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LIMITES E POSSIBILIDADES DA ESCUTA CLÍNICA DENTRO DE UM HOSPITAL GERAL

Psychoanalytical listening’s limits and possibilities in a general hospital

RESUMO:

Este artigo traz considerações sobre um obstáculo identificado no trabalho clínico com pacientes internados em hospital geral: o manejo protocolar da transferência, que torna a escuta ruidosa e inviabiliza o manejo de conteúdos inconscientes. Delineamos o trabalho no hospital e seu cotidiano, definindo o campo psicanalítico de atuação. Norteados por uma vinheta clínica, discutimos dificuldades próprias do cotidiano hospitalar que imporiam impasses na prática. Concluímos que a escuta psicanalítica independe do contexto, estando atrelada à disposição e formação do praticante. É necessária, portanto, interrogação constante da prática - na supervisão e análise pessoal - para suspender pressuposições pessoais acerca do caso.

Palavras-chave:
psicanálise; ambiente hospitalar; escuta psicanalítica; clínica psicanalítica

Abstract:

The present article aims to make considerations about an obstacle that was presented during the clinical psychoanalytic work undertaken with patients admitted to a general hospital: the protocolled handling of the transference. The scope of work of the hospital environment and its daily routine was circumscribed, and thus the psychoanalytic field was outlined. Through a clinical vignette, difficulties that are unique to the hospital’s daily routine and which may result in deadlocks to clinical work were discussed. We conclude that maintaining a psychoanalytic mode of listening does not depend on the context, being intimately related to the psychoanalyst’s personal trajectory and studies. As such, a constant interrogation of one’s practice, through supervision and personal analysis, is necessary so as to suspend any assumptions regarding the case.

Keywords:
psychoanalysis; hospital environment; psychoanalytical listening; psychoanalytic clinic

INTRODUÇÃO

A inserção do psicanalista no ambiente hospitalar brasileiro é ainda recente se comparada à presença de outros profissionais da equipe de saúde, porém já suscitou inquietações e interrogações importantes acerca do trabalho clínico nesse campo - Moura (2000)MOURA, M. D. Psicanálise e Hospital-3: tempo e morte - da urgência ao ato analítico. Rio de Janeiro: Revinter, 2003.; Moreto (2002)MORETTO, M. L. T. O que pode um analista no hospital? São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.; Simonetti (2013SIMONETTI, A. Psicologia Hospitalar e Psicanálise. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2013.); Kamers; e Marcon e Moretto (2017)KAMERS, M., MARCON, H. H.; MORETTO, M. L. T. Desafios atuais das práticas em hospitais e nas instituições de saúde. São Paulo: Escuta, 2016. são alguns exemplos de autores que se debruçam sobre o tema da construção de um espaço de prática psicanalítica nos equipamentos de saúde pública, da atenção básica aos hospitais gerais. Os referidos autores nos situam no plano prático e auxiliam no direcionamento de algumas questões que surgem ao ingressarmos em um novo cenário, em que o local de atuação do psicanalista ainda não se dá a priori - é, pelo contrário, paulatinamente construído. Um estudo e questionamentos constantes contribuem para a consolidação da prática da psicanálise em instituições de saúde, uma vez que é a partir da prática que se tem contato com a teoria postulada originalmente por Sigmund Freud.

O presente trabalho tem como objetivo discutir a respeito das possibilidades da clínica psicanalítica, fundamentada na escuta do inconsciente, em um hospital geral, questionamento que se coloca ao longo dos processos de supervisão clínica e percurso formativo enquanto residente de Psicologia em um programa multiprofissional de atenção hospitalar. A elaboração desta pesquisa se dá devido à necessidade de uma reflexão acerca da prática psicanalítica em um hospital geral de alta complexidade, pois entendemos que o lugar ocupado pelo praticante da psicanálise em um hospital ou instituição de saúde é fruto de uma construção e inserção realizadas paulatinamente, e não a priori (MORETTO, 2014MORETTO, M. L. T.; Priszkulnik, L. Sobre a inserção e o lugar do psicanalista na equipe de saúde. Tempo Psicanalítico, v. 46, n. 2, p. 287-298, 2014.).

Tendo em vista, portanto, que a presença do psicanalista no espaço hospitalar não implica necessariamente na sua inserção imediata na equipe, e que o espaço ocupado é fruto de uma construção constante, trazer reflexões e discussões a respeito da prática neste ambiente se faz relevante a fim de oportunizar uma maior troca de experiências entre os psicanalistas que trabalham em instituições de saúde e contribui para a formação dos praticantes. Todo esse trajeto - seja pela parte da prática clínica com os pacientes internados, quanto pela das supervisões e discussões com colegas de profissões, entre outros espaços - coloca o praticante em situações inéditas, que constituem um campo de interrogação permanente.

