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O tombamento do Terreiro da Casa Branca: representações e a chancela de um discurso acerca da expansão das políticas de preservação patrimonial na linha editorial do Iphan1 1 O presente artigo é resultado das discussões apresentadas na disciplina “Arquitetura Popular e Patrimônio” lecionada pelos professores Márcia Sat’Anna, Daniel Paz e Mariely Santana na Universidade Federal da Bahia no segundo semestre de 2020.

Heritage protection of Terreiro da Casa Branca: representations and discursive approval of Iphan’s editorial line regarding the expansion of heritage protection policies

RESUMO

A partir das práticas discursivas da linha editorial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), especificamente do Boletim Sphan/Pró-Memória e da Revista do Patrimônio, este trabalho analisa a narrativa construída em torno do tombamento do Terreiro da Casa Branca, em Salvador (BA). A abordagem de questões relativas ao tombamento, aliada a diferentes estratégias discursivas adotadas pelos autores que discorrem sobre o processo, associam o Terreiro da Casa Branca à expansão patrimonial das políticas preservacionistas do Iphan na década de 1980. Outras experiências do órgão, como o tombamento da Serra da Barriga (AL), não são tidas, contudo, como parte dessa expansão, sendo eclipsadas ou ainda tomadas como sinônimos do tombamento da Casa Branca. Isso ocorre, dentre outras razões, devido à compreensão do que seria o patrimônio cultural naquele momento. Analisar esse processo ajuda a esclarecer como um determinado contexto sociocultural é restringido dentro da linha editorial do Iphan em favor de uma única experiência, e como isso impede que ocorram avanços na valoração de demais patrimônios afro-brasileiros por esse setor do órgão.

PALAVRAS-CHAVE:
Terreiro da Casa Branca; Processo de tombamento; Linha editorial; Iphan

ABSTRACT

Based on the discursive practices used by the National Historic and Artistic Heritage Institute’s (Iphan) editorial, specifically on the publications Boletim Sphan/Pró-Memória and Revista do Patrimônio, this paper analyzes the narrative built around the heritage protection process of the candomblé Terreiro da Casa Branca, located in Salvador, Bahia, Brazil. Debates regarding this protection process, allied to different discursive strategies employed by authors, associate this process with the expansion of Iphan’s heritage protection policies in the 1980s. Other experiences within Iphan, such as the listing of Serra da Barriga, located in the state of Alagoas, are not considered part of such expansion, being overshadowed or understood as synonym of the Terreiro’s case. This is due, among other reasons, to the understanding of what a cultural heritage was at that time. Analyzing this process contributes to elucidate how a certain social and cultural context is restricted within Iphan’s editorial line in favor of a single experience, and this prevents advancements in the valorization of Afro-Brazilian heritage.

KEYWORDS:
Terreiro da Casa Branca; Heritage Protection Process; Editorial; Iphan

INTRODUÇÃO

A linha editorial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é constituída por publicações como a Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - aqui tratada como Revista do Patrimônio -, as Publicações do Sphan e o extinto Boletim Sphan/Pró-Memória. Apesar de não se configurar apenas como um instrumento para relatar as ações do Iphan, como indicou, em 1937, o primeiro diretor do instituto e editor da publicação, Rodrigo Melo Franco de Andrade,6 6 Rodrigo Melo Franco de Andrade, em seu texto “Programa”, publicado no n. 1 da Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, afirma que “a publicação desta revista não é uma iniciativa de propaganda do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cujas atividades, por serem ainda muito modestas e limitadas, não justificariam tão cedo a impressão dispendiosa de um volume exclusivamente para registrá-las” (ANDRADE, 1937, p. 1). sua linha editorial chancela os discursos do instituto que construíram - e ainda constroem - certas ideias sobre aquilo que seria o patrimônio cultural brasileiro.

Robson Ribeiro7 7 Ribeiro (2013). mostra que nos trinta primeiros anos de funcionamento da linha editorial do Iphan, ela foi imprescindível para os estudos sobre os bens tombados pelo órgão, que chegaram a constituir 50% dos artigos publicados na Revista do Patrimônio. Em relação à série Publicações do Sphan, Márcia Chuva indica que ela se constituiu como um conjunto de investigações acerca dos documentos da cultura material, “integrantes do universo selecionado como patrimônio histórico e artístico nacional”.8 8 Chuva (2009, p. 249). Nesta primeira fase, a arquitetura civil do período colonial foi eleita como representante do patrimônio nacional, tendo os artigos da Revista do Patrimônio também o papel de chancela desse discurso.

Ao olhar para os demais recortes temporais da Revista do Patrimônio, antecipamos que um bem da cultura material, assim como o processo de tombamento9 9 O processo de tombamento é um documento institucional referente às atas de reuniões, pareceres técnicos, arquivos de pesquisa, fotografias, desenhos técnicos etc., que compõem o instrumento jurídico do tombamento, previsto no Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. O tombamento tem como principal objetivo a conservação dos bens materiais, coisas móveis ou imóveis que têm seus valores culturais reconhecidos a partir de pareceres técnicos do Iphan. Segundo Pereira (2021, p. 37), os processos de tombamento são distribuídos entre os técnicos administrativos e os membros do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, instância máxima de reconhecimento do patrimônio cultural brasileiro que complementa e intervém nas decisões dos primeiros. “O Conselho Consultivo é composto, atualmente, por nove membros de instituições públicas e privadas e por treze representantes da sociedade civil. De acordo com a autora, o conselheiro assume a relatoria e coloca seu parecer em discussão e votação nas reuniões, cabendo ao presidente do Iphan o voto de “minerva” em casos de empate’. referente a ele, tornaram-se objetos de análise por artigos da linha editorial do Iphan como um ponto de inflexão das políticas preservacionistas do órgão na década de 1980: o Terreiro da Casa Branca, localizado na cidade de Salvador (BA). Esse ponto de inflexão, para os autores que escrevem para a Revista do Patrimônio, estaria relacionado ao momento que o Iphan passou a preservar uma gama mais vasta de tipologias de bens tangíveis ligados a culturas que, até então, não detinham lugar no hall de proteção do órgão, como era o caso dos bens vinculados ao patrimônio afro-brasileiro.

Como indica Márcia Sant’Anna, o conflito em torno do tombamento do Terreiro da Casa Branca correspondeu, dentro do Iphan, a uma grande “disputa pela narrativa histórica do país”.10 10 Sant’Anna (2020, p. 10). Essa disputa ganha destaque, também, no Boletim Sphan/Pró-Memória e na Revista do Patrimônio. Nessas publicações, as práticas discursivas ressaltam as articulações no interior do instituto que exerceram um papel substancial na expansão das políticas de preservação no território nacional. São representativas desse quadro as ações do projeto Etnias e Sociedade Nacional que, a partir de 1980, buscaram resgatar a memória de grupos indígenas; as movimentações para o tombamento da Serra da Barriga, em Alagoas,11 11 Embora não tenham sido localizados trabalhos que refletem sobre o processo de tombamento da Serra da Barriga, foram localizados artigos no n. 25 da Revista do Patrimônio que abordam o fato histórico lá ocorrido, como é o caso de Diégues Júnior (1997), que afirma: “A Serra da Barriga era o núcleo central do quilombo de maior destaque do país, o Quilombo dos Palmares. Ocupava quase todos o território de Alagoas” (DIÉGUES JÚNIOR, op. cit., p. 15). O mesmo acontece nos artigos de Almeida (1997), Proença Filho (1997), Motta (1997) e d’Adesky (1997). com início no mesmo ano; e outras ações do Projeto de Mapeamento de Sítio e Monumentos Religiosos Negros da Bahia (MAMNBA), iniciativa que foi fundamental para o tombamento do Terreiro da Casa Branca e para os estudos acerca de outros artefatos da cultura material de matriz africana, como o Parque São Bartolomeu, também em Salvador.

Acerca das práticas discursivas, Foucault aponta que o discurso não seria simplesmente uma tradução do seu objeto. O discurso “é, também, aquilo que é o objeto do desejo […], aquilo por que, pelo que, se luta, o poder do qual nós nos queremos apoderar”.12 12 Foucault (2012, p. 10). Compreende-se que a inserção contínua do processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca na linha editorial do Iphan, concomitantemente à ofuscação de todo o seu contexto sociocultural, não foi feita apenas com o intuito de traduzir - no sentido de a transformar em uma história escrita - essa história, mas de torná-la um marco da história, inclusive enquanto evidência documental. A reflexão proposta por Gilberto Velho, relator desse processo de tombamento na década de 1980, aponta a importância de “rememorar esses fatos, pois a vitória foi muito difícil e encontrou fortíssima resistência”.13 13 Velho (2011, p. 56). É justamente na linha da afirmação de Velho que esse estudo se desenvolve.

De acordo com Carlos Amorim, o processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca permitiu uma revisão do conceito de monumentalidade, o que teria resultado no reconhecimento e legitimação dos valores atribuídos a determinados bens culturais. O autor afirma que “o monumento não era mais o signo, mas, e, sobretudo, o significado que abrigava. No mesmo sentido, a ideia de excepcional renovou-se para tornar-se hígida, porque admitiu o sentido da singularidade por posição ao reiterativo”.14 14 Amorim (2011, p. 21). Desse modo, ao direcionar o foco para o processo de tombamento da Casa Branca e os valores a ele atribuídos, esse debate parece ter assumido uma importância na linha editorial, não apenas no sentido de inaugurar e ilustrar novos tratamentos para o patrimônio nacional de similar natureza, mas também de eclipsar processos análogos que aconteciam concomitantemente. Os significados desse bem para sua comunidade foram reconhecidos pelo instituto e tornaram-se, de certa forma, o farol que iluminou uma trajetória narrativa da sua linha editorial.

Interessa, assim, entender qual o papel dos artigos veiculados na linha editorial do Iphan durante essa movimentação. Embora o debate acerca do processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca tenha inaugurado novos tratamentos para o patrimônio nacional, nossa hipótese primária é de que a contínua publicização desse processo na linha editorial do Iphan restringiu o debate sobre outras experiências do órgão relativas aos patrimônios afro-brasileiros. Nesse sentido, não houve, como resultado dessas articulações, avanços significativos na valoração desses bens na linha editorial do órgão, uma vez que o discurso continuou centrado em uma única experiência.

Algumas perguntas podem ser lançadas para uma reflexão acerca dessa hipótese, bem como para um melhor entendimento de todo o processo de chancela da informação. São elas: (1) Quem produziu essa narrativa? (2) Quais foram os processos eclipsados em consequência do tombamento do Terreiro da Casa Branca? (3) Quais e como foram as representações do tombamento do Terreiro da Casa Branca na linha editorial do Iphan?

Na tentativa de refletir sobre esses questionamentos, partimos da premissa de que a produção de documentos, assim como de notícias, passa por processos de análise, seleção e exclusão. O que se escolhe veicular, nesse sentido, adquire uma importância social e histórica na construção de determinada narrativa. Na lógica apresentada por Le Goff,15 15 Le Goff (1990). o documento, ou ainda o registro, é entendido como um monumento, o que torna possível, a partir da sua análise, desmistificar os significados e intenções por trás da fonte primária. É com base nessa perspectiva que a análise das publicações mencionadas será feita.

Para a reflexão proposta foram localizados no Boletim Sphan/Pró-Memória três números - n. 20, 23 e 30, datados de 1982, 1983 e 1984, respectivamente -, nos quais foram noticiadas as principais características do Terreiro da Casa Branca e as diversas etapas do seu processo de tombamento. Já na Revista do Patrimônio, foram localizados cinco artigos que têm o Terreiro da Casa Branca e o seu processo de tombamento como objeto de discussão.16 16 Velho (1984), Capinam e Ribeiro (1986), Fonseca (1996), Guran (2017) e Olender (2017). Também na Revista do Patrimônio, n. 22, foi publicada a discussão da mesa redonda “Tombamento”, em que Dina Lerner, Dora Alcântara, Lúcia Fontes, Maria das Graças Coelho e Sônia Rabello debatem, entre outras questões, suas impressões sobre o tombamento do Terreiro da Casa Branca.

A partir do que foi revelado pelas publicações, pretende-se discorrer sobre esse processo de tombamento. Todavia, é necessária uma breve apresentação da linha editorial do Iphan, assim como do contexto sociocultural em que os textos foram publicados.

