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Editorial

Editorial

O presente volume constituiu-se em torno da seguinte proposta, que se queria extremamente aberta: "Culturas e deslocamentos". Curiosamente, os trabalhos selecionados revelaram, como se verá ao final da leitura dos textos, não apenas um entrelaçamento em termos de temas e de autores, mas também uma tendência comum: mais do que refletir propriamente sobre deslocamentos ou passagens entre línguas ou culturas ou obras, eles parecem antes desenhar zonas instáveis de contato, de atrito, de fricção, onde as questões ou os autores abordados mantêm-se em uma tensão irresoluta.

Não por acaso, o tema da tradução atravessa - de maneira quase sempre central - um grande número de artigos. Abrindo o volume, Alexis Nouss parte das figuras de São Jerônimo e Santo Agostinho para, passando por autores como Poe, Kafka, Benjamin, Celan e Lacan, pensar a tradução como experiência do limiar - e não da passagem, justamente - entre o próprio e o estranho, o estrangeiro. Izabela Leal, por sua vez, inspira-se na leitura de um poema de Henri Michaux para tematizar e explorar teoricamente, valendo-se de Ulisses, de Benjamin e de Herberto Helder, entre outros, a metáfora da viagem em suas implicações com a tarefa do tradutor, tomada no sentido mais amplo que adquire sobretudo desde o romantismo alemão. Robert Kahn, em seguida, analisa a presença de Proust na obra de Benjamin, mostrando sua importância para a filosofia da linguagem, de uma maneira mais geral, mas também para o pensamento da tradução do escritor alemão. Luciana Persice Nogueira retoma Proust, também, especulando sobre o papel primordial que suas experiências da tradução viriam a exercer em sua própria obra. Já Ricardo Pinto de Souza investiga o sentido teórico das autotraduções de Samuel Beckett a partir de uma rediscussão das relações entre a linguagem e o sagrado em Benjamin. Helena Martins ocupa-se também de Beckett, mas aproximando-o dessa vez de outro filósofo, Wittgenstein, no intuito de assinalar o estranho que, sem se deixar apreender, insiste em se fazer pensar na obra de ambos.

Num segundo conjunto, menor, de artigos, o universo que se impõe é o universo da crítica e da produção de poesia na contemporaneidade. Susana Scramim parte de artigo crítico sobre a poesia de Carlito Azevedo para discutir os caminhos e descaminhos da crítica de poesia no Brasil. Manoel Ricardo de Lima se vale da noção de oficina compartilhada, forjada entre a poesia de Max Martins e o pensamento poético de Mário Faustino, para pensar a poesia como contato, contato entre poetas, contato com objetos e o mundo, contato com o próprio tempo. Por fim, Júlia Studart aborda a série O bairro, do angolano-português Gonçalo M. Tavares, na qual o escritor se confronta com autores fundamentais da modernidade, os quais, a seu turno, nos confrontam ainda, de algum modo, com nossa própria contemporaneidade, deslocando-nos dela: os senhores Valéry, Brecht, Calvino, Swedenborg...

Ao final do volume, a tradução de uma carta de Maquiavel e a resenha de Livro, do jovem escritor português José Luís Peixoto.

Os Editores

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Set 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012
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