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Distribuição centrípeta da gordura corporal, sobrepeso e aptidão cardiorrespiratória: associação com sensibilidade insulínica e alterações metabólicas

Centripetal distribution of body fat, overweight and cardiorespiratory fitness: association with insulin sensitivity and metabolic alterations

Resumos

O objetivo do presente estudo foi investigar associações entre a distribuição centrípeta da gordura corporal e lipídios-lipoproteínas séricos, pressão arterial e índice Homa-IR de resistência insulínica, mediante ajuste estatístico de indicadores quanto ao sobrepeso e à aptidão cardiorrespiratória. Foram analisados 89 voluntários (44 homens e 45 mulheres). A distribuição centrípeta da gordura foi analisada através de circunferência da cintura (CC) e o sobrepeso pelo índice de massa corporal (IMC). A aptidão cardiorrespiratória foi acompanhada pelo VO2máx estimado por teste de caminhada. Após ajuste pelos valores de IMC verificamos coeficientes de correlação significativos entre CC e níveis de pressão arterial e ApoB em homens, e entre CC e índice Homa-IR e triglicerídios em mulheres. Após ajuste pelos valores de VO2máx observamos correlações significativas entre CC e ApoB e índice Homa-IR em homens, e entre CC e índice Homa-IR em mulheres. Conclui-se que, dependendo do sexo, a quantidade e a distribuição da gordura corporal podem apresentar ações distintas na resistência insulínica e nas disfunções associadas. A aptidão cardiorrespiratória per se parece não contribuir na minimização da associação entre a distribuição centrípeta da gordura e o índice Homa-IR; porém, apresenta considerável impacto na associação entre a distribuição centrípeta da gordura e o metabolismo lipídico e os níveis de pressão arterial, sobretudo nos homens.

Resistência insulínica; Obesidade centrípeta; Síndrome metabólica; Pressão arterial


The purpose of this paper was to investigate associations between the centripetal distribution of the body fat and serum lipid-lipoproteins, blood pressure and the index Homa-IR of insulin resistance, adjusting for indicators of overweight and cardiorespiratory fitness. Eighty-nine voluntaries were analyzed (44 men and 45 women). The centripetal distribution of the body fat was analyzed through waist circumference (CC) and the overweight by the body mass index (BMI). The cardiorespiratory fitness was followed by the estimate VO2max by test of walking. After adjusted for BMI values were found significant coefficient of correlation between CC and levels of blood pressure and ApoB in men, and between CC and index Homa-IR and triglycerides in women. After adjusted for VO2max values were verified significant correlations between CC and ApoB and index Homa-IR in men, and between CC and index Homa-IR in women. In conclusion, depending on the sex, the quantity and distribution of the body fat can present different actions in the insulin resistance and associated dysfunctions. The cardiorespiratory fitness per se seems not to contribute on the minimization of the association between the centripetal distribution of the body fat and the index Homa-IR; but presents a considerable impact on the association between the centripetal distribution of the body fat and the lipid metabolism and the levels of blood pressure, mainly in men.

Insulin resistance; Centripetal obesity; Metabolic syndrome; Blood pressure


ARTIGO ORIGINAL

Distribuição centrípeta da gordura corporal, sobrepeso e aptidão cardiorrespiratória: associação com sensibilidade insulínica e alterações metabólicas

Centripetal distribution of body fat, overweight and cardiorespiratory fitness: association with insulin sensitivity and metabolic alterations

José Luciano T. da SilvaI; Décio Sabbatini BarbosaII; Jair Aparecido de OliveiraII; Dartagnan Pinto GuedesIII

ICentro de Ciências Biológicas e Saúde da Universidade Norte do Paraná e Departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade Estadual de Londrina, PR

IIDepartamento de Patologia, Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade Estadual de Londrina, PR

IIICentro de Educação Física e Desportos da Universidade Estadual de Londrina, PR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dartagnan Pinto Guedes Rua Ildefonso Werner 177 Condomínio Royal Golf 86055-545 Londrina, PR

