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Influência do componente protéico na consolidação de fraturas: trabalho experimental em ratos

Influence of the protein component upon fracture healing: an experimental study in rats

Resumos

Os autores estudaram a influência da nutrição protéica na consolidação de fraturas em 40 ratos Lewis divididos em 4 grupos de 10. Durante 6 semanas os grupos 1, 2 e 3 receberam respectivamente dietas com 0, 19% e 36% de proteínas. O grupo 4 recebeu dieta sem proteínas durante as 2 primeiras semanas e com 36% de proteínas nas 4 semanas seguintes. Foram realizadas fraturas nas tíbias esquerdas ao final de 2 semanas e após 4 semanas das fraturas os animais foram sacrificados para estudo dos calos ósseos. Para a avaliação dos resultados foram utilizadas medidas clínicas, bioquímicas, radiográficas, densitométricas, e histomorfométricas. Concluiu-se que a dieta hiperprotéica alterou a consolidação óssea produzindo um calo maior e mais resistente, mas não alterou a qualidade em concentração de cálcio e em porcentagem a quantidade de tecido ósseo.

Ratos; Desnutrição Proteica; Proteínas na dieta; Proteínas na dieta; Consolidação da fratura; Calo ósseo


The authors investigated the influence of a protein diet on fracture healing in 40 Lewis rats divided into four groups of ten. During 6 weeks, Groups 1, 2 and 3 were fed diets containing, respectively, 0.19% and 36% protein. Group 4 was fed a proteinless diet during the first two weeks and a 36%-protein diet during the next 4 weeks. At two weeks, fractures were performed in the left tibias; all animals were killed 4 weeks later so that the bone calluses could be investigated. Clinical, biochemical, radiographic, densitometry and histomorphometry measurements were performed to evaluate the findings. The conclusion was that the hyperprotein diet altered bone healing by producing a larger, more resistant callus, although it did not change quality as regards calcium levels and the percentage amount of bone tissue.

Rats; Protein malnutrition; Protein in diet; Protein in diet; Fracture healing; Bone callus


ARTIGO ORIGINAL

Influência do componente protéico na consolidação de fraturas: trabalho experimental em ratos

Roberto GuarnieroI; Marcelo Yuji CinagavaII; Paulo José de SantanaIII; Marco Antonio BatistaIII; Luiz Antônio Alcântara de OliveiraIII; Consuelo Junqueira RodriguesIV; Fernando Takao CinagavaV

IProfessor associado da FMUSP

IIMestre pela FMUSP

IIIMédico assistente da FMUEL

IVProfessora associada da FMUSP

VResidente da FMUEL

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência R. João Ramalho, 105, ap24, Vila Quirino de Lima São Bernardo do Campo – SP - CEP 09715-360

RESUMO

Os autores estudaram a influência da nutrição protéica na consolidação de fraturas em 40 ratos Lewis divididos em 4 grupos de 10. Durante 6 semanas os grupos 1, 2 e 3 receberam respectivamente dietas com 0, 19% e 36% de proteínas. O grupo 4 recebeu dieta sem proteínas durante as 2 primeiras semanas e com 36% de proteínas nas 4 semanas seguintes. Foram realizadas fraturas nas tíbias esquerdas ao final de 2 semanas e após 4 semanas das fraturas os animais foram sacrificados para estudo dos calos ósseos. Para a avaliação dos resultados foram utilizadas medidas clínicas, bioquímicas, radiográficas, densitométricas, e histomorfométricas. Concluiu-se que a dieta hiperprotéica alterou a consolidação óssea produzindo um calo maior e mais resistente, mas não alterou a qualidade em concentração de cálcio e em porcentagem a quantidade de tecido ósseo.

Descritores: Ratos; Desnutrição Proteica; Proteínas na dieta/metabolismo; Proteínas na dieta/Uso terapêutico; Consolidação da fratura; Calo ósseo/Metabolismo

INTRODUÇÃO

A consolidação óssea consiste de uma série complexa de eventos celulares que demanda alta taxa de síntese protéica. Vários estudos ressaltam a importância do estado nutricional eutrófico e da dieta com níveis adequados de proteínas para a prevenção e também para a consolidação de fraturas.

Todavia, existem poucos relatos na literatura quanto ao uso de dietas hiperprotéicas e seus efeitos na consolidação óssea.

