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Tratamento das neuralgias pelo sulfato de amónio associado à procaína

Tratamento das neuralgias pelo sulfato de amónio associado à procaína

Roberto Melaragno FilhoI; Rolando A. TenutoII

IAssistente da Clínica Neurológica da Fac. Med. Universidade de São Paulo (Prof. Adherbal Tolosa)

IINeurocirurgião da Clínica Neurológica da Fac. Med. Universidade de São Paulo (Prof. Adherbal Tolosa)

RESUMO

Os autores relatam resultados do bloqueio de raízes ou de nervos, pela associação do sulfato de amónio e procaína, em 10 casos de neuralgias segmentares intensas. Segundo preconizam Judovich e Bates, os autores utilizaram a mistura de sulfato de amónio a 0,75% e procaína a 2%, na proporção de 6:4 e em volume variável, dependente da região e da riqueza da inervação da parte a ser submetida ao bloqueio. Os resultados obtidos - completa remissão das dôres em todos os casos referidos - indicam que êsse método constitui, no momento, o tratamento sintomático de escolha para as neuralgias segmentares intensas.

SUMMARY

The authors record the results of radicular and nerve block through a mixture of ammonium sulfate and procaine in ten cases of severe segmental neuralgia. Accordingly to Judovich and Bates, the authors used a solution of ammonium sulfate (0,75 per cent) and procaine (2 per cent), in a proportion of 6:4, respectively. The total volume depended from the level where block was performed. The results recorded suggest the use of ammonium sulfate and procaine as the non-etiologic treatment of choice for severe segmental neuralgia.

A importância das neuralgias segmentares, com distribuição radicular ou não, foi focalizada em recente monografia de Judovich e Bates1 1 . Judovich, B. e Bates, W. - Segmental neuralgia in painful syndromes. F. A. Davis, Philadelphia, 1944. ,os quais propuzeram novo método terapêutico: o bloqueio de raízes ou troncos nervosos, com a associação de sulfato de amónio e procaína. Neste trabalho publicamos os resultados dos primeiros casos em que empregamos êstetratamento.

Muito freqüentemente, neuralgias radiculares originam-se de causas aparentemente banais e, portanto, de difícil determinação. A casuística de Judovich e Bates, por exemplo, é rica em radiculalgias determinadas por escolioses que, por sua vez, eram compensatórias a pequenas diferenças no comprimento dos membros inferiores. Por outro lado, conforme seu nível segmentar, essas neuralgias radiculares simulam variadas visceropatias, desorientando completamente os clínicos, levando-os, muitas vezes, ao diagnóstico de abdome agudo, com conseqüente laparatomia; em uma de nossas observações (caso 3) ocorreu tal eventualidade, tendo sido a paciente apendicectomizada A dor no território do tronco ciático, propagando-se para os nervos terminais, constitui outro grande problema terapêutico. A síndrome ciática pode depender de causas inúmeras, diretas ou indiretas, conforme o processo mórbido afete primitivamente raízes, troncos ou ramos dos nervos ciáticos ou então, reflexamente, por irritação de estruturas somáticas sujeitas a inervação ciática. Esta distinção entre neuralgia ciática primária e secundária não é aceita por muitos autores, entre os quais Wilson2 2 . Wilson, S. A. K. - Neurology. The Williams and Wilkins Co., Baltimore, 1940. , pela dificuldade em excluir a possibilidade da passagem da infecção de estruturas vizinhas para a bainha ou tecidos perineurais. De qualquer modo, como a dor ciática pode se originar de causas as mais diversas, a tarefa inicial do médico consiste em estabelecer o diagnóstico etiológico a fim de instituir terapêutica correlata. Além do exame clínico minucioso, deve-se radiografar a columa lombo-sacra e a bacia, a fim de investigar processos ósseos vertebrais ou articulares; alistam-se entre causas freqüentes da ciática, lesões vertebrais com ou sem fratura, espondilolisteses e roturas dos discos intervertebrais, cuja importância tem sido muito focalizada, mormente nos Estados Unidos. De grande interesse, nas síndromes ciáticas, é o exame do liqüido cefalorraquídio, obtido por punção lombar após as provas manométricas de Stookey, que poderá revelar - quer pelos obstáculos à permeabilidade do canal, quer pelas alterações liquóricas - possíveis causas da afecção, entre outras, tumores intra-raquídios, hipertrofia do ligamento amarelo, hérnia do núcleo polposo. De evidente vantagem, em certos casos, é o estudo do canal vertebral pelas radiografias contrastadas com lipiodol ou panto-paque. Eventualmente, outros exames complementares merecem ser praticados, tais como reações serológicas para lues, dosagens da glicemia, exames de urina. Vezes há - infelizmente não raras - em que, após exaustivos exames físico e complementares, a causa da neuralgia ciática permanece obscura. Nesses casos, deve-se lançar mão dos tratamentos sintomáticos ou não-etiológicos. Igualmente, nos casos em que fôr indicado tratamento cirúrgico e os pacientes se recusem à intervenção, o tratamento sintomático pode ser tentado. Têm sido propostos vários métodos de sedação da dor; o tratamento preconizado por Judo-vich e Bates, pela sua eficiência, assim como pela duração de seus efeitos, parece-nos, baseados nos casos que observamos, o método de escolha para a terapêutica da ciática, assim como de quase todasas neuralgias segmentares. Os autores o empregaram, também, com sucesso, nos casos de neuralgia occipital de Arnold e de herpes zoster.

