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Homenagem

HOMENAGEM

Ao completar vinte anos de sua transformação subjetiva, Anibal Silveira neste número é lembrado por um de seus trabalhos que podem dar idéia de sua posição científica notável e original no campo da Psiquiatria e da Psicologia, graças à síntese que soube fazer dos fenômenos psíquicos objetivos e a dinâmica subjetiva deles, apoiado no modelo genético estrutural da personalidade.

Para avaliar devidamente o que representa toda a sua obra, elaborada desde seus primórdios sob a égide das concepções de Augusto Comte, antes do mais é indispensável atentar para a diversidade dos temas e a versatilidade com que abordou a Psiquiatria, quer quanto a suas bases filosóficas como aos seus fundamentos biológicos e sociológicos. Somente no horizonte de tal perspectiva, filosófica, metodológica e cientificamente rigorosas, é que se pode situar a magnitude da construção psiquiátrica por ele realizada. Torna-se nela clara, também, a participação de Gall, Audiffrent, Kleist e Rorschach.

Sua formação enciclopédica o impeliu a construir, muitas vezes penosamente e solitário, como quando viveu com seus familiares quase vinte anos nas instalações do Hospital de Juqueri, ou então como quando ficou dois anos em Chicago, junto a McCulloch, Fulton, von Bonin e Alexander. Aliás, foi o primeiro brasileiro a aí estagiar e trabalhar, produzindo notáveis trabalhos científicos na década de 40, publicados na mais conceituada literatura americana e européia científica da época.

Não há dúvida quanto ao caráter inovador de sua obra. Ela foi apresentada em mais de 450 comunicações a congressos científicos nacionais e internacionais. Escreveu: 60 trabalhos sobre higiene mental, eugenia e genética humana; 38 sobre patologia cerebral e sistemas cerebrais;125 sobre psiquiatria clínica; 50 sobre psicologia e antropologia; 30 sobre fisiologia cerebral e eletrencefalografia; 115 sobre o psicodiagnóstico de Rorschach; 10 sobre leucotomia cerebral; 20 sobre organização hospitalar; mais de 200 textos de ensino da psiquiatria; suas duas Teses, defendidas na Escola Paulista de Medicina e na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, nos tempos de A. C. Pacheco e Silva.

Não é de estranhar que sua fundamentação na epistemologia positivista postulou a anterioridade dos componentes históricos e sociais da personalidade sobre aqueles estruturais e biológicos, além de fixar a íntima solidariedade entre as expressões simbólicas e emocionais do homem e as condições estruturais e dinâmicas do cérebro. A fecundidade científica a partir de tais premissas, levou-o a exaustivas pesquisas nos campos da psicopatologia e da patologia cerebral, indo muito além dos discípulos de Kleist, na sua concepção organológica da psiquiatria, não localizatória, no sentido organicista. Desde 1934 mostrou como era anacrônica tal concepção, encarando tais "localizações" quanto a órgãos cerebrais, não quanto a funções, e procurou sempre mostrá-los como integrando sistemas funcionais cujo dinamismo é paralelo ao das funções psíquicas. Foi muito mais reconhecido no Exterior do que no Brasil, como vários de nossos cientistas, tendo sido citado e apreciado pelo que de mais significativo e sério a ciência ocidental produziu.

Personalidade modesta e devotada ao próximo, tinha uma integração harmônica, estrutural e dinâmica dos instintos da individualidade nos da sociabilidade ou altruistas, embasados por um caráter firme, prudente, corajoso e estável que tão bem estimulariam suas funções intelectuais. Essas qualidades caracterizaram sua personalidade integral, madura, própria de um gênio como, sem dúvida alguma, aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-lo hão de se lembrar tão bem, e não são poucos, como pacientes, alunos, discípulos, psicólogos e médicos, neste final do século vinte.

É pois evidente a razão desta pequena homenagem, que anuncia a edição de sua obra completa, coligida por seus discípulos, nestes tempos de anarquia dos setores oficiais da psiquiatria nacional e internacional, desmedicalizada, à mercê de multinacionais de drogas. Somente uma obra, como a de Anibal Silveira, que nos faça conhecer a teoria da personalidade normal e patológica, da qual emana uma autêntica psiquiatria científica, tem fundamentos indestrutíveis. Relembrando a grande lei, do Filósofo: "O Homem se agita e a Humanidade o conduz", a escola que Anibal Silveira criou entre nós continua viva e receptiva a aglutinar novos elementos, pois constitui a mais lídima expressão no Brasil, como tal. Sigamos esse método, não perdendo em vão palavreado o conhecimento da autêntica psiquiatria científica. Para seus fundamentos, o Dr. Anibal Silveira se apoiou na obra de Augusto Comte, quando fundou a Moral como Ciência da natureza humana.

Luiz Barreto de Souza

NOTA EDITORIAL ¾ Quando o Professor Anibal Silveira faleceu, este periódico publicou um apanhado sobre sua vida e suas contribuições científicas (Arq Neuropsiquiatr 1979;37:454-457). Decorridos vinte anos de sua morte, suas contribuições permanecem atuais. Plenamente endossando a opinião de seus discípulos ¾ expressa pelo colega Luiz Barreto de Souza ¾ em homenagem republicamos neste número (pg 1046) uma de suas contribuições mais preciosas, e por ele mesmo revista em dezembro de 1974 (Silveira A. Cerebral systems in the pathogenesis of endogenous psychoses. Arq Neuropsiquiatr 1962;20:263-278).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2000
  • Data do Fascículo
    Dez 1999
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