Este trabalho tem como objetivo verificar se a alimentação com alta concentração de proteínas contribui para o processo de consolidação comparando os resultados com dietas aprotéica e normoprotéica sob as mesmas condições experimentais.

MATERIAL E MÉTODO

Para este estudo foram seguidos todos os conceitos e padrões estabelecidos de ética e moral em respeito aos animais de experimentação(3). Foram utilizados quarenta ratos Lewis (norvegicus, albinus, rodentia, mammalia) do sexo masculino, adultos e hígidos divididos em quatro grupos de dez durante seis semanas de experimento. O grupo 1 recebeu dieta aprotéica(9) , o grupo 2 recebeu dieta normal de laboratório com 19% de proteínas Nuvilab®CRU (Nuvital Nutrientes), o grupo 3 recebeu dieta hiperprotéica com 36% de proteínas Maxi Junior® (Royal Canin) e o grupo 4 recebeu dieta aprotéica por duas semanas e dieta hiperprotéica nas quatro últimas semanas. Em todos os grupos foram oferecidos alimento e água à vontade. A constituição protéica de cada dieta está relatada na Tabela 1.

Com duas semanas de experimento foram produzidas fraturas no terço médio das patas traseiras esquerdas de forma manual, semelhantes quanto ao traço e sem exposição ao meio externo, por um único pesquisador, sob anestesia intraperitoneal de solução composta por cetamina na dose de 40mg/kg e de xilazina, na dose de 5mg/kg(11). Não foi utilizado nenhum tipo de imobilização. Ao final de seis semanas todos os animais foram sacrificados com dose letal de 200mg/Kg de pentobarbital sódico(6).

As seguintes variáveis foram avaliadas ao início, com duas semanas e com seis semanas de experimento: evolução ponderal com balança eletrônica Helmac HM 5000®, dosagem sérica das proteínas totais pelo método do biureto, dosagem sérica da albumina pelo método do verde de bromo-cresol e dosagem sérica de osteocalcina pelo processo de radioimunoensaio com o Kit Elsa-osteo da marca Cis Bio International.

Ao final do experimento o calo ósseo foi avaliado pelos métodos descritos a seguir. Avaliação clínica conforme uma escala de zero a dois(8); foi atribuído grau zero à fratura consolidada, sem mobilidade ao teste manual, grau dois quando ocorreu mobilidade franca e grau um ao padrão intermediário de movimentação. Avaliação do calo ósseo pela área radiográfica, com imagens na posição de perfil com mamógrafo GCE/Siemens, com técnica de 30mA, 25kV e 0,5s de exposição (Figura 2), nas quais a medida planimétrica foi determinada através de cálculo da área vista nos raios-x em mm² através de digitalização da imagem através de captura por scanner sob foco de luz. Avaliação densitométrica no qual foi determinada a medida da densidade mineral óssea dos calos ósseos em densitômetro Lunar DPX-A com software para pequenos animais (Figura 3). Avaliação histomorfométrica pela diferenciação dos tecidos ósseo, fibroso e cartilagíneo do calo ósseo em sistema analisador de imagem Kontron Eletronic 300 em lâminas coradas pelo método de tricloro de Masson (Figura 4). Os testes estatísticos utilizados foram análise de variância e teste T de Student com nível de significância de 0,05. O delineamento experimental está resumido na Figura 1.





RESULTADOS

Os resultados estão descritos na Tabela 2 e na Tabela 3 de acordo com a sua média e os dados estatisticamente significantes estão acompanhados com asterisco.

DISCUSSÃO

Levamos em conta a necessidade de obtermos fraturas as mais semelhantes possíveis, para que ao realizar o estudo experimental elas sejam passíveis de comparação(7), deste modo todas as fraturas foram realizadas por único pesquisador.

Aceitamos que a não imobilização das fraturas experimentais nas tíbias dos ratos não interfere na obtenção da consolidação, como já foi verificado por outros autores(1). Não utilizamos a fixação metálica para permitir uma melhor visualização do desenvolvimento natural do calo ósseo sem preocupações com as alterações oriundas da presença do material de síntese(2,7).

