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Tratamento criocirúrgico de tumores e de fístulas, em cães

Cryosurgical treatment of tumors and fistulas in dogs

Resumos

O presente trabalho descreve a técnica criocirúrgica utilizando nitrogênio líquido em seis cães com neoplasias cutâneas, em cinco com tumores venéreos transmissíveis e em seis com fístulas na região anal. O aparelho utilizado permitiu que o nitrogênio líquido ebulisse continuadamente, sendo liberado em forma de pulverização com controle sobre a pressão do vapor.

Cão; criocirurgia; nitrogênio líquido


This paper describes the use of a cryosurgical technique in six dogs with skin neoplasm, five with transmissible venereal tumors and six with perianal fistulas. The cryosurgical unit allowed liquid nitrogen boiling and its releasing as spray, owing to the control of nitrogen gas pressure.

Dog; cryosurgery; liquid nitrogen


Tratamento criocirúrgico de tumores e de fístulas, em cães

(Cryosurgical treatment of tumors and fistulas in dogs)

B. Goloubeff 1, H.P. Oliveira2

1Polícia Militar de Minas Gerais

Rua Cura D’Ars, 1280

Belo Horizonte, MG

2Escola de Veterinária da UFMG

Pesquisador do CNPq

Recebido para publicação, após modificação, em 6 de julho de 1999

RESUMO

O presente trabalho descreve a técnica criocirúrgica utilizando nitrogênio líquido em seis cães com neoplasias cutâneas, em cinco com tumores venéreos transmissíveis e em seis com fístulas na região anal. O aparelho utilizado permitiu que o nitrogênio líquido ebulisse continuadamente, sendo liberado em forma de pulverização com controle sobre a pressão do vapor.

Palavras-Chave: Cão, criocirurgia, nitrogênio líquido

ABSTRACT

This paper describes the use of a cryosurgical technique in six dogs with skin neoplasm, five with transmissible venereal tumors and six with perianal fistulas. The cryosurgical unit allowed liquid nitrogen boiling and its releasing as spray, owing to the control of nitrogen gas pressure.

Keywords: Dog, cryosurgery, liquid nitrogen

INTRODUÇÃO

As neoplasias de pele e tecido subcutâneo são as mais freqüentemente reconhecidas nos animais domésticos, notadamente nos cães. Nestes, também, é de certa freqüência o desenvolvimento de fístulas perianais.

A criocirurgia tem sido empregada em alguns tipos de neoplasias por ser, segundo Lane (1974), uma técnica que limita a produção de metástases, sem os efeitos colaterais nocivos da radioterapia e da quimioterapia; é relativamente indolor, não requer anestesia geral e não deprime as defesas imunológicas do organismo.

A ablação de tecidos pela criocirurgia consiste na extração de calor deles, até que deixem de ser viáveis (Borthwick, 1972). Uma vez atingido o ponto de congelamento do protoplasma (–1°C), a célula pode ser destruída por desidratação ou por congelamento intracelular, ocorrendo a lesão celular no momento do descongelamento (Mazur, 1968).

Como regra, recomendam-se dois ciclos de congelamento e descongelamento para evitar a sobrevivência das células na borda da estrutura de gelo. A velocidade do congelamento deve ser rápida e o descongelamento deve ser lento e não assistido (Liska, 1980; Seim, 1980; Bellangeon, 1981; Giannone, 1985)

Os criógenos mais comuns são o nitrogênio líquido, o óxido nitroso, diversos tipos de freons (Bellangeon, 1981) e o dióxido de carbono (Bryne, 1980). O nitrogênio líquido não é inflamável, é atóxico e totalmente inerte para com as superfícies metálicas ou biológicas (Bryne, 1980).

O nitrogênio líquido é usado em forma de pulverização para lesões maiores de 1,0cm de diâmetro e 0,5cm de espessura ou de formato irregular (Krahwinkel et al., 1976), incluindo todo o tecido que interessa na linha de congelamento e mais 0,5 a 1,0cm (Krahwinkel et al., 1976; Norsworthy et al., 1977).

