Acessibilidade / Reportar erro

Ao preço da minha boca: poesia romena pós-comunista

For the price of my mouth: post-communist romanian poetry

Resumos

O artigo esboça um panorama da poesia romena a partir de 1947, quando os comunistas tomaram o poder e estabeleceram uma ditadura que durou até o final de 1989. De década a década, o autor acompanha a evolução da poesia até a geração mais recente, que não conheceu a era comunista.

Literatura romena; Cenaclu de Luni; Geração 2000


The article sketches a picture of Romanian poetry since 1947, when the Communists took power and established a dictatorship that lasted until the end of 1989. From decade to decade, the author follows the evolution of poetry onto the latest generation, which has not known the communist era.

Romanian literature; Cenaclu de Luni; Generation 2000


L'article brosse un tableau de la poésie roumaine à partir de 1947, année où les communistes prennent le pouvoir et instaurent une dictature qui dure jusqu'à la fin de 1989. De décennie en décennie, l'auteur suit l'évolution de la poésie jusqu'à la génération la plus récente, qui n'a plus connue l'époque communiste.

Littérature roumaine; Cenaclu de Luni; Génération 2000


ARTIGOS

Ao preço da minha boca: poesia romena pós-comunista

For the price of my mouth: post-communist romanian poetry

Jan H. Mysjkin

Bucareste, Romênia Paris, França

RESUMO

O artigo esboça um panorama da poesia romena a partir de 1947, quando os comunistas tomaram o poder e estabeleceram uma ditadura que durou até o final de 1989. De década a década, o autor acompanha a evolução da poesia até a geração mais recente, que não conheceu a era comunista.

Palavras-chave: Literatura romena; Cenaclu de Luni; Geração 2000.

ABSTRACT

The article sketches a picture of Romanian poetry since 1947, when the Communists took power and established a dictatorship that lasted until the end of 1989. From decade to decade, the author follows the evolution of poetry onto the latest generation, which has not known the communist era.

Keywords: Romanian literature; Cenaclu de Luni; Generation 2000.

RÉSUMÉ

L'article brosse un tableau de la poésie roumaine à partir de 1947, année où les communistes prennent le pouvoir et instaurent une dictature qui dure jusqu'à la fin de 1989. De décennie en décennie, l'auteur suit l'évolution de la poésie jusqu'à la génération la plus récente, qui n'a plus connue l'époque communiste.

Mots clés: Littérature roumaine; Cenaclu de Luni; Génération 2000.

Quando o partido comunista tomou o poder no final de 1947, começou na Romênia uma era, que durou até 1989, em que se difundiu, sobre uma base de ideologia política, uma estética inicialmente realista socialista e, em seguida, nacional autóctone. Na tomada do poder, os poetas do entreguerras que haviam se tornado clássicos foram ou proibidos de publicar suas obras, ou levados para trás das grades vermelhas; Lucian Blaga é um exemplo do primeiro grupo, Vasile Voiculescu, do segundo. Mas os jovens também foram reduzidos ao silêncio, em especial o movimento surrealista, que triunfara nos anos 1944-47. Pode parecer surpreendente, já que o círculo de surrealistas e de seus próximos eram bastante favoráveis às ideias marxistas e que poucos deles desconfiavam do modo como o stalinismo as colocava em prática. Uns fugiram (como Paul Celan e Gherasim Luca), outros passaram a colaborar (como Nina Cassian e Virgile Teodorescu) e alguns escolheram ficar com os "aplausos da gaveta" (tal como Gellu Naum). Além da exclusão das literaturas tradicional e de vanguarda dos limites territoriais, a literatura burguesa ocidental, julgada decadente, foi reprimida dentro desses mesmos limites. A era do gelo havia começado.