RESUMO

O objetivo do presente estudo foi investigar associações entre a distribuição centrípeta da gordura corporal e lipídios-lipoproteínas séricos, pressão arterial e índice Homa-IR de resistência insulínica, mediante ajuste estatístico de indicadores quanto ao sobrepeso e à aptidão cardiorrespiratória. Foram analisados 89 voluntários (44 homens e 45 mulheres). A distribuição centrípeta da gordura foi analisada através de circunferência da cintura (CC) e o sobrepeso pelo índice de massa corporal (IMC). A aptidão cardiorrespiratória foi acompanhada pelo VO2máx estimado por teste de caminhada. Após ajuste pelos valores de IMC verificamos coeficientes de correlação significativos entre CC e níveis de pressão arterial e ApoB em homens, e entre CC e índice Homa-IR e triglicerídios em mulheres. Após ajuste pelos valores de VO2máx observamos correlações significativas entre CC e ApoB e índice Homa-IR em homens, e entre CC e índice Homa-IR em mulheres. Conclui-se que, dependendo do sexo, a quantidade e a distribuição da gordura corporal podem apresentar ações distintas na resistência insulínica e nas disfunções associadas. A aptidão cardiorrespiratória per se parece não contribuir na minimização da associação entre a distribuição centrípeta da gordura e o índice Homa-IR; porém, apresenta considerável impacto na associação entre a distribuição centrípeta da gordura e o metabolismo lipídico e os níveis de pressão arterial, sobretudo nos homens.

Descritores: Resistência insulínica; Obesidade centrípeta; Síndrome metabólica; Pressão arterial

ABSTRACT

The purpose of this paper was to investigate associations between the centripetal distribution of the body fat and serum lipid-lipoproteins, blood pressure and the index Homa-IR of insulin resistance, adjusting for indicators of overweight and cardiorespiratory fitness. Eighty-nine voluntaries were analyzed (44 men and 45 women). The centripetal distribution of the body fat was analyzed through waist circumference (CC) and the overweight by the body mass index (BMI). The cardiorespiratory fitness was followed by the estimate VO2max by test of walking. After adjusted for BMI values were found significant coefficient of correlation between CC and levels of blood pressure and ApoB in men, and between CC and index Homa-IR and triglycerides in women. After adjusted for VO2max values were verified significant correlations between CC and ApoB and index Homa-IR in men, and between CC and index Homa-IR in women. In conclusion, depending on the sex, the quantity and distribution of the body fat can present different actions in the insulin resistance and associated dysfunctions. The cardiorespiratory fitness per se seems not to contribute on the minimization of the association between the centripetal distribution of the body fat and the index Homa-IR; but presents a considerable impact on the association between the centripetal distribution of the body fat and the lipid metabolism and the levels of blood pressure, mainly in men.

Keywords: Insulin resistance; Centripetal obesity; Metabolic syndrome; Blood pressure

O EXCESSO DE GORDURA CORPORAL e as complicações endócrinas e metabólicas associadas continuam sendo alvos de importantes estudos. A proposição de intervenções mais recentes vem permitindo significativo aprimoramento na qualidade de vida do indivíduo acometido, seja mediante o uso de drogas mais eficientes, seja pela modificação do estilo de vida.

Nesse aspecto, há muito se sabe que mudanças no estilo de vida são ações fundamentais para o sucesso na redução e no controle do excesso de gordura corporal, notadamente quanto ao maior acúmulo de gordura localizado em regiões anatômicas de mais elevada predisposição ao aparecimento e ao desenvolvimento de disfunções associadas, especificamente na região visceral (1-3).

No que se refere aos mecanismos envolvidos nesta associação, observou-se que a gordura visceral apresenta características metabólicas e funcionais que a distingue daquela localizada em outras regiões anatômicas. A gordura localizada nas regiões mesentérica e omental é particularmente sensível ao estímulo lipolítico e face à drenagem de produto da lipólise pela circulação porta hepática propicia resistência hepática à insulina por lipotoxicidade (4). Além disso, em razão de sua alta capacidade lipolítica e menor sensibilidade ao estímulo anti-lipolítico da insulina, a gordura visceral tende a liberar maiores quantidades de ácidos graxos livres (AGL) na veia porta hepática, elevando, portanto, a disponibilidade de substratos para a produção de lipoproteínas potencialmente aterogênicas, o que aumenta seus níveis circulantes (5).