Para proteger os tecidos vizinhos do escape do nitrogênio líquido durante o congelamento de grandes massas tumorais, Giannone (1985) fez uso de uma seringa plástica com o fundo removido e colocada firmemente no centro do tumor. O nitrogênio, em pulverização, era depositado em pequenas quantidades e a intervalos regulares no interior do tubo, evitando com isso o avanço do congelamento para outras áreas.

Cazieux et al. (1980) preconizam apenas uma contenção química, sem fazer uso de anestesia geral, sendo útil em pacientes geriátricos e de alto risco anestésico (Lane, 1974; Withrow et al., 1975; Norsworthy et al., 1977; Krahwinkel, 1980; Ducret-Mirande, 1981).

Imediatamente após a criocirurgia instalam-se edema e eritema, há exsudação de líquido seroso (Goldstein & Hess, 1976; Seim, 1980; Withrow, 1980), que poderá ser pronunciada se o tumor estava ulcerado ou sofreu biópsia, ocorrendo inclusive hemorragia capilar (Withrow, 1980). De 24 a 72h o esfacelo é demarcado, causando pouca ou nenhuma reação inflamatória nos tecidos ao redor, permanecendo, nesse período, o edema (Seim, 1980).

O tumor submetido à criocirurgia começa a se destacar entre quatro e cinco dias (Withrow, 1980), secretando material liquefeito (Goldstein, 1978). Do sétimo ao 14º dia a crionecrose se completa, expondo um leito de tecido de granulação (Goldstein & Hess, 1976). A cicatrização ocorre por contração e epitelização em 14 a 21 dias (Withrow, 1980), raramente excedendo 30 dias, mesmo em tumores muito grandes (Liska & Withrow, 1978; Liska, 1980), deixando uma cicatriz plana (Goldstein & HESS, 1976; Goldstein, 1978).

Liska & Withrow (1978) relatam sucesso em 92,8% dos casos de adenoma perianal. A reincidência de adenoma da glândula perianal ou o surgimento de adenomas primários adicionais, após a criocirurgia, é menor que 10%.

A resolução dos tumores venéreos transmissíveis foi obtida sem o auxílio da quimioterapia ou radioterapia, pelo congelamento com nitrogênio líquido, feito o acesso prévio à cavidade prepucial ou vaginal, por meios cirúrgicos (Marenda & Valente, 1980).

Com respeito ao tratamento criocirúrgico das fístulas perianais, Liska et al. (1975) e Withrow et al. (1975) recomendam fazer previamente à saculectomia bilateral a exploração cirúrgica dos tratos fistulares. Em alguns casos, a cura não é obtida enquanto toda a zona cutânea do canal anal, junto com os sacos anais e glândulas perianais, não for removida (Liska, 1980).

Para o congelamento de fístulas, Ducret-Mirande (1981) sugere que o nitrogênio líquido seja pulverizado com movimentos de vaivém, ou então, o frio seja conduzido através de sondas refrigerantes, introduzidas não congeladas e permitindo que se resfriem e transmitam o frio por adesão dos tecidos.

A resolução de fístulas perianais tratadas pela criocirurgia variou entre 90-95%, 70% e 48%, segundo Bellangeon (1981), Krahwinkel et al. (1976) e Budsberg et al. (1981), respectivamente.

O presente trabalho teve como objetivo estudar os efeitos do nitrogênio líquido no tratamento de alguns tumores cutâneos e venéreos e fístulas da região anal em cães.

MATERIAL E MÉTODOS

Utilizaram-se 16 cães de diversas raças, oito machos e oito fêmeas, com idade entre 1,5 e 15 anos. Desses animais, seis eram portadores de neoplasia cutânea (quatro machos e duas fêmeas), dos quais um macho apresentava também fístula de glândula do seio paranal; cinco apresentavam tumor venéreo transmissível (fêmeas) e cinco desenvolveram fístulas perianais ou paranais (quatro machos e uma fêmea), totalizando 17 afecções cirúrgicas (Tab. 1).