O partido comunista propunha revolucionar a sociedade em todas as suas articulações, portanto, no campo da literatura também. A palavra "revolucionar" era interpretada como "amordaçar" - os marxistas que a entendiam de outra forma eram atacados tão duramente quanto os liberais. Os escritores mortos eram apagados, com exceção de uma meia dúzia de clássicos, reinterpretados no contexto do proletariado e relidos como precursores. Os escritores vivos tinham que concordar incondicionalmente com o dogma do realismo socialista, sob a pena de serem presos ou proibidos de publicar. Um autor cujo poema fosse interpretado pelo regime como hostil à ascensão da classe trabalhadora corria o risco de ser levado a passar um tempo no xadrez. Não importava a intenção do poeta (fosse ela hostil ou não), bastava que o comissário do partido tivesse interpretado o poema desse modo. Nos anos 1950, era impossível contestar o monopólio do partido sobre as artes.

Essa realidade muda com o prudente degelo que ocorre em torno dos anos 1960. Diversos poetas proibidos de publicar são reimpressos. É o caso de Lucian Blaga, cuja poesia volta a circular depois de sua morte em 1961, ou de Gellu Naum, figura principal do surrealismo romeno, a partir de 1964. Os dois autores foram acolhidos com entusiasmo pelos jovens que puderam, enfim, ler outros modelos além do "proletcultismo". Os leitores - e, entre eles, os escritores em formação - tinham, enfim, acesso à sua própria tradição literária do entreguerras e à literatura moderna ocidental.

Essa situação teve um efeito paradoxal, já que a renovação dos anos 60 foi, em parte, resultante de um retorno a um passado que, na década anterior, estava banido das livrarias e bibliotecas. Referir-se aos modelos do passado era uma forma de resistência contra um regime que se justificava por meio da dissimulação ou da falsificação desse passado. Em seus primeiros poemas, uma escritora como Ileana Mălăncioiu se apoia na cultura popular: não nos textos folclóricos destinados à propaganda ou à exportação e que devem persuadir a nação de uma origem alegre, mas nos leitos demoníacos e cósmicos que se escondem em uma vida dura, próxima da natureza.

Outros, como Marin Sorescu e Constantin Abăluţă, continuam parcialmente a tradição do grotesco e do absurdo; eles utilizam a distorção e o riso para dar uma careta à postura dogmática. Outros ainda, como Nichita Stănescu, optam por uma poesia metafísica que, pelo seu grau de abstração, permanece fora da mira da censura. Por fim, um poeta como Mircea Ivănescu - tradutor de Kafka, Joyce e Musil - parece se colocar fora de qualquer tradição romena e se nutre nas fontes contemporâneas ocidentais, sobretudo norte-americanas.

***

Em 1968, Ceauşescu foi o único dirigente signatário do Pacto de Varsóvia a condenar a invasão russa de Praga. No interior do bloco do leste, essa orientação dissidente era arriscada à época e gerava certa simpatia no ocidente pelo "Gênio dos Cárpatos", especialmente por parte da esquerda antissoviética. Certamente não foi por acaso que certas iniciativas literárias admiráveis se manifestaram por volta de 1968. Refiro-me ao grupo "onírico", com Leonid Dimov como representante mais forte; ao grupo surrealista, ressurgido das cinzas, com, entre outros, Sebastian Reichmann; ou ao grupo mais eclético, e sempre mutante, ao redor da revista Echinox na Universidade de Cluj, de onde saíram Ion Pop, no fim dos anos 1960, e Cosmin Perţa no início dos anos 2000. Depois disso, a ditadura nunca mais pôde voltar a fechar completamente esse leque de formas estilísticas.

