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Protocolo para avaliação da síndrome de abstinência alcoólica por profissionais de enfermagem nos serviços de urgência: teste piloto

Resumos

OBJETIVOS: Relatar a experiência piloto em quatro serviços públicos com pronto-atendimento (um hospitalar e três comunitários) na cidade de Ribeirão Preto- São Paulo, para testar um protocolo de avaliação da Síndrome de Abstinência Alcoólica entre os auxiliares, técnicos e eventuais enfermeiros, e avaliar o potencial do formulário como guia norteador do cuidado de enfermagem, bem como a adequação do mesmo em termos de compreensão e aplicabilidade. MÉTODOS: Construiu-se, um protocolo para ser aplicado por profissionais de enfermagem, baseado no Clinical Institute Withdrawal Assessment e na vivência em serviços hospitalar e comunitário, contendo alterações que o paciente apresenta. Cinquenta e nove funcionários testaram o protocolo durante quatro meses. RESULTADOS: Sessenta e oito pacientes (21 mulheres e 47 homens), com idade média entre 34 e 40 anos, foram entrevistados e o álcool predominou como droga de uso (90%) num padrão diário em ambos os sexos. O protocolo colabora na sistematização da assistência, facilitando o cuidado (42,4%), como roteiro de orientação (30,5%) e atualização profissional pelas informações (25,4%) e explicações sobre doença (23,7). CONCLUSÕES: A experiência positiva identificou a carência de conhecimentos relativos à Síndrome de Abstinência Alcoólica, porém, evidenciou o interesse desses trabalhadores em aprender.

Alcoolismo; Síndrome de abstinência a substâncias; Cuidados de enfermagem


OBJECTIVES: This work speaks of a pilot test administered in four public services with emergency care (one at a hospital and three at community clinics) in the city of Ribeirão Preto, São Paulo, to test an assessment protocol for Alcohol Withdrawal Syndrome. Involved were auxiliaries, technicians and soon-to-be-nurses. The object was to evaluate the protocol´s potential as a guide to nursing care, and to test whether it was adequate in terms of comprehension and applicability. METHODS: A protocol based on the Clinical Institute Withdrawal Assessment was constructed to be applied by nursing professionals in hospitals and community clinics, allowing for possible alterations based upon individual patients. Fifty-nine workers tested the protocol over four months. RESULTS: Sixty-eight patients (21 women and 47 men), with average age between 34 and 40 years, were interviewed. Alcohol was the predominant drug of use (90%) on a daily average between both sexes. The protocol was designed to systematize health care. Among its purposes were: to facilitate care (42.4%); provide a script for faster orientation (30.5%); provide information giving professional updates (25.4%); provide explanations regarding the particular sickness (23.7). CONCLUSIONS: The experience was positive, identifying a lack of knowledge about Alcohol Withdrawal Syndrome. However, an interest to learn more on the subject became evident among workers.

Alcoholism; Substance withdrawal syndrome; Nursing care


OBJETIVOS: Relatar la experiencia piloto en cuatro servicios públicos con servicios de emergencia (uno hospitalario y tres comunitarios) en la ciudad de Ribeirão Preto- Sao Paulo, para probar un protocolo de evaluación del Síndrome de Abstinencia Alcohólica entre los auxiliares, técnicos y eventuales enfermeros, y evaluar el potencial del formulario como guía orientadora del cuidado de enfermería, asi como la adecuación del mismo en términos de comprensión y aplicabilidad. MÉTODOS: Se construyó, un protocolo para ser aplicado por profesionales de enfermería, basado en el Clinical Institute Withdrawal Assessment y en la vivencia en servicios hospitalarios y comunitarios, conteniendo alteraciones que el paciente presenta. Cincuenta y nueve funcionarios testaron el protocolo durante cuatro meses. RESULTADOS: Sesenta y ocho pacientes (21 mujeres y 47 hombres), con edad promedio entre 34 y 40 años, fueron entrevistados y el alcohol predominó como droga de uso (90%) en un patrón diario en ambos sexos. El protocolo colabora en la sistematización de la asistencia, facilitando el cuidado (42,4%), como guía de orientación (30,5%) y actualización profesional por las informaciones (25,4%) y explicaciones sobre enfermedad (23,7). CONCLUSIONES: La experiencia positiva permitió identificar la carencia de conocimientos relativos al Síndrome de Abstinencia Alcohólica, sin embargo, reflejó el interés de esos trabajadores para aprender.