Como medicação pré-anestésica foi utilizado o cloridrato de xilazina a 2% (Rompum® - BAYER DO BRASIL S/A - São Paulo), na dose de 0,1mg/kg, por via intramuscular, e anestesia local com xilocaína a 2% sem vasoconstritor (Xilocaína 2%® - ASTRA QUÍMICA DO BRASIL - São Paulo).

O nitrogênio líquido foi aplicado diretamente, em pulverização, em jato constante no centro da lesão, permitindo a expansão da estrutura de gelo ou fazendo-se movimentos lentos de vaivém, como nos casos das fístulas superficiais.

Quando necessário, os tecidos ao redor do tumor ou da fístula foram protegidos com uma camada de vaselina sólida. Para evitar o escoamento do criógeno, foi utilizado algodão hidrófilo em torno das lesões.

Na maioria dos casos, utilizou-se como instrumento auxiliar o corpo de seringa plástica descartável de 3, 5, 10 ou 20ml, cujo fundo fora removido. Tal tubo era aplicado firmemente sobre a área de interesse e seguro por meio de uma pinça de madeira usada para tubo de ensaio. Nas fístulas de diâmetro maior foram utilizadas sondas uretrais plásticas de números 4, 6 ou 8, introduzidas no seu trajeto.

Como regra, utilizou-se um duplo ciclo de congelamento e descongelamento (C-D). O congelamento era rápido e o descongelamento se fazia espontaneamente. Considerou-se atingida a temperatura satisfatória quando a lesão recobria-se de gelo, tornando-se branca, dura, ressonante ao choque dos dedos e nitidamente delimitada.

Em todos os casos de neoplasia foram efetuadas biópsias para exame histológico, após o segundo ciclo C-D.

O pós-operatório básico consistiu em limpeza diária das feridas com soro fisiológico e aplicação de antibiótico de uso tópico (Rifocina Spray® - LAB. LEPETIT S/A - Santo Amaro).

O aparelho com nitrogênio líquido consistiu de garrafa térmica de aço inoxidável, com tampa rosqueada, de paredes duplas e isoladas entre si com perlita na espessura de 1,0cm. Posteriormente, foi encapada com isopor de 0,25cm de espessura e a pêra do esfigmomanômetro substituída por um tubo de látex de 0,5cm de diâmetro interno, adaptado para o controle da pressão interna do nitrogênio pela variação do seu diâmetro, por meio de uma pinça laboratorial de Hofmann. De início, o aparelho preconizado apresentou problemas no seu isolamento térmico e ventilação, havendo sempre necessidade de recarga de nitrogênio líquido entre dois congelamentos.

RESULTADOS

Edema e rubefação, moderados ou acentuados, foram achados pós-operatórios constantes e ocorriam imediatamente após o segundo ciclo C-D. O edema permaneceu, em média, por quatro dias e a rubefação, por três dias. Ao cessarem esses fenômenos, observava-se a delimitação da necrose. Observou-se hemorragia discreta ou moderada após a biópsia, havendo necessidade de realizar sutura em dois casos de adenoma (animais nº 7 e 15).

Após a delimitação da crionecrose e antes do esfacelamento, geralmente o tumor se recobria por uma crosta úmida, nos casos de adenoma hepatóide, ou seca, nos demais casos. O desprendimento dos tumores variou de um a 12 dias, observando-se secreção do tipo seromucoso enquanto se processava o esfacelamento, de um a seis dias, ou alguns dias após o esfacelamento.

A granulação ocorria sob a crosta formada por tecido necrosado em desprendimento (esfacelo); a epitelização iniciou-se, em média, quatro dias após o esfacelamento, mas em alguns casos ela começou antes de terminar o esfacelamento (animais nº 1 e 14). A epitelização demorou em média 15 dias para se completar, variando de 10 a 25 dias, formando um néo-epitélio, mais espesso e liso em relação à pele, alopécico e sem formação de quelóide.

