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Editorial

EDITORIAL

Periféricas no âmbito da forte tradição cultural constituída pelas línguas românicas, a literatura e a cultura romenas veiculam, contudo, com força milenar as contradições de toda sorte que habitam desde sempre essa tradição. A ideia de organizar um volume sobre o tema revelou-se bastante profícua. O conjunto das colaborações selecionadas ilumina de maneira bastante original os impasses entre o estético e o político que, com matizes diversos, caracterizaram os dois últimos séculos no país, e que explodem de maneira muito particular ao final do século XX, com a derrocada do comunismo.

O primeiro grupo de textos apresenta de maneira mais geral o panorama da reflexão sobre tais impasses na era pós-comunista, privilegiando um olhar retrospectivo sobre o passado recente, o exame da própria atualidade, as reviravoltas dos pontos de vista críticos e as transformações do panorama propriamente literário. Andrei Terian investiga a construção do modernismo romeno pela crítica literária. Os problemas apontados nesse processo são reveladores não apenas da dificuldade geral de caracterizar o modernismo mas da situação romena em especial. O ensaio convida a uma comparação com o caso brasileiro. Mihai Iovănel aborda a questão da autonomia estética versus engajamento político. É interessante perceber aqui a diferença em relação à maneira de pensar com a qual estamos acostumados no Brasil, pois na Romênia a autonomia estava frequentemente associada a uma estratégia de consolidação do regime político, e a politização a uma forma de manutenção do status quo literário. É também isso que ressalta Crina Bud, ao investigar o papel desempenhado pela democracia e pela autonomia estética na cultura romena, uma vez que a primeira era reivindicada tanto pelos escritores ligados ao regime comunista, quanto pelos dissidentes. Ana-Karina Schneider volta-se para a forma com que vários aspectos do estudo e da recepção da literatura inglesa – desde a prática de ensino do inglês, passando por livros didáticos, até chegar à tradução literária – refletem a evolução da relação entre literatura e política na Romênia pré- e pós-1989. Nicolae Manolescu, um dos mais importantes críticos literários do país, fornece um depoimento esclarecedor sobre sua formação no âmbito das Letras. Nesse caso, a história pessoal contribui bastante para uma compreensão de uma realidade mais ampla. Por fim, Jan H. Mysjkin traça um panorama da poesia romena desde a tomada do poder pelos comunistas em 1947, até a geração mais recente, que não conheceu a era comunista.

A segunda série é dedicada ao estudo de escritores romenos significativos. A ênfase na poesia não foi proposital, mas decorreu do próprio interesse dos autores que submeteram textos para a revista. Ainda que o foco aqui recaia sobre autores individuais, é possível notar como todos se relacionam, mais tênue ou fortemente, com o contexto literário europeu mais amplo. Embora Paul Celan seja reconhecido como um dos maiores poetas alemães do século XX, pouco se fala de sua relação com a Romênia. É isso que faz Jan H. Mysjkin ao retraçar os anos do poeta em Bucareste, escrevendo, traduzindo e publicando em romeno. O caso de Aharon Appelfeld, estudado por Carmen Dărăbuș, comporta semelhanças notáveis com o de Celan, como a experiência do terror nazista e o exílio, mas aqui a ênfase está na pluralidade linguística que constitui sua identidade. George Bacovia foi um importante poeta romeno, inicialmente classificado como simbolista. Mihai Ene propõe uma revisão desse julgamento ao chamar a atenção para as influências da poética decadente em sua poesia. Rodica Grigore debruça-se sobre o poeta e filósofo Lucian Blaga, interpretando-o como um importante elo de ligação, na cultura romena, entre a tradição e a modernidade, o nacional e o europeu. Já Virginia Popović analisa as influências do jogo e dos símbolos matemáticos na obra do poeta moderno Ion Barbu, centrando-se nas relações entre ciência e arte em sua poesia, e propondo uma leitura da teoria dos jogos como arte poética. George Popescu escreve sobre Marin Sorescu, um dos mais importantes poetas romenos da segunda metade do século passado. Seu texto procura decodificar a difícil mensagem da poesia de Sorescu, mobilizando conceitos tais como paródia, reescritura, ironia, e tradicionalismo. Trata-se aqui de um escritor para quem as raízes originais de sua própria cultura constituem a ocasião e as balizas centrais para analisar o mundo contemporâneo. Finalmente Victor Olaru faz uma breve análise comparativa das duas versões em inglês da balada popular romena Mioritza, a primeira, de 1856, realizada por Henry Stanley, e a segunda, de 1972, feita pelo poeta americano W. D. Snodgrass.

Na terceira seção, publicamos duas entrevistas significativas. A primeira é com o escritor, ensaísta, tradutor e jornalista Bogdan Ghiu, um dos intelectuais romenos mais importantes hoje. Ele responde a questões formuladas pelos editores da Alea sobre a sua experiência como protagonista no debate intelectual na Romênia dos últimos 30 anos. Na segunda, concedida ao periódico francês La Quinzaine Littéraire em 2013, a poeta e tradutora Svetlana Cârstean discorre sobre a poesia romena contemporânea. Ao lado da entrevista, oferecemos ao leitor um poema da própria Svetlana, traduzido diretamente do romeno por Raul Passos.

Para incluir no volume uma amostra da poesia romena, apresentamos duas antologias preparadas exclusivamente para a Alea: uma do poeta Dinu Flămând, com seleção e tradução de Marco Lucchesi, e uma da poesia romena contemporânea, com seleção de Svetlana Cârstean e tradução de Paulo Sérgio de Souza Jr.

Concluindo, acrescentamos duas pequenas série de desenhos: a primeira de Viorel Pîrligras, artista apresentado por George Popescu, e a segunda de Dan Perjovschi, a partir da exposição realizada em 2011 em Bucareste para a comemoração dos 100 anos de nascimento de Emil Cioran.

Agradecemos, em especial, a prestimosa colaboração de Marco Lucchesi e de Svetlana Cârstean, sem a qual este volume certamente não seria tão representativo.

Os Editores

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2014
  • Data do Fascículo
    Jun 2014
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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