Acessibilidade / Reportar erro

Adaptação transcultural de instrumento de cultura de segurança para a Atenção Primária

Resumo

Objetivo

Traduzir, adaptar e validar o instrumento de pesquisa Medical Office Survey on Patient Safety Culture (MOSPSC).

Métodos

Estudo metodológico de adaptação transcultural do instrumento MOSPSC elaborado pela Agency for Healthcare and Research in Quality. Seguiram-se as etapas de tradução, retrotradução, análise de especialistas, grupo de população meta e pré-teste com amostra de 37 profissionais.

Resultados

Na análise dos especialistas, o instrumento atingiu índice de validade de conteúdo geral de 0,85. A avaliação pelo grupo de população meta foi realizada por seis profissionais, e as sugestões de adaptação foram analisadas e modificadas por consenso. O pré-teste foi realizado com 37 profissionais, que avaliaram o instrumento como de fácil compreensão. O coeficiente alfa de Cronbach foi de 0,95.

Conclusão

O instrumento foi traduzido e adaptado para a língua portuguesa do Brasil com nível satisfatório de validade de conteúdo e alta confiabilidade.

Pesquisa em enfermagem; Enfermagem de atenção primária; Enfermagem em saúde pública; Segurança do paciente; Cultura organizacional

Abstract

Objective

Translate, adapt and validate the Medical Office Survey on Patient Safety Culture (MOSPSC).

Methods

Methodological study for the cross-cultural adaptation of the MOSPSC, elaborated by the Agency for Healthcare and Research in Quality. The following steps were undertaken: translation, back-translation, expert analysis, target population group and pretest, in a sample of 37 professionals.

Results

In the expert analysis, the tool reached a general content validity score of 0.85. Six professionals performed the assessment by the target population group, and the adaptation suggestions were analyzed and modified by consensus. The pretest involved 37 professionals, who assessed the tool as easy to understand. Cronbach’s alpha coefficient corresponded to 0.95.

Conclusion

The tool was translated and adapted to Brazilian Portuguese with a satisfactory content validity and high reliability.

Nursing research; Primary care nursing; Public health nursing; Patient safety; Organizational culture

Introdução

A importância de se debater sobre a segurança do paciente e instituir cuidados mais seguros que não causem danos, no sentido de estabelecer uma cultura de segurança nas instituições de saúde e proporcionar uma assistência de qualidade, é inquestionável. A segurança do paciente não é uma problemática individual nem de uma categoria profissional, mas de um processo que envolve uma transformação institucional.

A cultura da segurança do paciente é uma estrutura multifatorial, que visa promover uma abordagem do sistema para prevenir e reduzir danos aos pacientes, tratando-se essencialmente de uma cultura em que todos estão conscientes de seu papel e de sua contribuição para a organização, sendo responsáveis pelas consequências de suas ações.(11. Mendes CM, Barroso FF. Promoting a culture of safety in primary health care. Rev Port Saúde Pública. 2014; 32(2):197-205. Portuguese.,22. Ammouri AA, Tailakh AK, Muliira JK, Geethakrishnan R, Al Kindi SN. Patient safety culture among nurses. Int Nurs Rev. 2015; 62(1): 102-10.) Dentre os aspectos de fragilidade, evidencia-se a existência da cultura do medo de que os erros sejam inscritos nas fichas funcionais, e a evidente falta de comunicação e cultura de notificação do evento adverso.(33. Françolin L, Gabriel CS, Bernardes A, Silva AE, Brito MF, Machado JP. Patient safety management from the perspective of nurses. Rev Esc Enferm USP. 2015; 49(2):277-83.)

A gestão dos eventos adversos passa por identificação, registro, análise, discussão e prevenção, em uma cultura de responsabilidade e não de culpabilização.(11. Mendes CM, Barroso FF. Promoting a culture of safety in primary health care. Rev Port Saúde Pública. 2014; 32(2):197-205. Portuguese.) A transformação cultural constitui, assim, um processo complexo, com múltiplos fatores que influenciam em seu sucesso.(44. Thomas L, Galla C. Building a culture of safety through team training and engagement. BMJ Qual Saf. 2013; 22(5):425-34.)