Com o intuito de buscar respostas a essas interrogações, entendemos ser necessário contextualizar o ambiente em que o psicanalista, que também denominaremos de “praticante da psicanálise” ou apenas “praticante”, pretende atuar. Pretendemos, então, estabelecer o campo psicanalítico, para então identificar e discutir obstáculos para a clínica psicanalítica no hospital geral. A prática realizada para a elaboração desse trabalho se deu dentro de um hospital geral de alta complexidade durante os dois anos de atuação enquanto residente, parte integrante uma equipe multiprofissional em diversas unidades de internação, tendo como principal a de Clínica Médica, foco do presente trabalho. Tomaremos como ponto norteador o fragmento de um caso clínico acompanhado durante o período em que estive no setor de Cuidados Paliativos.

A prática clínica em ambiente hospitalar suscita questões constantemente, e enseja reflexões sobre os possíveis limites para esse fazer, os quais foram discutidos em supervisão nesse período de estudos enquanto residente. O objetivo deste trabalho é discutir sobre esses limites e a possibilidade de sustentar uma escuta propriamente clínica no hospital geral. A fim de atingir tal proposta, optamos pela pesquisa psicanalítica como método. Esse método pressupõe a presença do psicanalista enquanto pesquisador, implicado no processo de

[...] entrega do “pesquisador” ao “objeto”, o deixar-se fazer por ele e, em contrapartida, construí-lo à medida que avançam suas elaborações e descobertas faz desta “pesquisa” um momento na história de uma relação que não deixa nenhum dos termos tal como era, antes de a própria pesquisa ser iniciada. (FIGUEIREDO; MINERBO, 2006FIGUEIREDO, L. C., MINERBO, M. Pesquisa em Psicanálise: algumas ideias e um exemplo. Jornal de Psicanálise, v. 39, n. 70, p. 257-278, 2006., p. 260).

Trata-se de uma pesquisa que inclui o investigador na relação com o objeto de pesquisa, uma vez que a apreensão através da escuta clínica se dará no processo, em uma construção conjunta e que trará transformações para ambos os envolvidos (FIGUEIREDO; MINERBO, 2006FIGUEIREDO, L. C., MINERBO, M. Pesquisa em Psicanálise: algumas ideias e um exemplo. Jornal de Psicanálise, v. 39, n. 70, p. 257-278, 2006.). Diferente do método científico, em que se estuda um fenômeno a certa distância, em ambiente estipulado, a pesquisa psicanalítica é dinâmica e permite às partes a surpresa com o desenrolar do processo. A partir dessa trajetória, “o analista reflete sobre sua prática e produz uma fecunda elaboração sobre sua prática clínica” (SILVA, 2013SILVA, D. Q. A pesquisa em psicanálise: o método de construção do caso psicanalítico. Estudos psicanalíticos, n. 39, jul. 2013.), proposta que vai ao encontro precisamente do fomento de discussões e reflexões, focadas, nesse caso, sobre o que é possível para a clínica psicanalítica dentro do ambiente hospitalar.

Compreendemos que esse método de pesquisa produz resultados de cunho irreproduzível, tendo em vista que o trabalho se dá com e a partir da singularidade de cada paciente na relação com o psicanalista que os escuta. As especificidades dos casos lhes conferem um estatuto de irreplicabilidade. Contudo, a compreensão de dinâmicas identificadas nessas experiências entre falantes apresenta a possibilidade de avanço da clínica psicanalítica ao articular os conceitos da teoria com uma prática orientada pela escuta de conteúdos inconscientes dirigidos a uma figura específica - aqui, o psicanalista que atua em hospital.

A pesquisa em psicanálise pretende, portanto, produzir um saber posterior à prática clínica, tendo em vista que “a mais fundamental dessas condições [para a realização de uma pesquisa em psicanálise] [...] é que não se dê início a uma investigação trazendo alguma resposta, teoria ou conhecimento anterior” (SILVA, 2013SILVA, D. Q. A pesquisa em psicanálise: o método de construção do caso psicanalítico. Estudos psicanalíticos, n. 39, jul. 2013., p. 40-41). É imprescindível que aquele que se dispõe a escutar a fala a ele endereçada permita se surpreender com o que lhe será dito.

Como nos recorda Moretto, essa pesquisa consiste em

[...] um dispositivo que convoca de cada profissional que por ele se interessar a responsabilidade da reflexão, da análise e da possibilidade de sua aplicação no caso a caso, deste modo pretendendo facilitar a construção de caminhos específicos. (MORETTO, 2014MORETTO, M. L. T.; Priszkulnik, L. Sobre a inserção e o lugar do psicanalista na equipe de saúde. Tempo Psicanalítico, v. 46, n. 2, p. 287-298, 2014., p. 289).