Os tumores venéreos transmissíveis (TVT) submetidos à criocirurgia localizavam-se tanto na vulva quanto na vagina, obtendo-se resultado favorável nos animais nº 5, 11 e 13, nos quais os tumores eram pediculados. Nos demais casos não houve esfacelamento completo dos tumores que se apresentavam infiltrados na mucosa vulvovaginal. Nesses animais, a repetição do ciclo C-D por duas ou três vezes, em ocasiões distintas, não produziu a regressão total dos tumores.

A hemorragia foi discreta mas constante em todos os animais logo após o primeiro ou segundo descongelamento, tendo sido profusa após a biópsia no animal nº 11. A hiperemia que se seguia de imediato à criocirurgia foi muito acentuada em todos os casos, ocasião em que os tumores apresentavam uma coloração avermelhada, muito escura, com duração de até quatro dias.

Nos animais nº11 e 13 os pedículos se esfacelaram no dia seguinte ao desprendimento do tumor, deixando uma pequena ulceração na mucosa, que se epitelizou normalmente. No animal nº 5 o tumor se desprendeu sem deixar lesão visível na mucosa.

Os seis animais submetidos ao tratamento criocirúrgico das fístulas compreenderam dois casos de fístulas de glândula do seio paranal (fístulas paranais; animais nº 7 e 10) e quatro fístulas paranal e perianal (fistulação das glândulas circum-anais; animais nº 2, 3, 6 e 8). Nos primeiros, para a resolução do processo, foi suficiente apenas uma intervenção criocirúrgica em dois ciclos C-D. Neles houve discreta hemorragia após cada ciclo C-D, com edema e hiperemia moderada por três dias, seguindo-se os esfacelos, sem secreção, em três e nove dias, respectivamente. A epitelização ocorreu em 20 dias no primeiro e em 17 dias no segundo animal, com formação de cicatriz despigmentada.

Nos quatro casos restantes, ocorreu cicatrização total nos animais nº 3 e 6, obtendo-se cicatrização parcial nos demais. O animal nº 2 recebeu, em cinco meses, cinco aplicações criocirúrgicas em fístulas de glândulas paranais e perianais que, ao cicatrizarem, cederam lugar a outras, até que a pele da região fosse substituída pelo neo-epitélio espesso e aglandular. Durante o período de observação houve episódios de produção de secreção seromucosa. O animal morreu por envenenamento acidental durante a recuperação.

O animal nº 3, portador de duas fístulas extensas nas glândulas paranais, extirpadas anteriormente, e de dois conjuntos de pequenas fístulas perianais nas posições de 6 e 12h, recebeu apenas um tratamento criocirúrgico, com duplo ciclo C-D. Houve edema e hiperemia no primeiro dia, e até o quinto dia, secreção sero-mucosa. O esfacelamento dos tecidos congelados terminou após o período secretor e a epitelização total ocorreu dois meses após o tratamento inicial.

No animal nº 6 o congelamento atingiu o complexo de fístulas das glândulas paranal e perianal, à direita do ânus. À medida que a região congelada se esfacelava surgiam fístulas mais profundas. No decorrer de quatro meses foram necessárias quatro seções criocirúrgicas, para a completa resolução.

No animal nº 8, portador de fístulas perianais que se estendiam das posições de 2 às 5h e de 9 às 7h, foram necessárias seis intervenções criocirúrgicas em cinco meses; as três últimas, numa mesma fístula, não apresentaram resultado satisfatório. As demais cicatrizaram sem complicações.

Nos animais n° 2, 6 e 8 edema e eritema foram constantes com duração de um a quatro dias e de um a oito dias, respectivamente. Nesses cães, o esfacelamento da crionecrose variou de um a 13 dias, com granulação concomitante, e o início da epitelização tornou-se evidente dentro da primeira semana do esfacelo.

