Acessibilidade / Reportar erro

CORRELAÇÃO DA DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA E SÍNDROME METABÓLICA EM PACIENTES OBESOS MÓRBIDOS EM PREPARO PRÉ-OPERATÓRIO PARA CIRURGIA BARIÁTRICA

RESUMO

Racional:

A obesidade é doença epidêmica e crônica que pode trazer outras comorbidades ao paciente. A doença hepática gordurosa não alcoólica está presente em até 90% desses pacientes e pode evoluir para hepatite e hepatocarcinoma. A relação desta hepatopatia e a obesidade já é bem conhecida; porém, é possível que alguns parâmetros das comorbidades estejam mais relacionados do que outros na fisiopatogenia da doença.

Objetivo:

Correlacionar a doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) com as comorbidades da síndrome metabólica em pacientes obesos mórbidos em pré-operatório de cirurgia bariátrica.

Métodos:

Avaliação ultrassonográfica e laboratorial de pacientes obesos em pré-operatório para cirurgia bariátrica. Durante o preparo para a operação em todos os pacientes foi avaliada DHGNA através de ultrassonografia. De acordo com o resultado, os pacientes foram separados em dois grupos: sem DHGNA e com DHGNA. Para análise entre os grupos, avaliaram-se as seguintes variáveis clínicas e laboratoriais: insulina, HOMA-IR, hemoglobina glicada, colesterol total e frações, triglicerídeos, transaminase pirúvica, transaminase glutâmico oxalacética, gama glutamil transferase, proteína C reativa, albumina, ferritina. Os pacientes que relataram uso de bebida alcoólica ou que apresentaram hepatite foram excluídos do estudo.

Resultados:

Avaliou-se um total de 82 pacientes (74 mulheres e 8 homens), sendo 53 (64.6%) com DHGNA e 29 (35.4%) sem. Os níveis de hemoglobina glicada (p=0.05) e de LDL (p=0.01) mostraram-se mais relacionados no grupo de pacientes com DHGNA.

Conclusão:

A hemoglobina glicada e o LDL tiveram relação com a presença de DHGA.

DESCRITORES :
Cirurgia bariátrica; Obesidade mórbida; Hepatopatia gordurosa não alcoólica

ABSTRACT

Background:

Obesity is an epidemic and chronic disease that can bring other comorbidities to the patient. Non-alcoholic fatty liver disease is present in up to 90% of these patients and can progress to hepatitis and hepatocarcinoma. The relationship of this liver disease and obesity is already well known; however, it is possible that some parameters of the comorbidities are more related than others in the pathophysiology of the disease.

Aim:

Was analyzed the relationship between non-alcoholic fatty liver disease (NAFLD) and the comorbidities of metabolic syndrome in morbidly obese patients.

Methods:

Was involved ultrasonography and laboratory assessment of obese patients before bariatric surgery. NAFLD was assessed using the same sonography parameters for all patients. Based on the results, the patients were divided into groups with and without NAFLD. Comparisons between them involved clinical and laboratory variables such as fasting blood glucose, insulin, HOMA-IR (homeostasis model assessment - insulin resistance), glycated hemoglobin, total cholesterol and fractions, triglycerides, alanine aminotransferase, aspartate aminotransferase, gamma glutamyl transferase, C-reactive protein, albumin and ferritin. Patients who reported alcohol abuse (defined as the consumption of >14 drinks per week) or who had hepatitis were excluded.

Results:

Eighty-two patients (74 women and 8 men) were studied, of whom 53 (64.6%) had NAFLD and 29 (35.4%) did not. The levels of glycated hemoglobin (p=0.05) and LDL cholesterol (p=0.01) were significantly altered in patients with NAFLD. However, weight, body mass index and excess weight did not differ significantly between the groups (p=0.835, p=0.488 and p=0.727, respectively).

Conclusions:

Altered LDL cholesterol and glycated hemoglobin levels were related to the presence of NAFLD.

HEADINGS :
Bariatric surgery. Obesity; morbid. Fatty liver.