Estando a prática analítica intrinsecamente vinculada à pesquisa em psicanálise (IRIBARRY, 2003IRIBARRY, I. N. O que é pesquisa psicanalítica? Ágora, v. 6, n. 1, p. 115-138, 2003.), o caso como norte e origem da questão que impulsiona me implica e me gera questionamentos, enquanto aquela que escutou e participou, na tessitura do trabalho. Quando o conteúdo do caso é levado ao ambiente de supervisão, aparece como um depoimento daquele que atende a um terceiro, colocado na figura do supervisor responsável. Essa figura ocupada pelo supervisor tem a função de interrogar a prática clínica, e o que se decanta dos atendimentos e das supervisões se elabora, só então, em texto.

O caso que faz questão

Abel1 1 Nome fictício utilizado para preservar a identidade do paciente. estava internado no hospital para tratamento oncológico, enfermidade que já lhe trouxera acometimentos orgânicos importantes e agora coloca em jogo outra porção de sua já debilitada funcionalidade. Ele apresentava comorbidades que tornam seu tratamento mais difícil e o prognóstico, mais reservado. De acordo com os médicos que o acompanham nesta internação, não há mais proposta de tratamento curativo, estando ele para ser transferido para o setor de Cuidados Paliativos do hospital, a fim de serem realizados os cuidados pertinentes e acompanhamento posterior. O paciente havia sido informado pela equipe a respeito da irreversibilidade de seu quadro.

Na abordagem inicial, Abel fala de seu adoecimento, das perdas subsequentes, da piora da doença, agora com novos prejuízos. Afirma “Minha doença não tem cura”, e emenda “O que você pode fazer por mim?”.

Diante de tal interrogação, posta à beira-leito, o atendimento segue, aparentemente trôpego. Abel tem alta na mesma noite e, quando retorna, alguns dias depois, já está em um estado crítico que o mantém constantemente sonolento ou adormecido. Ainda que o acompanhamento a esse paciente tenha sido encerrado, primeiramente pelo quadro clínico que impedia algum tipo de contato verbal ou não-verbal e, dias após, pelo seu falecimento, há algo que se presentifica e desperta interrogações: a pergunta de Abel sobre o que se pode fazer por ele. O que é possível fazer por ele, especificamente, e pelos pacientes internados em um hospital geral, quando nos propomos a trabalhar fundamentados nos conceitos psicanalíticos, tomando uma clínica balizada por eles?

A pergunta lançada sobre o que se pode fazer por esse paciente, diante da situação em que se encontra, mobiliza outras interrogações a respeito da prática dentro do hospital geral, e é imprescindível saber que prática é essa - o que a fundamenta, o que pretende - e onde ela busca se inserir.

A instituição hospitalar

O hospital geral tem como uma de suas funções principais o trabalho com pacientes portadores de doenças em estágio agravado, bem como enfermidades raras, de difícil controle de sintomas. Também procuram o hospital pacientes com diagnósticos a esclarecer, buscando uma resposta aos acometimentos orgânicos. A proposta de trabalho da equipe de saúde tende a ser pautada pelo modelo biomédico, o qual preconiza um saber inequívoco, objetivo e positivista a respeito do objeto de estudo - no caso, as enfermidades a serem estudadas e, dentro do possível, tratadas e curadas. O trabalho médico é feito empiricamente, com foco no que é apreensível através de exames, do histórico médico pregresso e do olhar treinado dos profissionais da área da saúde. Oliveira relembra que, “no saber médico que sustenta a prática médica, é impossível diagnosticar sem antes descrever os sintomas/sinais e conhecer os antecedentes da enfermidade” (OLIVEIRA, 2007OLIVEIRA, J. et al. O surgimento da clínica psicológica: da prática curativa aos dispositivos de promoção da saúde. Psicologia Ciência e Profissão, v. 27, n. 4, p. 608-621, 2007., p. 610), ou seja, trata-se de uma abordagem que se vale dos dados antecipadamente para então elaborar um tratamento adequado.

As internações podem se dar voluntariamente ou por conta de uma emergência. A proposta da instituição hospitalar pautada pelo modelo biomédico é a de dar enfoque à elaboração de diagnósticos e propostas de tratamento viáveis; portanto, que se encarrega de condições crônicas e agudas, podendo colocar em pauta os limites do corpo e a não continuidade da vida. Esse período em que o paciente permanece hospitalizado tem um tempo limitado, definido pela evolução da doença a ser investigada e o tratamento cabível, e a melhora do quadro clínico que ocasionou a internação. A equipe responsável se encarrega de que os pacientes não permaneçam internados por um período muito longo, tendo em vista o risco de complicações secundárias. Após a alta hospitalar de um paciente, logo se admite outro para ocupar o leito, e assim segue o cotidiano das internações.

Em meio ao vai e vem rotineiro de pessoas, alguns detalhes que as singularizam podem passar despercebidos a ouvintes que não têm como escopo de trabalho escutar o que vai além do que se diz, uma vez que não se trata da finalidade do trabalho da equipe de saúde, muito orientada pelo discurso médico, o qual, é entendido como “aquele que se sustenta pelo imperativo metodológico da exclusão da subjetividade” (MORETTO, 2014MORETTO, M. L. T.; Priszkulnik, L. Sobre a inserção e o lugar do psicanalista na equipe de saúde. Tempo Psicanalítico, v. 46, n. 2, p. 287-298, 2014., p. 294).