A retração cicatricial na região anal produziu estenose e conseqüente constipação e tenesmo em dois animais (n° 2 e 3), de uma e duas semanas de duração, respectivamente, ao final do tratamento. Nesse período administrou-se laxante (Agarol® - LABORATÓRIO WARNER LTDA - Rio de Janeiro) aos cães. A Tab. 1 apresenta o quadro sinótico dos cães tratados pela criocirurgia.

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

As manifestações clínicas observadas no pós-operatório imediato, com edema e rubefação, são conseqüências das lesões intracelulares, conforme descritas por Mazur (1968). No processo de congelamento admite-se que o edema deriva dos transtornos circulatórios, traduzidos pelo aumento da permeabilidade dos tecidos e da dificuldade de circulação de retorno, representando a área de necrose, em última análise, os efeitos da estase sangüínea.

A presença de secreção e os fenômenos relacionados com o esfacelo, granulação e epitelização dos tumores cutâneos basicamente não diferem do que foi descrito por Goldstein & Hess (1976), Goldstein (1978), Liska & Withrow (1978), Liska (1980), Seim (1980) e Withrow (1980). Contudo, a formação de crosta úmida nos adenomas hepatóides ocorreu, provavelmente, em função da maior retenção de líquidos no seu interior, antes bastante irrigados, do seu volume e das características próprias do tecido, o que conduzia ao seu esfacelo em tempo relativamente longo em relação aos papilomas.

A não regressão dos tumores venéreos transmissíveis pode ser atribuída ao fato de ter sido realizada a cirurgia sem a concomitante episiotomia, uma vez que Marenda & Valente (1980) preconizam a exposição do tumor por meios cirúrgicos. Por esse motivo, nem a superposição de áreas de congelamento, na mesma aplicação, nem sua repetição, após o esfacelo, foram capazes de destruir os tumores, pois suas bases mais profundamente localizadas não foram totalmente congeladas. Desse modo, somente quando o tumor se apresentava pediculado e de fácil exposição é que a criocirurgia produzia resultados satisfatórios pelo esfacelamento, inclusive do pedículo tumoral.

Por ser o tumor venéreo muito vascularizado e sem a proteção da pele, é previsível o aparecimento de hemorragias ao final de cada ciclo C-D, que se fez profuso após biópsia, a exemplo do que se verificou no animal n° 11. Após o descongelamento, entretanto, a hiperemia foi mais intensa do que a verificada nos adenomas, o que pode ser atribuído, inclusive, ao grau de vascularização do tumor venéreo.

O motivo pelo qual houve ou não resposta satisfatória após a criocirurgia das fístulas perianais e paranais é meramente especulativo; pode se dever à categoria das fístulas (superficiais ou profundas) ou aos fatores desencadeantes da sua formação. No animal n° 3, essas fístulas se estenderam por ampla área da pele devido à cronicidade, sendo porém superficiais, o que tornava sua recuperação mais rápida. No caso do animal n° 2, mesmo após cinco meses, não houve resolução completa das fístulas, portanto, deve-se considerar que, em alguns casos, a cura não se realiza enquanto toda a zona cutânea do ânus, junto com as glândulas, não for removida (Liska et al., 1975; Withrow et al., 1975; Liska, 1980). Além de matéria fecal, as glândulas paranais podem albergar germes patogênicos, portanto, é importante a recomendação de Liska et al. (1975) e Withrow et al. (1975) de removê-las previamente à criocirurgia das fístulas.

Os resultados da criocirurgia das fístulas perianais referidas por Krahwinkel et al. (1976) e Bellangeon (1981) com porcentagem de cura de 70% a 95% são superiores aos 50% encontrados nesta pesquisa. Budsberg et al. (1981) obtiveram índice de cura de 48% nos animais submetidos à criocirurgia das fístulas perianais. Esses fatos revelam que os resultados dessa cirurgia oscilam muito e sugerem ser decorrentes de variáveis relacionadas com a gravidade da lesão e a metodologia adotada para a aplicação do nitrogênio líquido.