Alcoholismo; Síndrome de abstinencia a sustancias; Cuidados de enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Protocolo para avaliação da síndrome de abstinência alcoólica por profissionais de enfermagem nos serviços de urgência: teste piloto*

Protocolo para evaluación del síndrome de abstinencia alcohólica por profesionales de enfermería en los servicios de emergencias: test piloto

Margarita Antonia Villar LuisI; Ana Carolina Fuza LunettaII; Paulo Sérgio FerreiraIII

IProfessora Titular do Departamento de Psiquiatria e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIAcadêmica de enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIITécnico de Laboratório do Departamento de Psiquiatria e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

Autor Correspondente

RESUMO

OBJETIVOS: Relatar a experiência piloto em quatro serviços públicos com pronto-atendimento (um hospitalar e três comunitários) na cidade de Ribeirão Preto- São Paulo, para testar um protocolo de avaliação da Síndrome de Abstinência Alcoólica entre os auxiliares, técnicos e eventuais enfermeiros, e avaliar o potencial do formulário como guia norteador do cuidado de enfermagem, bem como a adequação do mesmo em termos de compreensão e aplicabilidade.

MÉTODOS: Construiu-se, um protocolo para ser aplicado por profissionais de enfermagem, baseado no Clinical Institute Withdrawal Assessment e na vivência em serviços hospitalar e comunitário, contendo alterações que o paciente apresenta. Cinquenta e nove funcionários testaram o protocolo durante quatro meses.

RESULTADOS: Sessenta e oito pacientes (21 mulheres e 47 homens), com idade média entre 34 e 40 anos, foram entrevistados e o álcool predominou como droga de uso (90%) num padrão diário em ambos os sexos. O protocolo colabora na sistematização da assistência, facilitando o cuidado (42,4%), como roteiro de orientação (30,5%) e atualização profissional pelas informações (25,4%) e explicações sobre doença (23,7).

CONCLUSÕES: A experiência positiva identificou a carência de conhecimentos relativos à Síndrome de Abstinência Alcoólica, porém, evidenciou o interesse desses trabalhadores em aprender.

Descritores: Alcoolismo/enfermagem; Síndrome de abstinência a substâncias; Cuidados de enfermagem

RESUMEN

OBJETIVOS: Relatar la experiencia piloto en cuatro servicios públicos con servicios de emergencia (uno hospitalario y tres comunitarios) en la ciudad de Ribeirão Preto- Sao Paulo, para probar un protocolo de evaluación del Síndrome de Abstinencia Alcohólica entre los auxiliares, técnicos y eventuales enfermeros, y evaluar el potencial del formulario como guía orientadora del cuidado de enfermería, asi como la adecuación del mismo en términos de comprensión y aplicabilidad.

MÉTODOS: Se construyó, un protocolo para ser aplicado por profesionales de enfermería, basado en el Clinical Institute Withdrawal Assessment y en la vivencia en servicios hospitalarios y comunitarios, conteniendo alteraciones que el paciente presenta. Cincuenta y nueve funcionarios testaron el protocolo durante cuatro meses.

RESULTADOS: Sesenta y ocho pacientes (21 mujeres y 47 hombres), con edad promedio entre 34 y 40 años, fueron entrevistados y el alcohol predominó como droga de uso (90%) en un patrón diario en ambos sexos. El protocolo colabora en la sistematización de la asistencia, facilitando el cuidado (42,4%), como guía de orientación (30,5%) y actualización profesional por las informaciones (25,4%) y explicaciones sobre enfermedad (23,7).

CONCLUSIONES: La experiencia positiva permitió identificar la carencia de conocimientos relativos al Síndrome de Abstinencia Alcohólica, sin embargo, reflejó el interés de esos trabajadores para aprender.