Esse cotidiano vai se colocando e mantendo dentro de uma instituição de saúde, a qual opera a partir de determinados protocolos. Moura (2003MOURA, M. D. Psicanálise e Hospital-3: tempo e morte - da urgência ao ato analítico. Rio de Janeiro: Revinter, 2003.), ao contextualizar o hospital como uma instituição atravessada por múltiplos saberes, bem como dotada de diversas estruturas físicas (unidades de internação, centro cirúrgico, salas de exames, ambulatórios, entre outros), que delimitam fazeres diferentes, afirma que,

[...] nela, a tendência inerente a todo o discurso institucional é a prevalência do trabalho institucional sobre o sujeito. E nas instituições hospitalares, essa tendência acompanha o declínio do pensamento clínico em favor dos protocolos que buscam assegurar a eficácia das práticas institucionais. (MOURA, 2003MOURA, M. D. Psicanálise e Hospital-3: tempo e morte - da urgência ao ato analítico. Rio de Janeiro: Revinter, 2003., p. 18, itálico no original).

Levando em consideração o atravessamento de um grande número de protocolos, modos de compreensão do paciente, condutas, entre outros, há algo que se estabelece na dinâmica institucional, que é, como a autora aponta logo acima, a primazia do protocolo em detrimento do pensamento clínico desde a perspectiva psicanalítica. Isto posto, compreendemos que há uma prevalência da tomada objetiva do paciente, esquadrinhando-o a partir de um modelo biomédico. O paciente será tomado, por conseguinte, baseado naquilo que o acomete objetivamente e que as áreas da saúde geralmente se propõem a estudar: a doença orgânica. O foco do trabalho da clínica médica está na elaboração de um diagnóstico fundamentado em um modelo específico, que serve ao que se propõe: o tratamento mais eficaz para o diagnóstico que tem em mãos, pautado pelos protocolos já estabelecidos ou busca por elaboração de novos.

A clínica psicanalítica

O trabalho clínico fundamentado nos conceitos psicanalíticos, por outro lado, segue um caminho específico. Freud e Breuer, em seus estudos no final do século XIX (FREUD, 1895/2006FREUD, S. Estudos sobre a histeria (1895). Rio de Janeiro: Imago, 2006. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud)), trabalham com pacientes acometidas por distúrbios no corpo, que padecem de algum mal orgânico cuja origem é de difícil definição. O trabalho que vai se construindo com essas pacientes é pautado pelas palavras proferidas em determinada sequência ao longo de um sem-número de sessões, e, à medida que os estudos de Freud caminham em direção ao que será denominada Psicanálise, menor o número e a frequência de intervenções diretamente realizadas no corpo orgânico dessas mulheres - hipnose, técnica de pressão na testa etc. - e maior o apelo para que a paciente fale. O estabelecimento da Psicanálise freudiana consiste em

[...] uma ruptura epistemológica crucial entre psicanálise e outros saberes de então, principalmente em relação à psiquiatria, à neurologia e à psicologia. Essa ruptura se revelou fundamental porque a partir dela o entendimento sobre os fenômenos histéricos pôde ser efetuado pela lógica do sentido e não mais pela lógica da anatomia que os tornava, especialmente, incompreensíveis. (PINHEIRO, 1999PINHEIRO, N. N. B. Psicanálise, teoria e clínica: reflexões sobre a sua proposta terapêutica. Psicologia Ciência e Profissão, 2, s/p., 1999., s/p).

Como Pinheiro (1999PINHEIRO, N. N. B. Psicanálise, teoria e clínica: reflexões sobre a sua proposta terapêutica. Psicologia Ciência e Profissão, 2, s/p., 1999.) argumenta, essa ruptura epistemológica inaugurada por Freud marca duas posições específicas no trabalho clínico estipulado dentro da instituição hospitalar: a clínica médica, já conhecida, e a clínica psicanalítica, em processo de inserção nos ambientes além do consultório. Essa colocação é importante para frisar a diferença dos campos de atuação entre a clínica médica, pautada pelo viés científico, empírico e com foco no organismo que se apresenta, inequívoco, e o campo psicanalítico, que se constrói e opera a partir da lógica do inconsciente. A apresentação do inconsciente “é a apresentação da coisa apenas” (FREUD, 1915, p. 206), ou seja, carece da representação pelo campo da palavra, que advém posteriormente. Falamos, portanto, de um conteúdo que se traduz em palavras, mas não necessariamente a partir de uma ligação entre representações. Seguindo o raciocínio sobre os fundamentos da Psicanálise, podemos compreender que

[...] Freud se propôs a tratar seus pacientes, não investigando seus organismos, mas, convidando-os a associar livremente, ele fez uma mudança radical na concepção em como lidar com os pacientes: não considerá-los apenas como objeto de investigação, do qual se possa obter um conhecimento através do exame desse objeto de investigação, mas ele estabeleceu com seus pacientes uma relação. Fundamentalmente, a Psicanálise, diferentemente do que se fazia até então, é uma relação entre falantes. Ou seja, é uma ciência humana, porque só o ser humano é um ser falante. (NOGUEIRA, 2004OGUEIRA, L. C. A pesquisa em psicanálise. Psicologia USP, v. 15, n 12, p. 83-106, 2004., p. 86).