A LINHA EDITORIAL DO IPHAN: DESENVOLVIMENTO E CONTEXTOS

A linha editorial do Iphan foi criada em 1937 - concomitantemente ao surgimento da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan) - com a publicação do n. 1 da série Publicações do Sphan, na qual está a pesquisa de Gilberto Freyre intitulada “Mucambos do Nordeste: algumas notas sobre o typo de casa mais primitivo do Nordeste do Brasil”, e do n. 1 da Revista do Patrimônio, distribuída apenas em 1938.17 17 Apesar de ter sido datada de 1937, o n. 1 da Revista do Patrimônio foi, na verdade, publicado em 1938, como mostra Silva (2010). De acordo com Márcia Chuva, durante os trinta primeiros anos de atuação do órgão, a série foi composta por monografias que divulgavam estudos de um único autor em cada número. A Revista do Patrimônio, por outro lado, existe até hoje no formato de um conjunto de textos, o que fomentou a formação de uma verdadeira rede, interna e externa ao órgão, de especialistas vinculados a diversas áreas do saber científico.18 18 Chuva (2009). A revista é a única publicação da linha editorial do Iphan que apresenta uma relativa periodicidade ao longo da trajetória do instituto, e, ainda que sua regularidade esteja em desacordo com a intenção inicial do primeiro diretor e editor, é considerada um veículo que continua a formular e difundir ideias sobre aquilo que seria o patrimônio nacional.

Autores como Cíntia Silva,19 19 Silva, op. cit. Raul Lanari20 20 Lanari (2010). e Robson Ribeiro21 21 Ribeiro, op. cit. convergem ao entender a Revista do Patrimônio, entre as décadas de 1930 e 1970 (n. 1 a 18), como um espaço de elaboração e difusão de ideias. Nesse período, os artigos publicados foram, em sua maioria, mais descritivos do que analíticos, apresentando pesquisas que se propunham a conhecer e construir um patrimônio nacional, como indica Tarcila Guedes.22 22 Guedes (2000). O tom descritivo dos artigos funcionou, também, como uma espécie de inventário preliminar de bens imóveis passíveis de proteção, uma vez que os processos de tombamento tinham um formato sucinto, sem estudos significativos que os instruíssem.

Durante a direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade (1937-1967), correspondente ao início do Estado Novo, era de suma importância a construção de uma identidade nacional nos âmbitos político e cultural. Entende-se, portanto, o tom descritivo dos textos publicados nesse momento, dado que a própria criação do instituto buscava corroborar com a busca e estabilidade de uma expressão tipicamente nacional, procurando afastar-se, assim, de trabalhos polêmicos. No artigo “Programa”, o diretor evidencia o papel do Iphan na elaboração e divulgação dos elementos artísticos e históricos que constituíam essa identidade.23 23 Andrade, op. cit. A indicação existente no documento que deu a ordem organizacional do antigo Sphan - o Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937 - de que o conjunto representativo da nação era restrito aos seus bens materiais de valor excepcional, ajuda a entender as temáticas mais abordadas por sua linha editorial, que dialogam com a representação daquilo que seria o patrimônio nacional naquele momento.

Entre as décadas de 1950 e 1960, a partir do desenvolvimento urbano na região sudeste alcançado pela industrialização, houve o tombamento de conjuntos arquitetônicos e urbanísticos nesses novos e grandes centros. Esse movimento desencadeou uma crise no modelo de gestão do patrimônio, dada a rápida expansão geográfica da zona de atuação do instituto, bem como da quantidade das áreas de atuação. Justamente por essas dificuldades, o Iphan recorre à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para buscar alternativas de mudança em sua política. Nesse momento, iniciam-se as articulações para a reestruturação administrativa do órgão, visando, entre outras questões, a descentralização do sistema das políticas de preservação. Como consequência desse movimento, surgiram os primeiros órgãos estaduais a partir de documentos que resultaram de reuniões de governadores, como o Compromisso de Brasília, de 1970, e o Compromisso de Salvador, de 1971. Como veremos, a atuação da prefeitura de Salvador foi de fundamental importância para os desfechos do processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca.

Na gestão de Renato Soeiro (1967-1979),24 24 Renato Soeiro também atuou como presidente do Departamento de Assuntos Culturais do Ministério da Educação e da Cultura (DAC), enquanto ocupava o cargo de diretor do Iphan. Isso manifesta a mobilidade e atuação de Soeiro no governo federal. já com o auxílio de uma rede internacional de apoio, uma série de providências foram tomadas com o intuito de renovar a postura política e administrativa do instituto. Com uma estrutura mais descentralizada, a abordagem do Iphan passa a incorporar bens de outras naturezas, para além dos artefatos de “pedra e cal” excepcionais, indicando uma alteração também na maneira como o patrimônio nacional passava a ser compreendido.

No DAC, Soeiro elabora o primeiro esboço de política cultural integrada do país, com o Programa de Ação Cultural em 1973. Nele, o patrimônio cultural era tratado como cultura viva, como um processo continuo sem distinção entre passado e presente, entre erudito e popular. Para apoiar e incentivar as manifestações imateriais, ele cria, em 1975, a Funarte, que reuniu órgãos anteriormente criados para promoção do teatro e do folclore, mas que não tinham recursos; e reestrutura a Embrafilme para financiar a produção cinematográfica e não apenas distribuir o filme nacional, chegando a conquistar 40% do mercado nacional.25 25 Azevedo (2016, p. 244).

Essas primeiras alterações na forma de compreender o patrimônio são percebidas já nos dois números da revista editados por Soeiro - o n. 17 (1969) e o n. 18 (1978) -, quando as temáticas retomam alguns campos de estudo presentes na primeira publicação de 1937, como a antropologia e as práticas culturais de grupos indígenas, assim como incorpora outros campos do saber como o paisagismo. Isso indica, portanto, um reflexo dos debates que aconteciam no interior do instituto.

Durante a breve gestão de Aloísio Magalhães (1979-1982), com a instauração do sistema Sphan/Pró-Memória,26 26 Segundo Azevedo (Ibid.), a Fundação Nacional Pró-Memória foi criada a partir de um projeto da gestão de Renato Soeiro, com a proposta feita a pedido de Irapoan Cavalcanti Lyra. Desde sua criação, a fundação foi importante para implementar uma abordagem sobre o patrimônio cultural brasileiro por meio da perspectiva historiográfica. Essa narrativa, no entanto, reforçou a diferenciação entre as fases sob o comando do diretor Rodrigo Melo Franco, entendida como heroica, e de Aloísio Magalhães, caracterizada como moderna, como indica Chuva (2017). a Sphan passa a agir como o braço legal, enquanto a Fundação Pró-Memória atuava nos setores executivo e financeiro. A Pró-Memória foi concebida “com o fim de empreender um conjunto de ações integradas e organicamente estruturadas no âmbito do acervo cultural brasileiro, propiciando à comunidade nacional o melhor conhecimento, maior participação e adequado uso desses bens”.27 27 Magalhães (1985, p. 131). De acordo com Aloísio Magalhães, a Fundação foi criada para suprir institucionalmente a Sphan durante o processo “de esvaziamento extremamente perigoso a ponto de ficar vermelho” que o órgão vivenciou quando foi “cercado, inibido, prisioneiro, sujeito às estruturas do DASP”.28 28 Ibid., p. 124-125. Nela, atuavam também antropólogos e sociólogos advindos do Centro Nacional de Referências Culturais (CNRC), criado em 1975.

No período entre 1979 e 1986, a publicação da Revista do Patrimônio foi pausada e o Boletim Sphan/Pró-Memória - uma comunicação mais direta com a sociedade, ao mesmo tempo que menos custosa para o instituto - foi instaurado. Welbia Dias29 29 Dias (2012). informa que o boletim teve como objetivo divulgar as ações executadas pelo Iphan, além de estabelecer um método comunicativo com as comunidades envolvidas no processo de reconhecimento e preservação do patrimônio cultural. Por se constituir de breves notícias, editoriais e pequenos ensaios, é possível inferir que a circulação do boletim objetivava o engajamento de um maior número de leitores, além do público especializado da Revista do Patrimônio. De acordo com Aloísio Magalhães,30 30 Magalhães (1979). no texto de apresentação publicado no n. 0, o boletim seria o primeiro passo para enfrentar os novos desafios atrelados às políticas de preservação patrimonial, em especial o diálogo contínuo e aberto com a sociedade.

Esse momento acabou se beneficiando das alterações em curso propostas pela gestão de Soeiro, resultando na efetiva transformação do campo do patrimônio: inclusão de novos objetos vinculados ao cotidiano e aos valores a eles atribuídos. A consciência sobre a noção de “referência cultural”, como pontuado por Márcia Chuva,31 31 Chuva (2017). representou a inclusão dos produtores - os agentes da cultura - nos processos de patrimonialização e, portanto, a valorização de determinadas práticas por parte do instituto.

A retomada da Revista do Patrimônio pela Fundação Pró-Memória em 1984, já adentrando no segundo momento da publicação, indicou a revisão do estatuto do patrimônio. A partir daí os artigos obedeciam a um padrão mais curto e apresentavam um perfil menos descritivo, muitas vezes, com textos analíticos e críticos acerca das experiências do próprio instituto, além de registros de projetos e processos de tombamento que estavam sendo encaminhados. Segundo Carvalho,32 32 Carvalho (2013). Aloísio Magalhães, já em 1979, articulou um novo núcleo de editoração, descentralizando o desenvolvimento da revista que anteriormente era de responsabilidade dos diretores do instituto. No entanto, ainda que as articulações tenham se iniciado no final da década de 1970, a primeira publicação dessa nova etapa aconteceu apenas em 1984.

Com temas centrais em cada número, essa fase - 1984 a 1987 - abordou temáticas híbridas, no limite entre o que hoje se entende como as dimensões material e imaterial do patrimônio, indicando uma renovação dessa perspectiva e contando, inclusive, com a reorganização da própria narrativa instituída pelo veículo de comunicação. No seu terceiro momento - de 1994 até os dias atuais - a lógica da temática central se manteve, mas com uma nova materialidade e projeto gráfico. Sua abordagem passa a contar, cada vez mais, com a colaboração de estudiosos dos mais diversos temas que abrangem a questão do patrimônio.

Na década de 1980, como indica Ordep Serra, por meio da Fundação Nacional Pró-Memória também foram desenvolvidos projetos que buscavam corrigir o viés eurocêntrico das políticas de preservação do patrimônio cultural. Ainda em 1980, criou-se o projeto Etnias e Sociedade Nacional que se voltou para “o resgate da memória indígena […] [e] logo se ocupou também da memória afro-brasileira”.33 33 Serra (2011, p. 37-38). Ainda de acordo com o autor, a partir desse projeto, foram mobilizadas lideranças negras de todo o país para a implantação do Memorial Zumbi, em União dos Palmares (AL). Também em 1980 começaram as romarias cívicas para o local que fora sede do quilombo do líder de Palmares, Zumbi, no dia 20 de novembro, o que ajudou a concretizar a data como o Dia Nacional da Consciência Negra.34 34 Ibid. O Memorial Zumbi dá início ao processo de tombamento da Serra da Barriga, ainda em 1981, iniciativa que visava a instalação do Memorial Zumbi: Parque Histórico Nacional, destinado “não só à preservação do sítio histórico, mas também a cultivar a memória de todos os que, então, lutaram na busca de sua liberdade”.35 35 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1986b).

Esse processo de tombamento, como indicado no Ofício nº 01-MMAE/EMAB/IN-e-SCHAB, de 21 de novembro de 1984, envolveu 167 entidades, com mais de 5 mil assinaturas no abaixo assinado em prol da salvaguarda da Serra da Barriga. No mesmo ofício, destacava-se que o pedido, feito em 1981, estava até aquele momento em instrução, sem qualquer voto definitivo.36 36 Ibid. Parece ter existido uma verdadeira movimentação em 1984 em prol da finalização do processo de tombamento, pois escrevem ao então diretor da Diretoria de Tombamento e Conservação (DTC), Augusto Carlos da Silva Telles, diferentes entidades, como o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (CEDENPA), o Centro de Estudos Brasil África (CEBA) e a assessoria de turismo de União dos Palmares.

No Iphan, o processo de tombamento é justificado por Carlos Danúzio Lima, Engenheiro da DTC, pelo fato da Serra da Barriga ser um “documento raro e presumivelmente rico em informações a ser explorado - além evidentemente do alto valor simbólico que ela encerra”.37 37 Ibid. Ao ser questionado pelas diferentes entidades e instituições sobre a paralisação do processo, Augusto Carlos da Silva Telles afirmou que o único entrave para a continuidade do processo seria a falta de “informações indispensáveis para a análise e definição do tombamento, e que tais informações nunca nos foram transmitidas, a despeito de reiteradas reclamações formuladas pessoalmente, seja pela Arq. Dora Alcântara,38 38 A arquiteta do DTC, Dora Alcântara, foi a responsável pelo parecer do processo de tombamento da Serra da Barriga. seja por mim mesmo”.39 39 Ibid.

