Acessibilidade / Reportar erro

O Editor Presta Contas (parte 2): Um Retrospecto do Desempenho Qualitativo dos "Arquivos" em 50 Anos

editorial

O Editor Presta Contas (parte 2):

Um Retrospecto do Desempenho Qualitativo dos "Arquivos" em 50 Anos

Claudio E. Kater

Disciplina de Endocrinologia,

Departamento de Medicina,

UNIFESP/EPM

Editor-chefe, ABE&M

INICIO ESTA SEGUNDA PARTE DO "Retrospecto do Desempenho dos Arquivos" com um pedido de desculpas aos leitores. A edição de Fevereiro último dos ABE&M sofreu um atraso indesculpável de mais de 4 semanas; mas vou procurar justificá-lo. É praxe que o primeiro número do ano corra maior risco de atraso, já que envolve meses tradicionalmente de férias prolongadas e coletivas, com interrupção do cronograma e da rotina editorial. Ocorre também, que tem sido mais difícil conseguir "fechar" dentro do prazo solicitado os necessários acordos com os patrocinadores que, pela necessidade de definição orçamentária com suas matrizes e da troca de anúncios e propagandas, acabam solicitando mais tempo para resposta e entrega dos respectivos fotolitos. Enfim, depois do habitual "stress" do primeiro número do ano, o rítmo novamente engata e as edições subseqüentes acabam saindo rigorosamente no cronograma, como atesta esta edição atual.

CONTINUANDO O RETROSPECTO ...

Neste editorial, abordo valores qualitativos da revista, embora dados quantitativos estejam também embutidos, uma vez que difícil de serem dissociados. Destacamos parâmetros como autoria (número de autores por artigo, participação por sexo e por estado/instituição) e curiosidades como a primeira participação feminina num artigo publicado nos "Arquivos" e a primeira mulher a figurar como autora principal, além do ranking parcial dos colaboradores mais participativos e assíduos da revista ("ABE&M's Top 10") e seu virtual "campeão".

Embora não seja sempre fácil separar as duas coisas, vale lembrar que estamos falando sobre aspectos qualitativos da revista e não, propriamente, sobre sua "qualidade" científica! Neste aspecto, é conveniente lembrar, que a verdadeira "qualidade" de uma publicação científica depende da utilização de determinadas normas e parâmetros recomendados internacionalmente e implementados por sua Comissão Editorial, normas estas validadas e referendadas tanto pela sociedade médica representada como por instituições de acreditação e fomento.

Assim, como em toda revista científica de qualidade, o processo decisório de publicação de artigos nos "Arquivos" é norteado pela avaliação por pares ("peer review"). Para isto, contamos com um cadastro de excelentes revisores das melhores instituições de ensino e pesquisa do país e do exterior. O aval essencial da Sociedade Nacional da Especialidade, a SBEM, foi recentemente ampliado para englobar também a acreditação das outras sociedades irmanadas, a SBD, a ABESO e a SOBEMOM, sob a chancela da FEBRASEM, a Federação Brasileira das Sociedades de Endocrinologia e Metabologia. A "qualidade" de uma revista científica nacional é reconhecida também pelas instituições que provêm apoio e auxílio financeiro. Desta maneira, temos tido ao longo de anos recentes, o crédito e reconhecimento da FAPESP-BIREME (indexação LILACS e SciELO), da CAPES (nível Qualis A) e do CNPq e FINEP (pela concessão de auxílio editoração). Os "Arquivos" têm representatividade nacional, sendo hoje reconhecidos internacionalmente (indexação SciELO e free medical journals). Fundamentalmente, entretanto, a qualidade de uma revista científica é dependente do nível dos artigos originais e efetivamente publicados, e neste aspecto estamos sensivelmente melhores!

OS DADOS DE AUTORIA

Na tabela 1 estão mostrados os dados de autoria ao longo dos 50 anos da revista, por períodos de editoria. Observa-se que os artigos de 40-50 anos atrás eram assinados praticamente por apenas um autor, quando muito associado a um segundo colaborador. Assim, no primeiro (1951-55) e segundo (1957-60) períodos da revista a média de autores por artigo foi de 1,4 e 1,9, respectivamente, com medianas de 1 e 2 e variação de 1 a um máximo de 5 autores por artigo.

