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Encefalopatia hipertensiva associada a estado de mal epiléptico de repetição: relato de caso

Hypertensive encephalopathy associated to repetitive seizures: case report

Resumos

Criança de cinco anos, feminina, branca, com história de oito internamentos nos últimos dois meses por crises convulsivas caracterizadas por vômitos, perda de consciência e clonias em hemicorpo direito. No exame físico, verificou-se hipertensão arterial grave (270/140 mmHg). Os estudos de neuroimagem (tomografia computadorizada e ressonância magnética) revelaram extensas áreas hipodensas, sugerindo edema cerebral. A arteriografia renal mostrou estenose da artéria renal direita, determinando a etiologia da hipertensão arterial. Com o controle da hipertensão, após a nefrectomia, houve reversão completa dos sintomas, assim como das anomalias de imagem.

encefalopatia hipertensiva; edema cerebral; estenose da artéria renal


Five years old, female, who started with tonic-clonic seizures on the right side of the body, with vomits and unconsciousness. The patient had been hospitalized for eight times in the last sixty days because of seizures. At physical exam, she had a severe arterial hypertension (270/140mmHg). The computerized tomographic scan and magnetic ressonance imaging revealed hypodense areas, mainly on the right parietal-temporal region, suggesting presence of edema. The angiography showed stenosis of the right renal artery, that was the cause of arterial hypertension. After the control of arterial hypertension by nefrectomy, the patient had a complete remission of the symptoms, as well as the images anomalies.

hypertensive encephalopathy; brain edema; stenosis of the renal artery


ENCEFALOPATIA HIPERTENSIVA ASSOCIADA A ESTADO DE MAL EPILÉPTICO DE REPETIÇÃO

RELATO DE CASO

SÉRGIO A. ANTONIUK* * Serviço de Neuropediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba: Neuropediatra, Professor da Disciplina de Neuropediatria do Departamento de Pediatria da UFPR; ** Estudantes de Medicina. *** Residentes em Neuropediatria. Aceite: 9-dezembro-1999. , ISAC BRUCK* * Serviço de Neuropediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba: Neuropediatra, Professor da Disciplina de Neuropediatria do Departamento de Pediatria da UFPR; ** Estudantes de Medicina. *** Residentes em Neuropediatria. Aceite: 9-dezembro-1999. , RODRIGO LEITE DE MORAIS** * Serviço de Neuropediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba: Neuropediatra, Professor da Disciplina de Neuropediatria do Departamento de Pediatria da UFPR; ** Estudantes de Medicina. *** Residentes em Neuropediatria. Aceite: 9-dezembro-1999. , FABIANO BASSETTI B. NAVOLAR** * Serviço de Neuropediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba: Neuropediatra, Professor da Disciplina de Neuropediatria do Departamento de Pediatria da UFPR; ** Estudantes de Medicina. *** Residentes em Neuropediatria. Aceite: 9-dezembro-1999. , EDUARDO MEISTER*** * Serviço de Neuropediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba: Neuropediatra, Professor da Disciplina de Neuropediatria do Departamento de Pediatria da UFPR; ** Estudantes de Medicina. *** Residentes em Neuropediatria. Aceite: 9-dezembro-1999. , ADRIANE SPESSATTO*** * Serviço de Neuropediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba: Neuropediatra, Professor da Disciplina de Neuropediatria do Departamento de Pediatria da UFPR; ** Estudantes de Medicina. *** Residentes em Neuropediatria. Aceite: 9-dezembro-1999.

RESUMO – Criança de cinco anos, feminina, branca, com história de oito internamentos nos últimos dois meses por crises convulsivas caracterizadas por vômitos, perda de consciência e clonias em hemicorpo direito. No exame físico, verificou-se hipertensão arterial grave (270/140 mmHg). Os estudos de neuroimagem (tomografia computadorizada e ressonância magnética) revelaram extensas áreas hipodensas, sugerindo edema cerebral. A arteriografia renal mostrou estenose da artéria renal direita, determinando a etiologia da hipertensão arterial. Com o controle da hipertensão, após a nefrectomia, houve reversão completa dos sintomas, assim como das anomalias de imagem.

PALAVRAS-CHAVE: encefalopatia hipertensiva, edema cerebral, estenose da artéria renal.