Contudo, a poesia dos anos 1970 é um pouco mais domesticada do que a do período anterior. Na Romênia, os poetas invocam com entusiasmo causas extraliterárias, como a nova política cultural restritiva. Em 1971, Ceauşescu reafirma sua orientação independente no interior do bloco do leste ao visitar a China e a Coreia do Norte. Ali, ele se deixa levar pelo culto à personalidade em torno de Mao e de Kim Il-sung, culto que ele deseja introduzir, com uma ilusão de grandeza sem medidas, em sua própria versão no país do sarmale e da ţuica. As consequências econômicas, políticas e culturais são desastrosas, especialmente nos anos 80, quando a vida pode ser definida pelos três f:frig (frio), foame (fome) e frică (medo). Porém, esse desenvolvimento político e econômico não é o suficiente para explicar o sentimento de torpor poético dos anos 1970.

Há outra explicação exclusivamente literária: o novo é novo até o momento em que nos acostumamos a ele. À medida que as novidades surgidas nos anos 1960 encontram espaço em um número cada vez maior de livros, o impacto recua em ondas cada vez maiores e mais planas. Os poetas do segundo círculo e os de depois podem trazer o talento que for, mas eles surgem irrevogavelmente depois do impacto inicial de maneira que seu nome repercute com menos força. Os poetas dos anos 70 chegam depois do momento de descobertas e se concentram mais na elaboração dessas descobertas de forma mais intensa e sutil. Assim, eles se perdem às vezes em fórmulas maneiristas; o resultado pode parecer mais sofisticado e mais erudito, mas também mais frouxo e mais oportunista. Além disso, trata-se de uma geração que aprendeu a escrever sob a censura; ela costuma dar uma dimensão abstrata ou codificada à sua poesia, que não é reconhecida como perigosa pelos funcionários de caneta em punho - mas ao mesmo tempo, ela corta todas as amarras com a realidade. As exceções aqui são Mircea Dinescu e Virgil Mazilescu.

***

No final dos anos 1970 e começo dos 1980, surge um grupo excepcionalmente forte que, no intervalo de quatro a cinco anos substituirá a poesia e a prosa das gerações anteriores. Em um ambiente hostil, certo número de jovens se reuniu em um cenáculo ou "círculo literário", operando assim na linha de continuidade da tradição romena, com um século e meio de idade. Nesses cenáculos, os jovens autores são convidados a ler seus trabalhos, e depois a assembleia passa à discussão sob a presidência de um crítico respeitável. Em mais de uma ocasião, a literatura romena recebeu um novo impulso graças a encontros desse tipo, sem que seja possível determinar em que medida o progresso se deve à personalidade do mentor, à confluência casual de novos talentos, ao ambiente da época ou a uma combinação de todos esses fatores.

Um dos círculos literários mais influentes depois da Segunda Guerra mundial foi o "Cenaclu de Luni" (Cenáculo de Segunda-feira), que se reuniu entre 1977 e 1983 na Universidade de Bucareste. A iniciativa foi de um grupo de estudantes com disposição lírica, que inicialmente pediu ao professor Nicolae Manolescu para coordenar suas discussões. Porém, a tarefa principal de Manolescu era defender o grupo de jovens não ortodoxos contra os ataques dos ideólogos comunistas. Não se tratava de algo simples, pois, toda semana, Manolescu era convocado pelo comissário do partido comunista encarregado de zelar pela pureza da doutrina na universidade. Infelizmente, nem a autoridade de pesquisador de Manolescu resistiu muito tempo e, em 1983, o "Cenáculo de Segunda-feira" foi extinto por ordem do partido. Não obstante, os sete anos em que o grupo pôde funcionar bastaram para comprovar sua capacidade de formar e consolidar o talento da nova geração. Em 1982, eles conseguiram confirmar sua presença em duas antologias coletivas feitas de forma independente: Aer cu diamante (Céu de diamantes), com poemas de Mircea Cărtărescu, Traian T. Coşovei, Florin Iaru e Ion Stratan; e Cinci (Cinco), com poemas de Romulus Bucur, Bogdan Ghiu, Ion Bogdan Lefter, Mariana Marin e Alexandru Muşina. Basta acrescentar a essa lista Nichita Danilov de Jassy, bem como Ion Mureşan e Marta Petreu de Cluj, que teremos a nata dos "oitentistas" romenos.