O emprego dos sais de amónio na terapêutica da dor originou-se em 1931, quando Judovich, preparando um destilado de Sarracenia purpúrea, notou que essa solução aquosa exercia enérgico efeito sedativo sôbre dôres neurálgicas. desacompanhadas de quaisquer distúrbios da sensibilidade objetiva ou da motricidade. Em 1939, o destilado foi estudado quanto à ação fisiológica, pelo registro dos potenciais de ação. A análise da solução revelou grande quantidade de sais de amónio, principalmente cloretos e sulfatos, os quais, empregados isoladamente, produziam efeitos inteiramente semelhantes aos do destilado da Sarracenia purpúrea, comprovados quer pelo método da determinação dos potenciais de ação, quer pelos resultados clínicos. Segundo Judovich e Bates, os sais de amónio não parecem eficientes no tratamento da dor originada de músculos, tendões, ligamentos, vasos sangüíneos ou ossos; todavia, podem ser empregados nas neuralgias associadas com essas condições.

Em nossos casos, respeitamos as dosagens propostas pelos autores do método. Assim, empregamos sempre o sulfato de amónio em solução a 0,75% e a procaína a 2%, na proporção de seis partes da primeira para quatro da segunda. Essas soluções são condicionadas em ampolas separadas, sendo misturadas na mesma seringa, no momento de serem usadas. A quantidade total do liqüido a ser empregado no bloqueio depende naturalmente da região ou do nervo que se deseja infiltrar. Para o tratamento da neuralgia ciática, por bloqueio do tronco nervoso ao nível da chanfradura ciática, utilizamos um volume total de 10 cc. Receitamos, então, de acordo com a posologia e quantidade proporcional das substâncias: 6 cc da solução de sulfato de amónio a 0,75% em 1 ampola; 4 cc da solução de procaína a 2% ern 1 ampola.

Nas infiltrações paravertebrais, usam-se 5 cc em cada nível; nos bloqueios na região cervical, é suficiente o volume total de 2,5 cc. As infiltrações devem ser repetidas cada cinco dias e, nos casos em que não determinem nítida sedação dos fenômenos dolorosos após 4 ou 5 infiltrações, pode-se suspender o tratamento e tentar outro método terapêutico. Se houver remissão da dor, será conveniente perfazer dez infiltrações. Nos casos de ciática, pode-se indiferentemente bloquear o tronco nervoso ou as últimas raízes lombares; em alguns de nossos pacientes fizemos unicamente as infiltrações do nervo ciático, na passagem pela chanfradura ciática; em outros casos, com resultados praticamente iguais, alternávamos os níveis de bloqueio.