Esse mesmo ser falante é composto por uma dimensão inconsciente, na qual Freud aposta na elaboração de sua clínica e que seguimos apostando até os dias de hoje, e se apresenta nas relações com os demais a partir de uma determinada posição, ou postura (BERLINCK, 2000BERLINCK, M. T. Psicopatologia Fundamental. São Paulo: Escuta, 2000.). Essa posição se constrói a partir das relações intersubjetivas ocorridas desde a mais tenra infância, e a escolha por ocupar um determinado lugar nas relações é de caráter inconsciente. Diante desse posicionamento do sujeito, o inconsciente se manifesta, com suas formações próprias, cotidianamente (FREUD, 1901/2006FREUD, S. Sobre a psicopatologia da vida cotidiana (1901). Rio de Janeiro: Imago, 2006. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud)). Percebemos essas manifestações na rotina, e também quando há rupturas. No hospital não seria diferente: o inconsciente aparece à revelia da objetividade do ambiente no qual o sujeito se encontra, pois se trata de uma condição própria do que é humano.

A dimensão humana de que falamos é, também, de fundamental importância ao tratarmos de um paciente internado, pois o hospital, enquanto instituição de saúde, se vale majoritariamente na via protocolar no tratamento dos enfermos. Ao sustentarmos a presença da subjetividade no ambiente hospitalar, emergem aspectos das vidas dos pacientes, os quais muitas vezes são pausados enquanto eles se encontram hospitalizados, e, nessas rupturas, há o risco de emergirem questões anteriormente veladas para e pelo próprio sujeito. Dunker, ao falar sobre a experiência da hospitalização para os pacientes internados, argumenta que

A observação clínica sugere que a hospitalização bem como os tratamentos prolongados e no geral nossa relação e dedicação aos cuidados com a saúde tomam parte na economia do nosso narcisismo, fazendo com que sintomas, inibições e angústias causem maior ou menor sofrimento. (DUNKER, 2016, p. 65).

Ora, o que Dunker nos traz diz respeito às formações do inconsciente, as quais podem ser escutadas de várias maneiras, dependendo da perspectiva adotada pelo interlocutor. A equipe de saúde, na qual o praticante da psicanálise pode se inserir, tem como intuito escutar através de um determinado filtro, que toma o paciente de modo objetivo e elenca condutas generalizáveis - novamente, norteadas por protocolos previamente estabelecidos. Dentro da especificidade do trabalho clínico a partir da Psicanálise, as formações do inconsciente têm papel preponderante na condução dos atendimentos, tendo em vista que aparecem em transferência com o praticante, o que diz respeito a uma relação singular entre dois falantes, como havia apontado Nogueira (2004)OGUEIRA, L. C. A pesquisa em psicanálise. Psicologia USP, v. 15, n 12, p. 83-106, 2004. anteriormente.

Cabe ressaltar que a clínica psicanalítica opera fundamentada nos conceitos de inconsciente e de transferência (MINERBO, 2013MINERBO, M. Transferência: diálogo com um jovem colega. Jornal de Psicanálise, v. 46, p. 167-182, 2013.). A transferência, muito cara à Psicanálise, pode ser compreendida como um fenômeno que ocorre na relação entre falantes, isto é, na qualidade da relação que o paciente construirá em conjunto com o analista (NOGUEIRA, 2004OGUEIRA, L. C. A pesquisa em psicanálise. Psicologia USP, v. 15, n 12, p. 83-106, 2004.), em que conteúdos inconscientes não elaborados se reapresentam na vida adulta e são endereçados à figura do psicanalista.

O conteúdo trazido pelo paciente internado na especificidade da relação entre ele e o praticante apresenta uma qualidade outra para quem escuta aquilo que lhe é endereçado, pois o praticante parte do pressuposto clínico de que há ali uma posição própria do sujeito falante e uma posição que o psicanalista acaba por ocupar na relação, a partir da fala. O que surge, portanto, em transferência com o praticante, é dotado de caráter próprio, e será manejado de acordo com o que o caso vai apresentando no decorrer dos atendimentos.