A avaliação da cultura de segurança é vista como o ponto de partida para compreender o cenário atual e iniciar o planejamento de ações que busquem mudanças para reduzir a incidência de eventos adversos.(55. Reis CT, Martins M, Laguardia J. [Patient safety as a dimension of the quality of health care-a look at the literature]. Cien Saude Colet. 2013; 18(7):2029-36. Portuguese.) Ela permite identificar e gerir prospectivamente questões relevantes à segurança nas rotinas de trabalho, visando garantir cuidados de saúde seguros na prática geral.(66. Reis CT, Laguardia J, Martins M. [Translation and cross-cultural adaptation of the Brazilian version of the Hospital Survey on Patient Safety Culture: initial stage]. Cad. Saúde Pública. 2012; 28(11):2199-210. Portuguese.)

É importante que a cultura organizacional apoie o aprendizado e o desenvolvimento, pois se estiver baseada na punição e culpa, pode causar omissão dos eventos adversos, dificultando a construção de uma cultura institucional voltada para a segurança do paciente.(33. Françolin L, Gabriel CS, Bernardes A, Silva AE, Brito MF, Machado JP. Patient safety management from the perspective of nurses. Rev Esc Enferm USP. 2015; 49(2):277-83.) Ao analisar cuidadosamente os fatores desencadeantes de erros, fica evidente uma série de incidentes, mesmo em uma prática segura, que, quando influenciada pelo ambiente de trabalho e pela cultura organizacional, pode produzir maus resultados. Assim, o erro humano deve ser encarado de dois modos diferentes: o do indivíduo e o da organização.(11. Mendes CM, Barroso FF. Promoting a culture of safety in primary health care. Rev Port Saúde Pública. 2014; 32(2):197-205. Portuguese.) Dentre os fatores que sabidamente afetam os resultados relacionados à segurança do paciente estão o número de enfermeiros num serviço, o nível de educação dos enfermeiros e um ambiente de trabalho favorável.(77. Kirwan M, Matthews A, Scott PA. The impact of the work environment of nurses on patient safety outcomes: a multi-level modelling approach. Int J Nurs Stud. 2013; 50(2):253-63.)

Dessa forma, é imprescindível a adoção de soluções aplicáveis a todos os membros da organização, as quais devem ser facilmente integradas na rotina e no fluxo de trabalho, para aumentarem a adesão e a sustentabilidade.(44. Thomas L, Galla C. Building a culture of safety through team training and engagement. BMJ Qual Saf. 2013; 22(5):425-34.) O trabalho em equipe deve ser fortalecido como um núcleo básico, uma vez que nele, possivelmente, reside um potencial decisivo para a eficácia do modelo atual de saúde da Atenção Primária.(88. Rodríguez-Cogollo R, Paredes-Alvarado IR, Galicia-Flores T, Barrasa-Villar JI, Ruiz SC. [Patient safety culture in family and community medicine residents in Aragon]. Rev Calid Asist. 2014; 29(3):143-9. Spanish.) As instituições devem refletir criticamente sobre o papel que os gestores devem desempenhar, uma vez que suas decisões estratégicas incluem a gestão de pessoas, sendo necessários o incentivo e a capacitação de profissionais para prevenção, notificação e manejo efetivos desses riscos durante a realização e a avaliação da assistência prestada, o planejamento das instalações, a elaboração dos procedimentos operacionais, a escolha dos equipamentos, bem como todas as outras decisões que definem a estrutura do sistema.(33. Françolin L, Gabriel CS, Bernardes A, Silva AE, Brito MF, Machado JP. Patient safety management from the perspective of nurses. Rev Esc Enferm USP. 2015; 49(2):277-83.)

Nos últimos anos, as pesquisas em segurança do paciente nos cuidados primários têm evoluído bastante.(99. Gaal S, Verstappe W, Wensing M. What do primary care physicians and researchers consider the most important patient safety improvement strategies? BMC Health Serv Res. 2011; 11:102.) Os eventos adversos são comuns também na Atenção Primária, onde é realizado maior número de atendimentos, por esta razão, tem havido um crescente interesse em fatores relacionados à segurança do paciente também fora do ambiente hospitalar.(1010. Bondevik GT, Hofoss D, Hansen EH, Deilkås EC. The safety attitudes questionnaire - ambulatory version: psychometric properties of the Norwegian translated version for the primary care setting. BMC Health Serv Res. 2014; 14:139.) Assim, faz-se necessário explorar a cultura de segurança na perspectiva das equipes multidisciplinares, inseridas em um contexto organizacional, para compor um corpo de conhecimento, identificando a visão dos profissionais a respeito da segurança do paciente e, dessa forma, suscitar o debate e a reflexão sobre o assunto, para subsidiar a implantação de ações que melhorem a cultura de segurança e a qualidade da assistência em serviços de Atenção Primária.