Várias são as técnicas para infiltração dos nervos intercostais. Empregamos a seguinte, por ser a mais simples: introduzir agulha de 10 a 12 cms. de comprimento, a 3 cms. para fora da linha mediana posterior e sôbre um plano horizontal ao ápice da apófise espinhosa correspondente à raiz visada. A agulha, após ter atravessado a pele e massas musculares, atinge o espaço intercostal abaixo de apófise espinhosa; continuando a introduzir a agulha nessa direção, ela atravessará os músculos intercostais e a pleura parietal. A habilidade do operador consiste em perceber a penetração da agulha na cavidade pleural e retira-la de 3 a 5 mms. antes de injetar a solução desejada. E' um método fácil que exige, porém, certa prática, adquirível com treinamento em cadáver.

Para a infiltração das raízes lombares, o paciente deverá permanecer em decúbito lateral oposto ao do lado que se pretende anestesiar ou bloquear, mantendo o tronco fletido. Assinalam-se as cinco apófises espinhosas lombares, lateralmente às quais marcam-se cinco pontos distantes 4 cms. da linha mediana posterior, cada um deles passando pela margem superior de cada apófise espinhosa; corresponde, topográficamente, à extremidade anterior da respectiva apófise transversa lombar. Em cada um dêsses pontos, introduzem-se agulhas perpendicularmente à pele até atingir a face posterior das apófises transversas; nesse momento, inclina-se a agulha para contornar a margem inferior das apófises transversas e, depois, introduzindo mais 1 a 2 cms., injeta-se a solução bloqueante.

Para infiltrar o nervo grande ciático, na região glútea, o paciente permanece em decúbito lateral oposto ao lado que se deseja infiltrar ou em decúbito ventral. Introduz-se a agulha no ponto correspondente à união do 1/3 posterior com os 2/3 anteriores de uma linha que une a margem superior do grande trocánter ao ápice da tuberosidade isqüiá-tica; neste ponto, o nervo dista da pele, em média, 3 a 4 cms. Êste ponto pode ser encontrado pela técnica de Labat: une-se por uma reta o bordo superior do grande trocánter à espinha ilíaca póstero-superior e, na bissecção desta reta, traça-se uma perpendicular para baixo; o ponto de aplicação da injeção está situado nessa perpendicular, a 3 cms. do ponto de bissecção.

Para as infiltrações que devam atingir os nervos grande e pequeno occipital, pode-se injetar ao nível de um ponto equidistante entre o ápice da mastóide e a linha mediana posterior.

OBSERVAÇÕES

Caso 1 - Dom. Cor. Jr., com 52 anos de idade, casado, branco, brasileiro, industrial. Examinado em março de 1945, na clínica particular de um de nós (R. M. F.).

Há um ano, vinha sentindo dôres muito violentas na face posterior da perna esquerda, principalmente do joelho para baixo. A dor começou afetando a região lombar do mesmo lado, onde depois cedeu para surgir na extremidade distai do membro inferior esquerdo. Deitado no leito, nada sentia. A tosse e o espirro muito agravavam a dor. Tratou-se com salicílato de sódio, iodados, vitamina BI e piretoterapia associada à radioterapia da coluna lombar, sem qualquer resultado. Quanto aos antecedentes, referia cancro luético aos 18 anos, tendo sido submetido p. rigoroso tratamento específico; reação de Wassermann no sangue negativa há vários anos.

Exame clínico-neurológico - Sinais de moléstia mitral. Ausência de desvios patológicos da linha espondílica. Dor à compressão dos pontos de saída das raízes nervosas ao nível de L3 e L4, à esquerda. Dor à compressão dos pontos de Val-leix, dêsse lado. Manobra de Lasègue positiva à esquerda. Reflexos clónicos profundos, presentes e simétricos. Sensibilidade íntegra.

Exames complementares - Exame do líquido cefalorraquídeo: provas mano-métricas negativas; reações dentro dos limites da normalidade (J. Baptista dos Reis). Radiografia da coluna lombo-sacra: formações osteofíticas nos rebordos epifisários dos corpos da 4.a e 5.a vértebras lombares. Aspecto irregular das superfícies articulares dos pendúnculos, notadamente da 4.a e 5.a vértebras lombares. Sinais radiológicos de espondilartrose hipertrófica (Celso Pereira da Silva).

