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As competências do graduado em enfermagem: percepções de enfermeiros e docentes

Competences of nursing undergraduate students: nurses and nursing faculty perceptions

Competencias del licenciado en enfermería: percepciones de enfermeras asistenciales y enfermeras docentes

Resumos

OBJETIVOS: identificar as competências de graduados em enfermagem e os fatores que interferem no exercício dessas competências. MÉTODOS: a investigação foi de natureza qualitativa com sete enfermeiros e doze docentes de graduação em enfermagem. Os dados foram coletados por meio de entrevista semi-estruturada. RESULTADOS: os dados coletados permitiram a categorização em famílias de competências e respectivas competências específicas que evidenciaram um mapeamento coerente e pertinente à cultura do trabalho na profissão; e a busca pela formação generalista, para os docentes. As facilidades e dificuldades foram vinculadas à estrutura organizacional e também às habilidades pessoais. CONCLUSÃO: o mapeamento refletiu as competências que são pertinentes aos enfermeiros, porém revelou uma intencionalidade não conquistada no âmbito da prática.

Educação em enfermagem; Educação baseada em competências; Competência profissional


OBJECTIVES: To identify the competences of undergraduate nursing students and to identify the factors that influence students' exercise of these competences. METHODS: A qualitative approach was used to collect data through semi-structured interviews of seven undergraduate nursing students and twelve nursing faculty. RESULTS: Two competences categories have emerged: professional work culture and faculty generalist education. Factors that influence students' exercise of competences include organizational structure and personal skills. CONCLUSION: Although the findings reflect desirable undergraduate nursing student competences, they do not reflect the scope of professional nursing practice.

Education, nursing; Competency-based education; Professional competence


OBJETIVOS: identificar las competencias de los enfermeros licenciados y los factores que interfieren en el ejercicio de las mismas. MÉTODOS: Investigación de naturaleza cualitativa realizada con siete enfermeros asistenciales y doce docentes de enfermería. Los datos fueron acopiados por medio de una entrevista semi-estructurada. RESULTADOS: Los datos permitieron su categorización en familias de competencias con sus respectivas competencias específicas, que evidenciaron una lista coherente y pertinente con la cultura de la labor profesional; y para los docentes, la búsqueda por la formación generalista. Las facilidades y dificultades fueron vinculadas a la estructura organizacional y también a las habilidades personales. CONCLUSIÓN: El análisis realizado reflejó las competencias que son pertinentes a los enfemeros assistenciales, no obstante haya revelado uma intencionalidade no conquistada en el ambito de la práctica.

Educación en enfermería; Educación basada en competencias; Competencia profesional


ARTIGO ORIGINAL

As competências do graduado em enfermagem: percepções de enfermeiros e docentes* * Este artigo é parte integrante da Tese de Doutorado intitulada "Referenciais de competências segundo níveis de formação superior em enfermagem: a expressão do conjunto. (tese) São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da USP; 2003.

Competences of nursing undergraduate students: nurses and nursing faculty perceptions

Competencias del licenciado en enfermería: percepciones de enfermeras asistenciales y enfermeras docentes

Edvane Birelo Lopes De DomenicoI; Cilene Aparecida Costardi IdeII

IProfessora Adjunto no Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo UNIFESP São Paulo (SP), Brasil

IIProfessora Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo USP- São Paulo (SP), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Edvane Birelo Lopes De Domenico R. Davi Hume, 133 - Apto 41 São Paulo - SP Cep:04116-130. E-mail: edvane@denf.epm.br

RESUMO

OBJETIVOS: identificar as competências de graduados em enfermagem e os fatores que interferem no exercício dessas competências.

MÉTODOS: a investigação foi de natureza qualitativa com sete enfermeiros e doze docentes de graduação em enfermagem. Os dados foram coletados por meio de entrevista semi-estruturada.

RESULTADOS: os dados coletados permitiram a categorização em famílias de competências e respectivas competências específicas que evidenciaram um mapeamento coerente e pertinente à cultura do trabalho na profissão; e a busca pela formação generalista, para os docentes. As facilidades e dificuldades foram vinculadas à estrutura organizacional e também às habilidades pessoais.