INTRODUÇÃO

A obesidade mórbida e a síndrome metabólica atingem atualmente um número expressivo de indivíduos no mundo inteiro e também no brasil88. de Souza MDG, Vilar L, de Andreade CB, Albuquerque RO, Cordeiro LHO, Campos JM, Ferraz AAB. Obesity prevalence and metabolic syndrome in a park users. Arq Bras Cir Dig. 2015;28 Suppl 1:31-5.,1111. Gard M, Wright J. The Obesity Epidemic: Science, Morality and Ideology. Routledge: Abingdon, 2005.. O número de operações bariátricas no Brasil acompanha esta epidemia com a realização de 80 mil operações em 2014 como mostra um recente estudo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e metabólica2626. Ramos AC. Brazil looking for completing his space in bariatric surgery. Arq bras Cir Dig. 2014;27 Suppl 1:1..

Tão grave quanto a obesidade mórbida em si são as comorbidades associadas a ela como a hipertensão arterial, a dislipidemia e o diabete melito tipo 2. No entanto, a maioria das comorbidades relacionadas passam desapercebidas durante anos antes de aparecerem os primeiros sintomas, como é o caso da doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA). Em breve, esta condição pode ser a forma mais comum de hepatite crônica nos Estados Unidos da América e está projetado para substituir a hepatite C como a principal indicação de transplante hepático66. Charlton MR, Burns JM, Pedersen RA, Watt KD, Heimbach JK, Dierkhising RA. Frequence and outcomes of liver transplantation for nonalcoholic steatohepatitis in the United States. Gastroenterology 2011; 141(4):1249-53.,2020. Merion RM. Current status and future of liver transplantation. Semin Liver Dis 2010;30(4):411-21..

A DHGNA é bem frequente na população de pacientes obesos mórbidos; porém, é sub-diagnosticada e sem a conotação de gravidade na prática médica que deveria ter, tendo em vista sua gravidade. Tal agressividade pode ser constatada em até mesmo em casos de pacientes jovens, requerendo por vezes até mesmo transplante hepático precoce2525. Pajecki D, Cesconetto DM, Macacari R, Joaquim H, Andraus W, de Cleva R, Santo MA, D´Albuquerque LA, Cecconello I. Bariatric surhery (sleeve gastrectomy) after liver transplantation: case report. Arq Bras Cir Dig. 2014 Dec; 27(Suppl 1): 81-83. doi: 10.1590/S0102-6720201400S100021
https://doi.org/10.1590/S0102-6720201400...
.

Ela se encontra presente em até 20% da população em geral e pode alcançar valores de até 90% entre obesos mórbidos55. Centers for Disease Control and Prevention. National Health and Nutrition Examination Survey. NAHNES. 2004 [Accessed July 2013]; Available from: http://www.cdc.gov/nchs/about/major/nhanes/datalink.htm.
http://www.cdc.gov/nchs/about/major/nhan...
. A DHGNA abrange espectro de lesões: esteatose, hepatite e fibrose. Não muito raro, essas três entidades se encontram presentes no mesmo paciente, sendo que, na presença de fibrose, a evolução para cirrose e hepatocarcinoma pode acontecer em 20% e 10% dos casos respectivamente11. Adams LA, Lymp JF, St Sauver J, et al. The natural history of nonalcoholic fatty liver disease: a population-based cohort study. Gastroenterology 2005 Jul;129(1):113-21.. Alguns estudos prospectivos com biópsia investigativa para cirrose criptogênica mostram ainda que a DHGNA está relacionada ao diabete melito tipo 2 e/ou obesidade em 73% dos casos44. Caldwell SH, Oelsner DH, Iezzoni JC, Hespenheide EE, Battle EH, Driscoll CJ. Cryptogenic cirrhosis: clinical characterization and risk factors for underlying disease. Hepatology. 1999 Mar;29(3):664-9.. Diversos fatores da síndrome metabólica já foram correlacionados com esta lesão hepática: diabete, resistência insulínica, dislipidemia e hipertensão arterial1010. El-Serag HB, Tran T, Everhart JE. Diabetes increases the risk of chronic liver disease and hepatocellular carcinoma. Gastroenterology. 2004 Feb;126 (2):460-8.,1313. Kimura Y, Hyogo H, Yamaqishi S, et al. Atorvastatin decreases serum levels of advanced glycation endproducts (AGEs) in nonalcoholic steatohepatitis (NASH) patients with dyslipidemia: clinical usefulness of AGEs as a biomarker for the attenuation of NASH. J Gastroenterol. 2010 Jul;45(7):750-7.,1919. McCullough AJ. Diabetes mellitus, obesity, and hepatic steatosis. Semin Gastrointes Dis. 2002 Jan;13(1):17-30.,3434. Yokohama S, Yoneda M, Haneda M, et al. Therapeutic ef?cacy of an angiotensin II receptor antagonist in patients with nonalcoholic steatohepatitis. Hepatology 2004 Nov;40(5):1222-5..