A qualificação da Atenção Primária no SUS, adotada pelo governo brasileiro, objetiva resgatar o caráter universalista da Declaração de Alma-Ata enfatizando o papel de reorientação do modelo assistencial para um sistema universal e integrado de atenção à saúde. Neste sentido, a Estratégia Saúde da Família é uma das propostas para a reorganização da Atenção Primária, sendo considerada uma alternativa de ação para o alcance dos objetivos de universalização, equidade e integralidade.(1111. Oliveira MA, Pereira IC. Primary Health Care essential attributes and the Family Health Strategy. Rev. Bras. Enferm. 2013; 66(spe):158-64. Portuguese.)

Pelo exposto, traçou-se como objetivo deste estudo traduzir, adaptar e validar o instrumento de pesquisa Medical Office Survey on Patient Safety Culture (MOSPSC) para avaliar a cultura de segurança do paciente na Atenção Primária à saúde no Brasil.

Métodos

Realizou-se estudo metodológico de tradução e adaptação cultural do instrumento de avaliação MOSPSC,(1212. Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ). Medical Office Survey on Patient Safety Culture [Internet]. [cited 2015 Jul 7]. Available from:http://www.ahrq.gov/professionals/quality-patient-safety/patientsafetyculture/medical-office/index.html.
http://www.ahrq.gov/professionals/qualit...
) desenvolvido em 2007 pela Agency for Health Care Research and Quality (AHRQ). Este instrumento tem se mostrado útil como forma de investigação científica, sendo a adaptação transcultural e a validação realizada para ser utilizada na Atenção Primária na Espanha.(1313. Torijano-Casalengua ML, Olivera-Cañadas G, Astier-Peña MP, Maderuelo-Fernández JÁ, Silvestre-Busto C. [Validation of a questionnaire to assess patient safety culture in Spanish Primary Health Care professional]. Aten Primaria. 2013; 45(1):21-37.) Foi também validado em árabe e recentemente aplicado em um estudo em Al Mukalla, no Iêmen.(1414. Webair HH, Al-Assani SS, Al-Haddad RH, Al-Shaeeb WH, Bin Selm MA, Alyamani AS. Assessment of patient safety culture in primary care setting, Al-Mukala, Yemen. BMC Fam Pract. 2015; 16(1):136.) Pesquisa desenvolvida pelo projeto LINNEAUS, publicada em novembro de 2015, em que o instrumento foi analisado por 15 especialistas do Reino Unido, Holanda, Dinamarca, Alemanha, Polônia e Áustria, os resultados mostram ser uma ferramenta útil e aplicável para avaliar a cultura de segurança do paciente em unidades de Atenção Primária na Europa.(1515. Parker D, Wensing M, Esmail A, Valderas JM. Measurement tools and process indicators of patient safety culture in primary care. A mixed methods study by the LINNEAUS collaboration on patient safety in primary care. Eur J Gen Pract. 2015 Nov; 21 Supp 1:26-30.)

O instrumento de avaliação original é constituído de 51 perguntas que medem 12 dimensões do construto da segurança do paciente, que incluem: (1) comunicação aberta; (2) comunicação sobre o erro; (3) troca de informações com outros setores; (4) processo de trabalho e padronização; (5) aprendizagem organizacional; (6) percepção geral da segurança do paciente e qualidade; (7) apoio dos gestores na segurança do paciente; (8) seguimento da assistência ao paciente; (9) questões relacionadas à segurança do paciente e qualidade; (10) treinamento da equipe; (11) trabalho em equipe; e (12) pressão no trabalho e ritmo.

Para alcançar o objetivo do estudo, seguiram-se inicialmente seis etapas (Figura 1), acompanhadas rigorosamente e documentadas em relatórios, de acordo com guia para estudos de validação na área da saúde, quais sejam: Etapa 1 - tradução do instrumento original para o idioma de destino, realizada por dois tradutores independentes (versões T1 e T2), nativos brasileiros e bilíngues inglês/português, com experiência nessa metodologia e informação do objetivo da tradução; Etapa 2 - na síntese I, as versões T1 e T2 foram comparadas com a versão original do instrumento e sintetizadas; Etapa 3 - retrotradução, realizada por dois tradutores independentes (R-T1 e R-T2), nativos norte-americanos bilíngues, que não conheciam a versão original do instrumento e nem os objetivos do estudo; Etapa 4 - na Síntese II, foram realizadas as adaptações transculturais após avaliação de discrepâncias; Etapa 5 - Validade de conteúdo e análise semântica realizada em duas fases.