Nesse sentido, percebe-se que, apesar da Serra da Barriga ter seu tombamento aprovado por unanimidade apenas em 18 de novembro de 1985, na 117ª Reunião do Conselho Consultivo do Iphan, as movimentações em prol da sua preservação, nos setores intelectual e social, começaram no início da década de 1980. De acordo com Ordep Serra,40 40 Serra, op cit. o MAMNBA é organizado em 1981 dentro da Fundação Nacional Pró-Memória em conjunto com a prefeitura municipal do Salvador (PMS) e a Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb). Ainda de acordo com o autor, que esteve à frente da coordenação do projeto MAMNBA na época, foi iniciada uma

Análise de levantamentos anteriores, feitos em diferentes épocas da distribuição dos centros de culto afro-brasileiros na cidade de Salvador, passando-se a um estudo sincrônico com base na relação dos terreiros afiliados à Federação Baiana de Cultos Afro-Brasileiros (FEBACAB). Em seguida, a equipe MAMNBA empreendeu dois estudos de caso sobre importantes conjuntos que se achavam em situação crítica naquele momento. Um desses estudos resultou no primeiro plano sistemático de preservação do Parque São Bartolomeu, que não chegou a ser executado, mas até hoje é considerado uma referência importante pelos grupos empenhados na defesa da reserva. O outro estudo teve como objeto o conjunto monumental do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho.41 41 Ibid., p. 39.

O que se pretende elucidar com essa breve contextualização é o fato de que, embora seja escolhido como documento fundamentador da expansão das políticas federais de preservação do Iphan, o tombamento do Terreiro da Casa Branca, na verdade, foi consequência de um contexto mais amplo de reivindicações em prol do reconhecimento do patrimônio afro-brasileiro e de experiências voltadas para sua preservação. Essas experiências, no entanto, são eclipsadas na narrativa histórica apresentada pela linha editorial do Iphan.

O TERREIRO DA CASA BRANCA NO PROCESSO DE TOMBAMENTO E SUAS REPRESENTAÇÕES NA LINHA EDITORIAL DO IPHAN

O Terreiro da Casa Branca, considerado o mais antigo da Bahia, também conhecido como Candomblé do Engenho Velho ou pelo hieronímico Ilê Axê Iyá Nassô Oká, de acordo com Carneiro,42 42 Carneiro (1979) apudInstituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1986a). foi fundado em meados de 1830. Sua fundação teria se dado por Iyá Adêtá, Iyá Kalá e Iyá Nassô,43 43 As sucessoras das três fundadoras, segundo Carneiro (1979 apud Ibid.) foram dona Marcelina e sua filha, Maria Júlia Figueiredo, substituta legal após a morte da mãe. A outra filha de dona Marcelina, Maria Júlia Conceição, após ser vencida na disputa pela chefia do Terreiro da Casa Branca, teria fundado o Terreiro do Gantois, no Rio Vermelho. mulheres advindas da costa oeste da África. A primeira localização do terreiro foi no bairro da Barroquinha, ainda pouco ocupado naquele momento, até sua mudança para o arrabalde do Engenho Velho da Federação, na primeira metade do século XIX.44 44 No processo de tombamento é destacado, ainda, que, “por razões desconhecidas, uma vez que falta documentação nesse sentido, a área passou a pertencer a outra pessoa alheia ao culto”. Em 1925, o terreiro passou a pagar uma quantia aos donatários pelo aluguel do terreno que, desde 1967, havia deixado de ser pago por “falta de condições de garantir o aluguel semestral”, custando na época Cr$ 20.000. Em 1982, parte do terreno já havia sido desmembrado, restando ao terreiro cerca de 6800 m² (Ibid.).

Em 1982, o pedido de tombamento do Terreiro da Casa Branca foi enviado à prefeitura de Salvador, pois o suposto proprietário do terreno estaria interessado no seu parcelamento para o mercado imobiliário. Foi em meio a esse contexto que a prefeitura de Salvador, por meio de um decreto municipal, tornou “de preservação simples a área onde tem sede [o Terreiro], com vistas a resguardá-la de ameaças iminentes”.45 45 Ibid. Essa proteção, no entanto, era vista como insuficiente, provocando uma articulação do MAMNBA a fim de propor o tombamento, entendido, naquele momento pelos interessados, como um grau maior de proteção. Foi então que intelectuais e técnicos, como Gilberto Velho e Pedro Agostinho da Silva, membros da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Consuelo Pondé de Sena, do Órgão Central de Planejamento da Prefeitura Municipal de Salvador (Oceplhan), e Yêda Pessoa de Castro, também da prefeitura municipal de Salvador, foram convocados para uma primeira sondagem das possibilidades de tombamento do Casa Branca.

Em meio a essas articulações, a Pró-Memória, juntamente à Oceplhan, firmaram um acordo para a execução do projeto MAMNBA, para a conservação ou, ainda, a restauração do Terreiro da Casa Branca e do Parque São Bartolomeu. Já em 1983, foram realizadas reuniões, como a ocorrida em 10 de agosto na Fundação Nacional de Artes (Funarte), para apreciação técnica do tombamento do terreiro. Nessa reunião, o “significativo valor cultural do referido sítio” foi destacado por todos os técnicos presentes;46 46 Entre eles estariam Gilberto Velho, Augusto Carlos da Silva Telles, Raphael Carneiro da Rocha, Dora Alcântara, Cyro Corrêa Lyra, Regina Coeli, Sonia Rabello, Olympio Serra, Ordep Serra, Joel Ruffino, Peter Fry, Antônio Agnelo Pereira (este último sacerdote e representante da Casa Branca) etc. (Ibid.). no entanto, a questão da mutabilidade do candomblé era, naquele momento, apontada como um entrave para a preservação do terreiro. Nesse sentido, foram adotadas duas ações de emergência, cuja prática deveria preceder as decisões sobre o mecanismo mais adequado de proteção: providenciar a garantia da posse para o terreiro e a execução de obras emergenciais que possibilitassem a continuidade dos trabalhos religiosos no local.

Durante todo o ano de 1983, realizaram-se diversas reuniões, para as quais foram consultados, entre outros técnicos e pesquisadores, Carlos Moura e Joel Ruffino, membros do Memorial Zumbi. A partir dessas reuniões, foi resolvido, de acordo com Dora Alcântara, que: “pareceu-nos que consideremos menos importante a forma de preservação a ser adotada para a Casa Branca e congêneres, do que o fato em si de preservá-las, confirmando esse gesto o reconhecimento da importância que possuam como patrimônio nacional”.47 47 Ibid. A arquiteta menciona ainda que a posse do terreno estaria garantida por alguns anos, já que havia sido considerada bem de utilidade pública para “fins de desapropriação” pela prefeitura municipal de Salvador.

Em 22 de maio de 1984, por meio da Informação nº 53/84, Augusto Carlos da Silva Telles, então diretor da DTC, baseado em relatório de Peter Fry,48 48 Antropólogo formado na Universidade de Cambridge em 1963. Em 1970, mudou-se para o Brasil para ajudar a criar o curso de ciências sociais na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ficou no Brasil até 1985, quando se mudou para Zimbábue e Moçambique, trabalhando para a Fundação Ford do Brasil. Em 1993, regressou ao Brasil. Foi um dos intelectuais que participou do processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca, participando de reuniões e confeccionando relatórios a pedido de Augusto da Silva Telles. afirma que “as edificações existentes são naturalmente mutáveis, de acordo com as necessidades do próprio culto”.49 49 Ibid. Telles apresenta a DTC como favorável ao tombamento, dando ênfase às futuras intervenções que os edifícios do conjunto poderão ser submetidos, com vistas à manutenção das práticas culturais e, como consequência, da dinâmica daquela comunidade.

Foi somente em 31 de maio de 1984, durante a 118ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que o Terreiro da Casa Branca foi oficialmente inserido nos Livros do Tombo. Gilberto Velho50 50 Antropólogo brasileiro, presidiu até 1984 a Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Enquanto chefe do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi indicado para a relatoria do processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca. foi o relator do processo e, juntamente com conselheiros como Alcídio Mafra de Souza e Gerardo Britto Raposo, evidenciou a necessidade de incorporação de uma postura flexível e adequada à natureza inédita do bem tombado, com vistas a garantir a continuidade das manifestações culturais realizadas nele.51 51 Ibid. Nas palavras de Velho, o tombamento visava “dar condições mínimas de continuidade ao culto, permitindo ao grupo sair da precária situação em que está atualmente, de luta pela sobrevivência”.52 52 Gerardo Britto Raposo afirma, ainda, que o tombamento não se configura numa “posição paternalista”, votando, assim, contra a sua realização. Na contagem de votos, houve ainda duas abstenções - Eduardo Kneese de Mello e Gilberto Ferraz -, um voto pelo adiamento - Pedro Calmon -, e três votos a favor do tombamento - Lourenço Luiz Lacombe, Gilberto Velho e Alcídio Mafra de Souza (Ibid.).

Partindo desse breve panorama sobre o processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca, por meio de documentos arquivados no Iphan, foi possível estabelecer relações entre o que acontecia no interior do instituto com aquilo que foi, à época e mais recentemente, veiculado nas suas publicações oficiais.53 53 Cabe observar que esse processo de tombamento não reflete nem a mobilização social nem o debate técnico efetivamente ocorrido em torno da questão do reconhecimento da Casa Branca como patrimônio nacional.

O Terreiro da Casa Branca foi divulgado pela primeira vez na linha editorial do Iphan em 1982, no boletim n. 20, numa nota com o título “Bahia terá monumentos religiosos negros preservados”.54 54 Bahia… (1982). Em uma pequena abordagem, o texto apresenta os esforços por parte da Secretaria de Cultura do Ministério da Educação (MEC), da Fundação Nacional Pró-Memória e da prefeitura municipal de Salvador para implementar o projeto MAMNBA, apoiados ainda pela Secretaria Estadual do Planejamento, Secretaria Estadual de Educação e Fundação Cultural da Bahia e por artistas e intelectuais baianos como Jorge Amado, Caymmi e Maria Bethânia.

É interessante notar que, embora os textos do Boletim Sphan/Pró-Memória fossem anônimos,55 55 De acordo com Maria de Lourdes Castro Oliveira, editora-chefe do Boletim Sphan/Pró-Memória, o anonimato dos textos presentes no boletim assim se justificaria: “Até o 25 eu senti que a gente devia ser absolutamente anônimo, porque a gente estava construindo uma nova identidade […]. Então, não tinha nome porque a briga de ego nos primeiros tempos era muito grande nas três instituições […], o Aloísio comprou essa história. Também não se assinava foto […]. Só passou a ter [assinatura] no 25, porque a instituição já estava costurada; as três já eram uma instituição, [que] já estava consolidada. Aí não tinha mais sentido não assinar ou por nome […]” (OLIVEIRA, 2012 apud DIAS, op. cit., p. 89). essa notícia foi publicada com a assinatura do escritor Jorge Amado. É possível inferir que o registro explícito dessa autoria pode ter se dado como uma forma de validar, dar autoridade e notoriedade ao processo. Nesse sentido, o autor discorre, em tom literário, sobre a influência das matrizes culturais africanas na sociedade brasileira:

Não seríamos os escritores, os plásticos, os músicos, os bailarinos, os futebolistas que somos sem o sangue negro que corre vigoroso em nossas veias. Sem os valores culturais vindos da África no bojo dos navios negreiros e aqui defendidos e misturados em luta permanente.56 56 Amado (1982, p. 22).

Além de noticiar as primeiras articulações para o processo de tombamento do terreiro, também foram inseridas algumas características arquitetônicas do espaço. A coluna central do salão de festas e o monumento denominado barco de Oxum, o Oko Iluaiê, são apresentados como os elementos do conjunto arquitetônico no Terreiro da Casa Branca de maior destaque.57 57 Bahia…, op. cit. O monumento, localizado na área externa do sítio, aparece lateralmente e em primeiro plano na única imagem que acompanha o texto (Figura 1). Além dessa estrutura, é possível observar no plano intermediário da fotografia, uma pintura de Iemanjá no santuário que abriga a fonte sagrada, ao lado da escadaria de acesso ao templo principal e demais santuários. Percebe-se também que o complexo se acomoda aos diferentes níveis da topografia do lote. A fotografia presente nesta publicação, ainda que pouco informe sobre a totalidade construída do terreiro, é a primeira evidência visual desse sítio publicada na linha editorial do Iphan. Uma espécie de apresentação aos leitores, em um cenário ainda muito preconceituoso e estigmatizado em torno das religiões afro-brasileiras, de um dos conjuntos de matriz cultural africana em solo brasileiro.