CONCLUSÃO: o mapeamento refletiu as competências que são pertinentes aos enfermeiros, porém revelou uma intencionalidade não conquistada no âmbito da prática.

Descritores: Educação em enfermagem; Educação baseada em competências; Competência profissional

ABSTRACT

OBJECTIVES: To identify the competences of undergraduate nursing students and to identify the factors that influence students' exercise of these competences.

METHODS: A qualitative approach was used to collect data through semi-structured interviews of seven undergraduate nursing students and twelve nursing faculty.

RESULTS: Two competences categories have emerged: professional work culture and faculty generalist education. Factors that influence students' exercise of competences include organizational structure and personal skills.

CONCLUSION: Although the findings reflect desirable undergraduate nursing student competences, they do not reflect the scope of professional nursing practice.

Keywords: Education, nursing; Competency-based education; Professional competence

RESUMEN

OBJETIVOS: identificar las competencias de los enfermeros licenciados y los factores que interfieren en el ejercicio de las mismas.

MÉTODOS: Investigación de naturaleza cualitativa realizada con siete enfermeros asistenciales y doce docentes de enfermería. Los datos fueron acopiados por medio de una entrevista semi-estructurada.

RESULTADOS: Los datos permitieron su categorización en familias de competencias con sus respectivas competencias específicas, que evidenciaron una lista coherente y pertinente con la cultura de la labor profesional; y para los docentes, la búsqueda por la formación generalista. Las facilidades y dificultades fueron vinculadas a la estructura organizacional y también a las habilidades personales.

CONCLUSIÓN: El análisis realizado reflejó las competencias que son pertinentes a los enfemeros assistenciales, no obstante haya revelado uma intencionalidade no conquistada en el ambito de la práctica.

Descriptores: Educación en enfermería; Educación basada en competencias; Competencia profesional

INTRODUÇÃO

A palavra competência assume, nos dias atuais, posição de destaque, uma vez que faz parte do repertório de temas amplamente divulgados no mundo do trabalho como: profissionalização, postura crítica, conhecimento atualizado, aprimoramento profissional, entre outros, exigindo uma análise mais aprofundada nos seus significados senão corre-se o risco de entendê-los com o senso comum perdendo-se o conteúdo da análise clara e sistemática.

A competência significa a "capacidade de fazer e fazer-se oportunidade. Inclui o questionamento reconstrutivo como sua base inovadora através do conhecimento e como processo de formação do sujeito histórico capaz"(1).

A educação encontra-se num dilema entre o ensino dos conhecimentos profundos, geralmente na forma clássica das aulas expositivas e das provas, e o desenvolvimento das competências, possível mediante a aplicação de métodos formativos que visem a autonomia, a construção de projetos e responsabilidades crescentes(2).

No campo do trabalho, vivemos a era da racionalidade de custos e da qualidade do atendimento, ambos incompatíveis com as visões e concepções parciais, lineares e alienantes dos sujeitos envolvidos no processo, e que emergem no mundo globalizado e tipicamente capitalista. O modelo vigente de saúde inviabiliza-se na medida em que a demanda supera os recursos disponíveis e isso significa dizer que se fará necessário a introdução de mecanismos e instrumentos centrados na responsa-bilização econômica e organizacional dos recursos, "de maneira a obter resultados que garantam à população atendida nestes serviços, respostas quanti-qualitativas satisfatórias ao seu problema de saúde"(3).

Nesse novo cenário, se concretizaria a sintonia da competência com o exercício profissional, respeitando-se os avanços, tanto tecnológicos como nas relações humanas, que já não podem restringir-se às ações ritualistas, ultrapassadas (inclusive tecnicamente) e vinculadas a pouca informação.

Enfocando os caminhos da profissionalização em Enfermagem, avançamos da prática ocupacional para a profissional, buscando, há mais de cem anos, sustentar um desenvolvimento que assegurasse um espaço de distinção no atendimento à saúde. Nas palavras de López Ruiz "para avançar em seu desenvolvimento, se delineia a necessidade de melhorar a imagem, de conseguir reconhecimento dentro do campo sanitário e social, melhorar a formação elevando os níveis acadêmicos e assumindo um domínio sobre todas as nossas competências"(4).