A depuração hepática de insulina também recebe interferências dos AGL, podendo responder pelas alterações da extração de insulina hepática que acompanha o excesso de gordura visceral e sua progressão para um estado de hiperinsulinemia com posterior resistência insulínica e diabetes mellitus tipo 2 (6). Além da maior sensibilidade lipolítica, os adipócitos abdominais também apresentam maior produção de citocinas como o fator alfa de necrose tumoral (TNF-a) e interleucina-6, também associados à resistência insulínica e ao diabetes mellitus tipo 2 (7).

Tendo em vista a efetiva participação da quantidade excessiva de gordura visceral no desequilíbrio metabólico, diversas disfunções metabólicas relacionam-se com seu advento, aumentando os índices de morbimortalidade decorrentes da doença aterosclerótica e suas conseqüências, como a doença arterial coronariana. Ao especificá-las pode-se citar as dislipidemias, a resistência à insulina, a hiperglicemia, a hipertensão arterial, os estados pró-inflamatórios e pró-trombóticos, além de disfunções no eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal. Essas anomalias apresentam-se como parâmetros relacionados com um agrupamento de fatores de risco conhecidos como síndrome metabólica ou síndrome X (6).

Diante desta perspectiva, e mediante ajuste de indicadores relacionados ao sobrepeso e à capacidade cardiorrespiratória, o objetivo do presente estudo foi analisar associações entre a disposição centrípeta da gordura corporal e o perfil lipídico-lipoprotéico plasmático, os níveis de pressão arterial e o índice HOMA-IR de resistência à insulina de adultos de ambos os sexos.

MÉTODOS

Foram estudados funcionários da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) com sede no município de Londrina, Paraná. A amostra foi composta por 89 sujeitos voluntários (44 homens e 45 mulheres) com idades entre 20 e 65 anos. Os critérios para inclusão dos sujeitos voluntários no estudo foram: (a) não utilizar medicamentos que pudessem comprometer as análises bioquímicas e funcionais realizadas; (b) não estar sendo submetido a dietas especiais supervisionadas ou não; e (c) não ser portador de alguma disfunção que pudesse comprometer as mensurações realizadas. Os protocolos de intervenção foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina e acompanham normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisa envolvendo seres humanos.

O estudo envolveu informações relacionadas às áreas bioquímica, cardiorrespiratória e morfológica. Na área bioquímica foram observadas informações quanto às taxas plasmáticas de glicose, triglicerídios (TG), colesterol total (CT) e as frações, lipoproteínas de alta densidade (HDL-C) e de baixa densidade (LDL-C), apoproteínas ApoA1 e ApoB100 e insulina. Com relação à área cardiorrespiratória, foram obtidas informações quanto aos níveis de pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) em repouso e ao consumo máximo de oxigênio (VO2máx). No que se refere à área morfológica, observou-se indicadores quanto ao sobrepeso, mediante o índice de massa corporal (IMC), e à distribuição centrípeta da gordura corporal, por intermédio da medida de circunferência da cintura (CC).

As dosagens de glicose, insulina, apoproteínas, TG, CT e frações foram realizadas mediante a coleta de amostras de sangue venoso na prega do cotovelo, após período de 10–12 horas em jejum, entre 07:00 e 08:00h da manhã. Nos casos da glicose, do TG e do CT foi utilizado método enzimático colorimétrico. As dosagens do HDL-C foram realizadas pelo método da precipitação seletiva e o sobrenadante foi avaliado em um auto-analisador bioquímico Cobas Mira Plus®. O LDL-C foi calculado pelas fórmulas de Friedewald (8). As apoproteínas ApoA1 e ApoB100 foram dosadas pelo método Imunoturbidimétrico da Roche Diagnostics®, utilizando-se auto-analisador bioquímico Cobas Mira Plus® (coeficiente de variação intra-ensaio — ApoA1 2,1% e ApoB100 2,5%). A dosagem da insulina foi realizada por intermédio do kit de radimunoensaio INSULIN-CT da CIS Bio International®, utilizando-se contador gama Abbott® (coeficiente de variação intra-ensaio 2,6%). O índice Homa-IR de resistência à insulina foi calculado pela equação proposta por Matthews e cols. (9), envolvendo os valores de glicose e de insulina.