Nos dois períodos seguintes (1961-64 e 1965-68), a média praticamene dobrou, subindo para 2,9 e 3,2 autores por artigo, respectivamente, com medianas idênticas de 3 e variação de 1 a 9 autores por artigo. No período imediatamente anterior à sua interrupção (1969-72), a média e mediana subiram mais um pouco, ambas para 3,8 autores por artigo (com variação de 1 a 7).

Desde sua ressureição em 1978 as médias e medianas de autores por artigo têm permanecido na faixa de 4, embora a variação tenha oscilado mais amplamente, com freqüência na faixa máxima de 10-12 autores por artigo, com um pico excepcional neste último período de 22 autores para um único artigo!!!

Quadro 1


Em contraste com as décadas de 50 e 60, quando o pesquisador era responsável isoladamente pela sua pesquisa e pelas observações individuais de casos clínicos, nos anos mais recentes projetos de pesquisa clínicos e básicos são habitualmente conduzidas por grupos bem identificados, compondo, na publicação final, autorias de 3 ou 4 pessoas. Com maior freqüência, existem também projetos colaborativos multidisciplinares e/ou inter-institucionais onde co-autorias maiores são justificadas.

Para caracterizar esta mudança dividimos, na figura 1, as duas bem demarcadas fases da revista: a "clássica" (1951-1972) e a "moderna" (1978-2001), separadas pelos 5-6 anos de interrupção. Na primeira fase, os artigos com 1 ou 2 autores predominavam (correspondendo a 58% do total), enquanto na segunda fase, apenas 26% dos artigos tinha 1 ou 2 autores. Para artigos com 3 a 5 autores encontramos uma inversão da primeira para a segunda fase, com 34,5% e 53%, respectivamente, a qual se mostra mais acentuada para artigos com 6 a 9 autores, de 7,7% e 19,7%, repectivamente. Enquanto na primeira fase não houve artigos com 10 ou mais autores, na segunda fase esta faixa já corresponde a 1,4% do total.


OS AUTORES MAIS PROFÍCUOS

Peço que os leitores não interpretem o assunto a seguir como uma competição ou concurso, mas não vejo porque os colaboradores mais participativos da revista não devam ser destacados neste retrospecto. Creio até que, além de explicitamente citados, eles devam receber nosso reconhecimento público pelo apoio e pela divulgação continuada de sua experiência e de suas idéias entre nós. Isto é valido até por que estes autores não publicaram seus trabalhos com nenhum intuito que não o de promover e prestigiar a revista pela divulgação de seus dados entre a comunidade brasileira de endocrinologistas e metabologistas. Esta avaliação contudo é parcial, tendo englobado apenas os "anos modernos" da revista (1978-2001). A análise do primeiro período (em fase de compilação) e sua interpolação com os dados da segunda fase serão feitos posteriormente.

Antes dos dados, entretanto, um alerta, até por precaução. Por mais cuidado que tenhamos devotado à compilação correta e precisa dos nomes dos autores, acompanhadas de pelo menos duas minuciosas revisões adicionais (e quero publicamente agradecer ao trabalho cuidadoso de digitação e revisão de Marina e Luciana Kater, minhas estimadas filhas) não é impossível que alguma falha possa ter passado despercebida. Mesmo que isto possa ter ocorrido, é pouco provável que tivesse alterado a ordem desta listagem. Mais importante - mas difícil de ser avaliada -, é a possibilidade de que um autor específico (especialmente se do sexo feminino) possa estar sendo sub-representado pela diversidade de nomes que possa apresentar nos vários artigos nos quais colaborou. Isto não é incomum, à medida que alguns deles aparecem com diferentes notações de seus nomes, não mantendo um padrão uniforme. Quando detectadas, imprecisões deste tipo foram corrigidas pelo editor. As autoras que assinavam seus trabalhos com nomes de solteira e depois, de casada (ou vice-versa), também podem ter sido prejudicadas nesta compilação.

