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Extenso meningioma atípico na infância: relato de caso

A large atypical meningioma in childhood: case report

Resumos

Meningiomas são raros na criança e pequeno número de casos foi publicado até hoje. Eles são tumores tipicamente indolentes, mas, podem apresentar comportamento mais agressivo na infância. A conduta ideal é a cirurgia com ressecção completa do tumor. Na impossibilidade da remoção cirúrgica completa do tumor, as opções de tratamento são reduzidas. Nosso objetivo é descrever um caso de meningioma atípico na infância em menina de três anos, e sua evolução.

meningioma atípico; tumores meníngeos; meningiomas na infância


Meningiomas are rare in children and a small number of cases has been published. They are tumors typically indolent, but sometimes they show an extreme aggressive behavior. The gold standard of treatment is surgery with total remove of tumor. If the surgery is not possible to do, the options of treatment are few. We describe a case of an atipical meningioma in a 3 years-old girl.

atypical meningioma; tumors of the meninges; childhood meningiomas


Extenso meningioma atípico na infância : relato de caso

A large atypical meningioma in childhood: case report

Patrícia Imperatriz Porto RondinelliI;Cristiano Ribeiro VianaII; Carlos Alberto Martinez OsórioIII; Simone Treiger SredniIV

IMédica Assistente do Departamento de Pediatria do Hospital do Câncer, São Paulo SP, Brasil (HCa)

IIMédico residente do Departamento de Patologia do HCa

IIINeurologista Infantil, do Departamento de Pediatria, do HCa

IVPatologista, Departamento de Patologia, Hospital / Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, São Paulo SP, Brasil

RESUMO

Meningiomas são raros na criança e pequeno número de casos foi publicado até hoje. Eles são tumores tipicamente indolentes, mas, podem apresentar comportamento mais agressivo na infância. A conduta ideal é a cirurgia com ressecção completa do tumor. Na impossibilidade da remoção cirúrgica completa do tumor, as opções de tratamento são reduzidas. Nosso objetivo é descrever um caso de meningioma atípico na infância em menina de três anos, e sua evolução.

Palavras-chave: meningioma atípico, tumores meníngeos, meningiomas na infância.

ABSTRACT

Meningiomas are rare in children and a small number of cases has been published. They are tumors typically indolent, but sometimes they show an extreme aggressive behavior. The gold standard of treatment is surgery with total remove of tumor. If the surgery is not possible to do, the options of treatment are few. We describe a case of an atipical meningioma in a 3 years-old girl.

Key words: atypical meningioma, tumors of the meninges, childhood meningiomas.

Meningiomas são, geralmente, tumores benignos de crescimento lento. Derivam das meninges cranoespinais e são relativamente freqüentes no adulto e potencialmente curáveis com a ressecção cirúrgica completa, pois facilmente têm um plano de clivagem entre a área tumoral e o tecido cerebral normal, que favorece a cirurgia1. No adulto é descrito um pico de incidência entre os 50 e os 70 anos de idade, com predomínio nas pacientes do sexo feminino2. A extensão da ressecção cirúrgica influencia de maneira positiva o prognóstico dos pacientes portadores de meningioma3. Certamente o fator mais importante no prognóstico dos meningiomas é dado pela localização e conseqüentemente pela ressecabilidade da lesão4. Como terapia complementar após a cirurgia, podemos citar a radioterapia, utilizada após a ressecção parcial ou completa; esta modalidade parece aumentar as possibilidades de controle local da doença5. A sobrevida dos meningiomas benignos situa-se ao redor de 65 a 90% em 5 anos nos adultos. Os meningiomas mais agressivos, ao contrário, parecem ter prognóstico mais sombrio. Em estudo retrospectivo publicado em 1990, um total de 38 pacientes portadores de meningiomas malignos, submetidos à cirurgia e à radioterapia, apresentaram sobrevida livre de doença de 25% em 5 anos5. A sobrevida de 5 anos em crianças é de 76% segundo Drake e colaboradores6.

Nosso objetivo é descrever um caso de meningioma atípico na infância precoce, a extensão da lesão, a dificuldade diagnóstica e as modalidades terapêuticas utilizadas.

CASO

Menina de 3 anos de idade, com história clínica com duração aproximada de 5 meses, de protusão dos globos oculares e cefaléia intermitente. Ao exame neurológico inicial, mostrava estrabismo convergente, proptose bilateral com acentuada diminuição da acuidade visual e obstrução nasal. Sem alterações reflexas e de motricidade. Ressonância magnética (RM) evidenciou extensa massa intracraniana, com intensa captação de contraste. A neoplasia comprometia as seguintes estruturas: fossa infratemporal direita, seios maxilares, fossa nasal, etmóide, exercendo compressão orbitária bilateral, estendendo-se para o clivus e para a cisterna pré pontina, com infiltração maciça da base do crânio (Fig 1 e 2).