No entanto, os ex-integrantes do cenáculo não concordam com a forma como se interpreta a inovação nos anos 1980. Todo mundo concorda em dizer que o "optzecism" (literalmente: "oitentismo") tem sua própria identidade original - mas, para Ion Bogdan Lefter, ele é apenas o momento inicial no movimento pós-moderno que tem se ampliado cada vez mais até o momento presente; para Mircea Cărtărescu, o traço inovador do oitentismo coincide com o pós-modernismo, já ultrapassado pelas gerações mais recentes; para Alexandru Muşina, por outro lado, o "oitentismo" e o "pós-modernismo" são dois projetos distintos. Segundo Muşina, o último é um "projeto literário"; o primeiro é, além disso, um "projeto existencial", em que se parte em busca de um "antropocentrismo novo". Como eu disse acima, muitos poetas dos anos 1960 e 70 se refugiaram em uma poesia bastante abstrata e metafórica. Se existe um traço em comum entre os oitentistas é o desejo de voltar ao homem em suas dimensões concretas, biográficas e diretas. Nesse sentido, podemos, de fato, falar em um "projeto existencial", desenvolvido em termos literários de forma distinta por cada poeta. Assim, uns dialogam intensamente com a geração beat americana, enquanto outros estavam em harmonia imediata com o textualismo francês. Apesar dessas influências estrangeiras, o que os oitentistas têm de fato em mira é a realidade romena: denunciar a vida totalitária com seu falso pathos e seu kitsch.

***

No dia 22 de dezembro de 1989, do Studio 4, Mircea Dinescu teve a honra e o prazer de anunciar ao mundo que o reino de Ceauşescu tinha chegado ao fim. Com ele, terminava também a censura que, nos anos 1980, havia reprimido qualquer iniciativa criadora. Os autores que primeiro se beneficiaram eram produtivos há muitos anos, mas não haviam tido a chance de publicar, ou só esparsamente. É o caso de Daniel Bănulescu, Ioan Es. Pop ou Simona Popescu. Em 1990, eles têm em torno de trinta, trinta e cinco anos e ainda podemos chamá-los de autores jovens, mas de forma alguma juvenis. Todos os livros que eles publicam nos primeiros anos dessa década libertada testemunham grande maturidade simplesmente porque os seus anos de aprendizagem ficaram guardados nas gavetas. Infelizmente, eles tiveram que entender com muita rapidez que poderiam publicar livremente, mas que o leitor igualmente livre não tinha o que fazer com seus versos. "A liberdade de palavra privara a palavra de seu poder", observou Ana Blandiana. Mas essa é apenas uma observação ácida de uma dissidente literária, que precisou perceber que, depois da revolução, o interesse do leitor havia se deslocado da palavra poética para a palavra jornalística e publicitária. Na verdade, a liberdade das mídias excluíra a necessidade de interpretar poeticamente a realidade romena. Além disso, depois de 1990, ex-dissidentes como Ileana Mălăncioiu, Mircea Dinescu ou Ana Blandiana passaram a escrever mais como publicitários do que como poetas. Seus versos tornaram-se sem utilidade e sem importância.

Depois da libertação, o tom não é exatamente alegre. Nos primeiros anos depois de 1989, a situação econômica dos romenos se deteriorou ainda mais, a um nível nunca visto nos tempos do comunismo. O primeiro presidente eleito democraticamente, Ion Iliescu, antigo braço direito de Ceauşescu, não tinha o menor escrúpulo de transportar para Bucareste caminhões cheios de menores para quebrar os assentos dos partidos de oposição, as salas de redação demasiado indiscretas e os gabinetes de intelectuais críticos na universidade. O ocidente observa de braços cruzados. A esperança de que o liberalismo trouxesse uma melhora rápida na vida cotidiana se revelou como uma ilusão. A era do gelo comunista acabara, mas uma andorinha liberal tampouco fez a primavera. Também não fazia sentido abrir a boca para experimentar um menu saboroso, mas podia-se ainda assim abri-la para dizer que não havia menu - já era alguma coisa. Os anos 1990 seriam dominados pelos poetas maduros que, finalmente livres da censura, chegavam à plenitude criadora. Esse é claramente o caso de Constantin Abalita, Angela Marinescu e Marta Petreu, entre outros, que produziram o melhor de sua obra depois de 1989.