Durante o preparo pré-operatório para operação bariátrica, todo paciente deve realizar avaliação hepática e caso confirme doença hepática avançada ou em atividade, biópsia antes ou durante a operação pode ser necessária conforme advogam alguns autores3232. Verna EC. Liver biopsy at the time of bariatric surgery: a benefit for patients and the medical community. Semin Liver Dis. 2014 Feb;34(1):1-6.. A avaliação ultrassonográfica da DHGNA como método único já se mostrou eficaz no diagnóstico da DHGNA2424. Otgonsuren M, Michael MJ, Hossain N, et al. A Single Non-invasive Model to Diagnose Non-alcoholic Fatty Liver Disease (NAFLD) and Non-alcoholic Steatohepatitis (NASH). J Gastroenterol Hepatol. 2014 Jul 6. doi: 10.1111/jgh.12665. [Epub ahead of print]
https://doi.org/10.1111/jgh.12665...
. Além disso, alterações no hepatograma podem alertar para lesão aguda do parênquima hepático. Atualmente, a cirurgia bariátrica além de já ser considerada o tratamento padrão-ouro para perda de peso e resolução de algumas comorbidades, vem sendo considerada também o melhor tratamento para a DHGNA em pacientes obesos1414. Lassailly G, Caiazzo R, Pattou F, Mathurin P. Bariatric surgery for curing NASH in the morbidly obese? Journal of Hepatology. 2013; 58(6):1249-51.,2727. Schauer PR, Bhatt DL, Kirwan JP, Wolski K, et al. Bariatric surgery versus intensive medical therapy for diabetes - 3-year outcomes. N Engl J Med 2014; 370:2002-13.,3131. Verbeek J, Lannoo M, Pirinen E, et al. Non-alcoholic fatty liver disease: roux-en-y gastric bypass attenuates hepatic mitochondrial dysfunction in mice with non-alcoholic steatohepatitis. Gut gutjnl 2014-306748. doi:10.136/gutjnl-2014-306748. [Epub ahead of print]
https://doi.org/10.136/gutjnl-2014-30674...
.

O objetivo deste estudo foi investigar a correlação da DHGNA com as comorbidades relacionadas à obesidade mórbida durante o pré-operatório para operação bariátrica.

MÉTODOS

População do estudo

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal Fluminense (Parecer 363.683). Trata-se de um ensaio clínico com pacientes em preparo pré-operatório para cirurgia bariátrica do Serviço de Cirurgia Bariátrica e Metabólica do Hospital Federal do Andaraí, Rio de Janeiro, Brasil. Durante o preparo para a operação - obrigatório por pelo menos um ano conforme regulamentação do Conselho Federal de Medicina -, todos os pacientes foram examinados e acompanhados pela mesma equipe multidisciplinar do serviço: cirurgião bariátrico, endocrinologista, nutricionista, psicóloga, fisioterapeuta, odontologista e assistente social.

Utilizou-se como critério de inclusão a obesidade mórbida grau II ou III (IMC>35) em preparo para cirurgia bariátrica. Os critérios de exclusão foram: idade menor que 18 anos ou maiores que 65 anos, doenças crônicas (insuficiência cardíaca, hepatopatias crônicas), abuso no consumo de álcool (o abuso foi considerado naqueles que consomem mais de 14 doses por semana).

Avaliação clínica

A avaliação ultrassonográfica foi realizada na semana anterior à operação e seguiu o mesmo padrão de medição para todos os pacientes. Todas as variáveis antropométricas foram colhidas pelo mesmo cirurgião: peso, altura e índice de massa corpórea (IMC). Para o cálculo do peso ideal utilizou-se a formula de Lorentz: peso ideal=(altura - 100) - (altura - 150) / K, onde o valor de K é 4 para homens e 2 para mulheres1616. Lorentz FH. Der konstitutionsindex der frau. Klin Wochenshr 1929; 16: 734-6.. Sendo assim, pode-se calcular medida de grande importância clínica que é o excesso de peso calculado pelo peso absoluto subtraído do peso ideal.