A paciente foi submetida a biópsia por via transnasal, cujo resultado foi inconclusivo devido à pequena amostragem da neoplasia em meio à extensa hemorragia e fragmentação da amostra. Optamos, então, por ressecção ampla através de craniotomia bifrontal (acesso subfrontal extradural) que permitiu a remoção de cerca de 30% da massa tumoral, procedimento este que foi interrompido antes do seu término, devido à ocorrência de extensa hemorragia e conseqüente choque hipovolêmico durante o momento intra operatório.

O exame anátomo-patológico do espécime revelou tratar-se de neoplasia fusocelular com arranjos fasciculados e focos de diferenciação epitelióide; presença de atipias celulares moderadas e 4 mitoses / 10 campos de grande aumento (CGA). Observaram-se também inclusões nucleares difusamente esparsas (Figs 3 e 4). O exame imuno-histoquímico revelou tratar-se de neoplasia de natureza epitelial (AE1/AE3 e EMA positivos) (Figs 5 e 6) com áreas de co-expressão de vimentina (Fig 7). O aspecto morfológico associado ao perfil imuno-histoquímico e a agressividade da neoplasia favoreceram o diagnóstico de meningioma atípico.






A paciente permaneceu 5 dias na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital do Câncer e teve recuperação neurológica sem seqüelas, apenas mantendo o déficit visual semelhante ao que já existia anteriormente à cirurgia. Por curto período de tempo, manteve hiponatremia severa, provavelmente desencadeada por fator natriurético cerebral. Frente à gravidade do quadro clínico e à impossibilidade da ressecção cirúrgica completa da lesão, optamos por iniciar 2 ciclos de quimioterapia utilizando fármacos capazes de atravessar a barreira hematoencefálica (BHE): ifosfamida 1800 mg/m2/dia e etoposide 150 mg/m2/dia por 2 ciclos, cada ciclo com 5 dias. A morbidade da quimioterapia foi marcante apesar da utilização de fator de crescimento de colônia (granuloquine) ao término de cada ciclo. No intervalo do 1o. ciclo houve leucopenia febril facilmente tratada mas, 9 dias após o término do 2o. ciclo, a paciente desenvolveu infecção necrótica de vulva, permanecendo séptica na UTIP em ventilação mecânica e com drogas vasoativas durante 11 dias por grave risco de vida. A reavaliação com RM após o 2o. ciclo mostrou que a lesão estava inalterada em relação ao diagnóstico e que a quimioterapia somente tinha causado morbidade e nenhum benefício. A paciente foi então submetida à uma terceira intervenção cirúrgica em outro serviço, que permitiu a ressecção de aproximadamente 50% da massa neoplásica.

O exame anátomo-patológico desta 3a cirurgia revelou tratar-se da lesão anteriormente descrita em meio a tecido ósseo maduro, tecido de granulação, reação giganto-celular de tipo corpo estranho e hemorragia recente e antiga com acentuação do aspecto epitelióide e das atipias celulares. O perfil imuno-histoquímico permaneceu inalterado.

A criança evoluiu com amaurose no pós-operatório, que regrediu à condição inicial e precária de visão do período do diagnóstico inicial. Após 50 dias da cirurgia, houve nova progressão do tumor com hipertensão intracraniana e necessidade de derivação ventrículo-peritoneal de urgência, quando optamos por radioterapia local hiperfracionada com finalidade paliativa. Atualmente, a paciente está recebendo terapia antiálgica paliativa, há 6 meses do término da radioterapia, com imagem tumoral à RM mantida, sem sinais de crescimento local.

DISCUSSÃO

Na criança os meningiomas são extremamente raros representando 1 a 2% de todos os tumores encontrados no sistema nervoso central7,8. Há poucos relatos na literatura de qual a exata prevalência de lesões benignas e malignas dentre os tumores meníngeos da infância. Em estudo analisando 21 crianças portadoras de tumores primários de meninges, 71,5% eram benignos e 28,5% eram malignos e a idade média de apresentação foi 9,4 anos9. Em citação na literatura de um estudo realizado no Irã envolvendo 24 casos de meningioma em pacientes menores que 17 anos, a média de idade ao diagnóstico da lesão foi 9,0 anos10.

Comparando meningiomas em adultos e crianças, parece haver tendência de meningiomas da infância apresentarem mais características atípicas tais como cistos, áreas de hemorragia, agressividade clínica e localizações não usuais e, consequentemente, pior prognóstico9,11. Na criança parece haver inversão da relação entre os sexos, sendo o sexo masculino mais incidente segundo alguns autores12. A deformação da caixa craniana e as localizações intraventriculares parecem ser mais freqüentes e a dura máter parece ser menos envolvida que nos adultos13-15.

