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Prevalência de interações medicamentosas em unidades de terapia intensiva no Brasil

Resumos

OBJETIVO: Determinar a prevalência de interações medicamentosas em unidades de terapia intensiva e analisar a significância clínica das interações identificadas. MÉTODOS: Estudo multicêntrico, transversal e retrospectivo desenvolvido com 1124 pacientes em sete unidades de terapia intensiva (UTI) de hospitais de ensino no Brasil. As informações sobre os medicamentos administrados com 24 horas e 120 horas de internação foram obtidas nas prescrições. RESULTADOS: Em 24 horas 70,6% dos pacientes apresentaram pelo menos uma interação medicamentosa. O número de interações medicamentosas detectadas em 24 horas foi 2299 e em 120 horas foi 2619. Midazolam, fentanil, fenitoína e omeprazol foram os fármacos com maior frequência de interações medicamentosas. CONCLUSÃO: Nesta amostra, interações medicamentosas moderadas e graves foram mais prevalentes. Diante desses resultados, todas as ações dos profissionais de saúde que prestam assistência ao paciente devem ser integradas visando identificar e prevenir possíveis eventos a medicamentos.

Enfermagem; Enfermagem prática; Cuidados de enfermagem; Interações de medicamentos; Unidades de terapia intensiva


OBJECTIVE: To determine the prevalence of drug interactions in intensive care units and to analyze the clinical significance of interactions identified. METHODS: A multicenter, retrospective and cross sectional study conducted with 1124 patients in the seven intensive care units of teaching hospitals in Brazil. Information on drugs administered at 24 hours and 120 hours of hospitalization was obtained from the prescriptions. RESULTS: Within 24 hours, 70.6% of patients had at least one drug interaction; the number at 24h was 2299, at 120 h it was 2619. Midazolam, fentanyl, phenytoin and omeprazole were the drugs with higher frequency of drug interactions. CONCLUSION: In this sample, moderate and severe drug interactions were more prevalent. In light of these findings, all actions of health professionals who provide care to these patients must be integrated in order to identify and prevent possible drug events.

Nursing; Nursing practice; Nursing care; Drug interactions; Intensive care units


ARTIGO ORIGINAL

Prevalência de interações medicamentosas em unidades de terapia intensiva no Brasil

Rhanna Emanuela Fontenele Lima de CarvalhoI; Adriano Max Moreira ReisII; Leila Márcia Pereira de FariaI; Karine Santana de Azevedo ZagoIII; Silvia Helena De Bortoli CassianiI

IUniversidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil

IIUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

IIIUniversidade Federal de Uberlândia, Uberlândia , MG, Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Adriano Max Moreira Reis Avenida Antônio Carlos, 6627, Pampulha Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 31270-901 amreis@farmacia.ufmg.br

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a prevalência de interações medicamentosas em unidades de terapia intensiva e analisar a significância clínica das interações identificadas.

MÉTODOS: Estudo multicêntrico, transversal e retrospectivo desenvolvido com 1124 pacientes em sete unidades de terapia intensiva (UTI) de hospitais de ensino no Brasil. As informações sobre os medicamentos administrados com 24 horas e 120 horas de internação foram obtidas nas prescrições.

RESULTADOS: Em 24 horas 70,6% dos pacientes apresentaram pelo menos uma interação medicamentosa. O número de interações medicamentosas detectadas em 24 horas foi 2299 e em 120 horas foi 2619. Midazolam, fentanil, fenitoína e omeprazol foram os fármacos com maior frequência de interações medicamentosas.

CONCLUSÃO: Nesta amostra, interações medicamentosas moderadas e graves foram mais prevalentes. Diante desses resultados, todas as ações dos profissionais de saúde que prestam assistência ao paciente devem ser integradas visando identificar e prevenir possíveis eventos a medicamentos.