Figura 1
Proa do Oko Iluaiê, à esquerda em primeiro plano; Ilê de Iemanjá, ao centro.

No ano seguinte, o boletim n. 23 traz, sob o título “Casa Branca: Secretaria da Cultura recebe pedido de tombamento”,59 59 Casa… (1983). mais informações acerca do processo burocrático que ainda estava em análise. Já naquele momento, e simultaneamente aos trâmites da patrimonialização da Casa Branca, a mobilização parece ter motivado outras comunidades negras a buscarem a mesma proteção legal, o que demonstra o sucesso das ações de mapeamento promovidas pelo projeto MAMNBA. No boletim n. 30, a informação veiculada sobre o terreiro menciona a decisão favorável ao seu tombamento. No entanto, sua efetiva inserção nos Livros do Tombo acontece apenas em 1986. O texto, intitulado “Terreiro da Casa Branca”, afirma que o conjunto monumental, que compreende um sítio de aproximadamente 6.800 m2, na avenida Vasco da Gama, é considerado de importante valor cultural, não só para a comunidade a que está diretamente ligado, em Salvador, mas para a sociedade brasileira como um todo. Esta importância transcende o aspecto local, pois tem implicações com toda a tradição africana em nossa terra.60 60 Id., 1983, p. 37.

Nos três boletins mencionados, as informações referentes ao terreiro são apresentadas em textos curtos - uma espécie de informe sobre as articulações do Iphan - como era característico da publicação. Assim, foi mais registrado o andamento do processo de tombamento do que o de efetivamente validá-lo como patrimônio nacional. Uma informação que, até aquele momento, não tinha sido noticiada pelos textos do boletim e que, como vimos, é de extrema importância para o entendimento do processo, é a de que o tombamento do terreiro estava sendo requerido devido à pressão do suposto proprietário legal do terreno, o qual tinha a pretensão de parcelar o lote para o mercado imobiliário. Esta é uma das primeiras notícias presentes no processo de tombamento, na qual podem ser encontradas manchetes como “Corrida Imobiliária não teme orixás”.61 61 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1986a). A omissão dessa adversidade nas notícias veiculadas pelos boletins poderia, nesse sentido, ser justificada pelo fato de que, naquele momento, o Terreiro da Casa Branca não era considerado representante da expansão das políticas de preservação, ou ainda símbolo do patrimônio nacional.62 62 O nosso entendimento é feito a partir das considerações de Gonçalves (1996), as quais afirmam que a prática discursiva patrimonial do Brasil é baseada em processos de desaparecimento e destruição, ameaçando constantemente o patrimônio. Nesse sentido, a narrativa acerca da ameaça do mercado imobiliário para o Terreno da Casa Branca ganharia destaque no discurso patrimonial quando o artefato também fosse representativo das políticas de preservação. Esse simbolismo ganha expressividade e força quando o processo é finalmente efetivado.

A narrativa visual divulgada até aquele momento pelos boletins, utilizava-se majoritariamente das imagens produzidas pelo arquiteto e fotógrafo Orlando Ribeiro,63 63 Orlando Ribeiro foi, também, membro da equipe do projeto MAMNBA, sendo um dos responsáveis, juntamente com Ordep Serra, pela concepção dessa iniciativa. as quais aparecem e reaparecem em diversos momentos e nas diferentes publicações do instituto. Elas mais ilustravam uma narrativa paralela do que adicionavam algo novo às informações abordadas nos textos. Uma leitura da narrativa visual tecida pelas publicações mostra diferentes partes do terreiro, desde a sua entrada até uma vista aérea que busca enquadrar as diferentes construções que o compõem. As três fotografias publicadas até aquele momento proporcionam um passeio visual que se inicia na praça externa (Figura 1) - com seu monumento em forma de navio e a escada que nos convida a entrar -, passando pela lateral de uma das construções do conjunto (Figura 2) e finalizando com a visão aérea (Figura 3)

Figura 2
Casa Branca, o mais antigo terreiro de candomblé do país.

Figura 3
Fotografia do Terreiro da Casa Branca publicada com a legenda “Arquivo Sphan”.

Como mencionado anteriormente, a partir da década de 1980, a Revista do Patrimônio passa a incluir também artigos de teor analítico que faziam críticas às políticas do Iphan. A primeira abordagem do tombamento do Terreiro da Casa Branca na revista se deu a partir desse viés de análise. Na edição de n. 20, datada de 1984 - a primeira após a pausa da publicação nos anos 1970 -, o processo de tombamento do conjunto é objeto de discussão no artigo “Antropologia e patrimônio cultural”, do antropólogo Gilberto Velho,64 64 Velho (1984). que traça um apanhado da ampliação do campo patrimonial brasileiro por meio da legitimação de um patrimônio ligado a segmentos da sociedade considerados subalternizados. Naquele contexto, a antropologia passava por um processo de inserção nos debates especializados em torno das políticas culturais, as quais se reestruturaram para alterar a agenda patrimonial em voga até então. De acordo com o autor, o pensamento antropológico poderia ajudar a reconhecer a sociedade brasileira em sua forma complexa e heterogênea, uma vez que as representações da elite já estavam legitimadas no Brasil. Gilberto Velho indica ainda que foi esse processo de revisão que possibilitou o tombamento do Terreiro da Casa Branca:

Constituía-se, sem dúvida, em uma situação rica e fascinante, na medida em que um sítio, de grande importância e significado para vastos segmentos da sociedade brasileira, encontrava-se ameaçado. A decisão de tombar o terreiro implica no reconhecimento da legitimidade de uma tradição cultural e de um sistema de valores que, até relativamente pouco, fora objeto de discriminação e até perseguições. Esta iniciativa tem como consequência o reconhecimento de que a sociedade brasileira é muito mais rica e diversificada em termos culturais do que se poderia supor a partir de uma visão mais tradicional do patrimônio.65 65 Ibid., p. 38.

O tom analítico dos artigos nessa nova fase da Revista do Patrimônio pode ser percebido, por exemplo, quando Velho questiona se a política de tombamento configura a melhor maneira de lidar com fatos e fenômenos culturais, em que passado e presente estão indissoluvelmente associados. Nesse sentido, o antropólogo aponta que o debate sobre a expansão do patrimônio cultural deve estar aberto a revisões da legislação para a proteção efetiva de novos patrimônios. Por ser membro do Conselho Consultivo do Iphan, a abordagem de Velho expressa e prevê as dificuldades que um processo de mudança implicaria na legislação já sedimentada e em voga no instituto. Há um indício, portanto, de reinterpretação do Decreto-Lei nº 25 no que tange à noção de tombamento e de como ela poderia ou não estar alinhada aos processos patrimoniais da época.

A partir desse artigo, pode-se perceber que, já na primeira abordagem veiculada pela Revista do Patrimônio, a questão da ameaça ao patrimônio foi levantada. Nessa perspectiva, e de acordo com a análise feita por Reginaldo Gonçalves,66 66 Gonçalves, op. cit. a prática discursiva nas publicações do Iphan sobre o Terreiro da Casa Branca passa de uma mera divulgação das movimentações em torno do conjunto - como realizado no Boletim - para uma análise de novos representantes do patrimônio nacional. Questionamos, assim, se não seria a Serra da Barriga também representativa de tais movimentações e alterações no âmbito do órgão.

Antônio Arantes67 67 Arantes (2015). discorre que, no Iphan, até a promulgação da Constituição de 1988, os quilombos eram vistos apenas como sítios arqueológicos. Suas práticas sociais, questões como identidade e o próprio patrimônio material e imaterial desses sítios não eram considerados. Essa narrativa converge com a valoração proposta para o tombamento da Serra da Barriga, que teve seu conjunto patrimonializado a partir do potencial arqueológico de revelação da narrativa histórica do Quilombo de Palmares. Nesse processo, a própria Serra da Barriga e as construções que abriga (Figura 4) não seriam entendidas como patrimônio, muito menos passíveis de patrimonialização, no sentido utilizado por Gilberto Velho68 68 Velho (1984). para o Terreiro da Casa Branca.

Figura 4
Fotografia publicada no processo de tombamento, na qual pode ser vista uma edificação popular construída na Serra da Barriga.

A partir do cruzamento dessas evidências, é possível entender os movimentos discursivos da linha editorial do Iphan para a fundamentação do tombamento do Terreiro da Casa Branca como representativo da expansão das políticas de preservação do órgão. Essa reflexão ganha força pois, embora os mocambos preexistentes, tomando a expressão cunhada por Freyre, estivessem incluídos na poligonal de tombamento da Serra da Barriga (Figura 4), o tombamento ocorreu a partir do valor atribuído ao conjunto enquanto documentação arqueológica; ou seja, valoriza-se uma história que se encerra em um passado distante. Diferentemente do que aconteceu no caso do Terreiro da Casa Branca que, além de inserido no Livro do Tombo Arqueológico, foi também valorado por um viés histórico, o posicionamento em relação à Serra da Barriga norteou ações de preservação sensivelmente diferentes das ações previstas para o terreiro. Sem adentrar nos pormenores dos respectivos tombamentos, é importante destacar que o entendimento sobre o terreiro era de que sua preservação deveria acontecer com vistas a garantir a permanência de uma história viva e em movimento. Como destacado por Carlos Amorim, “protege-se, no presente, o terreiro singular que alimenta a relação entre passado e futuro”.69 69 Amorim, op. cit., p. 11. Esse entendimento parece ter influenciado diretamente na escolha desse bem cultural, pela linha editorial do Iphan, como a bandeira da mudança, em detrimento de outros processos de similar importância para os povos de matriz africana, como o da Serra da Barriga.70 70 Anos depois, Ulpiano Meneses (1992, p. 22), em outro contexto de discussão, aponta a diferença entre memória e história a partir de processos semelhantes aos que ocorreram na valoração nos tombamentos abordados. História, para o autor, seria a “ciência da diferença”, da descontinuidade entre passado e presente. A memória, por sua vez, seria aquela que permanece viva: “a memória, como construção social, é formação de imagem necessária para os processos de constituição e reforço da identidade individual, coletiva e nacional. […] A memória fornece quadros de orientação, de assimilação do novo, códigos para classificação e para o intercâmbio social”. O tombamento do Terreiro da Casa Branca, a partir dos preceitos de Meneses, pode ser visto como a valoração da memória viva, enquanto o da Serra da Barriga seria, assim, referente a uma história descontinuada.

Na Revista do Patrimônio n. 21, o artigo da antropóloga Maria Bernadete Capinam71 71 Maria Capinam fez parte do movimento de defesa do terreiro como representante da sociedade civil no processo de tombamento. e do arquiteto Orlando Ribeiro, intitulado “A coroa de Xangô do Terreiro da Casa Grande [sic]”,72 72 O nome do terreiro aparece de maneira equivocada no título do artigo, com o termo “Grande” ao invés de “Branca”. Ao longo do texto, no entanto, sua denominação aparece corretamente (CAPINAM; RIBEIRO, op. cit.). apresenta a perspectiva que provavelmente mais destoa dos demais artigos mencionados. Essa abordagem não se centra no processo de tombamento do terreiro, mas sim em aspectos da sua materialidade e imaterialidade. O artigo trata, num tom descritivo, do processo de reconstituição da coroa dedicada ao patrono do terreiro da Casa Branca. Após o artefato original ter desaparecido durante uma reforma do terreiro, a filha de santo Julieta Alves de Oliveira, por solicitação do próprio Xangô, confeccionou uma nova versão do ornamento, que passou a conter diferentes formas da insígnia do orixá: o machado duplo. A coroa se localiza no centro simbólico do salão principal do terreiro, junto à coluna que representa a ligação entre o mundo material e o divino. Capinam e Ribeiro discorrem ainda sobre as características principais da nova coroa de Xangô:

Embora tematize uma representação claramente africana e faça apelo em sua composição a motivos religiosos tradicionais associados com a divindade Xangô (oxê, xerê, etc), a obra de D. Julieta tem outras fontes de inspiração nitidamente brasileiras que, aliás, prevalecem no seu arranjo final, revelando, inclusive, traços de uma exuberância barroca. A própria coroa obedece a um modelo similar aos das coroas dos infantes de Portugal e Espanha, em que dois motivos básicos (florões e pérolas) se alternam. Esse tipo de coroa é também muito encontrado nas estampas e litografias populares de santos católicos. Há até mesmo elementos inspirados nas armas do Império, como os ramos de café que circundam a figura central dos florões na coroa de Xangô.73 73 Ibid., p. 169.