Apreender o sentido, a consistência e a consonância desse processo, considerando os referenciais preconizados, foi o desafio desta pesquisa, expresso nos objetivos a seguir.

OBJETIVOS

* Identificar as competências para o Graduado em Enfermagem.

* Analisar os fatores que interferem no exercício dessas competências.

Quadro Teórico

São muitos os autores de diversas áreas que buscam conceituar as competências e trazê-las para os campos do ensino e do trabalho, dentre eles o sociólogo suiço Philippe Perrenoud. Para o autor, as competências não são ensinadas, elas são construídas por meio de uma prática, uma prática reflexiva(2). Tanto o seu desenvolvimento como a sua avaliação, exigem a criação de situações específicas.

Analisar a construção de competências a serviço da profissionalização significa estabelecer relações entre as competências específicas e suas expressões na trajetória histórica da profissão, como condição fundamental para o reconhecimento social do ofício em si e, conseqüentemente, do trabalhador(5).

Nesse sentido, educar para o exercício de uma profissão compreende conferir ao aluno conhecimentos peculiares que possam garantir-lhe sobreviver no próprio grupo profissional, como também no conjunto formado por outras profissões existentes num determinado espaço social.

As competências obtidas com a formação profissionalizante possuem uma certa generalidade, permitindo ao indivíduo confrontar a prática com situações de trabalho que, a despeito da singularidade de cada um, poderão ser dominadas(6)

A família da qual provém uma situação singular também é uma construção do sujeito(7).

A palavra "família" utilizada pelo autor significa situações agrupadas que, para cada indivíduo em particular, requerem uma mesma competência para uma determinada ação. Cada pessoa, ao sabor de suas experiências e também sob a influência cultural do grupo de pertença, estaria agrupando e hierarquizando situações em várias famílias de situações. As competências destacadas de cada família são, nesta ótica, as competências específicas. A transposição para uma competência genérica e mais potente se estabelece na medida que o indivíduo desenvolve a capacidade de determinar quais são as semelhanças das estruturas contidas em cada grupamento familiar de situações, reunindo-as em um conjunto(7).

Como base teórica para a análise da formação profissional em Enfermagem, foram utilizados os dispositivos legais para o funcionamento dos cursos de graduação em Enfermagem contidos nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem (Resolução CNE/CES Nº3, de 7 de novembro de 2001, Brasil)(8).

MÉTODOS

Natureza da Investigação. O estudo é de natureza qualitativa por compreender uma metodologia de pesquisa que possibilita a incorporação do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais(9).

Local. O local de escolha para o recrutamento dos enfermeiros com diferentes titulações incluindo os docentes foi a Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, após a devida autorização institucional obtida em 23 de fevereiro de 2002, processo nº 207/2001- CEP/EEUSP.

Objetos de estudo

Os sujeitos

Graduados. Critérios de inclusão: ter obtido o titulo na Enfermagem; ter concluído o curso há, no mínimo, dois anos; estar exercendo atividade profissional, no mínimo há um ano.

Docentes. Critérios de inclusão: ter o Doutorado como titulação mínima; estar lecionando para os diferentes níveis acadêmicos de formação na Enfermagem; exercer essas atividades, no mínimo há dois anos.

Coleta de dados

Os dados obtidos com os sujeitos foram coletados por meio de entrevista semi-estruturada, contendo duas partes para cada grupo investigado. Na primeira parte, buscou-se identificar o contexto individual e social dos participantes, praticantes e docentes. Na segunda parte, as questões estavam focadas no tema competência e nos seus desdobramentos 1.Quais são as competências dos graduados? e 2.O que facilita ou dificulta o exercício dessas competências?.

Análise dos dados

Os dados obtidos por meio das entrevistas semi-estruturadas, foram analisados segundo a proposta de análise de conteúdo de Bardin(10). Nas palavras de Bardin(10) a análise de conteúdo pode ser definida como "um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/reprodução destas mensagens".

RESULTADOS

Participaram sete graduados e doze docentes, que concordaram em participar após os esclarecimentos necessários.