Os níveis de PAS e PAD foram aferidos com auxílio de esfigmomanômetro de coluna de mercúrio. O IMC foi calculado considerando-se a razão entre o peso corporal e o quadrado da estatura (kg/m2). A CC foi mensurada acompanhando protocolo de medida disponibilizado na literatura (10). O VO2máx foi estimado por intermédio do teste de caminhada em distância de 1600 metros (11).

O tratamento estatístico das informações foi realizado mediante o uso do pacote computadorizado SPSS – versão 13. Os dados foram inicialmente comparados com a curva normal utilizando o teste de distância K-S (Kolmogorov-Smirnov). Para a realização dos cálculos estatísticos os valores equivalentes ao TG foram transformados em escala logarítmica, uma vez que apresentaram distribuição assimétrica. Os valores das demais variáveis mostraram distribuição de freqüência normal. As diferenças entre os sexos foram identificadas através do teste "t" de Student. Para análise das associações, no primeiro momento, foram calculados os coeficientes de correlação momento-produto de Pearson entre cada variável relacionada aos níveis de PA e de lipídios-lipoproteínas plasmáticas e os valores IMC, CC e VO2máx. Na seqüência, utilizando-se dos procedimentos do coeficiente de correlação parcial, foram estabelecidas associações entre a CC e as variáveis bioquímicas e de PA com os efeitos do IMC e do VO2máx ajustados estatisticamente.

RESULTADOS

Comparações entre os sexos das variáveis analisadas no estudo são mostradas na tabela 1. Com relação às informações morfológicas, os homens apresentam valores médios mais elevados tanto no IMC quanto na CC. Quanto ao VO2máx estimado e à pressão arterial, verificam-se também valores estatisticamente mais elevados entre os homens. Com referência aos componentes séricos de lipídios-lipoproteínas, o HDL-C e a ApoA apresentam maiores valores nas mulheres, enquanto o TG e a ApoB mostram valores mais elevados entre os homens. Não foram observadas diferenças estatísticas entre os sexos quanto ao CT, à LDL-C e ao índice Homa-IR de resistência insulínica.

A tabela 2 mostra a matriz dos coeficientes de correlação de Pearson entre as variáveis analisadas no estudo, com os valores de "r" apresentando diferenças entre ambos os sexos. Nos homens, os valores de "r" mostram que a CC e o VO2máx foram as variáveis que apresentaram mais elevados níveis de associação estatística com as demais variáveis. Os valores de pressão arterial, CT e frações encontram-se mais relacionados com a CC que com o IMC, ao passo que ambos os indicadores de gordura corporal apresentam associações estatísticas semelhantes com a ApoB e o Homa-IR. Entre as mulheres, a magnitude dos coeficientes de correlação encontrados foi mais modesta. Observam-se coeficientes de correlação significativos entre o IMC e a CC com a ApoB e o Homa-IR, e entre a CC e o TG. O VO2máx correlacionou-se negativamente com o TG e com a pressão arterial; porém, não apresentou associações significativas com as demais variáveis.

Considerando a associação significativa e positiva observada entre o IMC e a CC (r= 0,88 em homens e r= 0,91 em mulheres) e a associação negativa entre a CC e o VO2máx (r= -0,49 em homens e r= -0, 58 em mulheres), optou-se por proceder à análise de correlação parcial com a finalidade de controlar eventual participação dos valores do IMC e do VO2máx nos coeficientes de correlação momento-produto observados (tabela 3).

Nos homens, após ajuste estatístico dos valores quanto ao IMC, as correlações entre a PAS, a PAD e a ApoB com a CC permanecem significativas. Porém, verifica-se redução significativa nos coeficientes de correlação entre o índice Homa-IR e a CC após ajuste do IMC. Quanto às mulheres, observa-se diminuição dos valores de "r" entre a ApoB e a CC após ajuste do IMC e permanência das associações entre a CC e o índice Homa-IR, após ajuste dos valores do IMC.

Ao efetuar ajuste estatístico dos valores do VO2máx, verifica-se a manutenção da magnitude dos coeficientes de correlação encontrados anteriormente entre a CC e a ApoB e o índice Homa-IR nos homens. Nas mulheres observa-se também a permanência da significância estatística entre a CC e o índice Homa-IR.