O texto é sensível ao tratar de um elemento específico do terreiro. Somado a isso, tem-se uma abordagem para além da materialidade do local, tensionando os aspectos da religião e suas marcas no espaço. Embora não enfoque o processo de tombamento, mas sim as características materiais e imateriais do Terreiro da Casa Branca, esse artigo pode ser entendido como evidência documental do momento de inflexão do discurso institucional veiculado na Revista do Patrimônio nos anos 1980. Ou seja, embora destoe das demais narrativas, o texto corrobora com o processo da fundamentação do Terreiro da Casa Branca como representativo da expansão das políticas de preservação do Iphan, ao discutir questões de forma pioneira. Assim, mais uma vez, o Terreiro da Casa Branca - e não apenas o seu processo de tombamento - estaria rompendo com a noção de patrimônio vigente, desta vez, a partir da valorização de aspectos imateriais e ritualísticos de uma religião ainda muito marginalizada em território nacional.

A diagramação de ambos os artigos pode ser analisada como uma narrativa em termos visuais e gráficos. As fotografias utilizadas para acompanhar o primeiro texto voltam a aparecer no segundo, com a adição de outras - todas de autoria de Orlando Ribeiro. Nos dois textos há um favorecimento da representação visual, com ilustrações e fotografias que acompanham as palavras escritas e transmitem didaticamente uma abordagem, até aquele momento, inédita para o leitor da revista. A utilização da pintura de Carybé (Figura 6), que originalmente é colorida, para abrir a discussão sobre o tombamento do Terreiro da Casa Branca no artigo de Gilberto Velho é expressiva no sentido de demonstrar que a valorização e legitimação da cultura afro-brasileira já vinha acontecendo no campo das artes, como fora abordado no boletim n. 20.74 74 Bahia…, op. cit. Essa obra representa uma manifestação simbólica em torno do monumento do barco de Oxum ou Oko Iluaiê.

Figura 5
O retrato de Ursulina Maria de Figueiredo, titã Susu, Iyalorixá, de 1890 a 1926.

Figura 6
Carybé. Iconografia com título “Peté de Oxum no Candomblé Casa Branca”.

É interessante perceber também que em uma instituição que, até então, tratava o patrimônio como algo atrelado à chamada “pedra e cal”, o retrato da Iyalorixá Ursulina Maria de Figueiredo, estampado no artigo de Velho, se apresenta como um reconhecimento dessa figura histórica (Figura 5). No artigo de Capinam e Ribeiro - pelo fato de se tratar especificamente da coroa de Xangô - o uso do desenho detalhando os elementos da estrutura central do salão e das fotografias que focalizam seus pormenores, beneficiam sobremaneira a representação visual do que começara a ser tratado no texto de Velho (Figura 7). Entende-se, portanto, que há uma continuidade nos dois artigos, tanto no sentido de se abordar o alargamento do campo patrimonial, com a inserção de bens e representações da cultura afro-brasileira, quanto na visualidade - pintura, desenho e fotografia - que acompanha e auxilia o processo explicativo. Uma abordagem didática é adotada para apresentar a nova natureza dos bens patrimoniais nacionais.

Figura 7
Fotografias de detalhes da coroa de Xangô de Orlando Ribeiro.

Na Revista do Patrimônio n. 22, mais uma vez o processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca é objeto de discussão. Desta vez, não como objeto de um artigo, mas mediante a transcrição de uma mesa redonda realizada em 1º de outubro de 1986, na sede da Pró-Memória, que contou com a participação de Dina Lerner, então diretora do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro (Inepac); Dora Alcântara, arquiteta do DTC do Sphan/Pró-Memória; e Sônia Rabelo, assessora jurídica da Sphan/Pró-Memória.75 75 Lerner et al., 1987. No encontro, elas narraram suas impressões sobre o tombamento do terreiro.

A primeira a tecer comentários sobre o tombamento é Dina Lerner, que aponta a “ignorância da nossa ideologia branca” sobre as manifestações culturais de matriz africana, indicando que o desconhecimento não deveria ser um entrave para o uso da ferramenta que fora criado para todos. Dora Alcântara responde, discordando de sua posição, uma vez que, se ainda há ignorância, não se deve aplicar “uma coisa sem uma certeza de que ela seja válida”, pois o tombamento garante um sentido razoável de imutabilidade. Segundo a arquiteta:

E um culto como o candomblé se caracteriza por uma mutabilidade muito grande, por uma coisa muito sensível dentro dessa mutabilidade. Em princípio não dá a impressão de que se coadune com a postura de uma lei como a do tombamento. Você veja, a ideia foi de que se poderia tombar uma árvore. Nada mais vivo do que uma árvore. Não adianta você impor uma lei, que pode dar um bicho e acabar com a árvore. Não adianta lei. Você pode até tratar, mas eventualmente ela vai perecer. Ela tem um ciclo de vida próprio. Por acaso eu vi numa legislação municipal, acho que do interior de São Paulo, muito bem-feita, que as árvores, para ser preservadas, eram consideradas imunes ao corte. Agora veja, para o caso de uma árvore sagrada, isso não serve. Como você diz, o ritual pode ordenar, e nós não podemos discutir com o orixá se se deve ou não deve cortar a árvore. Eu acho que são linguagens culturais diferentes.76 76 Ibid., p. 75.

A arquiteta usa esse exemplo para questionar: “como é que fica nossa situação se concordarmos com isto e não concordarmos com o proprietário que diz os motivos por que deseja reformar sua casa tombada? E então? Você aplica a mesma lei e exige efeito muito diferente?.”77 77 Ibid. A saída, para ela, estaria em achar uma forma de proteger para além do tombamento, como é o caso da arqueologia, que protege jazidas arqueológicas, mas permite que elas sejam escavadas. Para Alcântara, uma nova legislação deveria ser criada, a qual comportasse esses novos tipos de valores.

Dina Lerner responde que a arquiteta estaria vendo o tombamento estritamente pelo viés jurídico, esquecendo, assim, o ponto de vista comunitário e cultural. Em seguida, Sônia Rabello discorre sobre a diferença entre tombamento e preservação. As duas coisas seriam confundidas uma pela outra devido ao caráter marcante do Decreto-Lei nº 25. O tombamento seria um instrumento jurídico para a preservação do bem, “Mas a política de preservação é muito mais ampla do que a mera restrição de direitos individuais à propriedade, e eu acho que os conselhos de preservação se resumiram a apreciar casos de tombamento”.78 78 Ibid. Para a assessora, outras formas de preservação deveriam ser instrumentalizadas juridicamente, e para aqueles casos em que se queira assegurar a imutabilidade, deveria se aplicar o tombamento. Dina Lerner e Dora Alcântara passam então a concordar com Rabello.

Dina Lerner volta a abordar a questão do significado social do tombamento, alegando que Rabello estaria tendo uma preocupação de “uma pessoa absolutamente técnica com a lei”, e que “o significado social de você ter marginalizado do tombamento uma série de produções culturais é muito forte para você de repente não querer tombar a casa”.79 79 Ibid., loc. cit. E ainda que,

Se você tomba uma casa de vila, usando tombamento tradicional, você está consagrando um valor de um determinado grupo social que sempre foi marginalizado. Eu entendo que esse tombamento passa pela atribuição de um valor cultural e uma coisa que sempre se relega.80 80 Ibid., loc. cit.

Lerner então questiona a Rabello: “Quando você tomba uma Casa Branca, você tem que justificar o que está tombado”.81 81 Ibid., loc. cit. A que Rabello responde: “De fato, nada. Só tem espaço lá”.82 82 Ibid., loc. cit. As três técnicas passam então a discutir, mais uma vez, se a saída para essa situação seria a criação de um novo instrumento que, nas palavras de Dora Alcântara,83 83 Ibid., loc. cit. não colocasse “em risco todo um trabalho de 50 anos feito no outro sentido”.

A publicação da mesa redonda na Revista do Patrimônio se configura como o primeiro passo, dentro da linha editorial do órgão, para narrar a disputa histórica referente ao processo de tombamento do terreiro. A fala de Sônia Rabello quando ela se refere ao monumento edificado no local como “de fato, nada. Só tem espaço lá”, demonstra que, mesmo após o tombamento do terreiro, o entendimento desse artefato como patrimônio nacional - no sentido de se constituir um monumento - ainda não era um consenso dentro do órgão.

Uma outra questão que também ganha relevância nas falas das técnicas é a mutabilidade do bem, enquanto representante de uma religião viva, como é o caso do candomblé. Ainda que durante os estudos para o tombamento do terreiro tenha ficado evidente que o “candomblé nagô se legitime pela tradição”, no tangente à vegetação, que seria “resultante de um processo apenas cumulativo. As árvores sagradas, especificamente as gameleiras de Loko e de Apaoká, jamais poderão ser cortadas”.84 84 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1986a). O que se percebe, na fala de Dora Alcântara, é um discurso que parece ignorar essas questões, ao afirmar que o patrono poderia a seu gosto pedir a derrubada de uma árvore sagrada.

Nesse momento, o Terreiro da Casa Branca se tornou não apenas sinônimo da expansão do entendimento do que seria patrimônio, como também de uma cisão dentro do órgão. Essa disputa narrativa passou a ser ponto de convergência nos próximos artigos que resgatam o processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca.

Na Revista do Patrimônio n. 24, o artigo de Maria Cecilia Londres da Fonseca,85 85 Licenciada em Letras pela PUC-RJ e mestre em Teoria da Literatura pela UFRJ. Em 1976, ingressou no Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), em Brasília, depois na Fundação Nacional Pró-Memória, onde participou de vários projetos. É doutora em Sociologia da Cultura pela Universidade de Brasília (UnB). intitulado “Da modernização à participação: a política federal de preservação nos anos [19]70 e [19]80”,86 86 Fonseca (1996). apresenta a continuação deste debate. A autora aponta para as questões acerca da descentralização, não tão pacífica e tampouco unânime, das políticas de preservação brasileiras durante a década de 1970. Para Fonseca, o CNRC teria sido um dos protagonistas da ampliação do conceito de patrimônio no país, o que foi possível por ser um trabalho feito nas “bordas” do Iphan.

A cisão anteriormente apontada, para Fonseca, aconteceria da seguinte forma: de um lado estavam representantes de um posicionamento que buscava manter o foco na proteção de bens arquitetônicos materiais e monumentalizados; do outro, os técnicos do CNRC e da Pró-Memória, que propunham tombamentos “inusitados”. Inusitados para a realidade do Iphan, que, até então, priorizava certas tipologias patrimoniais. Para a autora, é por meio da análise “da prática de tombamento que se tem mais elementos para poder avaliar o exercício da cidadania na política federal do patrimônio”.87 87 Ibid., p. 157.

Nesse sentido, Fonseca localiza as ações do Iphan que proporcionaram uma expansão da prática preservacionista do órgão na década de 1980. É a primeira autora, no âmbito da linha editorial do Iphan, que reconhece as demais experiências além do tombamento da Casa Branca. Menciona a indexação e microfilmagem da documentação em depósito do Museu do Índio, do CNCR, e indica os tombamentos da Casa Branca e da Serra da Barriga como os “mais polêmicos do período, e, realmente representam um marco na história da política de preservação do Brasil”.88 88 Ibid., p. 160.

No entanto, ao tratar os dois tombamentos, a narrativa construída pela autora toma as experiências do Terreiro da Casa Branca como representativas também da Serra da Barriga, tecendo, ainda, comentários específicos apenas para o tombamento do local,89 89 De acordo com a autora, “O tombamento da Casa Branca, sobretudo, provou intensos debates junto aos setores técnicos da Sphan, à medida que se julgava que esse bem, por suas características e devido ao uso que se propunha, não apresentava os requisitos necessários para o tombamento. Prevaleceram, no entanto, os argumentos políticos, e, em sessão memorável do Conselho Consultivo da Sphan, realizada em Salvador, com a presença de representantes dos grupos interessados no tombamento e com farta cobertura da imprensa, o terreiro foi tombado por uma estreita margem de votos (três votos a favor, um voto contra, duas abstenções e um pedido de adiamento), fato inusitado na história do Conselho” (Ibid., p. 160). como o caso da solicitação para que o terreiro fosse inscrito, também, no Livro Histórico: “Outro aspecto importante dessa luta era a reivindicação de que esses bens fossem inscritos por seu valor histórico (e não apenas etnográfico), de testemunhos da presença do negro na construção de uma civilização brasileira”.90 90 Ibid., grifo nosso.