Descriptores: Alcoholismo/enfermería; Síndrome de abstinencia a sustancias; Cuidados de enfermería

INTRODUÇÃO

O abuso de álcool é um comportamento que promove o desencadear de vários problemas que afetam a saúde da pessoa, o seu relacionamento com outros e a sociedade de maneira geral, e especificamente porque favorece a instalação da dependência; constitui um problema de saúde que pode ser encarado como uma condição que varia ao longo de um continuum, que se inicia com o uso nocivo e vai progredindo em direção à dependência, com vários níveis de severidade.

A dependência do álcool, ainda hoje denominada alcoolismo, embora esse termo tenha sido substituído na 9ª revisão da Classificação Internacional de Doenças por Síndrome de Dependência do Álcool(1), não é uma doença nos moldes aplicáveis ao modelo médico, e há, inclusive, argumentos que questionam esse enquadramento(2). O fato é que não constitui um evento estático definido em termos absolutos, é um distúrbio que vai se conformando ao longo da vida.

Trata-se de um problema que atinge 10% a 12% da população mundial, acomete indivíduos de várias faixas etárias e de ambos os sexos, embora os dados indiquem uma prevalência maior no sexo masculino(3-4). De acordo com dados publicados em 2000, o álcool está em 5° lugar, e contribui com 4,0% do total. A mesma fonte prevê que ele permanecerá no alto da lista nos próximos anos, pois a despeito do nível de consumo de álcool haver diminuído nos países desenvolvidos, aumentou no grupo que compunha a União Soviética e nos países em desenvolvimento(3).

No Brasil, estudo domiciliar realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas(5) (CEBRID), em 107 cidades com mais de 200.000 mil habitantes (representando 27,7% do total do país), mostrou uma prevalência do uso de álcool de 11,2% (17,1% para os homens e 5,7% para as mulheres). Sendo que nas Regiões Norte e Nordeste a prevalência atingiu percentagens acima de 16%, com o agravante de ter identificado a dependência do álcool em 5,2% dos adolescentes com idades entre 12 e 17 anos, sendo que nessas regiões esse índice situou-se próximo dos 9%(5).

Para muitos indivíduos com um grau significativo de dependência, após atingirem o nível físico, pode aparecer um conjunto de sintomas orgânicos e psíquicos, que caracterizam a chamada Síndrome de Abstinência Alcoólica. Esta é desencadeada pela cessação ou redução do consumo de bebida alcoólica ou até mesmo por existir um nível de tolerância tão significativo, que o organismo não consegue consumir as doses suficientes para evitar a abstinência(6).

A maioria dos dependentes (70% a 90%) apresenta uma síndrome de abstinência, entre leve e moderada, que se caracteriza por episódios de cefaléia, náuseas, sensibilidade visual, tremores finos de extremidades, além de insônia, agitação e inquietação psicomotora. Alguns (5%) enfrentarão uma síndrome de abstinência grave com a exacerbação dos sintomas descritos, agravados por distúrbios de sensopercepção e inclusive, com o aparecimento de crises convulsivas (3% dos casos). Esse quadro caracteriza o Delirium Tremens, condição grave cuja mortalidade varia em torno de 1% a 5%(7-9). A síndrome de abstinência é autolimitada e dura em média de 7 a 10 dias, sendo que seus sintomas surgem, geralmente, entre 24 e 36 horas, podendo variar esse período entre 6 e 72 horas(8,10-11).

Nos Estados Unidos, estima-se que apenas 10% a 20% dos pacientes com Síndrome de Abstinência Alcoólica sejam internados para receber tratamento, considerando-se que há um grande número de norte-americanos vivendo nessa situação, a cada ano, sem receber tratamento específico, isto no país onde se concentram os maiores grupos de estudos sobre substâncias psicoativas(10).

Em Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, os estudos sobre o uso de álcool foram iniciados com investigação epidemiológica(12) realizada na década de sessenta, sendo o alcoolismo o responsável por 13% das internações de um total de 18.410. Havendo no último ano (1962) do período estudado, uma prevalência de 17% e 10% para o sexo masculino e feminino, respectivamente, na categoria bebedor excessivo e 13,6% de bebedores patológicos homens.

Estudos posteriores realizados na década de 90 no setor de urgências psiquiátricas de hospital para atendimento regional às emergências médicas, mostraram que 20% dos pacientes atendidos no período de 1988 a 1990 tinham diagnósticos relacionados ao álcool e dentre eles o predominante foi a síndrome de abstinência(13-14).