Foi colhido para análise na semana anterior a operação os seguintes exames: hemoglobina glicada, lipidograma, transaminase pirúvica, transaminase glutâmico oxalacética, gama glutamil transferase, proteína C reativa, albumina, ferritina, hemoglobina glicada, glicemia de jejum, insulina e cálculo do HOMA-IR (Homeostasis Model Assessment - Insulin Resistance)1717. Marchesini G, Brizi M, Bianchi G et al. Nonalcoholic fatty liver disease: a feature of the metabolic syndrome. Diabetes 2001; 50:1844-50.. O cálculo do HOMA-IR para avaliar a resistência insulínica periférica foi calculada pela seguinte formula: glicemia x 0,0555 x insulina / 22,5 (assumindo valores normais ≤3,40).

Para análise das variáveis laboratoriais utilizaram-se resultados possíveis: normal ou elevado/anormais. De acordo com a definição de síndrome metabólica, consideraram-se os seguintes valores anormais: uso de anti-hipertensivos ou pressão arterial >130/85 mmHg; diabete melito tipo 2 (uso de medicação, HbA1 >6.0 ou glicemia de jejum >126 mg/dl); colesterol >200 mg/dl; triglicerídeos >140 mg/dl; HDL <40 mg/dl para homens e <50 mg/dl para mulheres99. Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ. The metabolic syndrome. Lancet 2005;365:1415-28.. O restante de valores assumidos como normais foram: TGO <40 U/l; TGP <56 U/l; GGT <61 U/l para homens e <36 U/l para mulheres; albumina entre 35 a 55 g/l; ferritina 10 a 80 µ/l; PCR <1 mg/l.

Análise estatística

Nas análises descritivas, as variáveis contínuas foram expressas em média, ±desvio-padrão e valores mínimos e máximos. Utilizou-se para análise estatística o teste qui-quadrado para comparação do grupo de pacientes com ou sem DHGNA e respectivas comorbidades, e o teste não paramétrico de Mann-Whitney para análise das variáveis contínuas, adotando p<0.05 como associação estatisticamente significativa. Todas as análises foram feitas usando o software IMB(r) SPSS(r) Statistics(r) versão 20.0.0.

RESULTADO

Avaliou-se um total de 82 pacientes, 74 mulheres (90.2%) e 8 homens (9.8%), com média de idade de 42.6 (±11.78). Nos pacientes com DHGNA, o IMC teve média de 48.2 (±6.8) variando de 35.3 a 67.4 e nos pacientes sem DHGNA 49.1 (±7.08) variando de 37,4 a 69,6 (p=0.64).

O peso médio dos pacientes com DHGNA foi de 128 kg (±20) e dos sem DHGNA de 126 kg (±18, p=0.89. O excesso de peso nos pacientes com DHGNA teve média de 70.3 kg (±18.3) e variação de 31.6 a 121.0 kg e nos pacientes sem DHGNA teve média de 74.1 (±25.1) variando de 89.0 a 165.5 kg (Figura 1).

FIGURA 1
Comparação do peso, excesso de peso e do IMC entre indivíduos com e sem DHGNA (doença hepática gordurosa não alcoólica) representado em um gráfico de caixas. Não houve diferença significativa entre os três parâmetros (p=0.835, p=0.727 e p=0.488 para peso, excesso de peso e IMC respectivamente). Análise estatística realizada pelo Mann- Whitney U test apresentou p<0.05 indicando diferença estatística.

Os pacientes com DHGNA apresentaram maior frequência de níveis elevados de HbA1c (p=0,054), HOMA-IR (p=0,001) e aumento dos níveis de colesterol LDL (p=0,01). A Tabela 1 resume os resultados das variáveis analisadas em relação à ausência ou presença de NAFLD.

TABELA 1
Resultados para comorbidades entre os grupos com e sem DHGNA

DISCUSSÃO

Por muito tempo a DHGNA foi vista como condição benigna sem muita importância clínica. Com a epidemia mundial de obesidade mórbida, síndrome metabólica e cirurgia bariátrica, a DHGNA começou a ser alvo de intensa pesquisa. Alguns autores vão mais além, e já consideram a DHGNA como mais um componente da síndrome metabólica1717. Marchesini G, Brizi M, Bianchi G et al. Nonalcoholic fatty liver disease: a feature of the metabolic syndrome. Diabetes 2001; 50:1844-50.. No entanto, a fisiopatogenia da lesão hepática em pacientes obesos com síndrome metabólica continua ainda controverso.