No quadro 2, verifica-se que existe um grupo de contribuintes assíduos da revista, que publicaram mais de 20 artigos nos últimos 25 anos da revista. Como as contribuições estiveram distribuídas entre as várias seções da revista, e como vejo dificuldade em validar a importância da primeira autoria de um artigo, optei simplesmente em selecioná-los pelo número total de artigos publicados, incluindo editoriais. É um critério subjetivo e pessoal e, portanto, como todo e qualquer outro, criticável. De qualquer maneira, o "campeão" disparado, foi José Gilberto H. Vieira, o editor-convidado da edição especial de fevereiro último, caracterizando não apenas sua produtividade pessoal, como sua habitual solicitude e integração com inúmeros outros grupos de pesquisa de todo o país. Não apenas ele, mas os demais Top 10 são conhecidos de todos e seria uma surpresa se esta lista fosse algo diferente. Pelo incômodo da situação, faço apenas uma ressalva quanto a minha pessoa e um esclarecimento (conforme consta no rodapé do quadro 2): excluí do compto geral das minhas contribuições pessoais à revista, meus editoriais assinados desde que assumi a editoria da revista. Ainda assim continuo entre os colegas que mais contribuiram com os ABEM. Desta maneira, não há como não estar orgulhoso - ainda que um pouco acanhado.


Além daqueles, merecem também destaque os colegas que ao longo destes quase 25 anos publicaram 10 ou mais trabalhos (mais uma vez um ponto de corte exclusivamente meu e arbitrário). São êles (entre parênteses, o respectivo estado de origem e número de publicações): Emílio Mattar (SP, 18), Walter Bloise (SP, 17), Leila Maria B. Araújo (BA, 16), Miriam da Costa Oliveira (RS, 16), Marise Lazaretti-Castro (SP, 15), Antonio Carlos Lerario (SP, 14), Rosalinda Y.A. Camargo (SP, 14), Wilian Nicolau (SP, 14), João Hamilton Romaldini (SP, 13), João Paulo B. Vieira-Filho (SP, 13), Márcia Nery (SP, 13), Hélio Bisi (SP, 12), José Antonio M. Marcondes (SP, 12), Maria Marcílio Rabelo (BA, 12), Milton César Foss (SP, 12), Omar Hauache (SP, 12), Ana Maria J. Lengyel (SP, 11), Antonio Carlos Bianco (SP, 11), Ieda T. Nascimento Verreschi (SP, 11), Maria de Fátima Borges (MG, 11), Meyer Knobel (SP, 11), Paulo Tannus Jorge (MG, 11), Ivo Jorge P. Arnhold (SP, 10) e Sérgio P. de Almeida Toledo (SP, 10).

Cabe aqui uma interrupção para reforçar comentários de outro editor, meu prezado amigo e segundo colocado na listagem dos maiores contribuintes com os ABEM, Rui Maciel. Ao analisar várias alternativas para explicar um então baixo número de artigos submetidos à publicação nos Arquivos durante sua gestão (Maciel, RMB. Despedida do Editor. Arq Bras Endocrinol Metab 1994;38 (4):VI), escreveu: "uma delas seria a suposição que os bons autores não submetem seus artigos aos Arquivos porque os publicam em revistas internacionais indexadas, o que não se mostrou verdadeiro, pois o levantamento no Medline indicou que os autores brasileiros que mais enviam artigos para revistas internacionais são os mesmos que enviam mais trabalhos para os Arquivos". Mais uma vez, basta uma breve consulta ao Medline para se comprovar a veracidade do fato.