Embora se mostre atenta para as demais experiências do Iphan à época, comumente eclipsadas nos demais textos referidos, a autora se utiliza de estratégias discursivas que também auxiliam na chancela do processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca como representativo da expansão patrimonial daqueles anos. Há uma ênfase nesse processo, ao passo que se sugere que as experiências nele presentes são também encontradas no processo de tombamento da Serra da Barriga, algo que não ficou explícito na leitura do processo de tombamento ou nos documentos oficiais arquivados pelo Iphan.

Quanto à diagramação, diferentemente dos dois artigos que o antecederam, o trabalho de Fonseca concentra a transmissão da mensagem nas informações escritas. As imagens contribuem como uma adição de informações que não constam no texto escrito. A mensagem visual que elas comunicam se refere à área da praça externa do terreiro, onde, de acordo com os ângulos escolhidos, é possível identificar o local de acesso a esse espaço, além da ênfase no barco de Oxum, o Oko Iluaiê (Figura 8). É possível identificar também como se dá, parcialmente, a inserção desse conjunto no lote, tanto em relação ao espaço público da rua quanto à sua acomodação em um local íngreme. Com relação a este último aspecto, a partir das referidas imagens, o que se percebe é uma adequação arquitetônica à topografia do terreno. Ademais, há uma ligação direta entre a primeira fotografia e o que foi representado em pintura por Carybé e veiculado no artigo de Gilberto Velho.91 91 Velho (1984). Embora não estejam diretamente vinculadas às informações do texto, essas fotografias são evidências de uma escolha editorial que privilegiou a sua utilização documental diante da gama de possibilidades de imagens referentes aos diversos processos abordados por Fonseca. Optou-se, portanto, pelos registros fotográficos do Terreiro da Casa Branca para ilustrar as complexas articulações no âmbito do Iphan entre as décadas de 1970 e 1980.

Figura 8
Fotografia do Terreiro da Casa Branca, de Orlando Ribeiro.

O processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca volta a ser objeto de análise no artigo de Milton Guran,92 92 Fotógrafo e mestre em Comunicação Visual pela UnB. Foi coordenador ad hoc da elaboração do dossiê de candidatura do Cais do Valongo a patrimônio mundial da Unesco. no n. 35 na Revista do Patrimônio, intitulado “Sobre o longo percurso da matriz africana pelo seu reconhecimento patrimonial como uma condição para a plena cidadania”.93 93 Guran, op. cit. O autor aponta que, durante a primeira fase de atuação do Iphan, as produções de influência lusitana teriam sido o foco das políticas de salvaguarda patrimonial. Para comprovar essa hipótese, se volta aos poucos para os bens afro-brasileiros que foram tombados pelo órgão. O primeiro deles seria o tombamento do acervo do Museu de Magia Negra no Rio de Janeiro, que, segundo o autor, pode ser entendido “como prova da ligação da cultura de matriz africana com práticas então consideradas ilegais e associadas ao mal”.94 94 Ibid., p. 215.

O segundo momento indicado por Guran aconteceria quase cinco décadas após o tombamento do acervo do Museu da Magia Negra, e seria caracterizado pelo tombamento do Terreiro da Casa Branca, em 1986. O autor menciona ainda o tombamento da Serra da Barriga, mas, como Fonseca,95 95 Fonseca (1996). tece comentários apenas sobre o processo do terreiro. Esse processo marca, segundo Guran, uma “mudança de paradigma no entendimento do que seria um patrimônio cultural, pondo definitivamente em questão a noção de que a ‘pedra e cal’ constitui a mais importante categoria entre os bens culturais a serem valorizados”.96 96 Guran, op. cit., p. 216. Nessa narrativa, o autor parece convergir com o que é dito por Carlos Amorim,97 97 Amorim, op. cit. que, como já mencionado, discorre sobre como a noção de monumentalidade é modificada a partir do processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca.

É interessante notar que, mesmo propondo-se a construir uma narrativa histórica acerca das experiências dos grupos de matriz africana dentro do Iphan, Guran98 98 Guran, op. cit. escolhe não narrar as demais experiências anteriormente citadas no presente artigo. Uma manobra discursiva que ajuda a consolidar, mais uma vez, o processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca como o representante da expansão das políticas patrimoniais do Iphan. O autor se volta, ainda, para a disputa presente dentro do Conselho Consultivo, evocando o parecer de Gilberto Velho. A repetição das afirmativas mostra, portanto, a permanência de uma estratégia discursiva já presente na linha editorial do Iphan. Foucault aponta que no processamento do discurso, há um discurso fundamentador, aquele que está “na origem de certo número de atos novos de fala que os retomam, os transformam, ou falam dele”;99 99 Foucault, op. cit., p. 12. e ainda, os discursos que acompanham os discursos fundamentadores. Os mecanismos discursivos abordados, como a repetição de fatos já publicizados, mostram como o processo de tombamento da Casa Branca funciona, também, com um discurso fundamentador de textos como de Guran100 100 Guran, op. cit. e Fonseca,101 101 Fonseca (1996). que, segundo essa concepção, constituem discursos acompanhadores.

Ainda no mesmo número da revista, o artigo de Marcos Olender,102 102 Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UFRJ, mestre em História Social pela mesma instituição e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA. Atualmente, é professor associado da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde ministra disciplinas no curso de História e nas pós-graduações de História e Ambiente Construído. É diretor do Centro de Conservação da Memória (Cecom) da UFJF. “O afetivo efetivo: sobre afetos, movimentos sociais e preservação do patrimônio”, busca ressaltar a importância do valor afetivo nos processos de tombamento do patrimônio nacional.103 103 Olender, op. cit. Assim como Fonseca104 104 Fonseca (1996). e Guran,105 105 Guran, op. cit. Olender106 106 Olender, op. cit. retoma o Terreiro da Casa Branca, mencionando a estreita margem de votos favoráveis ao seu tombamento, e narra, de forma mais extensiva, a resistência dos técnicos do Iphan, à época, a esse processo. A fim de ilustrar essa resistência, transcreve um longo trecho da ata de sessão, realizada na sede da Sociedade Beneficente e Recreativa São Jorge do Engenho Velho, em 30 de março de 1984:

Informou-se à assembleia que, de acordo com um especialista consultado pelo Iphan, “não convém a Casa Branca ser tombada porque o candomblé tem uma dinâmica especial e tudo pode ser mudado de uma hora para a outra: as Casas de Santo, os monumentos, os santuários dos orixás, tudo está sempre sofrendo transformação; inclusive pode um orixá manifestar-se baixando na cabeça de uma filha de santo e dar ordem para que uma casa de santo seja trocada, mudada de lugar, pintada de outra cor, remodelada inteiramente”. Dito isso, pediu-se “à Ialorixá e todas as sacerdotisas, ogans e equedes presentes” que se pronunciassem. “Diante da pergunta, uma parte da Assembleia manifestou-se com risadas, considerando um grande disparate a afirmação do tal especialista […] Outros ficaram indignados à referida afirmativa, dizendo que o candomblé não é uma coisa sem lógica, que mude assim à tôa, nem os santos costumam inventar moda, nem agem por capricho. Com a palavra, Juliana da Silva Baraúna (mãe Teté) respondeu com toda energia que isto não existe, que é loucura… Finalmente o Presidente da Sociedade […] reiterou que a Casa Branca tem participado de todas as propostas de intervenção para preservar o Terreiro e entende do que se trata e tem consciência do que está querendo. Estas palavras foram aplaudidas por todos”.107 107 Serra (2005) apud Olender, op. cit., p. 332.

Interessante notar que este autor, em 2017, repete várias informações já publicadas na Revista do Patrimônio, não apenas em relação à estreita margem de votos para o tombamento do terreiro, mas traz à tona informações relativas à “ignorância” dos técnicos perante os aspectos do candomblé, ressaltando, mais uma vez, as dificuldades encontradas para a efetiva preservação desse bem cultural. Constitui, assim, um discurso acompanhador, assim como os textos de Fonseca e Guran.

Assim como Guran, Olender indica que o tombamento permitiu a preservação de outros terreiros, mostrando que “as questões levantadas então também contribuíram para o estabelecimento de um novo campo de preservação no Brasil, o dos bens imateriais”.108 108 Olender, op. cit., p. 333. Isso evidencia não só a importância desse processo de tombamento enquanto representante da expansão das políticas de preservação, mas também como precursor da salvaguarda de outros terreiros de candomblé em território nacional. No entanto, o autor apenas cita tal fato, não se voltando aos demais processos influenciados pelo tombamento do Terreiro da Casa Branca.

O texto de Olender encerra a análise proposta por esse breve estudo sobre como o processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca teve, dentro da linha editorial do Iphan, uma chancela institucional que permitiu que se tornasse um representante singular da expansão das políticas de preservação do Iphan.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao considerar a linha editorial do Iphan enquanto espaço de discussão e difusão não apenas de narrativas patrimoniais, mas também de legitimação desses processos, foi possível elucidar como o tombamento do Terreiro da Casa Branca - como o próprio artefato em si - teve, nessas publicações, um lugar de destaque em três volumes do Boletim Sphan/Pró-Memória e em seis artigos presentes na Revista do Patrimônio. Partindo desse reconhecimento da linha editorial, a análise daquilo que foi publicado nos auxiliou a entender que a publicização constante dessas narrativas, ainda que não tenham sido planejadas para acontecer dessa maneira, foi também uma forma de afirmação institucional acerca da importância desse processo específico. Lançar luz sobre ambas as publicações nos ajudou a esclarecer como o processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca passa de uma ação preservacionista do órgão - momento em que é registrado no boletim - para um discurso fundamentador da política preservacionista nacional. Enquanto no boletim o terreiro aparece como um importante artefato passível de patrimonialização, na Revista ele é abordado como um objeto ameaçado por disputas acerca do entendimento daquilo que seria um patrimônio, através das fendas que o processo causou dentro do próprio órgão.

Para além das manobras discursivas que se voltaram para o processo de tombamento propriamente dito, vimos ainda como a dimensão imaterial do terreiro foi também objeto de análise, o que foi entendido neste artigo como uma inovação ocorrida na Revista do Patrimônio. Esses registros auxiliaram no entendimento da Casa Branca como representante de uma nova política de preservação, que se propunha a compreender a importância de ritos e de práticas culturais para a preservação do material.

É inegável a importância do processo de patrimonialização do Terreiro da Casa Branca não apenas para os demais patrimônios afro-brasileiros, mas também para outros bens patrimoniais que não seriam necessariamente considerados como detentores de um valor excepcional se não fosse esse processo. Todavia, vemos que nossa hipótese inicial, de que a contínua publicização dessa narrativa estaria, também, restringindo que outras experiências fossem validadas, parece verdadeira ao fim do presente estudo. Nem todo patrimônio afro-brasileiro recebeu o mesmo valor ou destaque conferido ao Casa Branca, o que contribuiu para o ofuscamento das outras experiências preservacionistas da época. De mesmo modo, auxiliou para que artefatos como a Serra da Barriga continuassem a ser entendidos, nos artigos, a partir de preceitos existentes ainda na década de 1980 e revogados a partir da Constituição de 1988. Dantas e Cabral109 109 Dantas e Cabral (2022). mostram, por exemplo, como não só a Serra da Barriga, mas toda a discussão dos quilombos brasileiros se constitui, ainda na atualidade, como um hiato na Revista do Patrimônio. A linha editorial do Iphan age, assim, como instrumento de restrição, em que o Terreiro da Casa Branca se torna o único expoente da expansão das políticas preservacionistas do órgão, bem como o único patrimônio afro-brasileiro a ter destaque na linha editorial do órgão. Cria-se, portanto, um novo mito a partir do discurso fundamentador acerca do tombamento do terreiro.