DISCUSSÃO

Encontra-se bem documentada na literatura a ação mais perniciosa da distribuição centrípeta da gordura corporal em detrimento da presença tão-somente do sobrepeso, em se tratando de risco predisponente ao aparecimento e ao desenvolvimento de disfunções metabólicas (12-15). Todavia, combinações dos valores observados do IMC e da CC tornam-se mais eficientes na predição de disfunções cardiovasculares que apenas um dos dois indicadores antropométricos empregados isoladamente, demonstrando que o excesso de peso corporal também se encontra relacionado com essas disfunções (16).

Corroborando esses achados, os coeficientes de correlação encontrados no presente estudo apontam associações significativas tanto do IMC quanto da CC com os níveis de pressão arterial, de lipídios-lipoproteínas plasmáticas e com a sensibilidade insulínica. Ainda, após ajuste estatístico pelos valores do IMC, verificou-se a permanência de significância estatística nas dimensões de "r" entre CC e pressão arterial nos homens, sugerindo mais efetiva associação da distribuição centrípeta da gordura corporal nesta variável, conforme também demonstrado por outros estudos (17,18).

Diversos mecanismos podem estar relacionados com a associação entre a distribuição centrípeta da gordura corporal e o aumento nos níveis de pressão arterial. A maior quantidade de gordura visceral pode favorecer um aumento na atividade simpática por intermédio da resistência insulínica associada, além de potencializar a atividade do sistema renina-angiotensina-aldosterona devido aos adipócitos viscerais secretarem mais angiotensinogênio, quando em comparação com a gordura depositada na região subcutânea (19). Ainda, pode haver aumento na atividade do sistema nervoso autônomo simpático, induzindo a uma exacerbação da atividade do sistema renina-angiotensina-aldosterona e, possivelmente, propiciar também compressão renal (20).

Os mais baixos valores dos coeficientes de correlação observados nas mulheres entre a CC e a pressão arterial podem ter ocorrido devido a maior predisposição biológica a deposição preferencial da gordura na região subcutânea no sexo feminino. Entre outros fatores, as diferenças entre ambos os sexos quanto à distribuição da gordura podem decorrer de a resposta lipolítica do tecido adiposo subcutâneo ser atenuada pela supra-regulação dos receptores anti-lipolíticos alfa adrenérgicos pelos estrogênios (21).

Observou-se também, na presente casuística, correlação significativa entre a CC e a concentração sérica de ApoB nos homens, evidenciando a identificação da gordura visceral no advento das dislipidemias. Apesar de a fração LDL-C ser importante alvo nas intervenções quanto ao controle dos fatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares, a quantidade sérica de ApoB é apontada como melhor marcador das lipoproteínas aterogênicas, fornecendo estimativas mais confiáveis quanto ao risco aterogênico que a utilização isolada do LDL-C. Pelo fato de haver apenas uma molécula de ApoB por partícula de LDL-C e outras lipoproteínas aterogênicas, a concentração de ApoB sérica reflete o número total de partículas (22).

O fato de os coeficientes de correlação entre a CC e a ApoB diminuírem seu nível após controle pelo valor do IMC nas mulheres e não nos homens, aparentemente demonstra as diferentes características lipolíticas dos adipócitos intra-abdominais entre ambos os sexos. Tendo em vista maior tendência à lipólise nos homens, estes apresentam maior fornecimento de substrato ao fígado para o metabolismo endógeno de lipoproteínas aterogênicas (23).

Ao analisar as associações entre a distribuição centrípeta da gordura corporal e o índice de resistência insulínica, verificou-se elevados valores de "r" entre a CC e o índice Homa-IR em ambos os sexos. Entretanto, ao efetuar pelo valor do IMC mediante procedimentos da análise de correlação parcial, verificou-se diminuição da associação entre os homens, sugerindo maior participação do sobrepeso no advento da resistência insulínica no sexo masculino, o que parece não ser o caso entre as mulheres.

As diferenças entre ambos os sexos quanto à associação entre os indicadores do sobrepeso e da distribuição anatômica da gordura corporal e a sensibilidade insulínica podem estar relacionadas às substâncias produzidas pelos adipócitos, as quais apresentam funções endócrinas ou parácrinas. Dentre essas substâncias pode-se citar a leptina, TNF-a, interleucinas (IL), adiponectina, angiotensinogênio, inibidor do ativador do plasminogênio-1 (PAI-1) e resistina (24,25).