Descritores: Enfermagem; Enfermagem prática; Cuidados de enfermagem; Interações de medicamentos; Unidades de terapia intensiva

Introdução

Os pacientes de unidades de terapia intensiva (UTI) apresentam maior risco de desenvolver interações medicamentosas (IM) que os pacientes de outras unidades. Além do risco atribuído aos múltiplos medicamentos, há o risco resultante da gravidade da doença e da falência de órgãos. Estudos mostraram uma correlação positiva entre múltiplos medicamentos diferentes e IM. Interações medicamentosas contribuem para a incidência de reações adversas em UTI e frequentemente constitui uma complicação não reconhecida da farmacoterapia. As IM podem ser benéficas ou nocivas, dependendo de vários fatores ligados ao medicamento, ao paciente ou às condições de utilização dos medicamentos.(1) Interações benéficas, ou desejáveis, têm por objetivo tratar doenças concomitantes, reduzir efeitos adversos, incrementar a eficiência ou permitir a redução da dose. Por outro lado, as interações nocivas são as que determinam redução do efeito ou resultados contrários aos esperados, aumento na incidência ou no perfil de reações adversas e no custo da terapêutica, sem incremento no benefício terapêutico.(2)

A prevalência de potenciais interações medicamentosas em unidade de terapia detectada em estudos observacionais variou de 44,3 a 86%.(3-4) Na literatura pesquisada, a prevalência de interações fármaco-nutrição enteral não foi identificada.

Os pacientes de UTI apresentam além do risco atribuído aos múltiplos medicamentos, muitas vezes administrados simultaneamente, um risco devido à gravidade das doenças e à falência de órgãos. Mudanças no volume de distribuição dos medicamentos e de outros fatores farmacocinéticos que também contribuem para reduzir a segurança dos medicamentos nesses pacientes. A atividade do citocromo P450 e o efeito da glicoproteína P são determinantes de importantes processos farmacocinéticos de um número significativo de fármacos e estão envolvidas nos mecanismos de interações clinicamente importantes em UTI. Além do risco das interações fármaco-fármaco, os pacientes de unidades de terapia intensiva apresentam maior predisposição as interações fármaco-nutriente. Devido ao quadro clínico grave, estes pacientes recebem alimentação por meio de sondas nasoentéricas, nasogástricas ou ostomias. No entanto, estes dispositivos não são utilizados somente para administração de medicamentos, muitas vezes são empregados também para administração de medicamentos. A consequência dessa prática é o risco de eventos adversos como: obstrução da sonda, incompatibilidades físico-químicas e potenciais interações fármaco-nutriente.(5)

O conhecimento dos profissionais de saúde, principalmente prescritores, sobre IM pode auxiliar na predição das mesmas e minimizar o impacto negativo por meio da monitorização adequada, quando a combinação for inevitável. Essa atitude da equipe de saúde contribui para a otimização e segurança da farmacoterapia em pacientes críticos.

Diante do exposto, os objetivos deste estudo foram determinar a prevalência de IM em unidades de terapia intensiva de sete hospitais no Brasil e analisar a significância clínica das interações identificadas.

Métodos

Estudo multicêntrico, transversal e retrospectivo desenvolvido em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) de sete hospitais de ensino no Brasil. Os hospitais estão localizados nas regiões centro oeste, nordeste e sudeste do país, todos pertencem à Rede Sentinela de hospitais da Agência Nacional de vigilância Sanitária - ANVISA.

Foram incluídos na investigação prontuários de pacientes internados em 2007 nas UTI dos hospitais estudados. As informações demográficas e os diagnósticos principais foram extraídos dos prontuários dos pacientes. Informações relacionadas aos medicamentos e a nutrição enteral administrada em dois momentos foram coletadas das prescrições médicas.

A seleção da amostra foi aleatória e participaram do estudo os pacientes que preenchiam os seguintes critérios: idade maior que 18 anos; tempo de permanência na UTI por um período igual ou superior a 120 horas. Os pacientes menores que 18 anos e com tempo de internação menor que cinco dias foram excluídos do estudo.