Autores como Silvana Rubino,110 110 Rubino (1992, p. 21). já em 1991, destacam como o Iphan, ao escrever sua própria história, chancelou a difusão de mitos, como o do mito fundador, com a profusão da fase heroica, qualificando os anos em que Rodrigo Melo Franco de Andrade esteve à frente do instituto. Cabral e Jacques111 111 Cabral e Jacques (2018, p. 8). mostram, ainda, a força simbólica que a criação do mito fundador teve para a fixação da ideia dos anos da fase heroica, o que eclipsou as experiências para além do Sphan e de personagens que foram apagados da narrativa de criação do órgão. Chuva,112 112 Chuva (2017). por sua vez, destaca como a narrativa criada em anos mais recentes, em relação ao ofuscamento da contribuição de Renato Soeiro, foi utilizada para reforçar a periodização entre a fase heroica e a fase moderna, quando Aloísio Magalhães esteve à frente do Iphan. Nesse sentido, foi possível perceber como a narrativa histórica criada pelo Iphan está comumente atrelada à criação de mitos, processos que, ao se fixarem a discursos fundamentadores, contrapõe-se à própria história, que está sempre em disputa.113 113 Cabral e Jacques, op. cit. Mas qual seria a motivação para isso?

Entre os autores da temática, a importância do Terreiro da Casa Branca está associada, como vimos, à dissociação do conceito de monumentalidade com a necessidade de escala.114 114 Amorim, op. cit., p. 21. Todavia, apesar de correta tal afirmativa, pode-se aferir que foi a cisão histórica ocasionada dentro do Conselho Consultivo do Iphan, na discussão do processo de tombamento do terreiro, que motivou a investidura da temática na linha editorial do Iphan. Como mostra Márcia Chuva, essa é uma manobra corriqueira no escopo do órgão, para que eventos singulares não sejam banalizados: “que não percamos de vista a intensidade das conquistas daquele[s] momento[s], em diversas frentes”.115 115 Chuva (2017, p. 88). Os artigos operam, portanto, como uma autolegitimação do próprio Iphan e perante a sociedade a partir de sua linha editorial. A ruptura causada pelo processo de tombamento é rememorada para que não esqueçamos das dificuldades encontradas para a patrimonialização do terreiro. Essa tessitura é reforçada por manobras discursivas que reiteram e fortalecem comentários acompanhadores do discurso fundamentador do processo de tombamento do artefato. Todavia, o fato de que todos os discursos posteriores apresentados na linha editorial do órgão sejam categorizados como acompanhadores do discurso fundamentador criado em torno do Terreiro da Casa Branca, ocasiona a restrição anteriormente relatada, fazendo com que a pluralidade do patrimônio afro-brasileiro seja, ainda hoje, uma lacuna dentro da linha editorial do Iphan.

A linha editorial do Iphan e as manobras discursivas operacionalizadas por ela se mostram como interessantes objetos de estudo para o entendimento de como o órgão naturaliza e difunde certas noções para a construção de sua própria narrativa histórica, e como essas operações são responsáveis, também, por difundir mitos. Outros estudos podem contribuir para um melhor entendimento de como esses processos ocorrem no âmbito do Iphan e em seus diferentes campos de atuação.