HOMENS VERSUS MULHERES

Depois da relativamente simples "disputa dos números", a eterna "guerra dos gêneros". Mas antes, outro alerta: mais uma vez, não se pretendeu aqui estabelecer nenhuma comparação indevida. Apenas tive a curiosidade de verificar para transmitir aos leitores, qual a participação por gênero nas autorias de artigos da revista. Uma figura diz mais do que mil palavras e a figura 2 (complementada pela tabela 1), neste aspecto, diz tudo. Nos primeiros 5 anos da revista (1951-55) tivemos publicados 38 artigos, assinados por 58 autores, todos eles do sexo masculino. No ano seguinte à morte de Waldemar Berardinelli - 1957 -, aparece a primeira co-autoria feminina: ela é Arlette Ubatuba, colaboradora (assistente) do autor principal do artigo, Fernando Ubatuba (Studies on 17-ketosteroids estimation. A method for removing inespecific chromogens from urinary extracts. ABEM vol 6, no. 2: 163-176, Agosto de 1957). Fernando Ubatuba, pertencia ao Instituto Oswaldo Cruz e era Chefe do Laboratório de Hormônios do Instituto de Endocrinologia, da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, era, na ocasião, membro da Comissão de Redação (1957-1963) e, depois, membro do Conselho Científico da revista (1964-1968). Ao longo deste quadriênio (1957-1960), ela co-autora seu esposo mais 6 vezes, em artigos que tratavam, fundamentalmente, de aspectos laboratoriais em endocrinologia. Apenas em 1960, é que encontramos o primeiro artigo assinado por uma mulher como autora principal (e co-autorada por mais duas mulheres): ela é Dorina R. Epps, do Serviço de Nutrição e Doenças Metabólicas do Hospital das Clínicas da FMUSP (Epps, DR, Gomes, CSI & Lima, MLMT: Acromegaloid syndrome with polycistic ovaries. ABEM vol. 9, no. 2: 199-214, Agosto de 1960). Naquele período, os 57 artigos publicados nos ABE&M tiveram 107 autorias, sendo 18 do sexo feminino. Nos anos subsequentes a participação feminina foi aumentando gradativamente (figura 2), quase se equiparando à masculina no quadriênio passado (1995-1998) e, finalmente, ultrapassando os homens neste último período de 1999 a 2001. A se manter este padrão, em mais 40-50 anos teremos apenas artigos assinados por colegas mulheres na revista.


A COMPOSIÇÃO GEOGRAFICA

É provavelmente justificável, que nos primeiros 10 anos da revista as contribuições se originassem dos poucos centros de pesquisa em endocrinologia do país, localizados quase que exclusivamente no Rio de Janeiro e, depois no eixo Rio-São Paulo. Submissões de outros estados eram apenas esporádicas, embora a primeira aparição de um artigo "não carioca" nos Arquivos (vol 2, no. 2, 1952) tenha um mineiro como autor (Nelson Ziviani: Hipotireoidismo e dolicomegacolon). Aos poucos, entretanto, a participação de Instituições de outros estados começou a se avolumar e, mais recentemente, a conquistar fatias significativas no bolo da composição da produção científica publicada nos Arquivos. A figura 3 mostra de forma global e integrada a participação de colaborações por estado, ao longo dos 50 anos da revista. Metade de todas as publicações neste meio século ficou a cargo de pesquisadores do estado de São Paulo, enquanto 25%, vieram do Rio de Janeiro. Cerca de 16,5% foram divididos entre Rio Grande do Sul, Minas Gerais e artigos do exterior (5,5% cada) e, menos do que 8%, entre Paraná, Bahia, Pernambuco e outros. Por ter uma forte participação de escolas médicas do interior do estado, separei a produção de São Paulo entre capital (44,1%) e interior (6,5%). Fico devendo uma informação mais detalhada sobre as instituições onde os trabalhos foram realizados, mas basta, por enquanto, assinalar que os grandes celeiros da produção científica em E&M no Brasil foram e são: o Instituto de Endocrinologia da Santa Casa de Misericórdia (RJ), a Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil (hoje UFRJ), a FMUSP, a EPM (UNIFESP), a FMRP-USP, o IEDE, etc. com mais de 70% de todos os 1.032 trabalhos publicados na revista até o final de 2001.


TERMINANDO ...

É sempre desagrável ter que terminar um assunto que empolga, não somente a mim mas, certamente, a todos aqueles que têm algum interesse na história dos "Arquivos" e da Endocrinologia no Brasil. Contudo, o espaço e o tempo são nobres, os dados são inesgotáveis e a obra interminável. Deixo muita coisa para além do 3o. editorial a sair na edição de Junho.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2002
  • Data do Fascículo
    Abr 2002
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Rua Botucatu, 572 - conjunto 83, 04023-062 São Paulo, SP, Tel./Fax: (011) 5575-0311 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: abem-editoria@endocrino.org.br