Figura 1
Etapas do método; IVC - Índice de Validade de Conteúdo; IRA - concordância interavaliadores; AP - Atenção Primária

A Fase 1 da Etapa 5 consitiu na análise dos especialistas. Participaram seis especialistas, selecionados pelos seguintes critérios: ser pesquisador (mestre ou doutor) e possuir produção científica na temática segurança do paciente ou conhecimento metodológico na adaptação de instrumentos. Foram analisados os currículos na Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, e além dos critérios estabelecidos, cinco dos seis especialistas possuem experiência em saúde coletiva.

O convite e as instruções foram enviados aos especialistas por meio eletrônico. Para a análise, utilizou-se o programa de pesquisa SurveyMonkey®, contendo os itens a serem avaliados individualmente quanto à clareza, pertinência e forma do conteúdo, com uma escala Likert composta das seguintes pontuações: 1 para não claro, 2 para pouco claro, 3 para claro, e 4 para bastante claro. Ao final de cada item, havia um espaço para sugestões e observações.

Para medir a proporção ou porcentagem de concordância entre os especialistas, os dados obtidos foram analisados quanto ao Índice de Validade de Conteúdo,(1616. Sousa VD, Rojjanasrirat W. Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: a clear and user-friendly guideline. J Eval Clin Pract. 2011; 17(2):268-74.,1717. Alexandre NM, Coluci MZ. [Content validity in the development and adaptation processes of measurement instruments]. Ciênc. saúde coletiva. 2011; 16(7):3061-8. Portuguese.) seguindo a seguinte fórmula:

  • número de respostas “3” e “4” dividido pelo número total de respostas.

Também se calculou a concordância interavaliadores de cada seção com a seguinte fórmula:

  • número de itens com Índice de Validade de Conteúdo ≥80% dividido pelo número total de itens de cada seção.

A concordância interavaliadores é destinada a avaliar a extensão em que os especialistas são confiáveis nas avaliações dos itens frente ao contexto estudado.(1818. Bellucci JJ, Matsuda LM. [Construction and validation of an instrument to assess the Reception with Risk Rating]. Rev Bras Enferm. 2012; 65(5):751-7. Portuguese.) Por fim, foi calculado o Índice de Validade de Conteúdo do instrumento realizado, mediante a soma total dos Índices de Validade de Conteúdo, dividida pelo número total de itens.

A Fase 2 da Etapa 5 foi a avaliação por um grupo de população meta, realizada para verificar se todos os itens eram compreensíveis para a população à qual o instrumento se destinava. Participaram dessa fase seis profissionais da população meta, representantes das principais categorias profissionais que compõem o quadro da Atenção Primária, desde o estrato de escolaridade mais baixo até o mais alto. Cada item foi avaliado interativamente e analisado quanto à sua compreensão em uma situação de brainstorming.(1919. Pasquali L. [Principles of elaboration of psychological scales]. Rev. psiquiatr. clín. [Intenet]. 1998; 25(5):206-13. Portuguese.) Para as questões que suscitaram dúvidas na interpretação, foram solicitadas sugestões de adaptações, as quais foram registradas em relatório e analisadas posteriormente.

A Etapa 6 consistiu na aplicação do pré-teste, o qual teve como objetivo avaliar se o questionário era compreensível para um maior número da população meta e proceder à análise de confiabilidade do instrumento.

A coleta de dados foi realizada em março e abril de 2015, com uma amostra de 37 profissionais da equipe multidisciplinar de três centros de saúde e uma clínica da família (unidade com oito equipes de saúde da família) de uma regional de saúde da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. A graduação da compreensão foi realizada por meio de uma escala Likert com as seguintes pontuações: 1 para não entendi; 2 para entendi pouco; 3 para entendi mais ou menos; 4 para entendi; e 5 para entendi plenamente. Para análise da confiabilidade foi utilizado o coeficiente alfa de Cronbach.

O estudo foi registrado na Plataforma Brasil sob o número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAEE) 31787314.0.0000.5553, sendo, inicialmente, consultada a AHRQ, obtendo-se autorização.