Os poetas que aparecem justo antes e depois da revolução de dezembro de 1989 surgem também de círculos literários. Seis meses antes da extinção do "Cenáculo de Segunda-feira", o professor Mircea Martin tinha constituído seu próprio círculo literário, o "Universitas", de novo a pedido de estudantes da universidade de Bucareste. Embora o cenáculo se reunisse uma vez por semana, às sextas-feiras, até 1990, ele ficou conhecido na história como o berço dos chamados "noventistas" (os romenos têm o hábito de fatiar sua história literária recente em décadas). Como as possibilidades de publicação para os poetas e críticos em formação nos últimos anos do período totalitário eram muito escassas, eles só se tornaram conhecidos depois de 1990. Cristian Popescu, Daniel Bănulescu, Ioan Es. Pop, Lucian Vasilescu faziam parte desse cenáculo, bem como Nicolae Ţone, que será um dos editores mais ativos promovendo os novos autores pós-comunistas, ou Carmen Muşat, cofundadora e atual chefe redatora do jornal Observator Cultural.

Embora Cristian Popescu divulgue uma nova geração com a publicação de Nouăzeci, suplemento da revista Luceafărul (O astro), os noventistas exploravam o mesmo território pós-moderno já inaugurado na década anterior. Não há nada de surpreendente nesse fato, pois os autores do "Cenáculo de Segunda-feira" assistiam também às leituras e discussões do cenáculo "Universitas", após a extinção do primeiro. Do ponto de vista lírico, os novos autores surgidos depois da revolução se confundem com aqueles mais velhos do período anterior.

***

"Todas as atrocidades da transição romena, com os medos e as desilusões decorrentes se acumulam e se revelam na poesia produzida em torno do ano 2000", escreve un cristian1 1 Trata-se de pseudônimo. (N. da T.) - editor, animador, inspirador, provocador, defensor mais enérgico da década anterior. "A miséria, a marginalidade social, a hipocrisia da defesa do consumidor, a falta de dinheiro e de uma perspectiva de vida decente não são apenas problemas externos, como se crê comumente, são traumas que atacam a intimidade".

A nova geração que começa a se desenhar um pouco antes do ano 2000 não conheceu o comunismo, ou conheceu muito pouco dele, e não sentia nenhuma necessidade de se posicionar em relação a esse passado. Para seus integrantes, mesmo o termo "pós-comunismo" é vazio de sentido, pois eles não se situam depois do comunismo, mas em plena era dos direitos do consumidor. Ali onde os poetas de antes dificilmente poderiam pensar de outra forma que não fosse em termos de uma liberação intelectual conquistada, os jovens cresceram em um anything goes sem outro impulso ou finalidade além do mercado, onde mesmo a ideologia é uma mercadoria como outra qualquer.

Outra vez, a origem da renovação está em alguns círculos literários. O primeiro se chama "Litere" (Letras), dirigido por Mircea Cărtărescu de 1995 a 1998, e de onde vieram Doina Ioanid e Marius Ianuş, entre outros. Este último, por sua vez, funda o cenáculo "Litere 2000", ponto alto do fracturismo que, pela primeira vez desde os pós-modernos do "Cenáculo de Segunda-Feira" e do "Universitas", contesta violentamente seus antecessores deslocando o olhar da intertextualidade para as suas biografias pessoais.