O Contexto individual e social dos graduados

A faixa etária dos graduados estava entre 24 e 32 anos, todos do sexo feminino. O número de vínculos empregatícios foi de um único vínculo para a maioria (n:6). Quanto aos tipos de instituições onde trabalham, os entrevistados se dedicam ao trabalho em hospitais (públicos: 3, privados: 3), Casa de Idosos (n:1), Unidade de Saúde da Família (n:1).

O hábito de leitura dos graduados foi apontado por estes como pouco freqüente. Os graduados, de modo geral, informaram que não têm tido tempo devido à necessidade de dedicação ao trabalho, e também por estarem cursando uma especialização, um curso de idiomas, ou mesmo outra faculdade, que já exigem leitura específica. Quando podem, optam por ler alguma publicação voltada para a área de trabalho, buscando atualizar-se.

A participação em grupos de estudo e pesquisa foi citada por quatro graduados, a maioria das respostas positivas trouxe que os grupos de estudo e/ou pesquisa estão vinculados às instituições de trabalho, seja na área hospitalar/ assistencial ou na área educacional, pública e privada. Outros respondentes citaram que estão freqüentando cursos de aprimoramento e atualização (n:4) e especialização (n:4).

O Contexto individual e social dos docentes

Com relação às docentes, as idades variaram entre 46 e 66 anos, com as titulações de Doutor ou Livre-Docente, dedicando-se exclusivamente e intensamente a atividade docente na instituição de ensino público, na medida em que estão engajadas em diferentes projetos, tanto relacionados à formação como ao atendimento de grupos e realização de pesquisa. As docentes descreveram a preocupação que possuem com relação ao desenvolvimento da profissão, com a qualidade das ações e com as suas repercussões no contexto ampliado.

As Competências de Referência e as Competências Específicas para os graduados em Enfermagem nas visões de praticantes e docentes

O processo de análise, interpretação,e obtenção de unidades de registro para posterior categorização foi executado tendo-se por baliza a fundamentação teórica conceitual de competências, sem a qual não nos seria possível apreender os significados dos conteúdos obtidos. Os referenciais de competências foram categorizados, buscando-se constituir as famílias que contém as competências de referência, como também as unidades de registro que compreendem as competências específicas (Quadro 1).


O mapeamento das competências do graduado revelou famílias relacionadas às competências: Clínica/Assistencial; Gerenciamento de Unidade e de Pessoas; Investigação e Pesquisa; e Ensino.

No mapeamento realizado pelos graduados há aspectos das Competências Gerais e Específicas contemplados pelas Diretrizes Curriculares, porém circunscritos às ações que correspondam a um espaço limitado de intervenção como uma unidade de internação, para os graduados que trabalham em hospitais.

No âmbito da Saúde Coletiva, o graduado demonstrou encontrar espaços ampliados para a atuação em diferentes instâncias, clínica/ assistencial, administrativa e, também, vinculadas a programas que visam a prevenção de doenças e a promoção da saúde, na medida em que o seu relato denotou, na dimensão organizacional, maior poder decisório sobre as ações de trabalho.

Porém, em se tratando de pesquisar, os praticantes sugeriram que a realização de pesquisa está na dependência das relações com as esferas administrativas, como já sinalizado na caracterização do grupo, quando questionado sobre a participação em cursos e aprimoramentos. Pelos relatos, verificou-se que a ação educativa também está na dependência de acontecimentos educativos gerados na instituição, denunciando que as atividades diárias dificilmente contemplam a realização da ação educativa espontânea.