Elaborou-se um instrumento para realizar a coleta de dados. As seguintes informações dos pacientes foram coletadas empregando o referido instrumento: idade, gênero, tempo de internação e diagnósticos principais (segundo a Classificação Internacional de Doenças - CID10) e informações sobre medicamentos administrados com 24 horas e 120 horas de internação. Esses momentos foram escolhidos devido à quantidade de medicamentos prescritos no primeiro dia de hospitalização do paciente na UTI, e por ser a primeira semana de hospitalização o período de maior ajuste terapêutico.(3)

Potenciais IM correspondem às interações que teoricamente podem ocorrer durante a farmacoterapia do paciente, e podem manifestar-se clinicamente ou não. Na presente investigação será empregada a terminologia interação medicamentosa para referir-se a ao conjunto que engloba interação fármaco- fármaco e fármaco-nutrição enteral.

Para a identificação de potenciais interações fármaco-fármaco e fármaco-nutrição enteral empregou-se o software Drug Reax®, desenvolvido por Thomson MicromedexTM, Greenwood Village, Co, USA.(6) O software apresenta adequada sensibilidade para detecção de interações medicamentosas em âmbito hospitalar.(7) O software Drug Reax fornece informações sobre as consequências clínicas ou reações adversas a medicamentos resultantes da interação e caracteriza o mecanismo de ação. Classifica as interações em relação à gravidade em cinco categorias (contra indicado, grave, moderada, leve e desconhecida), tempo de início (imediato e tardio) e ao nível de evidência científica (excelente, boa, regular, pobre, improvável e desconhecida) O mecanismo de ação das interações foi classificado em farmacocinético, farmacodinâmico ou misto. Para as interações farmacocinéticas foi identificado o processo envolvido (absorção, distribuição, metabolismo ou excreção).

Os dados foram armazenados no banco de dados Access Office 2007 da Microsoft. Para a análise estatística foi utilizado o software Statistica versão 8.0.

A análise descritiva foi realizada utilizando distribuição de frequência para as variáveis categóricas e medidas de tendência central (média) e de dispersão (desvio-padrão) para as variáveis quantitativas.

O desenvolvimento do estudo seguiu os padrões nacionais e internacionais de pesquisa envolvendo humanos.

Resultados

No estudo foram incluídos 1124 prontuários; sendo 630 (56%) de pacientes do sexo masculino. A média de idade dos pacientes foi de 52,5 anos (± 19,0), com um mínimo de 18 e máximo de 96,8 anos. O tempo médio de internação foi 19,4 dias (± 23,0). Os diagnósticos mais frequentes tanto em 120 horas como em 24 horas foram: doenças do aparelho circulatório, doenças do aparelho respiratório e lesões envenenamento e algumas outras consequências de causas externas. O número de medicamentos prescritos por paciente em 24 horas e 120 horas foi equivalente respectivamente 13,6(± 45) e 13,2(± 4,8).

A prevalência de potenciais IM com 24 horas e 120 horas de internação é apresentada na tabela 1. Nas primeiras 24 horas, 70,6% dos pacientes apresentaram pelo menos uma IM. O número total de interações medicamentosas foram 2299, com 350 tipos de interações fármaco-fármaco e três tipos de interações fármaco-nutrição enteral. A prevalência de interações em 120 horas foi 72,5%. O número de potenciais IM detectadas em 120 horas foi maior, sendo 2619, com 419 tipos de interações fármaco-fármaco e quatro tipos de interações fármaco-nutrição enteral. O número médio de IM por paciente elevou de 2,9(24 horas) para 3,3 horas (120 horas).

Nutrição enteral foi utilizada por 320 (28,5%) pacientes com 24 horas de internação e por 504 (44,8%) com 120 horas. A prevalência de interação fármaco-nutrição enteral entre esses pacientes foi de 20 (6,3%) e 39 (7,7%) respectivamente.