Apesar da relação entre obesidade e a DHGNA estar bem estabelecida, o IMC e o peso absoluto do paciente não parecem estar diretamente relacionados. Younossi et al., através de estudo com número expressivo de pacientes não obesos mostrou que a DHGNA não estava diretamente associada ao peso (p<0.05) e concluiram que esses pacientes têm perfil clínico diferente do obeso, mas invariavelmente possui componente da síndrome metabólica3535. Younossi ZM, Stepanova M, Negro F, et al. Nonalcoholic fatty liver disease in lean individuals in the United States. Medicine (Baltimore) 2012 Nov;91(6):319-27.. Gupte et al., estudando a relação do diabete melito tipo 2 e DHGNA também não identificou a relação do IMC com à lesão hepática1212. Gupte P, Amarapurkar D, Agal S, et al. Non-alcoholic steatohepatitis in type 2 diabetes mellitus. J Gastroenterol Hepatol. 2004 Aug;19(8):854-8.. Na análise desta amostra com e sem DHGNA não se encontrou diferença estatisticamente significativa entre os grupos em relação ao peso absoluto (p=0.83), ao IMC (p=0.48) e nem ao excesso de peso (p=0.72). Esse fato reforça a hipótese de que o componente metabólico da obesidade mórbida estaria mais relacionado com a fisiopatogenia da DHGNA do que o tamanho do paciente em si e que provavelmente o mecanismo ao qual a síndrome metabólica causa DHGNA também é diferente. Recentemente, o estudo CURES (Chennai Urban Rural Epidemiology Study) identificou diferenças metabólicas entre a DHGNA do obeso e a do paciente não obeso3030. Vendhan R, Amutha A, Anjana RM, Unnikrishnan R, Deepa M, Mohan V. Comparison of characteristics between nonobese and overweight/obesesubjects with nonalcoholic fatty liver disease in a South Indian population. Diabetes Technol Ther. 2014 Jan;16(1):48-55.. Comparado com pacientes obesos, a glicemia (p<0.05) e o HOMA-IR (p<0.001) foram menores e o LDL colesterol (p<0.001) foi maior do que na amostra dos não obesos.

Em alguns pacientes, a DHGNA pode elevar as transaminases mesmo sem apresentar sinais e sintomas. Dentre elas, a TGO tem sido usada como marcador de depósito gorduroso no fígado3333. Wannamethee SG, Shaper AG, Lennon L, Whincup PH. Hepatic enzymes, the metabolic syndrome, and the risk of type 2 diabetes in older men. Diabetes Care 2005; 28: 2913-18.. Estudos seccionais têm achado associação de TGO e síndrome metabólica e trabalhos epidemiológicos prospectivos mostram ainda que pacientes portadores de DHGNA e aumento de TGO, têm maior risco de desenvolver diabete melito tipo 21515. Leite NC, Salles GF, Araujo AL, Villela-Nogueira CA, Cardoso CR. Prevalence and associated factors of non-alcoholic fatty liver disease in patients with type-2 diabetes mellitus. Liver Int. 2009 Jan;29(1):113-9.. No trabalho de Ong et al. os níveis de TGO foram não só fator independente para a presença de DHGNA, mas também variável associada à fibrose avançada2323. Ong JP, Elariny H, Collantes R, et al. Predictors of nonalcoholic steatohepatitis and advanced fibrosis in morbidly obese patients. Obes Surg. 2005 Mar;15(3):310-5.. Curiosamente, não se encontrou diferença dos valores de TGO (p=0.19), TGP (p=0.20) ou GGT (p=0.11) entre os grupos de pacientes obesos com e sem DHGNA.