A maioria dos meningiomas tem histologia indolente.Um subgrupo pequeno, entretanto, pode apresentar um componente atípico ou anaplásico (maligno) ao diagnóstico ou adquirir este comportamento em algum momento de sua evolução. A variante maligna parece ter incidência de 10 a 15% dentre os meningiomas de adultos, segundo alguns autores16. Entretanto, há um comportamento biológico variável e individual dos meningiomas, principalmente quanto à sua capacidade de invasão dos tecidos adjacentes e formação de edema perilesional, determinando maior ou menor efeito de massa1.

A anormalidade cromossômica mais frequentemente descrita tanto em meningiomas de adultos como nos infantis é a perda de parte do braço longo do cromossomo 22 e pode ocorrer com ou sem outras alterações do cariótipo17. Também têm sido implicados com os meningiomas, fatores envolvidos com a angiogênese, ou seja, a formação de novos vasos sanguíneos que objetivam nutrir o meningioma e favorecer seu crescimento; também podem contribuir para a propagação tumoral, a presença do fator de crescimento derivado de plaquetas, o fator de crescimento epidermal fator de crescimento vascular endotelial e outros18. Alterações no ciclo celular também podem ser observadas tais como a perda do INK4a/INK4b que pode ter papel na formação do meningioma e na sua progressão maligna19.

Dezoito casos de tumores meníngeos em crianças menores que 16 anos foram estudados na Turquia e o MIB-1(Ki-67), anticorpo monoclonal utilizado através de reação imuno-histoquímica para avaliar o índice de proliferação celular, foi 1,83% nos tumores benignos e 7,2% nos malignos, mostrando diferença na taxa de proliferação e agressividade destes grupos distintos de lesão do sistema nervoso central. Em estudo publicado em 1999, o MIB-1 foi 1,6% para os meningiomas benignos, 7,4%para os atípicos e 14,7% para os anaplásicos18. No caso em estudo, o MIB-1 foi considerado muito alto, de 19%, indicando a agressividade do tumor. A taxa de recorrência local é alta e também apresenta variações na literatura; estima-se que 38 a 52% dos meningiomas ressecados possam recidivar20. A taxa de recorrência após a ressecção cirúrgica completa em um estudo de 53 meningiomas por Jaaskelainen e colaboradores foi 3% para os meningiomas benignos/típicos, 38% para os atípicos e 78% para os anaplásicos21.

O tratamento baseia-se na ressecção cirúrgica, idealmente com remoção completa da lesão. Na impossibilidade desta, como no caso apresentado, as armas terapêuticas se restringem à radioterapia e à quimioterapia. No caso em questão, optamos inicialmente pela quimioterapia por nos questionar se toda a lesão teria a mesma histologia, já que pequenos fragmentos não representavam todo o tumor. A radioterapia foi postergada por tratar-se de uma área muito extensa, e foi utilizada em caráter paliativo quando oportuna. Atualmente a criança está viva, em cuidados paliativos, e atribuímos à radioterapia a melhora na qualidade de vida de nossa paciente, com tumor estável há 6 meses do término dela. A quimioterapia tem papel controverso nos meningiomas. O quimioterápico hidroxiuréia administrado oralmente parece ter certo grau de resposta em adultos. Em alguns estudos, hidroxiuréia tem sido usada concomitantemente à radioterapia22.

Em conclusão, descrevemos um caso de meningioma atípico em criança de 3 anos de idade sua dificuldade diagnóstica pela anatomia patológica, seu manejo cirúrgico complexo e sua agressividade clínica. Mesmo com equipe multidisciplinar capacitada, o manejo desta entidade foi extremamente árduo e controverso. O comportamento localmente agressivo deste tumor impossibilitou a ressecção cirúrgica completa. Em paralelo, não houve resposta à quimioterapia. A radioterapia em caráter paliativo parece ter estabilizado o crescimento da lesão, mas, um seguimento clínico maior é necessário neste caso para maiores conclusões.

Recebido 17 Outubro 2002, recebido na forma final 14 Março 2003

Aceito 27 Março 2003

Dra. Patrícia Imperatriz Porto Rondinelli Hospital do Câncer - Rua Professor Antônio Prudente 211 - 01509-900 São Paulo SP - Brasil. E-mail: patrondinelli@terra.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2003
  • Data do Fascículo
    Set 2003

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2002
  • Revisado
    14 Mar 2003
  • Aceito
    27 Mar 2003
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