Com relação aos resultados, ao final do estudo verificamos uma diminuição acentuada do peso com a dieta aprotéica e um aumento do peso com a dieta normal até os níveis iniciais. Porém foi com a dieta hiperprotéica que constatamos nos grupos 3 e 4 um aumento significante de massa corporal bem acima do peso inicial. Estes achados são compatíveis com o propósito do experimento e mostram que há o efeito esperado da dieta hiperprotéica com melhor nutrição dos ratos.

Em adição, verificamos que houve uma queda nos níveis de proteínas totais e albumina na dieta aprotéica e um ganho nas dietas hiperprotéicas, mesmo no grupo inicialmente desnutrido. Estes dados fornecem evidências que a maior porcentagem de proteínas oferecida na alimentação melhorou o estado de nutrição dos ratos.

Para a avaliação do metabolismo ósseo mensuramos a osteocalcina, um marcador de formação óssea específico(4). Observamos que ao final das seis semanas de experimento houve um aumento significante dos níveis séricos de osteocalcina para os grupos com dieta protéica e hiperprotéica, correspondendo ao maior metabolismo ósseo encontrado nestes grupos. Com relação ao grupo aprotéico não se obteve alteração significante.

Na análise clínica verificamos que os alimentados com dieta hiperprotéica, grupos 3 e 4, não apresentaram mobilidade no foco de fratura (grau 0) em nove e dez casos respectivamente. Nas amostras dos grupos com dieta normal do grupo 2 obtivemos consolidação franca em seis casos e no grupo 1 de dieta aprotéica não houve consolidação firme, sendo que ocorreu um caso de não consolidação (grau 2) e nove casos de consolidação intermediária. Deste modo, a dieta mais rica em proteínas provocou maior número de tíbias totalmente consolidadas.

Foi nítida na avaliação radiográfica, a diferença entre os resultados médios do calo ósseo, que se apresentaram com uma maior área nas amostras dos grupos dieta hiperprotéica, com diferença significativa quando comparada às amostras dos grupos dieta normal. Isto sugere que há um ganho na quantidade de calo ósseo com a maior oferta nutricional. Nos grupos 1, 2 e 4 não houve diferença significativa com relação à medida planimétrica quando comparados com o grupo de dieta normal.

Os resultados confirmam que há benefício na consolidação das fraturas experimentais com a dieta hiperprotéica se levarmos em conta a avaliação manual das fraturas e a quantidade de calo ósseo formado, isto é, mensurações quantitativas. Ao analisamos qualitativamente os calos ósseos na densitometria não observamos diferença estatisticamente significante entre os grupos. Este achado sugere que a maior resistência óssea observada nos animais se tornou possível mais pela maior quantidade das estruturas orgânicas e não pelo aumento da concentração de minerais. Estes dados também foram comprovados pela avaliação histomorfométrica do calo ósseo com quantidades semelhantes nos quatro grupos em porcentagem de fibrose, cartilagem e osso.

Estamos convencidos que para a fase de formação cartilagínea do calo ósseo na consolidação endocondral faz-se necessário uma maior quantidade de proteínas para a melhor resposta possível. Deste modo uma dieta rica em proteínas nas primeiras fases da consolidação das fraturas tem efeito benéfico. Supomos por analogia que para a última fase da consolidação óssea uma maior quantidade de cálcio e vitamina D resultaria numa melhor ossificação do calo cartilagíneo e abrimos este campo para a pesquisa.

Porém, ressaltamos que a dieta hiperprotéica não deve ser administrada por longo período de tempo porque uma quantidade excessiva de proteínas pode levar à excreção aumentada de cálcio e em alguns casos até à insuficiência renal. Isto pode acarretar em uma maior incidência de fraturas nos indivíduos que tomam como hábito uma dieta hiperprotéica(5,10).

Observamos neste trabalho que uma dieta hiperprotéica auxilia a consolidação óssea em ratos e sugerimos estudos clínicos em humanos para a utilização da dieta hiperprotéica na prática diária do ortopedista.

CONCLUSÃO

A dieta hiperprotéica favorece a consolidação de fraturas experimentais em ratos pela melhora da quantidade orgânica do calo ósseo.

Trabalho recebido em 09/04/2003

Aprovado em 20/07/2003

Trabalho realizado no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e na Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Londrina (FMUEL)

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  • E
    ndereço para correspondência
    R. João Ramalho, 105, ap24, Vila Quirino de Lima
    São Bernardo do Campo – SP - CEP 09715-360
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      20 Jul 2003
    • Recebido
      09 Abr 2003
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