DHGNA e diabete melito tipo 2 frequentemente coexistem e dividem fisiopatogenia semelhante, como por exemplo o excesso de adipócitos, alteração do metabolismo e resistência insulínica. Estudos mostram que a DHGNA prevê o desenvolvimento de diabete melito e vice-versa, e que uma condição serve como fator para progressão da outra2121. Musso D, Gambino R, Cassader M, Pagano G. Meta-analysis: natural history of non-alcoholic fatty liver disease (NAFLD) and diagnostic accuracy of non-invasive tests for liver disease severity. Ann Med 2011 Dec; 43(8):617-49.. Em estudo prospectivo com biopsia em pacientes submetidos à operação bariátrica, Ong et al acharam prevalência de 93% de pacientes com DHGNA, sendo que o diabete melito tipo 2 foi achado como fator independente de associação. Avaliando também através de ultrassonografia em pacientes obesos, Ballestri S, encontrou correlação do HOMA-IR e insulina com a DHGNA, exceto os já com fibrose33. Ballestri S1, Lonardo A, Romagnoli D, et al. Ultrasonographic fatty liver indicator a novel score which rules out NASH and is correlated with metabolic parameters in NAFLD. Liver Int. 2012 Sep;32(8):1242-52.. Nesta amostra, encontrou-se relação dos pacientes com DHGNA e níveis aumentados de HbA1 (p=0.05), porém não com associação com o HOMA-IR (p=0.09), a glicemia (p=0.67) e a insulina (p=0.1). Acredita-se que a glicemia e a insulina tenham grandes variações em seus níveis durante o dia e que a HbA1 retrata de maneira mais fidedigna a exposição crônica do diabete melito tipo 2 e, portanto, seria marcador promissor para avaliar a lesão. Bae et al., em estudo transversal compararam a prevalência de DHGNA em diferentes níveis de diabete melito de acordo com a HbA1 e a resistência insulínica22. Bae JC, Cho YK, Lee WY, et al. Impact of nonalcoholic fatty liver disease on insulin resistance in relation to HbA1c levels in non-diabetic subjects. Am J Gastroenterol. 2010 Nov;105(11):2389-95.. Os autores encontraram OR 1.44, 2.62 e 7.18 para níveis de HbA1de 5.0 a 5.4, 5.5 a 5.9 e 6.0 a 6.4% respectivamente, quando comparados com níveis menores que 4.9%, o que mostra a relação de intensidade da variável em relação a lesão hepática (p<0.001).

A presença de dislipidemia em pacientes com DHGNA tem sido relatada em até 80% dos casos2929. Souza MR, Diniz Mde F, Medeiros-Filho JE, Araújo MS. Metabolic syndrome and risk factors for non-alcoholic fatty liver disease. Arq Gastroenterol. 2012 Jan-Mar;49(1):89-96.. DeFilippis et al., usando a amostra do ensaio clinico MESA (Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis) em grupo de pacientes com distúrbios lipídicos, encontrou prevalência de 17% com DHGNA77. DeFilippis AP, Blaha MJ, Martin SS, et al. Nonalcoholic fatty liver disease and serum lipoproteins: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis. Atherosclerosis. 2013 Apr;227(2):429-36.. Os parâmetros avaliados que tiveram diferença significativa com a lesão hepática foram níveis elevados de triglicerídeos e LDL, porém níveis baixos de HDL (p<0.05). Gupte et al. estudando o grau de lesão da DHGNA e síndrome metabólica não acharam diferença estatisticamente significativa nos níveis de colesterol ou triglicerídeos (p>0.05)1212. Gupte P, Amarapurkar D, Agal S, et al. Non-alcoholic steatohepatitis in type 2 diabetes mellitus. J Gastroenterol Hepatol. 2004 Aug;19(8):854-8.. Apesar de ter sido encontrada maior relação do LDL no grupo com DHGNA (p=0.01), o mesmo não foi observado com os níveis de HDL (p=0.69), nem de TG (p=0.23). Baseado nessa linha de pensamento, alguns autores advogam inclusive medicações de pacientes diabéticos para o tratamento da DHGNA, como a meftormina e apioglitazona2222. Nar A, Gedik O. The effect of metformin on leptin in obese patients with type 2 diabetes mellitus and nonalcoholic fatty liver disease. Acta Diabetol. 2009 Jun;46(2):113-8.,2727. Schauer PR, Bhatt DL, Kirwan JP, Wolski K, et al. Bariatric surgery versus intensive medical therapy for diabetes - 3-year outcomes. N Engl J Med 2014; 370:2002-13..

CONCLUSÃO

A DHGNA foi estreitamente correlacionada com a síndrome metabólica, especialmente com diabete melito tipo 2 e dislipidemia. Esta constatação sugere que a alta incidência de esteatose hepática na população de pacientes obesos está provavelmente relacionada à síndrome metabólica.