Na tabela 2 são apresentadas as características das potenciais interações em relação à gravidade, tempo de início, mecanismo de ação e o nível de evidência científica. As potenciais interações graves foi respectivamente 36,5% (24 horas) e 35,2% (120 horas). O nível de evidência para aproximadamente 60% das interações foram boas. Verificou-se um equilíbrio em relação ao mecanismo de ação das potenciais interações em 24 horas com 982 (42,7%) do tipo farmacocinético, 946 (41,1%) do tipo farmacodinâmico. Já em 120 horas observou-se uma discreta predominância de potenciais interações com mecanismo de ação farmacodinâmico com uma frequência de 1104 (42,2%). As potenciais interações de mecanismo farmacocinético foram 1037 (39,6%). Analisando a distribuição dos processos farmacocinéticos das potenciais interações fármaco-fármaco, identificou-se que o processo metabolismo foi responsável por 88,5% das potenciais interações em 24 horas e por 83,1% das em 120 horas. O número dos processos foi diferente porque uma interação farmacocinética pode ser determinada por mais de um processo.

As interações graves mais frequentes em 24 e 120horas e com frequência absoluta maior que 10 estão listadas na tabela 3.

As potenciais interações de gravidade moderada foram midazolam + omeprazol e fentanil+ fenitoína foram as mais prevalentes nessa categoria, nas 24 horas, enquanto que nas 120 horas foram midaz lam +omeprazol e omeprazol+fenitoína.

Discussão

A identificação de interações usando software e abordagem retrospectiva detecta potenciais interações, o que não significa que os possíveis eventos adversos manifestaram clinicamente em todos os pacientes com as interações fármaco-fármaco e fármaco-nutrição enteral identificadas.

O software é uma ferramenta importante para verificar potenciais IM, mas geralmente produz nível de sinal elevado que pode indicar uma alta prevalência de interações potenciais.(8) Sendo assim é importante considerar além da prevalência global, a magnitude da interação no contexto clínico assistencial da terapia intensiva, em termos de gravidade e eventos adversos associados.

A frequência de potenciais interações detectadas em 24 horas e 120 horas de internação dos pacientes foi da ordem de 70% (Tabela 1). A prevalência na amostra investigada foi inferior ao verificado em outros estudos nacionais, cujas prevalências foram superiores a 85%.(4,9) No delineamento desse estudo, que avaliou prescrições de medicamentos em dois momentos de internação, as variações na complexidade assistencial das UTI investigadas, assim como diferenças no nível de sensibilidade e especificidade das metodologias empregadas na identificação das potenciais interações podem explicar a discrepância encontrada e minimizar o valor das comparações entre diferentes estudos. O número médio de medicamentos prescritos por paciente é um dos determinantes dessa porcentagem de interações.

Outro diferencial do presente estudo, que também justifica a menor prevalência, é o emprego de um critério seletivo para as potenciais interações com ácido acetilsalicílico. Foram excluídas as potenciais interações que segundo o software Drug Reax, ocorrem com doses superiores a 300mg. Esse critério foi empregado porque, no estudo piloto, verificou-se que essas doses não são frequentes nas UTI investigadas. O ácido acetilsalicílico, geralmente, é empregado em doses de 100mg com finalidade terapêutica de anti-agregante plaquetário.

O impacto da prevalência de IM no contexto assistencial, ganha maior significância quando acompanhado de informações que permitem identificar a sua significância clínica. A significância clínica é determinada pela gravidade, nível de evidência e consequências clínicas.(6) As potenciais interações detectadas, nos 2 momentos estudados, foram predominantemente graves e moderadas (Tabela 2).

A interação mais frequente, tanto em 24 horas como em 120 horas, foi midazolam+ fentanil. Essa interação farmacodinâmica é um exemplo de interação empregada com finalidade terapêutica. A eficácia da associação de midazolam + fentanil na sedação de pacientes em ventilação mecânica foi comparada com o emprego de midazolam em um ensaio clínico randomizado cego. Os pesquisadores verificaram que a administração conjunta em infusão contínua fornece sedação mais adequada e com maior facilidade de titulação da dose que com midazolam isolado, sem diferença na taxa de eventos adversos.(10) Entretanto, é importante destacar que, no grupo midazolam+ fentanil, foram detectados eventos adversos como: hipotensão e hipoventilação, o que justifica a classificação dessa interação como grave.