Das possíveis complicações pós-operatórias, neste trabalho foram encontradas estenose seguida de constipação e tenesmo, de forma passageira ao final do tratamento, resultado da retração cicatricial (animais nº 2 e 3) de lesões extensas (Liska et al., 1975; Krahwinkel et al., 1976; Liska, 1980; Budsberg et al., 1981).

No presente trabalho, o uso de sondas uretrais plásticas, de calibre apropriado ao diâmetro da fístula, mostrou-se bastante eficiente para a destruição da fístula, sendo o congelamento mais controlável por meio de seringas plásticas do que a pulverização do nitrogênio.

As fístulas da glândula do seio paranal responderam de forma muito favorável, necessitando apenas de uma intervenção cirúrgica. A epitelização ocorreu em prazo substancialmente menor em relação aos complexos fistulares das glândulas paranais e perianais, pelo que se pode considerar a criocirurgia como terapia alternativa para esta afecção.

O uso de algodão e de tubos de seringa plástica (Giannone, 1985) foram os procedimentos mais eficientes na contenção do nitrogênio na área da criocirurgia. O algodão, mesmo congelando, evitava o escoamento do criógeno de forma que a associação de ambos foi muito benéfica.

A utilização de um duplo ciclo C-D nesta pesquisa foi considerada eficiente para a destruição dos tumores cutâneos, de alguns tumores venéreos transmissíveis e da maioria das fístulas, o que está de acordo com vários autores (Liska, 1980; Seim, 1980; Bellangeon, 1981; Giannone, 1985).

O monitoramento da temperatura sem o uso de aparelhos sensores foi considerado satisfatório e permitiu indicar, com ampla margem de segurança, que o congelamento pode se estender por cerca de 0,5 a 1,0cm em torno dos tumores e por cerca de 0,25cm em torno das fístulas, para que eles sejam efetivamente englobados na estrutura de gelo (Krahwinkel et al., 1976; Norsworthy et al., 1977; Withrow, 1980).

Dentre os criógenos mais comumente utilizados para fins criocirúrgicos (Bellangeon, 1981), o nitrogênio líquido foi escolhido pelo seu maior poder de resfriamento, por ser inerte, de fácil aquisição e armazenamento, e pelo seu custo relativamente baixo.

O isolamento interno do aparelho pulverizador com perlita foi insuficiente para evitar, totalmente, a transferência da baixa temperatura para a sua parede externa, tornando-se necessário seu revestimento externo com isopor. A falta de isolamento limita o uso do aparelho pelo gasto de nitrogênio líquido e pelos cuidados de manipulação. O consumo de nitrogênio líquido (três a quatro litros por cirurgia) foi considerado relativamente alto, uma vez que o aparelho necessitava alcançar internamente o equilíbrio térmico.

A substituição da pêra do esfigmomanômetro por um tubo de látex permitiu que o fluxo de nitrogênio passasse a ser controlado por uma pinça de Hofmann. O excesso de nitrogênio volatilizado era liberado à distância, sem oferecer riscos para o cirurgião. Essas modificações contribuíram decisivamente para a eficiência de manipulação do aparelho e para o controle da pulverização do nitrogênio.

Pelos resultados, conclui-se que a criocirurgia: a) é útil nos tumores venéreos transmissíveis pediculados como alternativa à cirurgia cruenta, não apresentando resultados satisfatórios naqueles profundamente disseminados; b) representa uma técnica alternativa para a exérese de neoplasias cutâneas benignas, principalmente adenomas hepatóides, particularmente em cães idosos e de risco anestésico; c) pela pulverização controlada do nitrogênio líquido, representa uma alternativa bastante favorável para o tratamento de fístulas superficiais da região anal.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2001
  • Data do Fascículo
    Out 1999

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 1999
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