REFERENCES

  • 1
    Adams LA, Lymp JF, St Sauver J, et al. The natural history of nonalcoholic fatty liver disease: a population-based cohort study. Gastroenterology 2005 Jul;129(1):113-21.
  • 2
    Bae JC, Cho YK, Lee WY, et al. Impact of nonalcoholic fatty liver disease on insulin resistance in relation to HbA1c levels in non-diabetic subjects. Am J Gastroenterol. 2010 Nov;105(11):2389-95.
  • 3
    Ballestri S1, Lonardo A, Romagnoli D, et al. Ultrasonographic fatty liver indicator a novel score which rules out NASH and is correlated with metabolic parameters in NAFLD. Liver Int. 2012 Sep;32(8):1242-52.
  • 4
    Caldwell SH, Oelsner DH, Iezzoni JC, Hespenheide EE, Battle EH, Driscoll CJ. Cryptogenic cirrhosis: clinical characterization and risk factors for underlying disease. Hepatology. 1999 Mar;29(3):664-9.
  • 5
    Centers for Disease Control and Prevention. National Health and Nutrition Examination Survey. NAHNES. 2004 [Accessed July 2013]; Available from: http://www.cdc.gov/nchs/about/major/nhanes/datalink.htm
    » http://www.cdc.gov/nchs/about/major/nhanes/datalink.htm
  • 6
    Charlton MR, Burns JM, Pedersen RA, Watt KD, Heimbach JK, Dierkhising RA. Frequence and outcomes of liver transplantation for nonalcoholic steatohepatitis in the United States. Gastroenterology 2011; 141(4):1249-53.
  • 7
    DeFilippis AP, Blaha MJ, Martin SS, et al. Nonalcoholic fatty liver disease and serum lipoproteins: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis. Atherosclerosis. 2013 Apr;227(2):429-36.
  • 8
    de Souza MDG, Vilar L, de Andreade CB, Albuquerque RO, Cordeiro LHO, Campos JM, Ferraz AAB. Obesity prevalence and metabolic syndrome in a park users. Arq Bras Cir Dig. 2015;28 Suppl 1:31-5.
  • 9
    Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ. The metabolic syndrome. Lancet 2005;365:1415-28.
  • 10
    El-Serag HB, Tran T, Everhart JE. Diabetes increases the risk of chronic liver disease and hepatocellular carcinoma. Gastroenterology. 2004 Feb;126 (2):460-8.
  • 11
    Gard M, Wright J. The Obesity Epidemic: Science, Morality and Ideology. Routledge: Abingdon, 2005.
  • 12
    Gupte P, Amarapurkar D, Agal S, et al. Non-alcoholic steatohepatitis in type 2 diabetes mellitus. J Gastroenterol Hepatol. 2004 Aug;19(8):854-8.
  • 13
    Kimura Y, Hyogo H, Yamaqishi S, et al. Atorvastatin decreases serum levels of advanced glycation endproducts (AGEs) in nonalcoholic steatohepatitis (NASH) patients with dyslipidemia: clinical usefulness of AGEs as a biomarker for the attenuation of NASH. J Gastroenterol. 2010 Jul;45(7):750-7.
  • 14
    Lassailly G, Caiazzo R, Pattou F, Mathurin P. Bariatric surgery for curing NASH in the morbidly obese? Journal of Hepatology. 2013; 58(6):1249-51.
  • 15
    Leite NC, Salles GF, Araujo AL, Villela-Nogueira CA, Cardoso CR. Prevalence and associated factors of non-alcoholic fatty liver disease in patients with type-2 diabetes mellitus. Liver Int. 2009 Jan;29(1):113-9.
  • 16
    Lorentz FH. Der konstitutionsindex der frau. Klin Wochenshr 1929; 16: 734-6.
  • 17
    Marchesini G, Brizi M, Bianchi G et al. Nonalcoholic fatty liver disease: a feature of the metabolic syndrome. Diabetes 2001; 50:1844-50.
  • 18
    Matthews DR, Hosker JP, Rudenski AS, Naylor BA, Treacher DF, Turner RC. Homeostasis model assessment: insulin resistance and beta-cell function from fasting plasma glucose and insulin concentrations in man. Diabetologia. 1985 Jul;28(7):412-9.
  • 19
    McCullough AJ. Diabetes mellitus, obesity, and hepatic steatosis. Semin Gastrointes Dis. 2002 Jan;13(1):17-30.
  • 20
