Los Andes.

Com base nos achados clínicos e ecocardiográficos de choque cardiogênico e grave depressão da função sistólica ventricular esquerda (Tabela 1: fração de ejeção 0,20 ± 0,056), o seguinte protocolo foi empregado:

1) Dobutamina intravenosa: 4 a 6 μg/kg/min.

2) Amiodarona intravenosa: 3 μg/kg durante duas horas, e dose de manutenção de 5 mg/kg/dia24

3) Furosemida: 0,5 mg/kg/dose.

4) Digitálicos: 10 μg/kg/dia.

Os diuréticos foram administrados quando a pressão arterial sistêmica estava acima do qüinquagésimo percentil25. Amiodarona, dobutamina e furosemida foram administradas durante as primeiras 48 horas. Betabloqueadores (carvedilol 0,04 mg/kg de doze em doze horas) e inibidores da enzima conversora da angiotensina (captopril 0,01 mg/kg de oito em oito horas)26 foram administrados até 48 horas da internação, uma vez que os pacientes apresentaram melhora da função ventricular esquerda (fração de ejeção > 0,35) e do quadro clínico. As doses de dobutamina, amiodarona e furosemida foram reduzidas progressivamente até serem suspensas.

Os resultados são apresentados com média ± DP. A análise estatística dos resultados ecocardiográficos, neuro-hormonais e bioquímicos foi realizada por análise de variância para medidas repetidas, regressão linear e análise de correlação. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes.

Resultados

Quatro crianças picadas por escorpião foram encaminhadas ao setor de emergência do Hospital Universitário de Los Andes em Mérida, Venezuela. As crianças eram procedentes de áreas rurais no sudoeste da Venezuela e foram tratadas com antiveneno no local do acidente (soro antiescorpiônico, Centro de Biotecnologia da Universidad Central de Caracas, Venezuela).

Características clínicas, epidemiológica, eletrocardiográficas e ecocardiográficas

Como mostra a tabela 1, dois pacientes eram do sexo masculino e dois eram do sexo feminino, com idades entre 3 e 14 anos. O tempo transcorrido entre o acidente e a administração do antiveneno foi de 7,0 ± 4,54 horas. As freqüências cardíaca e respiratória estavam acentuadamente aumentadas, e a pressão arterial estava abaixo do terceiro percentil.

O eletrocardiograma dos quatro pacientes estava normal (Figura 1), e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo estava bastante deprimida (0,20 ± 0,056).


Alterações ecocardiográficas, neuro-hormonais e bioquímicas durante a administração do protocolo de resgate para disfunção sistólica ventricular esquerda

Na internação, os níveis séricos de norepinefrina (1.727,50 ± 794,96 ng/ml) e troponina I (24,53 ± 14,09) estavam consideravelmente elevados, e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo estava gravemente deprimida (0,20 ± 0,056) (Tabela 2, Figura 1A). Doze horas após a implementação deste protocolo de resgate, os níveis séricos médios de norepinefrina (p < 0,02) e troponina I haviam caído para a metade dos valores iniciais, e a fração de ejeção havia aumentado de 0,20 ± 0,056 para 0,32 ± 0,059. Durante as 48 horas subseqüentes, a fração de ejeção retornou a valores próximos do normal (0,46 ± 0,045, p < 0,01) e os marcadores bioquímicos de ativação simpática (p < 0,02) e necrose miocárdica (p < 0,002) também diminuíram significativamente (Tabela 2).

A figura 2 ilustra a melhora extraordinária na motilidade da parede septal e na função ventricular esquerda. Observou-se uma correlação inversa e significante entre os níveis séricos de norepinefrina (r = - 0,76, p < 0,004) e troponina I (r = - 0,60, p < 0,01) e a fração de ejeção. Em contrapartida, houve uma correlação direta e significante entre os níveis séricos de norepinefrina e troponina T (r = 0,60, p < 0,01) (Figura 3).



Discussão

Os ecocardiogramas bidimensionais e os parâmetros hemodinâmicos revelaram sistematicamente a existência de depressão aguda da função ventricular esquerda17,4. Embora os resultados dos exames histopatológicos e bioquímicos tenham documentaram a presença de cardiotoxicidade por catecolaminas4,14,6 e necrose miocárdica5,7, o tratamento clínico atual das manifestações cardiovasculares decorrentes de picada de escorpião baseia-se principalmente em ventilação mecânica e suporte inotrópico positivo17,18. Além disso, estudos clínicos e experimentais indicaram claramente que agonistas beta-adrenérgicos podem aumentar os efeitos deletérios da ativação simpática maciça no miocárdio27,28.