Tratamento - Após 10 aplicações, alternando infiltrações tronculares no nervo ciático com radiculares em L4 e L5, obteve-se a total remissão da dor, tanto espontânea como provocada pela compressão dos pontos clássicos. Posteriormente, êste doente apresentou uma neoplasia maligna (hipernefroma?) com ponto de partida renal, que levou o paciente à caquexia e morte.

Caso 2 - Jos. It. Ram., com 38 anos de idade, casado, brasileiro, marcineiro. Examinado no Ambulatório do Serviço de Neurologia do Hospital das Clínicas (Prof. Adherbal Tolosa), em março de 1945.

Há 3 anos vinha sentindo dôres muito fortes na nádega esquerda e face posterior do membro inferior do mesmo lado, estendendo-se até o tendão de Aquiles. Por vezes tinha remissões espontâneas que duravam até seis meses. Sem qualquer resultadp, tratou-se com salicilatos e iodados. Ao caminhar, era obrigado a bascular o tronco para a esquerda, sob pena de sentir dôres violentas no trajeto do ciático. Descobrira posições favoráveis para se deitar, sem sentir exacerbação das dôres. Acusava ainda adormecimento e sensação de formigamento no pé esquerdo. Para o lado dos antecedentes, nada digno de nota; negava passado ve-néreo-luético.

Exame clínico-neurológico - Atitude antálgica, tanto na marcha como na posição erecta ou ainda em decúbito dorsal, com movimentos de báscula do tronco para a esquerda. Dor muito intensa à compressão dos pontos de Valleix e dos pontos de saída das raízes lombares, à esquerda. Lasègue positivo à esquerda. Abolição do reflexo aquileu dêsse mesmo lado. Normais os demais reflexos clô-nicos profundos e superficiais. Hipoestesia superficial no pé esquerdo.

Exames complementares - Reações de Wassermann e Kahn no sangue: negativas. Radiografia da coluna lombo-sacra: normal.

Tratamento - Foram feitas infiltrações radiculares e tronculares com melhoras nítidas e progressivas. Após a segunda infiltração, o paciente já não assumia a posição antálgica, sendo possível ampla movimentação com o membro inferior esquerdo. Após a sétima aplicação, já livre de qualquer dor, espontânea ou pela compressão dos pontos clássicos, o paciente abandonou o tratamento, não mais procurando o hospital.

Caso 3 - Ros. Esp. San., com 35 anos de idade, preta, solteira, doméstica. Examinada na 3.a Clínica Médica do Hospital das Clínicas (Prof. Rubião Meira) em abril de 1945.

Há um ano, vinha sofrendo de dôres na fossa ilíaca direita e na face posterior da coxa, perna e dorso do pé do mesmo lado. Como essas dôres simulassem apendicite, a paciente foi apendicectomizada sem resultado. Ao carregar pesos, muito se acentuava a sintomatologia dolorosa. Internada, foi exaustivamente examinada sob o ponto de yista clínico e feitos diversos exames complementares - radiografias da coluna vertebral, do parênquima pulmonar, pielografias descendentes - todos negativos.

Exame clinico-ncurológico - Dores intensas, de tipo radicular, à compressão dos pontos de Valleix para o ciático direito; dor na fossa ilíaca direita e membro inferior do mesmo lado, exacerbada pela compressão sôbre os ombros ou sôbre a cabeça. Reflexos aquilianos diminuídos; normais os demais reflexos clônicos profundos. Sensibilidade íntegra.

Tratamento - Foram suficientes 10 aplicações tronculares no nervo ciático para o completo desaparecimento das dôres, mesmo à compressão das raízes torácicas inferiores. Destarte, houve remissão de tôda a sintomatologia, mesmo daquela atribuível ao comprometimento das raízes torácicas. Êste resultado é estranho e aparentemente paradoxal. Aventamos a seguinte hipótese para explicar o desaparecimento da dor em níveis supralombares: a dor ciática determinava uma escoliose compensatória com concavidade voltada para o membro doente, assumindo assim o paciente uma posição antálgica; por outro lado, escolioses de causas variadas por vezes discretas, determinam no segmento radicular, principalmente no lado da concavidade, uma neuralgia segmentar de intensidade maior ou menor. Imaginamos que fato semelhante houvesse sucedido na paciente em observação; a sedação da dor ciática teria determinado o desaparecimento da escoliose e, concomitantemente, da radiculalgia ao nível dos segmentos torácicos inferiores.