Hypertensive encephalopathy associated to repetitive seizures : case report

ABSTRACT– Five years old, female, who started with tonic-clonic seizures on the right side of the body, with vomits and unconsciousness. The patient had been hospitalized for eight times in the last sixty days because of seizures. At physical exam, she had a severe arterial hypertension (270/140mmHg). The computerized tomographic scan and magnetic ressonance imaging revealed hypodense areas, mainly on the right parietal–temporal region, suggesting presence of edema. The angiography showed stenosis of the right renal artery, that was the cause of arterial hypertension. After the control of arterial hypertension by nefrectomy, the patient had a complete remission of the symptoms, as well as the images anomalies.

KEY WORDS: hypertensive encephalopathy, brain edema, stenosis of the renal artery.

O estado de mal epiléptico de repetição pode estar associado a múltiplas causas. Apresentamos o relato de um caso pediátrico que exemplifica uma situação clínica incomum, na qual se demonstrou que um quadro de repetidas crises convulsivas tinha por causa primária uma encefalopatia hipertensiva subjacente; uma síndrome neurológica que se instala em decorrência da elevação súbita e grave da pressão arterial, levando a alterações de neuroimagem, compatíveis com edema cerebral1,2. Essa síndrome caracteriza-se clinicamente por náuseas, vômitos, cefaléia, alteração no nível de consciência, distúrbios visuais, papiledema e convulsões3. Dentre as diversas etiologias de hipertensão arterial secundária em crianças, destacam-se as doenças renais (74%), coarctação da aorta (15%), alterações renovasculares (7%), doenças adrenais (1%), enfermidades sistêmicas (1%) e tumores não adrenais (1%)4.

CASO

MCPP, 5 anos, feminina, branca, natural e procedente de Curitiba, foi atendida com crise convulsiva, iniciada há 12 horas, caracterizada por vômitos, perda de consciência e movimentos tônico-clônicos em dimidio direito com duração aproximada de 40 minutos, evoluindo com sonolência e dificuldade para se comunicar. Nos últimos 60 dias, a paciente havia sido internada 8 vezes, devido a situações clínicas semelhantes. Na história familiar não há consanguinidade, crises convulsivas ou encefalopatias. Gestação a termo, parto normal, sem intercorrências. No exame físico, constatou-se hipertensão arterial grave (270/140 mmHg). A paciente mostrava-se irritada e sonolenta, apresentava afasia, transtornos de marcha e equilíbrio, Babinski bilateral, estrabismo convergente à direita e dificuldade para acompanhar objetos. Na fundoscopia, foi notado edema de papila, com ausência de pulso venoso. O estudo tomográfico computadorizado cerebral (TC) mostrou extensas áreas hipodensas nos hemisférios cerebrais, sobretudo no direito, principalmente na região têmporo-parietal, assim como nas regiões frontal e temporal esquerda; havendo compressão do ventrículo lateral direito e terceiro ventrículo. A ressonância magnética cerebral (RM) mostrou áreas mal definidas de sinal hiperintenso em T2 envolvendo substância branca subcortical e profunda, comprometendo ambos os hemisférios, sendo mais extensamente afetada a região temporo-parietal direita, em concordância com os dados obtidos pela tomografia, sugerindo a presença de edema (Fig. 1A e 1B). A arteriografia (Fig 2) mostrou estenose de artéria renal direita, lesão responsável pela hipertensão arterial associada à encefalopatia hipertensiva. Tentou-se, primeiramente, o tratamento farmacológico, o qual não se mostrou eficaz. Por essa razão, foi realizado tratamento cirúrgico (nefrectomia), que resultou na reversão completa dos sintomas, assim como das anomalias de imagem (Fig 3).




DISCUSSÃO

As doenças renovasculares são a terceira causa de hipertensão arterial na infância, incidindo em cerca de 7% dos casos4. A prevalência da hipertensão por estenose da artéria renal em crianças é inversamente proporcional à idade, e está pouco relacionada a quadros de elevação moderada da pressão arterial5. A hipertensão arterial persistente e grave, cujas alterações renovasculares configuram como uma das suas possíveis etiologias, foi amplamente relacionada pela literatura com sintomatologia neurológica na infância. Nesse contexto, os sintomas mais relatados pela literatura são, quase invariavelmente, os distúrbios visuais, cefaléia, alteração da consciência e crises convulsivas6-8. Jespersen e colaboradores relatam um caso de encefalopatia hipertensiva em um paciente adulto que tinha como causa primária uma estenose em artéria renal9. Procuramos, nesse relato de caso, discutir uma situação similar ocorrida no âmbito específico da clínica pediátrica.