O caráter singular manifesto nessas formações do inconsciente é crucial quando se pretende escutar essa dimensão do sujeito. Compreende-se a pertinência e importância de sustentar essa escuta, a fim de dar espaço para que o sujeito do inconsciente emerja e tenha um lugar reservado junto ao paciente, tendo em vista que, dentro do hospital, muitas vezes a subjetividade “é apenas educadamente convidada a se sentar na sala de visita e por pouco tempo, não adentrando a intimidade do quarto do paciente” (SIMONETTI, 2013SIMONETTI, A. Psicologia Hospitalar e Psicanálise. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2013., p. 134.). Tenciona-se dar lugar, portanto, a essa esfera singular. Contudo, a angústia, intimamente ligada ao inconsciente e suas formações, segue se manifestando, com ou sem uma escuta específica, havendo ou não protocolos, uma vez que a subjetividade opera a partir de uma lógica própria, criptografada.

Levando em consideração essa dimensão subjetiva inerente à condição humana, e a importância de dar espaço ao sujeito do inconsciente, a interrogação inicial se mantém: o que é possível se fazer, enquanto psicanalistas, nas unidades de internação, ao levarmos em consideração as particularidades desses ambientes? O caso de Abel é exemplar em mostrar as dificuldades relativas à infraestrutura com que podemos nos deparar na rotina hospitalar - e que muitas vezes eram encaradas por mim como potenciais obstáculos para a realização de meu trabalho clínico. Durante o tempo de permanência nas equipes multiprofissionais, pude notar que ao menos um desses elementos dificultadores a seguir elencados estava presente durante os atendimentos.

O tempo de internação do paciente: pretensamente curto e incerto, os pacientes hospitalizados podem ter alta da instituição tão logo seu quadro clínico se estabilize ou melhore. Da mesma forma, há situações agudas que causam a transferência desse paciente para unidades de terapia intensiva (UTI) ou semi-intensiva (CTSI), o que pode ocasionar interrupção nos atendimentos. Consideramos também os casos em que o paciente vai de alta a pedido ou evade da instituição, indo contra as indicações protocolares.

O espaço físico: os pacientes ocupam leitos em enfermarias com até cinco colegas de quarto, limitando a oferta de um atendimento privativo.

A disposição do paciente em falar: a ausência de uma demanda colocada a priori, sendo o psicanalista quem se apresenta e oferta sua escuta ao outro.

Limitações de ordem orgânica: pacientes excessivamente medicados a fim de evitar o desconforto causado pela dor física, flutuações no nível de consciência relacionadas ou não à doença de base e delirium são exemplos comuns (Abel passou pelos dois primeiros).

Rotina da unidade de internação: compreende horários de visitação, transferência do paciente de um setor para outro para realização de exames e procedimentos, necessidade de medicação fora do cronograma previsto e outras intercorrências eventuais que causam interrupções ou perturbações nos atendimentos.

Presença de acompanhantes, sejam eles do próprio paciente ou de outros colegas de enfermaria, que continuam presentes durante as sessões, e podem interferir das mais variadas maneiras, o que exige o estabelecimento de um manejo específico.

Podemos notar que a prática clínica no hospital geral é permeada por espaços públicos, com circulação de pessoas, interrupções ou perturbações as mais diversas e, muitas vezes, inadiáveis. Abel é um paciente cujo acompanhamento na internação, que dura pouco mais de um dia, é atravessado por todos os pontos listados. Além desses itens, também há a condição geral de Abel: quadro clínico dificílimo, prognóstico reservado, risco de falecimento aumentado em pouco tempo em decorrência de uma piora inesperada. O contexto que se estabelece me coloca diante de uma realidade que reverbera constantemente: os médicos afirmam que não há o que fazer para uma cura ou melhora do quadro. Assim sendo, acabo por estagnar ao ouvir a pergunta: “O que você pode fazer por mim?”.

Na fala de Abel, há o verbo “poder”. Poder fazer algo indicaria, a princípio, que há algo a ser feito ainda, é possível que se faça alguma coisa. Há pelo menos duas maneiras de interpretar essa possibilidade entendida na fala de Abel. Uma delas diz respeito a um posicionamento do praticante enquanto sujeito, em que emerge a própria subjetividade e traz consigo os pressupostos e suposições acerca do que poderia ser o melhor para o paciente baseado em princípios e pré-concepções do praticante.

Quando essa subjetividade do praticante da psicanálise se coloca, o trabalho clínico se inviabiliza, uma vez que a escuta estará permeada pela realidade psíquica do praticante, isto é, a interpretação das palavras proferidas pelo paciente será feita a partir do que o outro sujeito - o praticante - compreende, a partir da própria fantasia, acerca do que ouve. Diante desse equívoco no encaminhamento do caso, a escuta vai se tornando ruidosa, e a afinação é feita baseada em assumpções pessoais, isto é, o fundamento para as intervenções não mais é um manejo da transferência pautado pelos conceitos fundamentais da psicanálise, nem o conteúdo é escutado em atenção flutuante, e sim uma escuta focada no que aparenta - na realidade construída por aquele que escuta - ser importante, aproximando mais a conduta de uma clínica do olhar do que de uma clínica da escuta.