Crianças com disfunção sistólica aguda do ventrículo esquerdo causada por picada de escorpião precisam de suporte inotrópico positivo por meio de catecolaminas endógenas e agonistas beta-adrenérgicos exógenos18. Em uma tentativa de modular a ativação simpática maciça provocada pelo veneno do escorpião e minimizar a necessidade de suporte inotrópico positivo com agonistas beta-adrenérgicos, empregamos um protocolo de resgate antiadrenérgico para depressão aguda da função sistólica ventricular esquerda. O protocolo de resgate baseia-se nos efeitos favoráveis da amiodarona intravenosa em crianças gravemente enfermas23. A administração intravenosa de amiodarona tem efeitos simpatolíticos e vagotônicos29. Além disso, a amiodarona reduz seletivamente o fluxo eferente simpático para o coração e melhora a função ventricular esquerda30-33.

No momento da internação, nossos pacientes com depressão aguda da função ventricular esquerda apresentaram evidências bioquímicas de ativação simpática maciça e necrose miocárdica. Os níveis séricos de norepinefrina e troponina I estavam acentuadamente elevados. Doze horas após a implementação do protocolo antiadrenérgico de resgate para disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, ecocardiogramas e dosagens de troponina I e norepinefrina seriados mostraram uma melhora extraordinária da função ventricular esquerda e redução do grau de ativação simpática e necrose miocárdica. Durante esse período, nossos pacientes foram tratados com diuréticos, agonistas beta-adrenérgicos e amiodarona. Sabe-se que os diuréticos e agonistas beta-adrenérgicos aumentam a ativação simpática e a taxa de mortalidade na presença de disfunção ventricular esquerda34,35, ao passo que a amiodarona tem efeitos opostos sobre a ativação simpática e a taxa de mortalidade22,36. Portanto, os efeitos bastante favoráveis do nosso protocolo antiadrenérgico de resgate provavelmente se devem aos efeitos simpatolíticos e vagotônicos da amiodarona29-31.

Os níveis séricos de norepinefrina estão diretamente correlacionados com a troponina I e inversamente correlacionados com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo

Uma possível explicação para esses achados foi oferecida por um recente estudo clínico que avaliou simultaneamente a perfusão miocárdica, a função ventricular esquerda e a motilidade regional da parede ventricular6. Os defeitos reversíveis de perfusão miocárdica estavam topograficamente associados com anormalidades na motilidade regional da parede ventricular. Além disso, a melhora da função ventricular esquerda e da motilidade da parede ventricular ocorreu concomitantemente com a normalização da perfusão miocárdica. Em outras palavras, é bem provável que a norepinefrina, por meio de seus efeitos diretos sobre o miocárdio (isto é, necrose) e sobre a microcirculação coronariana (isto é, vasoespasmo), seja responsável tanto pela necrose miocárdica quanto pela disfunção sistólica ventricular esquerda.

Conclusão

Por fim, nossos pacientes tinham recebido antiveneno no local do acidente37. Entretanto, o tempo transcorrido entre o acidente e a administração do antiveneno extrapolou o tempo ideal para seus efeitos benéficos1. Provavelmente isso explica o desenvolvimento de edema pulmonar e choque cardiogênico2. Vale ressaltar que esse foi um estudo aberto e não-randomizado baseado em um pequeno número de casos. Nossos achados encorajadores oferecem uma alternativa terapêutica para uma estratégia potencialmente danosa baseada em doses elevadas e administração prolongada de agonistas beta-adrenérgicos. É preciso que seja efetuado um protocolo de resgate randomizado sobre os efeitos neuromodulatórios da amiodarona.

Artigo recebido em 12/12/06; revisado recebido em 16/07/07; aceito em 09/10/07.

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  • Correspondência:
    Justo J. Santiago
    Av. Fernandes Peña con Monseñor Chacon, residencias el Tepuy Apto 4-a
    Ejido - 5111, Mérida, Venezuela
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Jan 2010

    Histórico

    • Recebido
      12 Dez 2006
    • Aceito
      09 Out 2007
    • Revisado
      16 Jul 2007
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