Resultados

As adaptações do instrumento de avaliação iniciaram-se pelo título, “Medical Office Survey on Patient Safety”, sendo a tradução original “Pesquisa de Consultório Médico sobre Segurança do Paciente”. A finalidade foi adaptar um instrumento que pudesse ser utilizado nas diversas configurações da Atenção Primária. Assim, o título foi modificado para “Pesquisa sobre Cultura de Segurança do Paciente para Atenção Primária”. Além disso, o termo “consultório médico” foi alterado para “serviço de saúde”, e o termo “provedor”, para “médico”. Também foi realizada a adaptação das profissões que compõem a equipe de saúde, pelo fato de algumas categorias profissionais não possuírem o equivalente no Brasil.

O anexo 1 apresenta a versão final da tradução e adaptação transcultural aplicada no pré-teste.

Análise dos especialistas

Os itens do instrumento de avaliação que apresentaram pontuação 1 (não claro) ou 2 (pouco claro) em mais de 20% foram considerados insatisfatórios. Eles foram, então, modificados com base nas sugestões, mantendo o conceito geral. Assim, o acordo mínimo entre avaliadores foi de 80% para que o item não necessitasse de adaptações.

Na seção A, apenas três itens (questões 1, 3 e 8) atingiram Índice de Validade de Conteúdo 0,8; as questões 4, 5 e 6 atingiram índice de 0,7 e as demais foram abaixo de 5. Na seção B, o Índice de Validade de Conteúdo não foi satisfatório, devido à manutenção das alternativas das respostas em uma única questão. Na Seção C, a maioria dos itens atingiu índice entre 0,8 e 1,0; em somente três itens (questões 3, 12 e 14), foi abaixo de 0,7, necessitando de adequações. Na seção D, somente um item (questão 6) não atingiu Índice de Validade de Conteúdo satisfatório; os demais ficaram entre 0,8 e 1,0. Nas seções E, F, G e H, todas as questões obtiveram índice acima de 0,8.

Quanto à concordância interavaliadores, os valores obtidos nas seções A (0,3) e B (0,0) não foram satisfatórios, necessitando de mais adaptações. Na seção C, a concordância interavaliadores foi de 0,8; na D, 0,9; e as demais seções alcançaram pontuação igual a 1,0.

Embora algumas seções necessitassem de mais adaptações, o cálculo do Índice de Validade de Conteúdo do instrumento geral foi satisfatório, com pontuação de 0,85.

Avaliação pelo grupo de população meta

Nesta fase, participaram da pesquisa seis profissionais, sendo um de cada categoria: enfermeiro, médico, odontólogo, técnico de enfermagem, agente comunitário de saúde e técnico em saúde bucal. Quanto à escolaridade, um possuía Ensino Médio, um Ensino Superior em andamento e um Ensino Superior completo, dois com especialização e um com nível de Mestrado.

As sugestões do grupo foram analisadas pelas pesquisadoras, e os itens considerados relevantes foram modificados por consenso. Na Seção A, foi incluída a questão de número 8, sugerida pelo grupo e aceita, compreendendo um total de dez questões para essa seção (Anexo 1).

Pré-teste

Foram distribuídos 52 questionários e recebidos 37 devolutivas (71%). Na distribuição por categoria profissional, a coleta foi realizada de forma que incluísse a maior diversidade possível, sendo composta por: técnicos de enfermagem (n=11; 29,7%), enfermeiros (n=7; 19,0%), médicos (n=4; 10,8%), odontólogos (n=3; 8,1%), equipe administrativa (n=3; 8,1%), técnicos de laboratório (n=2; 5,4%), nutricionista (n=1; 2,7%), técnico de saúde bucal (n=1; 2,7%), administrador (n=1; 2,7%), gerente (n=1; 2,7%), chefia de enfermagem (n=1; 2,7%), chefe do setor de registro (n=1; 2,7%), e agente comunitário de saúde (n=1; 2,7%).

A versão do MOSPSC em português apresentou o coeficiente alfa de Cronbach de 0,95, que expressa alta confiabilidade.

Discussão

Como limitações do estudo, observou-se que, para atingir um nível satisfatório com somente seis especialistas, na realização dos cálculos do Índice de Validade de Conteúdo, era necessário que cinco desses avaliassem o item com pontuação mínima de 3 (claro) ou 4 (bastante claro). Outro aspecto foi que na seção B os subitens foram mantidos em uma única questão, fato que interferiu na avaliação, porque os especialistas sugeriram que as respostas deveriam ser desmembradas. Apesar dessas limitações, o Índice de Validade de Conteúdo do instrumento geral atingiu um nível de validade satisfatório de 0,85. Para verificar a validade de novos instrumentos, de uma forma geral, alguns autores sugerem uma concordância mínima de 0,80.(1717. Alexandre NM, Coluci MZ. [Content validity in the development and adaptation processes of measurement instruments]. Ciênc. saúde coletiva. 2011; 16(7):3061-8. Portuguese.)