A hipertensão renovascular é assintomática em 60% dos casos, mas em até 30% das crianças que apresentam a patologia observa-se sopro abdominal5. Os sintomas neurológicos não são infreqüentes e também podem ser observadas alterações cardíacas, como a insuficiência cardíaca e cardiomegalia. Para o diagnóstico da estenose da artéria renal, deve se valorizar, como achado no exame físico, níveis pressóricos acima de 140/100mmHg (que na criança sugere hipertensão de causa secundária), sopros em abdome superior e manchas "café com leite" ou neurofibromas. Entre as causas da estenose da artéria renal em crianças, podemos citar, por ordem de incidência, a lesão fibrodisplásica vascular, coarctação da aorta abdominal, transplante renal, trauma, hipoplasia renal e irradiação de abdome5. A hipertensão arterial que ocorre na estenose de artéria renal se deve à ativação excessiva do sistema renina-angiotensina, que se torna responsável pelo aumento dos níveis pressóricos por levar à retenção de sódio e conseqüente elevação da volemia, à alterações vasomotoras e a um acréscimo na liberação de noradrenalina10,11. Na literatura médica, há relatos de casos que correlacionam a encefalopatia hipertensiva com alterações do sistema renina-angiotensina; muitos deles sem a participação de anormalidade renovascular, como é exemplo, na clínica pediátrica, o caso relatado por Shanley e Sisler, no qual a encefalopatia tinha por causa primária um tumor de Wilms12.

A relação causal entre disfunção cerebral transitória, como uma crise convulsiva, e hipertensão arterial foi primeiramente descrita por Oppenheimer e Fishberg, em estudo publicado em 192813. Esses autores observaram que quadro neurológico complexo em um paciente, caso que se relacionava com a evolução de hipertensão arterial grave de causa renal, verificando que os picos hipertensivos do paciente eram acompanhados pelo agravamento do quadro neurológico e por convulsões. Focos de edema explicam tanto a sintomatologia como os achados de imagem na encefalopatia hipertensiva. Existem duas hipóteses que visam explicar a fisiopatologia do edema. A teoria da "overregulation" consiste na hipótese de que um aumento brusco da pressão arterial promove vasoespasmo compensatório que, em situações especiais, é de intensidade suficiente para determinar isquemia e edema citotóxico2,14. A teoria mais provável indica como fator determinante para a formação do edema a quebra ("breakthrough") da auto–regulação da dinâmica vascular pela elevação intensa e súbita da pressão arterial, levando, portanto, à ultrapassagem dos limites pressóricos em que esta pode ocorrer. Em virtude disso, sobrevem dilatação excessiva dos vasos cerebrais, causando o extravasamento de proteínas e de fluídos através da barreira hemato–encefálica, formando-se, assim, focos de edema cerebral3,9. Schwartz e colaboradores, em estudo realizado com TC, RMe SPECT (single–photon emission computed tomography), sustentam a teoria da quebra da auto–regulação como o mecanismo responsável pela fisiopatologia da encefalopatia hipertensiva1. Nesse estudo, o SPECT revelou uma hiperperfusão regional durante as crises hipertensivas, nas mesmas áreas com alterações em TC e RM. Esses achados se opõem à teoria da "overregulation", uma vez que, se as alterações de neuroimagem fossem devidas à isquemia, o fluxo sanguíneo local deveria estar diminuído.

A importância da medida da pressão arterial na clínica pediátrica se justifica pela incidência de 1% a 5% de hipertensos entre crianças e adolescentes e pelos benefícios da identificação precoce da hipertensão essencial e das formas secundárias de hipertensão, tais como as doenças renais e a estenose de artéria renal, em que se abre a possibilidade do tratamento efetivo do fator causal15. Nesse sentido, o caso relatado exemplifica a relação entre encefalopatia hipertensiva, uma patologia passível, muitas vezes, de fácil tratamento cirúrgico ou clínico, e o estado de mal epiléptico, um quadro grave, incapacitante e de manejo mais difícil. Tais fatos acentuam a importância da investigação, sobretudo por parte do pediatra, da encefalopatia hipertensiva como possível etiologia de crises convulsivas de repetição, devido à possibilidade de se realizar um tratamento da causa primária e com isto promover a completa reversão da sintomatologia neurológica.

Dr. Sérgio A. Antoniuk – Centro de Neuropediatria do Hospital de Clínicas (CENEP) – Rua Floriano Essenfelder 81 – 80060-270 Curitiba PR – Brasil.

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  • *
    Serviço de Neuropediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba:
    Neuropediatra, Professor da Disciplina de Neuropediatria do Departamento de Pediatria da UFPR;
    **
    Estudantes de Medicina.
    ***
    Residentes em Neuropediatria. Aceite: 9-dezembro-1999.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Jun 2000

    Histórico

    • Aceito
      09 Dez 1999
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