Caso 4 - Vald. Cos., com 43 anos de idade, casado, branco, brasileiro, escriturário. Examinado em junho de 1945, na clínica particular de um de nós (R. M. F.).

Em abril de 1945, começou a sentir, na região glútea esquerda, dôres pouco intensas que, com o tempo, foram-se exacerbando. Em princípios de maio, após grande esforço físico, sentiu a perna esquerda "presa". No dia seguinte, sentiu dôres violentíssimas na nádega e face posterior da coxa esquerda, irradiando-se até a planta do pé. A intensidade da dor não permitiu que, por cinco dias consecutivos, o paciente conciliasse o sono. Piorava muito ao tentar qualquer movimento, tendo alguma sedação sómente quando permanecia imóvel em decúbito lateral direito. Até meados de junho, ficou acamado, melhorando apenas por algumas horas, com injeções de salicilatos, atofanil, iodetos e vitamina BI. No dia 18 de junho, veio carregado ao consultório, onde o examinamos.

Exame clínico-neurológico - Sinal de Lasègue à esquerda. Dor à compressão dos pontos de Valleix, nesse mesmo lado. Força dos extensores do grande dedo do pé, praticamente igual de ambos os lados. Abolição do reflexo aquileu à esquerda. Ausência de distúrbios sensitivos. Pequena atrofia dos músculos rizo-mélicos do membro inferior esquerdo. Posição antálgica do tronco.

Exames complementares - Exame radiológico: Condensação das apófises in-tervertebrais direitas das 3.a, 4.a e 5.a vértebras lombares por possível processo de lombartrite. Não existem sinais de lesões dos corpos e discos intervertebrais (Moretzsohn de Castro). Reações de Wassermann e Kahn no sangue negativas.

Tratamento - Iniciou o tratamento no dia 20 de junho. Já após a primeira aplicação troncular no nervo ciático, conseguiu sentar-se no leito e apoiar-se sôbre o pé esquerdo. Tomou as demais injeções de 5 em 5 dias, melhorando sensivelmente após cada infiltração. Após a sétima aplicação, conseguia andar perfeitamente, sem assumir qualquer atitude antálgica e sem necessitar de qualquer apoio. Deste modo, não quis mais continuar o tratamento; sentia apenas alguma dor ao se abaixar ou quando a temperatura caía rapidamente.

Caso 5 - Franc. Are, com 56 anos de idade, casado, branco, espanhol, comer-ciário. Examinado em agosto de 1945, na clínica particular de um de nós (R. M. F.).

Há dois meses e meio, surgiram dôres na face posterior da coxa direita que, pouco a pouco, se exacerbaram, obrigando-o a se recolher ao leito. Antes de iniciarmos o tratamento, havia experimentado, mediante prescrição médica, salicilato de sódio, iodeto de sódio, vitamina BI, cibalena, sedol, sem qualquer resultado.

Exames complementares - Radiografias da coluna lombo-sacra: número normal de segmentos lombo-sacros. Altura normal dos corpos vertebrais lombares. Pequenas formações osteofíticas ao nível dos rebordos da 4.a vértebra lombar. Espaços intervertebrais lombares de altura regular. Falta de soldadura dos arcos posteriores da 1.a e 2.a vértebras sacras. Espinha bífida sacra (C. Pereira da Silva). Exame do líquido cefalorraquidio: punção lombar em posição deitada; prova de Stookey normal, demonstrando completa permeabilidade do canal raquí-dio; pressão inicial 14; líquor límpida e incolor; citologia 4,4 células por mm.*; proteínas totais 0,55 grs. por litro; reação de Pandy, opalescencia; reação de Non-ne, opalescencia; reação do benjoim 00000.02222.00000.0; reação do mastique coloidal 10000.00000.0; reação de Takata-Ara positiva (tipo floculante) ; reação de Wassermann, reação de Steinfeld e reação para cisticercose, negativas (J. Baptista dos Reis).