Para aliar o alcance dos objetivos terapêuticos à segurança do paciente é importante a estratégia de monitorização da sedação, com emprego de escalas adequadas como a de Ramsay e a elaboração de protocolos de sedação. A atuação do enfermeiro é importante nessa monitorização dos pacientes para assegurar uma sedação segura e efetiva.(10)

As potenciais interações farmacodinâmicas: midazolam + morfina, fentanil+morfina e fentanil +fenobarbital apresentaram prevalência significativa no estudo e demonstraram características de produzir eventos adversos clinicamente importantes sobre o sistema respiratório e cardiovascular.

Outras potenciais interações graves, devido o risco de hipotensão, são fentanil+nimodipina e fentanil + nifedipina. Com 120 horas de internação é maior a frequência da interação fluconazol + fentanil. Esse antimicrobiano é inibidor do CYP4503A4 aumenta os níveis sanguíneos do fentanil e os riscos de hipersedação e seus efeitos adversos. Neste caso, também a presença de protocolos de sedação, é uma estratégia adequada para identificação e monitorização dos efeitos da interação.

A associação midazolam + omeprazol foi a interação farmacocinética mais prevalente no estudo. De gravidade moderada, o mecanismo dessa interação é a redução do metabolismo do midazolam pelo omeprazol, um inibidor do citocromo P4503A4. A evidência científica é razoável, pois os estudos que demonstraram essa interação foram in vitro. Entretanto, considerando o contexto da terapia intensiva, é importante monitorar o nível de sedação e ajustar, se necessário, a dose dos medicamentos nos pacientes em uso concomitante dos mesmos.(6)

A fenitoína é um fármaco de índice terapêutico estreito e potente indutor enzimático, características farmacológicas, que predispõem a potenciais interações medicamentosas, com consequências clínicas importantes. A determinação dos níveis plasmáticos é um instrumento adequado para monitorar a evolução da interação e realizar o manejo com o ajuste da dose.(2) A diversidade de potenciais interações com fenitoína, em conjunto com suas características farmacoterápicas, são aspectos que sugerem que enfermeiros e demais membros da equipe de saúde considerem a probabilidade de potenciais interações com esse fármaco em pacientes com múltipla farmacoterapia.

As interações com omeprazol ou nifedipina ou amiodarona são exemplos onde a fenitoína é o fármaco objeto da interação. A consequência é o aumento do nível plasmático da fenitoína, cujas manifestações clínicas são ataxia, nistagmo, hiperreflexia e tremor.(6)

Por outro lado, a fenitoína pode ser agente precipitante da interação, reduzindo os níveis plasmáticos do outro fármaco que participe da interação. A redução do nível plasmático ocorre devido à atividade indutora da fenitoína e contribui para diminuição da efetividade do fármaco que sofre o efeito da indução enzimática, o que pode levar a uma falha terapêutica.(6)

Uma interação grave frequente nos dois momentos da internação foi captopril +cloreto de potássio, que pode resultar em hipercalemia com consequências clínicas graves, principalmente em portadores de insuficiência cardíaca, idosos e pacientes com insuficiência renal. Hipercalemia também pode surgir em decorrência de outras potenciais interações detectadas neste estudo como: espironolactona+captoptril e espironolactona + cloreto de potássio.(6)

Potenciais interações de significância clinica ocorrem com a amiodarona em função de sua atividade inibidora do CYP4503A4 e da glicoproteína P. A amiodarona é utilizada no tratamento de arritmias supraventriculares, como a fibrilação atrial, que se constitui a arritmia mais frequente em terapia intensiva.(2,6) Essa indicação terapêutica explica o amplo emprego desse fármaco em UTI e a frequência de interações potenciais com amiodarona detectadas neste estudo. Diante do risco de potenciais interações, é importante a identificação e monitorização das mesmas para alcançar os resultados esperados e garantir a segurança da terapêutica.