Níveis séricos elevados de TNF-a e IL-6 e -8 encontram-se associados com a resistência insulínica e o diabetes tipo 2, sendo a resistina uma das candidatas ao elo entre a obesidade, a resistência insulínica e o diabetes (26). Indivíduos com altos valores de IMC apresentam concomitantemente elevados valores de resistina quando comparados com indivíduos que apresentam valores de IMC esperados (27).

Por outro lado, a adiponectina é uma proteína plasmática secretada pelo tecido adiposo que propicia melhora na sensibilidade à insulina (28). Algumas evidências indicam que as mulheres apresentam valores superiores de adiponectina em comparação com os homens, mesmo quando emparelhadas para o mesmo IMC (29). Em homens, menores níveis plasmáticos de adiponectina são principalmente determinados pelo maior acúmulo de gordura corporal, independentemente de sua disposição anatômica (30).

No presente estudo, estimativas do VO2máx correlacionaram-se negativamente com os níveis de pressão arterial em ambos os sexos, com o TG em mulheres e com o índice Homa-IR em homens; além de associação positiva com o HDL-C em homens. Esses resultados apontam a importante participação da aptidão cardiorrespiratória para o estabelecimento de um melhor perfil hemodinâmico e bioquímico em ambos os sexos. Também, ao proceder o ajuste estatístico das estimativas do VO2máx, observou-se que as associações entre a CC e as variáveis hemodinâmicas e bioquímicas diminuíram acentuadamente em ambos os sexos, sugerindo que a aptidão cardiorrespiratória pode exercer importante ação no controle destas variáveis, notadamente no caso da pressão arterial e das lipoproteínas nos homens e das lipoproteínas nas mulheres.

Todavia, não foram observadas modificações na magnitude das associações observadas entre a CC e o índice Homa-IR em ambos os sexos, e entre a CC e a ApoB em homens, indicando que, apesar de um mais elevado VO2máx apresentar importante papel na melhora do perfil hemodinâmico e bioquímico, o indicador da capacidade cardiorrespiratória per se pode não exercer influência direta na sensibilidade insulínica em ambos os sexos e na ApoB em homens.

A despeito dos programas regulares de exercícios físicos induzirem a melhorias na aptidão cardiorrespiratória, as reduções nas quantidades de gordura corporal total e visceral, juntamente com o aumento da massa muscular, apresentam associações mais importantes com o controle dos fatores de risco relacionados às complicações metabólicas (31), indicando que os eventuais benefícios da prática de exercício físico podem ser mediados por modificações simultâneas dos constituintes da composição corporal.

De fato, no presente estudo, verificou-se correlações negativas importantes entre VO2máx e IMC e entre VO2máx e CC, sugerindo que indivíduos mais aptos fisicamente apresentaram perfil mais favorável em se tratando da quantidade e da distribuição centrípeta da gordura corporal.

Em conclusão, os resultados encontrados no presente estudo sugerem que, dependendo do sexo, a quantidade e a distribuição de gordura corporal podem apresentar ações distintas na resistência insulínica e nas disfunções associadas. Nos homens a distribuição centrípeta da gordura corporal exerceu maior influência nos níveis de pressão arterial e na ApoB, ao passo que, nas mulheres, o comprometimento maior ocorreu na sensibilidade insulínica e nas concentrações plasmáticas de TG. A aptidão cardiorrespiratória per se parece não contribuir na minimização da associação entre a distribuição centrípeta da gordura e o índice Homa-IR; porém, apresenta considerável impacto na associação entre a distribuição centrípeta da gordura e o metabolismo lipídico e os níveis de pressão arterial, sobretudo nos homens.

Recebido em 10/01/06

Revisado em 09/05/06

Aceito em 13/07/06

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  • Endereço para correspondência:

    Dartagnan Pinto Guedes
    Rua Ildefonso Werner 177
    Condomínio Royal Golf
    86055-545 Londrina, PR
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jan 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      13 Jul 2006
    • Revisado
      09 Maio 2006
    • Recebido
      10 Jan 2006
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