O segundo modo parte da clínica freudiana, pautada pelo manejo da transferência baseada nas posições em que os falantes ocupam e o conteúdo que emerge nesse setting, que dá tom e ritmo ao andamento clínico. A fim de que se estabeleça e se sustente essa transferência, o conteúdo trazido pelo paciente é escutado por alguém que ocupa uma posição específica (FREUD, 1912/2006aFREUD, S. A dinâmica da transferência (1912). Rio de Janeiro: Imago, 2006a. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud)), despindo-se da própria subjetividade a fim de desempenhar uma função na relação transferencial. Fazer isso diz respeito a suspender os pressupostos acerca do que o paciente vá falar ou fazer, bem como em relação às ações do praticante. Essa premissa também orienta um manejo fundamentado em mais do que há diante dos olhos do clínico. Como Minerbo pontua, “não dá para escutar tudo e todos do mesmo jeito. E que isso é importante porque o fazer do analista depende inteiramente daquilo que ele escuta” (MINERBO, 2015MINERBO, M. Escuta analítica: diálogo com uma jovem colega. Jornal de Psicanálise, v. 48, p. 219-237. 2015., p. 220, itálico no original), ou seja, é desde o que é trazido pelo paciente que se pode efetuar algum manejo, e é precisamente através de uma escuta específica que essa transferência pode ter um manejo que fuja dos protocolos, quer eles tratem de um fluxograma afixado nas paredes do hospital ou das pressuposições do psicanalista que se dispõe a atender.

Em se tratando de Abel, a reação ao questionamento do que se pode fazer por ele é ouvida e entendida através de uma compreensão desde a minha própria perspectiva, dotada, portanto, de pré-conceitos inerentes a uma outra realidade psíquica, ou seja, de um posicionamento subjetivo próprio pautado por disposições narcísicas específicas. A resposta inicial foi: não há nada a se fazer. Não há, dentro de uma posição fantasmática, o que se fazer se o praticante tomar o que lhe é endereçado como endereçado a si, e não a uma função.

Ao colocar como critério para responder tão-somente a condição orgânica do paciente, corre-se o risco de cair na primazia dos protocolos mencionada por Moura (2003MOURA, M. D. Psicanálise e Hospital-3: tempo e morte - da urgência ao ato analítico. Rio de Janeiro: Revinter, 2003.), uma vez que o entendimento de possibilidade de atendimento e de alguma espécie de tratamento se ampara no princípio de que apenas se faz algo visando a um objetivo concreto e rápida ou imediatamente alcançável. Abel era um paciente cuja história se aproximava de um fim, e as possibilidades de intervenção por parte da equipe médica se limitavam cada vez mais. É nesse contexto de instituição de saúde geralmente pautada por determinadas condutas que a praticante acaba por elaborar um protocolo próprio, mesmo que sem saber. Esse mesmo protocolo se constitui enquanto um obstáculo ao desempenho do praticante. Diante dessa condição crítica de Abel, a resposta foi um manejo protocolar da transferência. O impasse se coloca ao considerarmos que o protocolo é estipulado para atender a todos, ao passo que o trabalho clínico se propõe a trabalhar com cada um. Ao estabelecer um “manejo protocolar”, inviabiliza-se o manejo do conteúdo trazido pelo sujeito.

Abel continuava falando. Havia, ainda, sujeito sobre o leito. Era ele quem questionava o que se podia fazer por ele. Discutindo-se esse questionamento a posteriori¸ aparece, como já mencionado, a inferência de que se pode realizar algo ali, e essa mesma inferência é dirigida a alguém. Essa aposta de Abel acerca dos desdobramentos de sua enfermidade - há algo a se fazer, ainda - é endereçada àquela que o escuta no momento. E, como nos aponta Silva, a pesquisa em psicanálise também diz respeito a “aprender com todos os fenômenos humanos, tantos quantos nos façam questão” (SILVA, 2013SILVA, D. Q. A pesquisa em psicanálise: o método de construção do caso psicanalítico. Estudos psicanalíticos, n. 39, jul. 2013., p. 37). O caso de Abel, ainda que curto em medidas de tempo, faz questão e alavanca reflexões sobre minha prática clínica.

Voltamos aqui às duas alternativas elencadas dentre outras, em que o praticante pode responder a partir de uma posição que lhe diz respeito enquanto sujeito, e resultar em determinado manejo da transferência que se coloca; ou se pode seguir a partir de um manejo transferencial pautado pela escuta do sujeito do inconsciente, a qual está fundamentada nas premissas da clínica psicanalítica, relativas à fala, à linguagem, à transferência e ao inconsciente.