Tratamento - Iniciada a medicação por meio de infiltrações tronculares no nervo ciático, verificaram-se melhoras muito nítidas que se acentuaram após cada aplicação. Ao totalizar a décima infiltração, o paciente não acusava qualquer dor espontânea, a não ser nas panturrilhas após marchas mais ou menos prolongadas.

Caso 6 - An. J. Fon., com 69 anos de idade, casado, branco, brasileiro, fazendeiro. Examinado em maio de 1945, na clínica particular de um de nós (R. T.).

Há um ano, vem sentindo dôres na coluna lombar, com irradiação para a face posterior das coxas, que se acentuam no decúbito dorsal e pelo fletir do tronco sôbre a bacia. Submeteu-se aos mais variados tratamentos (histamina, vitaminas A e B1, tebasolo, novalgina, enxofre coloidal, tioderazine, radioterapia profunda, colete com armação metálica, canfrosalil troncular), sem lograr melhoras. Para o lado de seus antecedentes, merece menção um diabete pancreático há 4 anos e medicado intensamente.

Exame clínico-neurológico - Tensão arterial de 160-90 mms. Hg; coração com bulhas abafadas; artérias periféricas duras e pouco elásticas; marcha com o corpo rígido, devido à imobilidade da coluna dorsolombar. Exaltação dos reflexos clônicos profundos. Sinal de Lasègue positivo bilateralmente. Dor à pressão sôbre os pontos de Valleix de ambos os membros inferiores. Dor à percussão das apófises espinhosas da 2.a, 3.a, 4.a e 5.a vértebras lombares. Nenhuma perturbação da sensibilidade objetiva.

Exames complementares - Radiografia da coluna vertebral: intenso processo de osteartrose dorsolombar. Nota-se a existência de osteofitos nos rebordos anteriores e laterais de diversos corpos vertebrais (C. Villaça).

Tratamento - A terapêutica consistiu em infiltrações radiculares das 2.a, 3.a, 4.a e 5.a vértebras lombares e troncos de ambos nervos ciáticos. Ao completar a quinta aplicação, o paciente não quis mais se submeter às restantes, porque já se julgava curado; não acusava mais dôres espontâneas e, objetivamente, comprovava-se grande diminuição da dor à compressão das apófises espinhosas da 2a e 4.a vértebras lombares, bem como à pressão dos pontos de Valleix.

Caso 7 - Lel. Sab., com 43 anos de idade, casado, branco, brasileiro, eletricista. Examinado em fevereiro de 1945, na clínica particular de um de nós (R. M. E).

Há 10 meses, foi operado de varizes sob raquianestesia, não sabendo informar qual o anestésico empregado. Desde então, passou a se queixar de dor muito intensa ao nível da região paravertebral e face lateral e posterior da coxa esquerda, sendo obrigado a assumir atitude antálgica. A dor se exacerbava quando ficava em posição sentada ou em decúbito lateral esquerdo. Já experimentara medicações dos mais diversos tipos (salicilato de sódio, piramido, iodeto de sódio, atofan, histamina, veneno de abelha, ondas curtas, correntes galvânicas salicila-das) sem qualquer melhora. Desanimado, chegara a encaminhar um pedido de aposentadoria por invalidez.

Exame clínico-neurológico - Nítido espasmo da musculatura paravertebral lombar esquerda; sinal de Lasègue positivo à esquerda; dor às diversas manobras do ciático; dor à compressão das raízes lombares na sua emergência. Reflexos clônicos profundos normais. Nenhuma perturbação objetiva da sensibilidade.

Exames complementares - Radiografia da coluna vertebral: Espinha bífida da l.a vértebra sacra. Leve deformação dos corpos vertebrais lombares e formação de pequenos osteofitos marginais. Esporão ósseo entre 3.a e 4.a vértebras lombares à esquerda. Sinais de espondilartrite reumatóide (Moretzsohn de Castro).