Trabalho subseqüente abrangeu, os anos de 1988 a 1993, e constatou que de um total de 12.573 atendimentos, 41,2% relacionavam-se ao álcool sendo que 30,5% desses apresentavam co-morbidade com transtornos psiquiátricos e ou clínicos. Foi verificado ainda que dos 3.977 pacientes com diagnósticos relacionados ao uso de álcool, 49,7% apresentavam síndrome de abstinência alcoólica e 37% psicose alcoólica(15). Outros estudos relativos à década de noventa no mesmo local, circunscritos a períodos menores (meses), com o propósito de caracterizar a população atendida(16-17), identificaram a síndrome de abstinência alcoólica entre os diagnósticos predominantes (33%).

Os estudos realizados no município de Ribeirão Preto, embora não se prestem a comparações, devido à utilização de procedimentos metodológicos diferentes (local, população, amostragem e outros) revelam uma ocorrência elevada de casos relacionados ao álcool, principalmente nas emergências, fato que tem se mantido ao longo de décadas. Tais pesquisas inclusive evidenciam a Síndrome de Abstinência Alcoólica como prioridade que pode estar se repetindo em outros serviços de pronto atendimento.

No Brasil, não foram encontrados estudos publicados sobre os atendimentos ou os pacientes atendidos em serviços de urgência ou pronto atendimento (hospitalar) com diagnósticos relacionados ao álcool. E, com base nos citados, apesar de suas possíveis limitações, percebe-se que a síndrome de abstinência alcoólica desponta como a condição atendida com maior freqüência pelas equipes médica e de enfermagem.

Os dados por si só indicam a gravidade da situação e a necessidade de programar estratégias para minimizar, prevenir e tratar os problemas devidos ao uso abusivo de álcool. Cabe, principalmente, aos profissionais da saúde investigar as indicações sugestivas desses problemas em todos os clientes sob sua responsabilidade, pois o diagnóstico precoce melhora o prognóstico(7) dos acometidos.

Apesar do impacto do álcool na morbi-mortalidade da população, os profissionais de enfermagem continuam recebendo pouca ou nenhuma informação e treinamento nas questões relativas ao uso de álcool, o que pode estar entre os fatores que levam o enfermeiro a situar os problemas de saúde relacionados a essa substância, num nível inferior na sua lista de prioridades(18-20). Entretanto, desde o final da década de 90 há uma movimentação, no meio acadêmico e profissional, no sentido de enfatizar o tema álcool e drogas, motivada pela influência de associações científicas com a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, pelas políticas governamentais do Brasil e pelo desenvolvimento de programas e projetos subsidiados por órgãos vinculados ao governo federal (Secretaria Nacional Antidrogas, Ministério da Saúde) e organização internacional - Comissão Interamericana para o controle do Abuso de Drogas da Organização dos Estados Unidos (CICAD/OEA), para o desenvolvimento de pesquisas e formação de recursos humanos.

A situação de desconhecimento e despreparo não é exclusiva dos enfermeiros(20), todavia, ele e sua equipe são os que permanecem por mais tempo nos serviços, portanto, podem estabelecer as "pontes" com o intuito de promover vínculos entre os demais profissionais e os pacientes, e ter uma apreciação mais integral do seu estado e evolução, inclusive nos serviços de emergência.

Na realidade do trabalho do enfermeiro, de maneira geral e especificamente nos serviços dessa natureza, observa-se a predominância do pessoal de enfermagem de enfermagem, isto desperta um questionamento: que preparo específico tem esse grupo para atender aos pacientes usuários de álcool? Sendo que, freqüentemente, são os primeiros a recebê-los, antes ou após a triagem médica.

Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho foi relatar uma experiência piloto em quatro serviços públicos com pronto-atendimento (um hospitalar e três comunitários) na cidade de Ribeirão Preto - SP, para testar um protocolo de avaliação da Síndrome de Abstinência Alcoólica (SAA) entre os auxiliares e técnicos de enfermagem e eventuais enfermeiros. Também, se objetivou avaliar o potencial do formulário como guia norteador do cuidado de enfermagem, bem como a adequação do mesmo em termos de compreensão e aplicabilidade.