Dentre as falas que sustentaram a categorização do referencial de Competências do graduado, têm-se:

"O que eu faço é a parte administrativa... ver se a escala está completa, fazer um plano, escala... checar e ver a escala de funcionários, à parte da conferência das notas de débito. Também tenho que analisar exames, comunicar a equipe médica. Tenho que avaliar o Raio X, tenho que estar vendo as condições do paciente..." (G3)

"São várias as competências: prestar assistência, sistematizar a assistência de enfermagem, gerenciar a unidade... Assistir diretamente o paciente, coordenar a equipe de enfermagem, os técnicos, auxiliares, basicamente é isso". (G4)

"Eu tenho um leque de atividades e de autonomia muito grande... Eu corro atrás dos problemas de saúde pública... saneamento mesmo... Eu converso com vários secretários, comissão local de saúde, secretaria de meio-ambiente, prefeito..." (G7)

Algumas respostas obtidas das docentes, com as questões sobre as Competências Profissionais dos Graduados, que geraram o quadro do referencial de competências foram:

"O aluno precisa saber argumentar, para ele saber argumentar ele precisa ter uma atitude, uma predisposição favorável para se colocar como futuro profissional no mercado, que vem da competência técnica, procedimentos, intervenções, do raciocínio clínico e do atitudinal, relacional" (D8)

"Competência para analisar quais são os problemas e as necessidades. Competência para planejar sua intervenção... saber priorizar, saber fazer um quadro de organização do trabalho... Precisa ser competente nas ações assistenciais e no processo de trabalho do ensino, acho que isso é uma parte fundamental. Outra é a pesquisa, produzir conhecimentos" (D5)

"A graduação privilegia o processo de trabalho assistido e o pesquisar. Eu acho que a seqüência seria: assistir, em segundo lugar gerenciar, depois o pesquisar e, por último o processo de trabalho ensinar" (D6)

Facilidades e dificuldades para o exercício das competências

A Análise de Conteúdo das respostas permitiu a obtenção de duas categorias: estrutura organizacional e desenvolvimento pessoal.

Estrutura organizacional:

Os respondentes pontuaram a importância da qualidade e quantidade dos recursos: humanos, materiais e físicos, que estariam assegurando uma menor preocupação para o cumprimento das tarefas diárias, pela adequação comparada à demanda e pelo tempo otimizado. Os graduados verbalizaram que, em unidades críticas, a proximidade da equipe médica lhes garante uma maior tranqüilidade com relação ao diagnóstico e tomada de decisão ante as situações clínicas instáveis dos pacientes, revelando uma face compartilhada do cuidar.

"O que facilita é a estrutura da instituição... porque a gente não tem falta de material, nem de pessoal, não tem falta de nada praticamente" (G1)

"O que facilita é você ter um membro da equipe médica na unidade... porque a gente não precisa ficar correndo tanto atrás, chega um exame, você vê que está alterado e pode chamar prontamente..." (G3)

Desenvolvimento pessoal

Foram obtidas as situações facilitadoras que os graduados acreditam para o exercício da competência, como possuir capacidade de comunicação e bom relacionamento interpessoal. Nessa categorização delineou-se, além das competências para o exercício das atividades profissionais, as competências ou habilidades nos aspectos sociais e relacionais, uma vez que a valorização da capacidade de comunicação e da facilidade no relacionamento interpessoal foi evidenciadas

A qualidade das relações interpessoais foi uma preocupação enfaticamente colocada pelos graduados que pontuaram as dificuldades que eles possuem na administração das relações interpessoais com os pacientes, familiares e diferentes membros da equipe.

Corroborando com este resultado, o graduado que está vinculado ao Programa Saúde da Família pontuou a necessidade do curso de graduação enfatizar aspectos de um cuidar preventivo e relacionado à promoção da saúde em diferentes disciplinas, uma vez que estes conhecimentos são esperados para os profissionais que se dedicam tanto ao atendimento assistencial no âmbito domiciliar como à ação educativa de técnicos de enfermagem e agentes comunitários.

No âmbito da Saúde Pública, o envolvimento com as instâncias políticas/administrativas foi enfocado como fundamental para uma intervenção ampliada, reafirmando o poder da acessibilidade e das relações compartilhadas para a prática do cuidar.