Nesse sentido, o tratamento conjunto de amiodarona + fentanil requer uma monitorização devido o risco de cardiotoxicidade e aumento dos efeitos tóxicos do fentanil decorrentes da interação farmacocinética. O uso concomitante com nifedipina e outros fármacos que aumentam o bloqueio átrio ventricular pode intensificar a bradicardia e os sinais de bloqueio cardíaco. O uso de amiodarona +sinvastatina aumenta o risco de miopatia ou rabidomiólise, devida a elevada concentração plasmática da sinvastatina em função da inibição do seu metabolismo pela amiodarona. A inibição da glicoproteína P, pela amiodarona implica em redução do clearance da digoxina, aumentando o nível plasmático e as chances de intoxicação digitálica. A redução da dose e a monitorização plasmática periódica da digoxina é essencial para minimizar os efeitos dessa interação. Neste estudo, essas potenciais interações foram mais frequentes com amiodarona.(6)

É crescente a preocupação com fármacos que possuem a propriedade de prolongar o intervalo QT, devido o risco de cardiotoxicidade com torsade de points e parada cardíaca.(11) Esses eventos adversos podem ser determinados por potenciais interações farmacocinéticas que inibem o metabolismo de fármacos com essa propriedade ou por sinergismo farmacodinâmico. As potenciais interações: metronidazol+amidorana, fluconazol+sulfametoxazol/trimetroprim, fluconazol+haloperidol, risperidona+haloperidol e amiodarona+haloperidol detectadas nessa investigação podem produzir os eventos adversos citados. Sendo assim, a equipe de saúde deve conhecer os fármacos que prolongam o intervalo QT, assim como os outros fatores de risco que contribuem para esse fenômeno, visando adotar estratégias adequadas de manejo e monitorização dos efeitos das potenciais interações.

Recentemente, estudos observacionais identificaram resultados negativos com pacientes em uso da interação clopidrogrel +omeprazol, após alta da internação por síndrome coronariana aguda. Os principais resultados negativos avaliados foram morte e reinternação por infarto do miocárdio ou angina instável. Um estudo de coorte retrospectivo demonstrou associação entre o risco de resultados adversos e o uso concomitante de omeprazol e clopidrogrel em pacientes após hospitalização por síndrome coronariana aguda.(12) Resultados equivalentes foram encontrados em estudo canadense com pacientes internados por infarto agudo do miocárdio.(13) Esses estudos comprovaram hipóteses geradas em estudos experimentais que demonstraram que o omeprazol atua no citocromo P4502C19 inibindo a bioativação do pro-fármaco clopidogrel em sua forma ativa, reduzindo seu efeito antiagregante plaquetário.

No contexto da terapia intensiva é importante investigar tanto as potenciais interações fármaco-fármaco como as potenciais interações fármaco-nutrição enteral. Na amostra pesquisada a incidência foi baixa, mas vale ressaltar que as potenciais interações fármaco-nutrição enteral têm impacto clínico, podendo interferir nos resultados do plano farmacoterapêutico, desenvolvido para o paciente. Na literatura pesquisada não foi localizada nenhum estudo de avaliação desse tipo de interação em pacientes de terapia intensiva. Entre os softwares de análise de interação, a detecção de potenciais interações fármaco-nutrição enteral é uma particularidade do Drug Reax.

As potenciais interações fármaco-nutrição enteral identificadas no estudo envolveram quatro fármacos: a hidralazina e três com índice terapêutico estreito (fenitoína, levotiroxina e varfarina), o que sinaliza a importância clínica dessas potenciais interações. As investigações a respeito das potenciais interações fármaco-nutrição enteral são incipientes, e em número reduzido.(14,15)

Os mecanismos das potenciais interações fármaco-nutriente envolvem reações físico-químicas dos fármacos com componentes da dieta que acarretam em redução da biodisponibilidade. Outro fator que também contribui para reduzir a concentração plasmática dos fármacos é a adsorção nas paredes da sonda enteral.(15)