    Merion RM. Current status and future of liver transplantation. Semin Liver Dis 2010;30(4):411-21.
  • 21
    Musso D, Gambino R, Cassader M, Pagano G. Meta-analysis: natural history of non-alcoholic fatty liver disease (NAFLD) and diagnostic accuracy of non-invasive tests for liver disease severity. Ann Med 2011 Dec; 43(8):617-49.
  • 22
    Nar A, Gedik O. The effect of metformin on leptin in obese patients with type 2 diabetes mellitus and nonalcoholic fatty liver disease. Acta Diabetol. 2009 Jun;46(2):113-8.
  • 23
    Ong JP, Elariny H, Collantes R, et al. Predictors of nonalcoholic steatohepatitis and advanced fibrosis in morbidly obese patients. Obes Surg. 2005 Mar;15(3):310-5.
  • 24
    Otgonsuren M, Michael MJ, Hossain N, et al. A Single Non-invasive Model to Diagnose Non-alcoholic Fatty Liver Disease (NAFLD) and Non-alcoholic Steatohepatitis (NASH). J Gastroenterol Hepatol. 2014 Jul 6. doi: 10.1111/jgh.12665. [Epub ahead of print]
    » https://doi.org/10.1111/jgh.12665
  • 25
    Pajecki D, Cesconetto DM, Macacari R, Joaquim H, Andraus W, de Cleva R, Santo MA, D´Albuquerque LA, Cecconello I. Bariatric surhery (sleeve gastrectomy) after liver transplantation: case report. Arq Bras Cir Dig. 2014 Dec; 27(Suppl 1): 81-83. doi: 10.1590/S0102-6720201400S100021
    » https://doi.org/10.1590/S0102-6720201400S100021
  • 26
    Ramos AC. Brazil looking for completing his space in bariatric surgery. Arq bras Cir Dig. 2014;27 Suppl 1:1.
  • 27
    Schauer PR, Bhatt DL, Kirwan JP, Wolski K, et al. Bariatric surgery versus intensive medical therapy for diabetes - 3-year outcomes. N Engl J Med 2014; 370:2002-13.
  • 28
    Smith BW, Adams LA. Nonalcoholic fatty liver disease and diabetes mellitus: pathogenesis and treatment. Nat Rev Endocrinol. 2011 May 10;7(8):456-65.
  • 29
    Souza MR, Diniz Mde F, Medeiros-Filho JE, Araújo MS. Metabolic syndrome and risk factors for non-alcoholic fatty liver disease. Arq Gastroenterol. 2012 Jan-Mar;49(1):89-96.
  • 30
    Vendhan R, Amutha A, Anjana RM, Unnikrishnan R, Deepa M, Mohan V. Comparison of characteristics between nonobese and overweight/obesesubjects with nonalcoholic fatty liver disease in a South Indian population. Diabetes Technol Ther. 2014 Jan;16(1):48-55.
  • 31
    Verbeek J, Lannoo M, Pirinen E, et al. Non-alcoholic fatty liver disease: roux-en-y gastric bypass attenuates hepatic mitochondrial dysfunction in mice with non-alcoholic steatohepatitis. Gut gutjnl 2014-306748. doi:10.136/gutjnl-2014-306748. [Epub ahead of print]
    » https://doi.org/10.136/gutjnl-2014-306748
  • 32
    Verna EC. Liver biopsy at the time of bariatric surgery: a benefit for patients and the medical community. Semin Liver Dis. 2014 Feb;34(1):1-6.
  • 33
    Wannamethee SG, Shaper AG, Lennon L, Whincup PH. Hepatic enzymes, the metabolic syndrome, and the risk of type 2 diabetes in older men. Diabetes Care 2005; 28: 2913-18.
  • 34
    Yokohama S, Yoneda M, Haneda M, et al. Therapeutic ef?cacy of an angiotensin II receptor antagonist in patients with nonalcoholic steatohepatitis. Hepatology 2004 Nov;40(5):1222-5.
  • 35
    Younossi ZM, Stepanova M, Negro F, et al. Nonalcoholic fatty liver disease in lean individuals in the United States. Medicine (Baltimore) 2012 Nov;91(6):319-27.
  • Fonte de financiamento:

    não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2016
  • Aceito
    30 Ago 2016
Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - 6° - Salas 10 e 11, 01318-901 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (11) 3288-8174/3289-0741 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaabcd@gmail.com