Na noite de 10 para 11 de setembro de 1998, Marius Ianuş foi espancado na rua. Ao chegar em casa, ele escreveu o "Manifesto Fracturista", em que a palavra "fratura" deve ser, inicialmente, tomada no sentido corporal. "O fracturismo desafia os ratos de biblioteca e os poetas premiados, bem como uma poesia que se escreve nos diplomas de fim de cursos nas faculdades. O fracturismo detesta os poetas fabricados, os robôs líricos romenos." O tom provocador foi lançado. E Ianus aproveita o movimento inicial: "O fracturismo é um movimento desenvolvido pelos escritores que escrevem como vivem, eliminando as mentiras sociais de sua poesia; os escritores que aderem a esse movimento não têm esperança de seguir uma carreira nem ambições, eles não entendem a arte como um empreendimento do qual se pode tirar algum proveito".

Para os fracturistas, não se trata de trabalhar um belo objeto verbal até a sofisticação formal, a profundidade meditativa ou o lirismo exaltado. O que conta é a motivação biográfica e existencial, expressa da maneira mais direta e mais autêntica possível. "O mundo que construímos não é mais o murmúrio de um universo feito de papelão", observava Elena Vlădăreanu, também vinda deste grupo. "A literatura da nossa geração se constrói a partir de interseções com o comercial, o existencial e o midiático." A experiência em estado bruto foi fortemente criticada pelos escritores de então, que qualificam os estraga-prazeres de vulgares e pornográficos. Desviando o olhar dos livros para fixá-lo sobre a vida real da Romênia dessa época - uma vida de miséria e vulgaridade -, era inevitável o uso de uma linguagem sem floreios, percebida como antilírica, até mesmo violenta. A partir daí, vários autores integrantes desta "poesia depois da poesia" encontraram seu lugar na paisagem literária, como Dan Sociu e Răzvan Ţupa, por exemplo.

Os separatistas rapidamente entraram em rivalidade com os "utilitaristas" que se agrupavam no cenáculo "Caragiale", onde abordavam um enfoque exatamente contrário. Ali onde os separatistas partiam da intenção do autor, os utilitaristas colocavam o autor em um primeiro plano; eles não se interessam pelo valor literário ou pela autenticidade do texto, mas se concentram em produzir um efeito sobre o leitor, sem recusar nenhuma estratégia de marketing. A partir de então, a crítica, tentando cartografar os novos poetas, utiliza categorias como "neoexpressionistas", "minimalistas", "hiperrealistas", até "deprimistas", o que, ao menos, testemunha a diversidade da poesia romena contemporânea.

Hoje em dia, espalham-se pela Romênia círculos literários onde os jovens podem se expressar. Quando estou em Bucareste, não perco a oportunidade de assistir às "Oficinas relacionais", coordenadas por Răzvan Ţupa, na Sala Dalles; no "Instituto Blecher", coordenado por Claudiu Komartin, no café-adega El Comandante; ou ao "unu' şi unu'", coordenado por un cristian e Cosmin Ciotloş no eterno Clube A... Que nova geração surgirá desses encontros?

Tradução do francês de Marília Garcia

(Doutora em Literatura Comparada/ UFF, Pós-Doutorado em Literatura Francesa/ UFRJ)

Recebido em 20/08/2013

Aprovado em 15/09/2013

Jan H. Mysjkin é um escritor e tradutor belga, e vive em Paris e Bucareste. Este ano publicou Etc., etc ..., seu oitavo livro de poemas. Em 2012 foi premiado com o Prêmio Jaffé Elly pela primeira tradução completa para o holandês de O Conde de Montecristo, de Alexandre Dumas. Sua poesia foi traduzida para mais de 40 idiomas. E-mail: <janmysjkin@hotmail.com>

  • 1
    Trata-se de pseudônimo. (N. da T.)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Recebido
      20 Ago 2013
    • Aceito
      15 Set 2013
    Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: alea.ufrj@gmail.com