Freud, no artigo de recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912/2006bFREUD, S. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912). Rio de Janeiro: Imago, 2006b. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud)), nos fala do método por ele utilizado para levar a cabo uma análise. Entre os fatores imprescindíveis a ele, há a atenção flutuante, que captaria o conteúdo inconsciente a partir de uma suspensão das pressuposições do analista quanto ao que é ou não mais relevante a ser escutado, bem como a ordem em que o conteúdo vai aparecendo. As formações do inconsciente se manifestam inesperadamente, condensadas e deslocadas muitas vezes, nos mais rotineiros temas e situações (FREUD, 1901/2006). Freud demonstra, em sua publicação sobre a psicopatologia da vida cotidiana (FREUD, 1901/2006), que os pontos que se ligam rapidamente no fio condutor inconsciente têm um sentido, o qual não se expressa de modo apreensível tão facilmente - isto é, é necessário um trabalho daquele que fala e uma disposição daquele que escuta para que essas conexões de sentido sejam acessadas pelo falante.

Novamente, o sujeito do inconsciente está presente independentemente de onde estivermos, e sua manifestação produz efeitos sobre os demais com quem o sujeito está em relação. A realidade psíquica de cada sujeito é própria, avaliada no caso a caso. A intrassubjetividade e a intersubjetividade - isto é, as instâncias inconscientes do sujeito e o sujeito em relação com os demais - continuam ocorrendo e trazem consigo desdobramentos os mais variados, sendo esse o campo específico de trabalho para o psicanalista. Em leitos de enfermaria conjunta que são proferidas narrativas desses pacientes acerca de si próprios, havendo a chance de contar com acompanhantes atentos ao que é dito. Em salas de procedimentos seguem existindo palavra e ato, mesmo que sob efeito de opioides. As expectativas e reações a diagnósticos de bom ou mau prognóstico revelam sobre quem recebe as informações. O trabalho realizado no um a um a partir do que se escuta é sempre a posteriori, uma vez que o significado das ações é conferido em um só-depois, isto é, a atribuição antecipada de sentido numa via protocolar tem serventia a outros aspectos que não o psicanalítico.

Para que essa proposta de trabalho com a psicanálise se sustente, havemos de nos ater ao que Freud recomenda em 1912: deixar em suspenso o que se acredita supor acerca do que se apresenta. Na clínica, nada é óbvio, apesar de transmitir, equivocadamente, essa impressão. É a qualidade da escuta - o modo como se escolhe escutar o outro - que dará direcionamento ao trabalho clínico, independente do ambiente físico.

Promover uma implicação do sujeito com aquilo que é dito - construindo um espaço para elaboração do conteúdo trazido pelo sujeito - é possível por levarmos em consideração o fato de que o sujeito não se extingue simplesmente por conta da clínica soberana no hospital estar pautada pela tomada objetiva do organismo, do corpo anatômico. As escutas estão ancoradas em pressupostos diferentes, e o espaço reservado a cada aspecto terá disposições diversas. No entanto, a subjetividade emerge e, estando colocada, é passível de escuta pelo psicanalista - escuta essa que há de contar com a liberalidade de que nos fala Freud (1912/2006bFREUD, S. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912). Rio de Janeiro: Imago, 2006b. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud)).

Muitas vezes, o impasse que ocorre parte do próprio praticante, ao ser atravessado por um saber outro, enraizado em outras referências epistemológicas, e por se tratar de um ambiente capaz de colocar em constante teste os limites do ser humano - nas dicotomias saúde/doença, vida/morte. Corre-se o risco, assim, de seguir a alternativa de sustentar uma posição clínica que compreende, mas não escuta, o que significa um entrave no trabalho proposto pela Psicanálise. A interrupção da atenção flutuante ao que se coloca um impasse pode e deve ser interrogada pelo próprio praticante em seu percurso de formação, levando o caso tanto para supervisão quanto para sua análise pessoal.

Entendemos que o trabalho da clínica psicanalítica, na qual o sujeito do inconsciente é responsável por dar direcionamento ao que é dito e feito - e que nem sempre se tem consciência das escolhas e desdobramentos -, só é possível dentro de um hospital geral se aquele que pretende praticá-la estiver disposto a interrogar não só os pacientes internados na instituição, mas a si próprio, a fim de que opere uma abertura e afinamento da escuta clínica que suscita a emergência do sujeito no ambiente em que estiver. O ato do sujeito de se responsabilizar por aquilo que lhe diz respeito é consequência da análise pessoal, e o pontapé inicial para que isso, adiante, se dê é possibilitar um espaço aberto para essas questões aparecerem.

Os obstáculos que dizem respeito à infraestrutura e à rotina hospitalar podem se colocar a qualquer momento e podem representar uma dificuldade extra quando tratamos de inserir o psicanalista nesta instituição. No entanto, em última instância, não são impeditivos para que se operacionalize uma clínica fundada nos conceitos psicanalíticos, uma vez que o praticante não depende de recurso algum além da palavra para poder colocar sua clínica em prática. O responsável por tornar esse trabalho possível é, portanto, o próprio psicanalista.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Nome fictício utilizado para preservar a identidade do paciente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2019
  • Aceito
    20 Out 2019
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