MÉTODOS

O instrumento (protocolo de avaliação da SAA) foi baseado na escala Clinical Institute Withdrawal Assessment for Alcohol, Revised (o qual orienta a avaliação quanto à gravidade da SAA e a necessidade de administração de medicamentos)(21), além dos sinais e sintomas encontrados na Síndrome de Abstinência e Delirium Tremens. Foram acrescentados itens sobre características gerais dos pacientes, droga utilizada e o padrão de consumo da mesma, informações adicionais sobre os acompanhantes, e ainda, questões referentes à contribuição do protocolo em relação à sistematização da assistência de enfermagem e para atualização do conhecimento do pessoal de enfermagem sobre o uso e o usuário de substâncias psicoativas.

Primeiramente, o projeto de pesquisa amplo do qual este é uma parte, foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. A aprovação do projeto permitiu desenvolver esta pesquisa, realizando-se o teste piloto e a aplicação do protocolo definitivo para avaliação da SAA. Todos aqueles que participaram da pesquisa assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A pesquisa ocorreu durante os meses de novembro de 2005 a fevereiro de 2006, em quatro serviços com pronto-atendimento (um hospitalar e três comunitários), abrangendo uma amostra de 59 funcionários, os quais aceitaram participar, sendo que destes, 52 eram auxiliares de enfermagem 4 eram enfermeiros e 3 eram técnicos de enfermagem. Os funcionários dos serviços de saúde, pertencentes aos três turnos de trabalho foram orientados quanto ao uso do protocolo e foi ressaltada a importância de sua participação. Durante os meses desse teste foram realizadas diversas visitas aos serviços e em horários diferentes para acompanhar a aplicação do instrumento pelos participantes. No total, o protocolo foi aplicado a 68 pacientes (21 mulheres e 47 homens): 23 com diagnóstico de SAA, 39 com SAA e intoxicação alcoólica, e 9 com intoxicação alcoólica.

Em seguida, os protocolos preenchidos foram separados conforme o serviço de pronto-atendimento (hospitalar ou comunitário). Também foram separados conforme a substância utilizada, a freqüência do uso e o sexo dos pacientes, a fim de possibilitar uma melhor caracterização dos atendidos. A segunda fase da análise foi qualitativa, incluindo a leitura das respostas dos funcionários, identificando-se os trechos referentes ao potencial do protocolo para a sistematização da assistência de enfermagem e para outros possíveis itens sobre o uso e o usuário de substâncias psicoativas. A análise temática(22) permitiu o agrupamento de todo material.

Cabe ressaltar que em termos de conteúdo não houve diferenças significativas entre os protocolos preenchidos pelos enfermeiros, técnicos ou auxiliares de enfermagem. Foram, então, agrupados os dados e elaboradas tabelas, permitindo a mensuração e freqüência das ocorrências, para a apresentação dos resultados.

RESULTADOS

No serviço de pronto-atendimento hospitalar (Tabela 1), foram atendidos, pelos funcionários participantes do estudo, 23 pacientes, dos quais dez (42,5%) eram mulheres, com idade média de 33 anos; e 13(56,5%) eram homens, com média de idade de 40 anos. A droga mais consumida neste grupo foi o álcool, atingindo 70% das mulheres e 100% dos homens, aparecendo ainda, em uso isolado ou em associação com maconha (dois homens), cocaína (uma mulher) e crack (dois homens). Ressalta-se também o consumo abusivo de medicamentos entre o sexo feminino, o qual ocorreu em três casos. O padrão de consumo alcoólico diário (em associação ou não com outras substâncias psicoativas) informado foi de 50% para as mulheres e 53,9% para os homens. Dentre essa amostra, 30,5% delas e 15% deles relataram tentativas de suicídio.

Tabela 1
- Caracterização dos pacientes atendidos através do protocolo de avaliação da SAA, quanto à substância utilizada, freqüência de uso e sexo: Serviço de Pronto-Atendimento hospitalar.