Uma estratégia para reduzir os efeitos das potenciais interações fármaco-nutrição enteral identificadas é o planejamento do horário de administração do medicamento considerando a frequência e o tipo de administração da nutrição enteral. Esse aspecto é mais facilmente manejado quando o medicamento é administrado em dose única e a nutrição administrada em bolus ou intermitente. Certa complexidade surge com esquemas múltiplos de administração de medicamentos e com a dieta em infusão contínua, pois demanda interrupção da dieta para administrar o medicamento e posterior ajuste da taxa de administração da dieta para garantir o aporte calórico prescrito.(15) Normalmente é recomendado interromper a dieta uma a duas horas antes e depois da administração dos medicamentos.(14,15)

É papel do enfermeiro, em conjunto com o medico, farmacêutico e nutricionista esquematizar os horários e os cuidados da administração desses medicamentos evitando a interação fármaco-nutriente.

As potenciais interações envolvendo absorção foram limitadas neste estudo, com maior frequência em 120 horas, quando o paciente já apresentava estabilidade clínica e menor necessidade do uso da via parenteral. As potenciais interações identificadas no estudo que envolvessem reações que reduzem a absorção foram: levotiroxina+sevelamer, cetoconazol+ranitidina, atazanavir+omeprazol e carbonato de cálcio+captopril.

Esse estudo, de caráter multicêntrico, contribuiu de forma significativa para a pratica de enfermagem em cuidado crítico apresentando o perfil de IM em UTI do Brasil, construindo uma ferramenta importante para o planejamento de ações e para melhoria da segurança do paciente em terapia intensiva. Para ampliar a segurança dos pacientes é essencial implementar estratégias que auxiliem a equipe de saúde a identificar as potenciais interações e implementar medidas de prevenção e monitorização de pacientes em riscos de desenvolver IM, antes das mesmas se manifestarem.

O enfermeiro como responsável pelo aprazamento dos horários dos medicamentos e da dieta é um profissional essencial para prevenção das potenciais interações fármaco-nutrição enteral e das potenciais interações que envolvem o processo de absorção, contribuindo para a efetividade da farmacoterapia dos pacientes.

Entretanto, o planejamento do horário tem impacto pequeno na prevenção das potenciais interações farmacocinéticas, que envolvem o processo metabolismo, assim como para as farmacodinâmicas. Para essas categorias as principais medidas de prevenção estão relacionadas com estratégias como: evitar o uso concomitante, ajustar a dose do fármaco objeto e monitorização clínica para detecção precoce dos efeitos adversos. A atuação do enfermeiro pode contribuir para a segurança do paciente e prevenir interações medicamentosas indesejáveis. No entanto, o impacto das ações serão mais efetivos se desenvolvidas numa perspectiva interdisciplinar.

Conclusão

Nessa amostra, as IM graves e moderadas foram mais prevalentes, em virtude do perfil dos pacientes e da complexidade da farmacoterapia, exigindo ações integradas da equipe de saúde para sua identificação e prevenção.

O conhecimento do mecanismo farmacológico e dos principais fatores de risco para interações fármaco-fármaco e fármaco-nutrição enteral contribui para estabelecer programas adequados para evitá-las, permite otimizar a terapêutica medicamentosa e consequentemente aumentar a segurança e efetividade do tratamento.

Agradecimentos

A Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo - FAPESP (nº2006/05882-8) - São Paulo, SP, Brasil pelo financiamento da pesquisa.

Colaborações

Carvalho REFL; Reis AMM; Faria LMP; Zago KSA e Cassiani SHB contribuíram na concepção do estudo, análise e interpretação, revisão da literatura, delineamento da pesquisa, interpretação dos dados, coleta dos dados, entrada, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final do artigo.

Submetido 28 de Março de 2012

Aceito 21 de Fevereiro de 2013

Conflito de Interesse: os autores declaram não haver potenciais conflitos de interesse

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  • Autor correspondente:

    Adriano Max Moreira Reis
    Avenida Antônio Carlos, 6627, Pampulha
    Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 31270-901
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      28 Mar 2012
    • Aceito
      21 Fev 2013
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