Essas subcategorias reforçaram o peso que as condições de trabalho possuem, desde a qualidade dos recursos até a conformação político - administrativa para o exercício das competências dos profissionais, uma vez que, quando bem avaliadas, foram associadas à facilitação do trabalho. Entretanto, quando as condições de trabalho se mostraram desfavoráveis, os profissionais verbalizaram a busca por brechas na estrutura organizacional para que pudessem conferir ao trabalho uma expressão pessoal. Dentre as falas, têm-se:

"Eu tenho autonomia trabalhando na saúde coletiva... também acho que o fato de trabalhar no interior e conhecer e poder conversar com as pessoas responsáveis por diferentes setores como saneamento, esportes, saúde, ajuda bastante" (G7)

"O que dificulta são as relações interpessoais mesmo: relação entre enfermeira e paciente, enfermeira e familiares, e enfermeira e equipe mesmo".(G5)

DISCUSSÃO

Observando a faixa etária dos graduados e comparando-a com outros trabalhos(11-12) que tinham, num dos grupos amostrais, recém-formadas, pôde-se perceber que está havendo o ingresso de estudantes na faculdade numa idade que excede os 18 anos.

Dados publicados indicam que "a população universitária hoje inclui proporções significativas de alunos mais velhos, que retornam à escola devido às mudanças na economia, no ambiente de trabalho e ao papel das mulheres na sociedade"(13). Essas observações podem ser aplicáveis à conformação do ingresso no ensino superior da Enfermagem, predominantemente feminino, como também de profissionais de nível médio na Enfermagem que buscam melhor colocação e remuneração salarial.

Esse panorama do mundo do trabalho gera uma sensação de instabilidade profissional que faz com que os profissionais procurem ampliar seus horizontes de atuação, bem como se qualificar a ponto de tornarem-se "menos" substituíveis durante um processo de seleção para demissões.

Analisando as Famílias de Competências dos Graduados e, principalmente, os conteúdos das unidades de registro que as originaram, foi possível concluir que os graduados vinculados à área hospitalar mapearam as competências, tendo por referência uma ação delimitada a um dado espaço físico e a uma equipe de trabalho restrita a auxiliares/ técnicos de enfermagem e equipes médicas praticamente permanentes. Ou ainda, a situações de ensino, nas quais o enfermeiro, na ação docente, também está em contato diário com um grupo delimitado de alunos.

Nos relatos dos docentes, também houve uma preocupação para a formação num espaço delimitado (como na descrição dos graduados), mas também para uma ação que extrapola os limites de uma unidade e expande-se para uma esfera administrativa/ intervencionista ampliada e, inclusive, capaz de provocar modificações na expressão social da profissão.

Essa perspectiva de atuação foi confirmada pelo relato do graduado vinculado ao Programa de Saúde da Família que denotou maior preocupação e investimentos em atuar junto às esferas das secretarias públicas e comunitárias para implementar ações de promoção à saúde, além das intervenções assistenciais/ clínicas e administrativas que já existem.

Assim, tem-se uma nova perspectiva de profissionalização da enfermagem que, ao contrário do comportamento repetitivo e reducionista da ação profissional, traz, na nova construção, a retomada das atividades processuais de Enfermagem constituídas pelas fases da investigação das condições, seja do paciente ou da comunidade na qual se insere, do diagnóstico, do planejamento, da implementação e da avaliação. A associação dessas fases com o uso criterioso e otimizador dos recursos, aliados aos achados de pesquisas e ao comportamento profissional colaborativo, ou seja, um ambiente propício para a divulgação de idéias, discussões de casos e condutas, poderiam estar fazendo a diferença na expressão/construção das competências e na satisfação do trabalho.

As Competências Clínica/ Assistencial e o Gerenciamento da Unidade e de Pessoas foram os focos em evidências nos discursos. Corroborando com esse resultado, Ide descreveu que "...o cuidado é também, mas não somente, a prerrogativa da sua existência concebida para atuar na dinâmica das relações institucionais, incluindo a lógica assistencial; que o cuidar enquanto competência da equipe de enfermagem pressupõe uma esfera de especificidade inerente à atuação da enfermeira"(14).

Na busca pelo poder da ação no seu âmbito de relações, esses praticantes reconhecem a competência pela capacidade de coordenar o processo de cuidar. Esta competência teria por instrumentos: "a sistematização do cuidar, a mediação das relações profissionais e a representação da sua equipe junto às esferas de gestão, interface com o processo de trabalho administrar"(15).

