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Bernardo Couto

IN MEMORIAM

Perdeu a Neurologia brasileira no final de 1997 um dos seus maiores cultores. O falecimento do Prof. Bernardo Couto, depois de longa e penosa enfermidade, em que foi possível observar-se sua tenacidade e firmeza ao suportar limitações e sofrimentos com grandeza, deixou-nos a nós, neurologistas brasileiros, com profunda tristeza e saudade. O Prof. Bernardo foi figura marcante na formação de inúmeros professores, entre os quais me incluo com orgulho, complemento perfeito que foi à escola do Mestre Deolindo Couto, seu ilustre irmão.

Bernardo Couto nasceu em São Luiz do Maranhão, aonde seu pai o Desembargador Henrique Couto exercia a magistratura. Irmão caçula, Bernardo sempre teve a atenção especial de sua mãe, Sra. Maria Raymunda Couto. Cresceu naquela cidade do nordeste, aprendendo a cultivar o estoicismo e o bom humor do povo nordestino. Veio para o Rio de Janeiro no final da adolescência. Aqui, após brilhante concurso vestibular, ingressou na saudosa Faculdade de Medicina da Praia Vermelha, onde se diplomou, abraçando logo a Neurologia como especialidade. Trabalhou sempre ao lado de Deolindo Couto, primeiramente na Santa Casa de Misericórdia e depois no Instituto de Neurologia da Universidade do Brasil. No Instituto o papel desempenhado por Bernardo foi fundamental. Com sua sólida cultura neurológica formou discípulos, em longas manhãs, no Ambulatório, examinando pacientes, ensinando e discutindo com os jovens médicos os segredos da especialidade. Demais disso, sempre serviu como elemento aglutinador, sanando dificuldades que por vezes surgiam, resultantes do temperamento mais impetuoso do Mestre Deolindo. Inúmeras foram as ocasiões em que o Prof. Bernardo nos convocava a sua sala para conversar, resolver e aparar arestas, enfim mantendo sempre unida e amiga a Escola a que todos com orgulho nos filiávamos.

Em 1960 após ter realizado concursos brilhantes de Livre-Docência, na UFRJ e na UFF, candidatou-se ao concurso para Catedrático de Neurologia da Faculdade de Medicina da UFF. O Concurso foi muito disputado, tendo em vista a excelência do concorrente. Bernardo sagrou-se vencedor, passando a criar naquela Faculdade um núcleo de ensino e pesquisa neurológica de importância, hoje a segunda batuta ­ de Marcos Freitas e Osvaldo Nascimento.

Quando da aposentadoria por implemento de idade do Prof. Deolindo Couto, os docentes-livres à época, redigiram documento para a Congregação da Faculdade de Medicina da UFRJ, no qual declaravam que tendo em vista a excelência do Curriculum vitae do Prof. Bernardo Couto, eles nada tinham a opor a que o mesmo fosse transferido da UFF par a UFRJ. Era o reconhecimento por nós, Docentes-Livres de Neurologia, da elevada categoria profissional de Bernardo Couto. Assim, passou ele a ocupar a Cátedra de Austregésilo e Deolindo Couto, até sua aposentadoria. Após o que, com a abertura do concurso público para sua substituição, submetendo-me às provas, vi-me aprovado e honrado com a responsabilidade de suceder a esta trindade de notáveis.

Em 1978 com a inauguração do Hospital Universitário, Bernardo Couto acumulou as funções de diretor do Instituto de Neurologia e Chefe do Serviço de Neurologia do HU. Foram anos difíceis, em que, tendo sido seu chefe de clínica no HU, pude mais de perto avaliar seu espírito de conciliação, buscando sempre ajudar no desenvolvimento da especialidade no novo Hospital, sem descurar da enorme responsabilidade de manter vivo o Instituto, obra maior de Deolindo Couto. A experiência aurida como Chefe do Serviço de Neurologia da centenária e benemérita Policlínica Geral do Rio de Janeiro certamente contribuiu para o êxito alcançado.

Entre as diversas funções que exercia, sem dúvida a que desempenhava com maior prazer era a de professor. Sua excepcionalidade no mister angariou-lhe repetidas eleições para ser homenageado, paraninfo e patrono dos formandos. No fim de sua vida, já afastado da UFRJ, prosseguiu lecionando na Escola de Medicina da Fundação Souza Marques. Suas aulas, sempre concorridíssimas, eram motivo de deleite para a estudantada. Só parou de lecionar quando o destino, maldoso, trouxe-lhe a enfermidade que suportou, por alguns anos, de forma estóica e resignada, permitindo-me a mim, que me honrou fazendo-me seu médico, a sua mulher e seus filhos, que testemunhássemos a sua última grande lição ­ a da dignidade diante do sofrimento, a da esperança permanente diante das novas possibilidades terapêuticas.

Dos colegas brasileiros recebeu em duas oportunidades o reconhecimento de seu valor e prestígio, eleito que foi Membro Titular da Academia Nacional de Medicina, a mais importante instituição de cultura médica do País, e Presidente da Academia Brasileira de Neurologia, órgão maior dos neurologistas brasileiros.

Após seu falecimento, sua família comunicou-me seu desejo carinhoso ­ o de que sua Biblioteca fosse doada à 25a Enfermaria da Santa Casa de Misericórdia, Serviço que tenho o privilégio de dirigir. Assim, através dos livros em que aprendeu, Bernardo Couto estará imortalizado junto aos que ali comungam, diariamente, dos mesmos elevados ideais da Escola Neurológica dos Couto.

Sérgio Pereira Novis

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2000
  • Data do Fascículo
    Jun 1998
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