Nos serviços de pronto-atendimento comunitário (Tabela 2), a amostra de pacientes foi de 45 indivíduos, sendo 11 (24,4%) mulheres, com idade média de 34 anos, e 34 (75,6%) homens, com idade média de 38 anos. Nesse grupo, o álcool também se apresentou como droga predominante, consumida por 100% das mulheres e homens atendidos. Também houve associações com outras drogas: maconha (um caso) e crack (um caso), ambos entre os homens. O uso diário foi relatado entre 54,5% das mulheres e 58,8% dos homens, os quais informaram consumo variado de seis copos a um litro entre as mulheres, e três/quatro copos a um litro entre os homens. Os que já haviam tentado suicídio eram 36,4% das mulheres (quatro casos) e 29,4% dos homens (dez casos).

Tabela 2
- Caracterização dos pacientes atendidos através do protocolo de avaliação da SAA, quanto à substância utilizada, freqüência de uso e sexo: Serviço de Pronto-Atendimento Comunitários.

Embora o usuário do serviço não tenha sido o objetivo principal do trabalho, considerou-se importante fornecer algumas características da clientela atendida pelos serviços de saúde, revelando, então, o contexto de cuidado em que a equipe de enfermagem atua. Os dados dos pacientes, nos quais o protocolo foi utilizado, mostram que a idade média de ambos os sexos foi semelhante nos serviços hospitalar e comunitários, porém, verificou-se que foram atendidos mais homens (75,6%) do que mulheres nos serviços comunitários, enquanto que no hospitalar a diferença foi mínima (56,5% homens e 42,5% mulheres). A média do relato de uso diário foi de 52,8% entre todos os atendidos nos serviços, entretanto, destaca-se o serviço comunitário com 61,8% de homens atendidos com esse relato de uso. Observou-se também que a taxa de tentativa de suicídio entre as mulheres foi muito próxima (30,5% no hospitalar e 37% nos comunitários); entre os homens foi quase duas vezes maior no serviços comunitários (29%) quando comparada ao hospitalar (15%). Quanto ao consumo de medicamentos sem prescrição foi relatado apenas no serviço de pronto atendimento hospitalar por três mulheres .

A respeito da avaliação do protocolo, os funcionários identificaram seu potencial de ajuda na sistematização da assistência de enfermagem (Tabela 3), e notou-se que predominou o tema "cuidar", pois 42,4% deles descreveram sobre "facilitar ou contribuir para o cuidado"; Outros 30,5% consideraram o protocolo como roteiro orientador da atenção profissional, que ajudou a conhecer melhor o paciente, pois auxiliou na definição do perfil do mesmo, como guia norteador da observação e percepção. Os demais, 16,9% responderam afirmativamente sobre o potencial do protocolo. Ressalta-se que para dois funcionários (3,4%) o protocolo ajudou na melhora do seu entendimento em relação ao alcoolismo, e na visão que tinham sobre o usuário.

Tabela 3
Afirmação dos respondentes sobre o potencial do protocolo para a sistematização da assistência de enfermagem.

Tabela 4 Afirmações dos respondentes sobre o potencial do protocolo para ajudar na atualização profissional.

Os dados forneceram ainda, a opinião dos participantes sobre o potencial do protocolo para a atualização profissional (Tabela 4). Observa-se que alguns conteúdos são específicos, embora 39% dos participantes tenham respondido afirmativamente sem especificar. As respostas sobre os itens "fornece informações que ajudam no cuidado" e "ajuda no cuidado", por apresentar um roteiro de sinais e sintomas foram 25,4% e 23,7%, respectivamente. Destaca-se que 8,4% deram sugestões ao protocolo, tais como resumi-lo e fechar as questões, e que o protocolo de identificação da Síndrome de Abstinência Alcoólica venha acompanhado de um protocolo de intervenções.

DISCUSSÃO

Os estudos produzidos pela área de enfermagem abordando direta ou indiretamente, o tema álcool e outras drogas tiveram um incremento considerável a partir de 2000; neles incluem-se os centrados nas percepções, opiniões e atitudes dos enfermeiros e estudantes de enfermagem sobre o uso de álcool, álcool e outras drogas psicoativas, o usuário e às doenças relacionadas ao consumo(23).

Sobre o conhecimento específico oferecido na graduação em enfermagem, estudo realizado no final dos anos 90(18), evidenciou, dentre outros, que álcool e drogas não eram prioridades na formação do enfermeiro. Investigações mais recentes, avaliando o conhecimento adquirido pelos graduandos de enfermagem, mostram que mesmo recebendo alguns conteúdos específicos, eles ainda tinham problemas para estabelecer relacionamento interpessoal com o dependente(24-25). Portanto, a pesquisa sobre a educação do enfermeiro no tema álcool e drogas psicoativas está longe de ser uma questão concluída.