Tratamento - Foram feitas 9 aplicações radiculares entre L2 e L5, à esquerda. Observou-se o desaparecimento total das dôres, espontâneas ou provocadas pela compressão dos pontos de Valleix. O paciente, retirado o pedido de aposentadoria, retornou normalmente ao trabalho.

Caso 8 - Man. Zan., com 25 anos de idade, casada, branca, brasileira, doméstica. Examinada em junho de 1945 na clínica particular de um de nós (R. T.).

Desde 1941, sente dor em cinta (principalmente no hemitórax esquerdo) que, partindo da coluna vertebral, irradia-se para o esterno. Sem qualquer resultado, submeteu-se a vários tratamentos (extração de focos infectados, salicilato de sódio, vitamina BI, iodados, histamina, radioterapia profunda, ionização com salicilato de sódio). A dor é contínua, com crises violentas de exacerbação que impedem qualquer exercício físico. Nada digno de registro nos antecedentes familiais e pessoais.

Exame clínico-neurológico - Dor à compressão da apófise espinhosa da 4.a vértebra torácica, com irradiação em cinta para o hemitórax esquerdo. Dolorosos os pontos de Valleix no trajeto do nervo intercostal respectivo. Nada de anormal para o lado dos exames clínico geral e neurológico.

Exames complementares - Eletrocardiograma normal. Radiografias e radioscopia do tórax normais. Reações de Wassermann e Kahn no sangue negativas. Liqüido cefalorraquídio - punção lombar com provas manométricas de Stookey; permeabilidade normal do canal raquidiano; líquor normal (J. Baptista dos Reis).

Tratamento - Foi iniciado o tratamento com infiltrações repetidas de 5 em 5 dias, ao nível de T3, T4 e T5, à esquerda. Após 10 infiltrações, obteve-se desaparecimento completo da dor espontânea, bem como da produzida pela compressão de T4 e correspondentes pontos de Valleix.

Caso 9 - It. Ruf., com 38 anos de idade, casada, branca, brasileira, operária. Examinada em setembro de 1945, no Ambulatório do Serviço de Neurologia (Prof. Adhrebal Tolosa).

Há dois anos, sente dor intensa na região cérvico-occipital esquerda, com irradiação têmporo-mastóidea e supra-orbitária. A sintomatologia principiou com uma sinusite frontal, comprovada pela obtenção de pús à punção sinusal. Apesar da intervenção cirúrgica, a dor jamais desapareceu e, há 3 meses, muito se exacerbou, estendendo-se para trás. A dor é contínua, surgindo em crises muito violentas, atingindo o máximo de intensidade nas regiões occipital e cervical esquerdas.

Exame clínico-neurológico - Nada de anormal ao exame clínico dos diferentes aparelhos. A pressão sôbre um ponto equidistante entre a linha mediana posterior e o ápice da apófise mastóide esquerda provoca dor profunda. Exame neurológico completamente negativo.

Tratamento - Estabelecido o diagnóstico de neuralgia occipital de Arnold, foram feitas quatro infiltrações locais. Após a primeira aplicação teve melhoras notáveis, que se acentuaram após as infiltrações seguintes, até o desaparecimento total da dor após a quarta infiltração. Para consolidação do tratamento, serão aplicadas mais 3 ou 4 infiltrações, intervaladas de cinco dis.

Caso 10 - Gert. Halb., com 44 anos de idade, casada, branca, austríaca, prendas domésticas. Examinada no Ambulatório do Serviço de Neurologia do Hospital das Clínicas (Prof. Adherbal Tolosa), em setembro de 1945.

Há um mês, vem sentindo dôres muito violentas, contínuas, na região occipital esquerda. Nada digno de menção para o lado de seus antecedentes pessoais e familiais.

Exame clínico-neurológico - Varizes nos membros inferiores. Taquicardia discreta; bulhas cardíacas normais. Tensão arterial: 120-70 mms. Hg. Dor à compressão do ponto occipital de Arnold. Exame neurológico inteiramente negativo.