Contrapondo-se ao generalismo, a intenção da formação estaria no controle clínico/assistencial sustentado pela capacidade de imprimir resolutividade organizacional, enquanto atributos que conformam essas famílias de competências, buscando-se substituir a automação pela criação, dando-se ênfase às diferentes expressões e necessidades deste cuidar, que são inerentes aos locais de exercício da prática.

Realizando o exercício de comparação do documento de Diretrizes Curriculares com o mapeamento das competências para o graduado traçado pelas docentes têm-se:

As competências gerais estão contidas no discurso docente: atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação, liderança, administração e gerenciamento, educação permanente.

Há uma preocupação em expandir a ação profissional do graduado para além da unidade de trabalho, investindo na leitura das necessidades populacionais, tornando-o capaz de construir projetos para intervenção assistencial e educativa, na perspectiva da promoção à saúde.

Observou-se a ênfase na competência científica, ética e política, na defesa da autonomia científica e na utilização de recursos tecnológicos.

Preocupação em envolver o graduado no desenvolvimento da profissão, incluindo a flexibilidade para mudar conceitos, atitudes e comportamentos.

Os itens acima são convergentes em relação à amplitude de competências descritas no documento, incluindo a perspectiva da generalidade. As docentes entrevistadas denotaram a sintonia do grupo com as tendências e resoluções existentes no âmbito da formação em Enfermagem, relacionando as competências Clínica/ Assistencial com o Gerenciamento, e a Investigação/Pesquisa com o Ensino. Confrontando as análises que foram feitas separadamente, pôde-se notar que apesar dessas Famílias de Competências terem sido convergentes, as dimensões políticas, econômicas, sociais e éticas que conformam as ações são mais enfatizadas pelas docentes do que pelos praticantes.

Verificou-se que as construções teóricas já estão presentes, na medida em que, ao serem questionados sobre as competências, houve uma interpretação conceitual por parte dos respondentes que nos possibilitou a construção dos referenciais de competências. Porém, as forças intra e extra profissionais permanecem freando a expressão efetiva das competências em diferentes âmbitos de atuação, como pôde-se verificar nos relatos sobre as facilidades e dificuldades para o exercício dessas competências.

CONCLUSÃO

As competências referidas como de exercício diário não traduziram todas as dimensões do exercício profissional que são almejadas pelas diretrizes para a formação do graduado. Enquanto competências caracteristicamente genéricas, os discursos apresentaram restrições quanto à prática da assistência e da administração e um distanciamento ainda maior do exercício da pesquisa e da educação, confirmando uma terminalidade não resolutiva, desinstrumentalizada para o enfrentamento dos dilemas da prática.

Analisando as competências específicas que sustentaram a categorização das famílias, obteve-se como pontos analíticos:

As competências técnico-científicas privilegiadas na ação curativa, porém vinculadas ao fazer prescritivo.

A administração e o gerenciamento sendo utilizados para a "manutenção da ordem", ou seja, garantindo os recursos materiais e supervisionando o cuidado cotidiano.

A pesquisa e o ensino como competências a serem exercitadas para a validação de processos de trabalho e como espaços de interação e crescimento profissional.

Reiterando a complexidade deste terreno, as profissões são mutáveis e isto implica na emergência de novas competências, como também na possibilidade de um re-olhar para as competências já existentes, de acordo com as políticas sociais, econômicas, trabalhistas, e com os rearranjos na própria organização da profissão.

Como consideração final, confirmamos o caráter instigante que a investigação do assunto traz, na medida em que, ao mapeá-las, as competências delinearam uma situação real, mas também um desejo, um investimento, uma declaração de intenções.

Artigo recebido em 08/12/2005 e aprovado em 09/10/2006

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  • Autor correspondente:
    Edvane Birelo Lopes De Domenico
    R. Davi Hume, 133 - Apto 41
    São Paulo - SP
    Cep:04116-130.
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    Este artigo é parte integrante da Tese de Doutorado intitulada "Referenciais de competências segundo níveis de formação superior em enfermagem: a expressão do conjunto. (tese) São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da USP; 2003.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Recebido
      08 Dez 2005
    • Aceito
      09 Out 2006
    Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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