Com as investigações priorizando estudantes e profissionais de enfermagem de nível superior, houve uma omissão no tocante ao grupo dos profissionais de nível médio, que no presente trabalho, mostrou necessidade de conhecimentos sobre dependência química.

Com a aplicação do protocolo nos locais que atendem com maior freqüência os dependentes e usuários abusivos de álcool e outras drogas, constatou-se que são eles os principais prestadores de cuidados ao paciente em síndrome de abstinência e intoxicação alcoólica. A apresentação de dados sobre os pacientes atendidos com o uso do protocolo mostrou o contexto de trabalho desses funcionários, identificando a clientela que recebem e cuidam.

Verificou-se nos locais de atuação dos participantes, um índice de uso de álcool preocupante, principalmente entre os homens. Tal dado indica a necessidade do preparo adequado do grupo de enfermagem, não só para a realização de intervenções específicas como também para orientar a população usuária dos serviços quanto à sua vulnerabilidade para desenvolver quadros clínicos de dependência e/ou suas conseqüências.

Quanto à avaliação do protocolo pela amostra dos participantes, percebeu-se que 90% deles consideraram seu potencial positivo para a sistematização da assistência, principalmente por fornecer informações que desconheciam (sinais, sintomas, problemas), sendo um guia que orientou a identificação de necessidades e a atenção de enfermagem. Da mesma forma, o protocolo foi sentido por 88,4% deles como instrumento, com potencial para ajudar na sua atualização profissional, pelo motivo já citado, pois os conteúdos do protocolo foram explicativos em relação à doença e estimularam a procura de mais conhecimentos. Segundo o exposto, o grupo conseguiu entender e aplicar o protocolo no seu meio de trabalho e ainda percebê-lo como instrumento auxiliar no cuidado de enfermagem.

CONCLUSÕES

Os dados da amostra de usuários em que foi aplicado o protocolo confirmam que o uso de álcool está presente nos serviços de saúde comunitários tanto quanto nos especializados, de tal forma que é um problema de saúde pública, ao qual a equipe de enfermagem e os demais profissionais da área estão expostos com freqüência.

De maneira geral, constatou-se que o protocolo foi percebido como um instrumento de utilidade, posto que a grande maioria dos participantes identificou seus aspectos positivos, especialmente, como roteiro para identificação de necessidades dos usuários de álcool, informando sobre possíveis sinais e sintomas. Por isso, apareceu como um instrumento de ajuda no cuidado, dirigindo a atenção dos auxiliares para as manifestações em que devem concentrar sua atuação profissional. Talvez por essa razão, dois dos participantes sugeriram que o protocolo deveria vir acompanhado de outro com a intervenção específica. Aparentemente, com ele haveria a confirmação de que seu procedimento perante a situação vivenciada estaria adequado.

Com base nesse achado, considera-se a presente experiência válida, pois identificou a carência de conhecimentos relativos às manifestações do uso abusivo de álcool, particularmente as da Síndrome de Abstinência Alcoólica. Também evidenciou a existência de receptividade desses trabalhadores de saúde para aprender e incorporar conhecimento específico, ao manifestar que o protocolo poderia colaborar no cuidado ao cliente, e conseqüentemente, no oferecimento de uma assistência mais qualificada. Pode-se inferir através dos registros dos participantes, que eles ficaram mais sensibilizados para o atendimento dos usuários de álcool, pois perceberam através da aplicação do protocolo que eles podem apresenta alterações físicas e psíquicas graves, que exigem prontidão no atendimento.

Para os pesquisadores, esta experiência propiciou dados importantes sobre o protocolo construído e sobre o grupo de trabalhadores que poderá utilizá-lo. Tais informações serão incorporadas no aprimoramento do protocolo e nos desdobramentos de projeto de investigação, do qual este trabalho é apenas uma etapa.

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  • Corresponding Author:
    Margarita Antonia Villar Luis
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      15 Maio 2007
    • Recebido
      16 Mar 2007
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