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  • 1
    O presente artigo é resultado das discussões apresentadas na disciplina “Arquitetura Popular e Patrimônio” lecionada pelos professores Márcia Sat’Anna, Daniel Paz e Mariely Santana na Universidade Federal da Bahia no segundo semestre de 2020.
  • 6
    Rodrigo Melo Franco de Andrade, em seu texto “Programa”, publicado no n. 1 da Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, afirma que “a publicação desta revista não é uma iniciativa de propaganda do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cujas atividades, por serem ainda muito modestas e limitadas, não justificariam tão cedo a impressão dispendiosa de um volume exclusivamente para registrá-las” (ANDRADE, 1937ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Programa. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 1, p. 3-4, 1937., p. 1).
  • 7
    Ribeiro (2013RIBEIRO, Robson Orzari. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: textos de história da arte engajados na política de preservação no Brasil. 2013. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013.).
  • 8
    Chuva (2009CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009., p. 249).
  • 9
    O processo de tombamento é um documento institucional referente às atas de reuniões, pareceres técnicos, arquivos de pesquisa, fotografias, desenhos técnicos etc., que compõem o instrumento jurídico do tombamento, previsto no Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. O tombamento tem como principal objetivo a conservação dos bens materiais, coisas móveis ou imóveis que têm seus valores culturais reconhecidos a partir de pareceres técnicos do Iphan. Segundo Pereira (2021PEREIRA, Julia da Rocha. Sacerdotes e profetas do patrimônio urbano no Brasil: consensos e dissonâncias no Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan (1990-2010). 2021. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Urbano) - Centro de Artes e Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2021., p. 37), os processos de tombamento são distribuídos entre os técnicos administrativos e os membros do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, instância máxima de reconhecimento do patrimônio cultural brasileiro que complementa e intervém nas decisões dos primeiros. “O Conselho Consultivo é composto, atualmente, por nove membros de instituições públicas e privadas e por treze representantes da sociedade civil. De acordo com a autora, o conselheiro assume a relatoria e coloca seu parecer em discussão e votação nas reuniões, cabendo ao presidente do Iphan o voto de “minerva” em casos de empate’.
  • 10
    Sant’Anna (2020SANT’ANNA, Marcia. O projeto MAMNBA: contexto político institucional, desdobramentos conceituais e técnicos. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 28, p. 1-17, 2020. DOI: 10.1590/1982-02672020v28d2e29.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672020v28...
    , p. 10).
  • 11
    Embora não tenham sido localizados trabalhos que refletem sobre o processo de tombamento da Serra da Barriga, foram localizados artigos no n. 25 da Revista do Patrimônio que abordam o fato histórico lá ocorrido, como é o caso de Diégues Júnior (1997DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. A África na vida e na cultura do Brasil. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 27, p. 11-28, 1997.), que afirma: “A Serra da Barriga era o núcleo central do quilombo de maior destaque do país, o Quilombo dos Palmares. Ocupava quase todos o território de Alagoas” (DIÉGUES JÚNIOR, op. cit., p. 15). O mesmo acontece nos artigos de Almeida (1997ALMEIDA, Luiz Sávio de. 300 anos de Zumbi. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 25, p. 241-245, 1997.), Proença Filho (1997PROENÇA FILHO, Domício. A trajetória do negro na literatura brasileira. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 25, p. 159-177, 1997.), Motta (1997MOTTA, Roberto. Palmares e o comunitarismo negro no Brasil. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 25, p. 223-230, 1997.) e d’Adesky (1997D’ADESKY, Jacques. Acesso diferenciado dos modos de representação afro-brasileira no espaço público. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 25, p. 306-316, 1997.).
  • 12
    Foucault (2012FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola, 2012., p. 10).
  • 13
    Velho (2011VELHO, Gilberto. Patrimônio, negociação, conflito. In: AMORIM, Carlos (org.). O patrimônio cultural dos templos afro-brasileiros. Salvador: Oiti, 2011. p. 53-67., p. 56).
  • 14
    Amorim (2011AMORIM, Carlos. Limites do Iphan no trato dos templos afro-brasileiros. In: O patrimônio cultural dos templos afro-brasileiros. Salvador: Oiti, 2011. p. 19-28., p. 21).
  • 15
    Le Goff (1990LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução de Bernardo Leitão. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.).
  • 16
    Velho (1984VELHO, Gilberto. Antropologia e patrimônio cultural. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 20, p. 37-39, 1984.), Capinam e Ribeiro (1986CAPINAM, Maria Bernadete; RIBEIRO, Orlando. A coroa de Xangô no Terreiro da Casa Grande. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 21, p. 165-171, 1986.), Fonseca (1996FONSECA, Maria Cecília Londres da. Da modernização à participação: a política federal de preservação nos anos [19]70 e [19]80. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 24, p. 153-164, 1996.), Guran (2017GURAN, Milton. Sobre o longo percurso da matriz africana pelo seu reconhecimento patrimonial como uma condição para a plena cidadania. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 35, p. 213-225, 2017.) e Olender (2017OLENDER, Marcos. O afetivo efetivo: sobre afetos, movimentos sociais e preservação do patrimônio. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 35, p. 321-341, 2017.).
  • 17
    Apesar de ter sido datada de 1937, o n. 1 da Revista do Patrimônio foi, na verdade, publicado em 1938, como mostra Silva (2010SILVA, Cíntia Mayumi de Carli. Revista do Patrimônio: editor, autores e temas. 2010. Dissertação (Mestrado em História, Política e Bens Culturais) - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2010.).
  • 18
    Chuva (2009CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009.).
  • 19
    Silva, op. cit.
  • 20
    Lanari (2010LANARI, Raul de Oliveira. O patrimônio por escrito: a política editorial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional durante o Estado Novo (1937-1946). 2010. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.).
  • 21
    Ribeiro, op. cit.
  • 22
    Guedes (2000GUEDES, Tarcila. O lado doutor e o gavião de penacho: movimento modernista e patrimônio cultural no Brasil: O serviço do patrimônio histórico (Sphan). São Paulo: Annablume, 2000.).
  • 23
    Andrade, op. cit.
  • 24
    Renato Soeiro também atuou como presidente do Departamento de Assuntos Culturais do Ministério da Educação e da Cultura (DAC), enquanto ocupava o cargo de diretor do Iphan. Isso manifesta a mobilidade e atuação de Soeiro no governo federal.
  • 25
    Azevedo (2016AZEVEDO, Paulo Ormindo de. PCH: a preservação do patrimônio cultural e natural como política regional e urbana. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 237-256, 2016. DOI: 10.1590/1982-02672016v24n0109.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672016v24...
    , p. 244).
  • 26
    Segundo Azevedo (Ibid.), a Fundação Nacional Pró-Memória foi criada a partir de um projeto da gestão de Renato Soeiro, com a proposta feita a pedido de Irapoan Cavalcanti Lyra. Desde sua criação, a fundação foi importante para implementar uma abordagem sobre o patrimônio cultural brasileiro por meio da perspectiva historiográfica. Essa narrativa, no entanto, reforçou a diferenciação entre as fases sob o comando do diretor Rodrigo Melo Franco, entendida como heroica, e de Aloísio Magalhães, caracterizada como moderna, como indica Chuva (2017CHUVA, Márcia. Possíveis narrativas sobre duas décadas de patrimônio: de 1982 a 2002. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, DF, v. 37, p. 79-103, 2017.).
  • 27
    Magalhães (1985MAGALHÃES, Aloísio. E triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985., p. 131).
  • 28
    Ibid., p. 124-125.
  • 29
    Dias (2012DIAS, Welbia Carla. Boletim Sphan/FNPM: um espaço de comunicação do patrimônio cultural. 2012. Dissertação (Mestrado em Preservação do Patrimônio Cultural) - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, 2012.).
  • 30
    Magalhães (1979MAGALHÃES, Aloísio. Apresentação do Boletim. Boletim Sphan/Pró-Memória, Rio de Janeiro, n. 0, p. 1-2, 1979.).
  • 31
    Chuva (2017CHUVA, Márcia. Possíveis narrativas sobre duas décadas de patrimônio: de 1982 a 2002. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, DF, v. 37, p. 79-103, 2017.).
  • 32
    Carvalho (2013CARVALHO, Aluizio Victor de Souza. Os projetos gráficos da Revista do Patrimônio: trajetórias do design e do Iphan. 2013. Dissertação (Mestrado em Preservação do Patrimônio Cultural) - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, 2013.).
  • 33
    Serra (2011SERRA, Ordep. O tombamento do Terreiro da Casa Branca do Engelho Velho Ilê Axé Iyá Nassô Oká. In: AMORIM, Carlos (org.). O patrimônio cultural dos templos afro-brasileiros. Salvador: Oiti, 2011. p. 37-54., p. 37-38).
  • 34
    Ibid.
  • 35
    Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1986bINSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo de tombamento nº 1069 - T - 82, Serra da Barriga - AL. Rio de Janeiro: Iphan, fev. 1986b.).
  • 36
    Ibid.
  • 37
    Ibid.
  • 38
    A arquiteta do DTC, Dora Alcântara, foi a responsável pelo parecer do processo de tombamento da Serra da Barriga.
  • 39
    Ibid.
  • 40
    Serra, op cit.
  • 41
    Ibid., p. 39.
  • 42
    Carneiro (1979) apudInstituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1986aINSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo de tombamento nº 1067 - T - 82, Terreiro da Casa Branca - BA. Rio de Janeiro: Iphan, ago. 1986a.).
  • 43
    As sucessoras das três fundadoras, segundo Carneiro (1979 apud Ibid.) foram dona Marcelina e sua filha, Maria Júlia Figueiredo, substituta legal após a morte da mãe. A outra filha de dona Marcelina, Maria Júlia Conceição, após ser vencida na disputa pela chefia do Terreiro da Casa Branca, teria fundado o Terreiro do Gantois, no Rio Vermelho.
  • 44
    No processo de tombamento é destacado, ainda, que, “por razões desconhecidas, uma vez que falta documentação nesse sentido, a área passou a pertencer a outra pessoa alheia ao culto”. Em 1925, o terreiro passou a pagar uma quantia aos donatários pelo aluguel do terreno que, desde 1967, havia deixado de ser pago por “falta de condições de garantir o aluguel semestral”, custando na época Cr$ 20.000. Em 1982, parte do terreno já havia sido desmembrado, restando ao terreiro cerca de 6800 m² (Ibid.).
  • 45
    Ibid.
  • 46
    Entre eles estariam Gilberto Velho, Augusto Carlos da Silva Telles, Raphael Carneiro da Rocha, Dora Alcântara, Cyro Corrêa Lyra, Regina Coeli, Sonia Rabello, Olympio Serra, Ordep Serra, Joel Ruffino, Peter Fry, Antônio Agnelo Pereira (este último sacerdote e representante da Casa Branca) etc. (Ibid.).
  • 47
    Ibid.
  • 48
    Antropólogo formado na Universidade de Cambridge em 1963. Em 1970, mudou-se para o Brasil para ajudar a criar o curso de ciências sociais na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ficou no Brasil até 1985, quando se mudou para Zimbábue e Moçambique, trabalhando para a Fundação Ford do Brasil. Em 1993, regressou ao Brasil. Foi um dos intelectuais que participou do processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca, participando de reuniões e confeccionando relatórios a pedido de Augusto da Silva Telles.
  • 49
    Ibid.
  • 50
    Antropólogo brasileiro, presidiu até 1984 a Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Enquanto chefe do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi indicado para a relatoria do processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca.
  • 51
    Ibid.
  • 52
    Gerardo Britto Raposo afirma, ainda, que o tombamento não se configura numa “posição paternalista”, votando, assim, contra a sua realização. Na contagem de votos, houve ainda duas abstenções - Eduardo Kneese de Mello e Gilberto Ferraz -, um voto pelo adiamento - Pedro Calmon -, e três votos a favor do tombamento - Lourenço Luiz Lacombe, Gilberto Velho e Alcídio Mafra de Souza (Ibid.).
  • 53
    Cabe observar que esse processo de tombamento não reflete nem a mobilização social nem o debate técnico efetivamente ocorrido em torno da questão do reconhecimento da Casa Branca como patrimônio nacional.
  • 54
    Bahia… (1982BAHIA terá monumentos religiosos negros preservados. Boletim Sphan/Pró-Memória, Rio de Janeiro, n. 20, p. 21-22, 1982.).
  • 55
    De acordo com Maria de Lourdes Castro Oliveira, editora-chefe do Boletim Sphan/Pró-Memória, o anonimato dos textos presentes no boletim assim se justificaria: “Até o 25 eu senti que a gente devia ser absolutamente anônimo, porque a gente estava construindo uma nova identidade […]. Então, não tinha nome porque a briga de ego nos primeiros tempos era muito grande nas três instituições […], o Aloísio comprou essa história. Também não se assinava foto […]. Só passou a ter [assinatura] no 25, porque a instituição já estava costurada; as três já eram uma instituição, [que] já estava consolidada. Aí não tinha mais sentido não assinar ou por nome […]” (OLIVEIRA, 2012 apud DIAS, op. cit., p. 89).
  • 56
    Amado (1982AMADO, Jorge. A palavra de Jorge Amado. Boletim Sphan/Pró-Memória, Rio de Janeiro, n. 20, p. 22, 1982., p. 22).
  • 57
    Bahia…, op. cit.
  • 58
    É interessante pontuar que a mesma fotografia é utilizada tanto no Boletim quanto na Revista do Patrimônio, o que indica uma certa rotatividade em relação ao seu uso por parte da linha editorial do Iphan.
  • 59
    Casa… (1983CASA Branca: Secretaria de Cultura recebe pedido de tombamento. Boletim Sphan/Pró-Memória, Rio de Janeiro, n. 23, p. 14, 1983.).
  • 60
    Id., 1983, p. 37.
  • 61
    Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1986aINSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo de tombamento nº 1067 - T - 82, Terreiro da Casa Branca - BA. Rio de Janeiro: Iphan, ago. 1986a.).
  • 62
    O nosso entendimento é feito a partir das considerações de Gonçalves (1996GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.), as quais afirmam que a prática discursiva patrimonial do Brasil é baseada em processos de desaparecimento e destruição, ameaçando constantemente o patrimônio. Nesse sentido, a narrativa acerca da ameaça do mercado imobiliário para o Terreno da Casa Branca ganharia destaque no discurso patrimonial quando o artefato também fosse representativo das políticas de preservação.
  • 63
    Orlando Ribeiro foi, também, membro da equipe do projeto MAMNBA, sendo um dos responsáveis, juntamente com Ordep Serra, pela concepção dessa iniciativa.
  • 64
    Velho (1984VELHO, Gilberto. Antropologia e patrimônio cultural. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 20, p. 37-39, 1984.).
  • 65
    Ibid., p. 38.
  • 66
    Gonçalves, op. cit.
  • 67
    Arantes (2015ARANTES, Antônio Augusto. Trajetórias e desafios do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC). [Entrevista cedida a] Sara Santos Morais, Rodrigo Martins Ramassote, Antonio Augusto Arantes Neto. Revista CPC, São Paulo, n. 20, p. 221-260, 2015. DOI: 10.11606/issn.1980-4466.v0i20p221-260.
    https://doi.org/10.11606/issn.1980-4466....
    ).
  • 68
    Velho (1984VELHO, Gilberto. Antropologia e patrimônio cultural. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 20, p. 37-39, 1984.).
  • 69
    Amorim, op. cit., p. 11.
  • 70
    Anos depois, Ulpiano Meneses (1992MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. A História, cativa da Memória? Para um mapeamento da Memória no campo das Ciências Sociais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, [S. l.], n. 34, p. 9-23, 1992. DOI: 10.11606/issn.2316-901X.v0i34p9-23.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X....
    , p. 22), em outro contexto de discussão, aponta a diferença entre memória e história a partir de processos semelhantes aos que ocorreram na valoração nos tombamentos abordados. História, para o autor, seria a “ciência da diferença”, da descontinuidade entre passado e presente. A memória, por sua vez, seria aquela que permanece viva: “a memória, como construção social, é formação de imagem necessária para os processos de constituição e reforço da identidade individual, coletiva e nacional. […] A memória fornece quadros de orientação, de assimilação do novo, códigos para classificação e para o intercâmbio social”. O tombamento do Terreiro da Casa Branca, a partir dos preceitos de Meneses, pode ser visto como a valoração da memória viva, enquanto o da Serra da Barriga seria, assim, referente a uma história descontinuada.
  • 71
    Maria Capinam fez parte do movimento de defesa do terreiro como representante da sociedade civil no processo de tombamento.
  • 72
    O nome do terreiro aparece de maneira equivocada no título do artigo, com o termo “Grande” ao invés de “Branca”. Ao longo do texto, no entanto, sua denominação aparece corretamente (CAPINAM; RIBEIRO, op. cit.).
  • 73
    Ibid., p. 169.
  • 74
    Bahia…, op. cit.
  • 75
    Lerner et al., 1987LERNER, Dina et al. Mesa-redonda: Tombamento. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 22, p. 69-79, 1987..
  • 76
    Ibid., p. 75.
  • 77
    Ibid.
  • 78
    Ibid.
  • 79
    Ibid., loc. cit.
  • 80
    Ibid., loc. cit.
  • 81
    Ibid., loc. cit.
  • 82
    Ibid., loc. cit.
  • 83
    Ibid., loc. cit.
  • 84
    Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1986aINSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo de tombamento nº 1067 - T - 82, Terreiro da Casa Branca - BA. Rio de Janeiro: Iphan, ago. 1986a.).
  • 85
    Licenciada em Letras pela PUC-RJ e mestre em Teoria da Literatura pela UFRJ. Em 1976, ingressou no Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), em Brasília, depois na Fundação Nacional Pró-Memória, onde participou de vários projetos. É doutora em Sociologia da Cultura pela Universidade de Brasília (UnB).
  • 86
    Fonseca (1996FONSECA, Maria Cecília Londres da. Da modernização à participação: a política federal de preservação nos anos [19]70 e [19]80. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 24, p. 153-164, 1996.).
  • 87
    Ibid., p. 157.
  • 88
    Ibid., p. 160.
  • 89
    De acordo com a autora, “O tombamento da Casa Branca, sobretudo, provou intensos debates junto aos setores técnicos da Sphan, à medida que se julgava que esse bem, por suas características e devido ao uso que se propunha, não apresentava os requisitos necessários para o tombamento. Prevaleceram, no entanto, os argumentos políticos, e, em sessão memorável do Conselho Consultivo da Sphan, realizada em Salvador, com a presença de representantes dos grupos interessados no tombamento e com farta cobertura da imprensa, o terreiro foi tombado por uma estreita margem de votos (três votos a favor, um voto contra, duas abstenções e um pedido de adiamento), fato inusitado na história do Conselho” (Ibid., p. 160).
  • 90
    Ibid., grifo nosso.
  • 91
    Velho (1984VELHO, Gilberto. Antropologia e patrimônio cultural. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 20, p. 37-39, 1984.).
  • 92
    Fotógrafo e mestre em Comunicação Visual pela UnB. Foi coordenador ad hoc da elaboração do dossiê de candidatura do Cais do Valongo a patrimônio mundial da Unesco.
  • 93
    Guran, op. cit.
  • 94
    Ibid., p. 215.
  • 95
    Fonseca (1996FONSECA, Maria Cecília Londres da. Da modernização à participação: a política federal de preservação nos anos [19]70 e [19]80. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 24, p. 153-164, 1996.).
  • 96
    Guran, op. cit., p. 216.
  • 97
    Amorim, op. cit.
  • 98
    Guran, op. cit.
  • 99
    Foucault, op. cit., p. 12.
  • 100
    Guran, op. cit.
  • 101
    Fonseca (1996FONSECA, Maria Cecília Londres da. Da modernização à participação: a política federal de preservação nos anos [19]70 e [19]80. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 24, p. 153-164, 1996.).
  • 102
    Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UFRJ, mestre em História Social pela mesma instituição e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA. Atualmente, é professor associado da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde ministra disciplinas no curso de História e nas pós-graduações de História e Ambiente Construído. É diretor do Centro de Conservação da Memória (Cecom) da UFJF.
  • 103
    Olender, op. cit.
  • 104
    Fonseca (1996FONSECA, Maria Cecília Londres da. Da modernização à participação: a política federal de preservação nos anos [19]70 e [19]80. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 24, p. 153-164, 1996.).
  • 105
    Guran, op. cit.
  • 106
    Olender, op. cit.
  • 107
    Serra (2005) apud Olender, op. cit., p. 332.
  • 108
    Olender, op. cit., p. 333.
  • 109
    Dantas e Cabral (2022DANTAS, Hugo; CABRAL, Renata Campello. A arquitetura popular na Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 30, p. 1-60, 2022. DOI: 10.1590/1982-02672022v30e14.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672022v30...
    ).
  • 110
    Rubino (1992RUBINO, Silvana. As fachadas da história: as origens, a criação e os trabalhos do Sphan, 1936-1967. 1992. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1992., p. 21).
  • 111
    Cabral e Jacques (2018CABRAL, Renata Campello; JACQUES, Paola Berestein. O antropófago Oswald de Andrade e a preservação do patrimônio: um “devorador” de mitos? Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 26, p. 1-39, 2018. DOI: 10.1590/1982-02672018v26e32.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672018v26...
    , p. 8).
  • 112
    Chuva (2017CHUVA, Márcia. Possíveis narrativas sobre duas décadas de patrimônio: de 1982 a 2002. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, DF, v. 37, p. 79-103, 2017.).
  • 113
    Cabral e Jacques, op. cit.
  • 114
    Amorim, op. cit., p. 21.
  • 115
    Chuva (2017CHUVA, Márcia. Possíveis narrativas sobre duas décadas de patrimônio: de 1982 a 2002. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, DF, v. 37, p. 79-103, 2017., p. 88).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2022
  • Aceito
    30 Jun 2022
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