Tratamento - Prescrevemos inicialmente injeções intravenosas de Leukotro-pin e cloridrato de tiamina, com que melhorou consideravelmente. Essas melhoras se acentuaram extraordinariamente à primeira aplicação de sulfato de amónio e procaína, para desaparecerem quase totalmente à segunda e terceira infiltrações. A paciente continua em tratamento, apesar de praticamente curada.

COMENTARIOS

Em vista do sucesso do emprego do sulfato de amónio associado àprocaína nos casos que vimos registrar, além de outros casos ainda em tratamento cujos resultados finais publicaremos oportunamente, podemos confirmar a excelência do processo terapêutico de Judovich e Bates. Em dois casos não referidos neste trabalho - um de radicu-lalgia torácica inferior e, outro, de síndrome ciática - não houve influência pela medicação, obrigando a suspendê-la antes de terminada a série. Note-se, todavia, que ambos os pacientes eram portadores de pronunciada psicastenia, sendo muito provável que em sua sintomatologia predominasse forte contingente psicogênico. Por outro lado, em nenhum de nossos casos, houve qualquer ação prejudicial da substância injetada sôbre o tecido nervoso - pelo menos clinicamente - ou sôbreas estruturas vizinhas. Por vezes, após a infiltração troncular ou radicular das fibras do nervo ciático, os pacientes acusavam leves sensações paresté-sicas em formigamento, desacompanhadas de distúrbios da sensibilidade objetiva, na extremidade distai do membro inferior correspondente. Não verificamos qualquer fenômeno parético transitório nos membros inferiores nos primeiros 45 minutos após a infiltração, como foraassinalado por Judovich e Bates.

Para comprovar a inocuidade das soluções empregadas, Judovich e Bates infiltraram diretamente o nervo safeno interno de cobaias, exatni-nando-os depois microscopicamente; verificaram apenas discreta infiltração de plasmócitos que regredia em poucos dias. Assim, a existência prévia de fenêmenos degenerativos, como se observam por vezes em ciáticas antigas, traduzidos por hipoestesias mais ou menos pronunciadas, atrofias musculares, abolição do reflexo aquileu, não constituem contra-indicação para o emprego do método; Judovich e Bates o empregaram, sem maiores inconvenientes, no tratamento das dôresagudas das neu-rites alcoólicas.

Sôbrea duração do efeito das infiltrações, aindanão estamos aptos a emitir opinião, desde que os primeiros casos tratados datam de apenas seis meses. Contudo, não temos conhecimento de qualquer reincidência dos fenômenos dolorosos.

Outra aplicação do sulfato de amónio associado àprocaína que pretendemos tentar oportunamente, refere-se ao bloqueio dos ramos terminaisdo trigêmeo, em casos de neuralgias dêstenervo. Esta aplicação Judovich e Bates ainda não realizaram ou, se o fizeram, não mencionaram em seu trabalho; o capítulo sôbre as neuralgias do trigêmeo dêsse livro é escrito por outro autor, Robert Groff, que preconiza apenas álcool para o bloqueio das terminações do trigêmeo.

Na vigência de qualquer dor deve-se, tanto quanto possível, procurar a causa para orientar a terapêutica. Igual princípio aplica-se às síndromes dolorosas segmentares; entretanto, a causa freqüentemente escapa à nossa observação e pesquisa, obrigando a um tratamento meramente sintomático. Apesar da possibilidade de falhas - eventualidade a que está sujeito qualquer processo terapêutico - acreditamos que o emprego do sulfato de amónio associado à procaína, como o indicaram Judovich e Bates, deve ser, no momento, o tratamento não etiológico de escolha para as neuralgias segmentares rebeldes.

Trabalho apresentado à Secção de Neuro-Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina em 6 setembro 1945. Entregue para publicação em 25 setembro 1945.

Rua Xavier de Toledo 210, 5.° andar, apt. 53 -São Paulo

  • 1
    . Judovich, B. e Bates, W. - Segmental neuralgia in painful syndromes. F. A. Davis, Philadelphia, 1944.
  • 2
    . Wilson, S. A. K. - Neurology. The Williams and Wilkins Co., Baltimore, 1940.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1945
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