Na análise da consistência interna, o coeficiente de alfa de Cronbach foi de 0,95, sendo encontrado valor semelhante na validação do instrumento para o espanhol (0,96).(1313. Torijano-Casalengua ML, Olivera-Cañadas G, Astier-Peña MP, Maderuelo-Fernández JÁ, Silvestre-Busto C. [Validation of a questionnaire to assess patient safety culture in Spanish Primary Health Care professional]. Aten Primaria. 2013; 45(1):21-37.)

A utilização de um método consistente para o processo de tradução, adaptação transcultural e validação de instrumento de pesquisa é essencial.(1212. Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ). Medical Office Survey on Patient Safety Culture [Internet]. [cited 2015 Jul 7]. Available from:http://www.ahrq.gov/professionals/quality-patient-safety/patientsafetyculture/medical-office/index.html.
http://www.ahrq.gov/professionals/qualit...
) Neste estudo, as etapas foram cuidadosamente acompanhadas, analisadas e documentadas, para atingir um melhor nível de consistência. Um instrumento robusto, bem desenvolvido, com validade e confiabilidade dos dados na versão de origem, rigorosamente adaptado e traduzido em diversas línguas, permite comparar os resultados internacionalmente, em diversas culturas.(2020. Tuthill EM, Burler LM, McGrath JM, Cursson RM, Maklware, Gable RK, et al. Cross-cultural adaptation of instruments assessing breastfeeding determinants: a multi-step approach. Int Breastfeed J. 2014; 9:16.)

As etapas da pesquisa foram utilizadas para apoiar a equivalência conceitual, semântica e de conteúdo do instrumento a ser traduzido. A etapa de análise de conteúdo foi realizada por especialistas. De acordo com a referência metodológica utilizada, um número de seis especialistas é suficiente para obtenção da validade de conteúdo.(1313. Torijano-Casalengua ML, Olivera-Cañadas G, Astier-Peña MP, Maderuelo-Fernández JÁ, Silvestre-Busto C. [Validation of a questionnaire to assess patient safety culture in Spanish Primary Health Care professional]. Aten Primaria. 2013; 45(1):21-37.,1919. Pasquali L. [Principles of elaboration of psychological scales]. Rev. psiquiatr. clín. [Intenet]. 1998; 25(5):206-13. Portuguese.) Para tanto, seguiu-se criteriosa seleção dos mesmos, para assegurar a qualidade da avaliação realizada.

A análise semântica foi realizada por meio do grupo de população meta, com avaliação da compreensão e validade aparente. Os itens foram revisados e modificados, para aprimorar a compreensão e clareza conforme as sugestões. Um projeto para traduzir, adaptar e validar um instrumento de pesquisa transcultural pode levar vários anos, e é normalmente realizado com base metodológica em mais de um estudo. Pode-se definir como meta inicial traduzir, adaptar e validar um instrumento utilizando as etapas 1 a 5, e, posteriormente, realizar o teste psicotécnico completo da versão pré-final do instrumento traduzido em uma amostra do público-alvo.(1616. Sousa VD, Rojjanasrirat W. Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: a clear and user-friendly guideline. J Eval Clin Pract. 2011; 17(2):268-74.)

A seção A foi alvo de maior número de sugestões de adaptações, tanto na fase de análise dos especialistas quanto na avaliação pelo grupo de população meta. Um fator que contribuiu para redução do Índice de Validade de Conteúdo da seção foi a avaliação de um dos especialistas, que graduou todos os itens como “pouco claro”, não em relação à pergunta, mas sim na frequência de resposta. Sugeriu-se substituir as opções de resposta “semanalmente” ou “mensalmente” por “pelo menos uma vez na semana” e “pelo menos uma vez ao mês”, respectivamente.

Na seção H, realizaram-se adaptações das categorias profissionais que compõem os serviços da Atenção Primária no Brasil, considerando que o tema engloba a estrutura organizacional e a equipe multiprofissional. Da mesma forma, outro estudo de tradução e validação de instrumento para uso em hospitais realizou essa adaptação.(66. Reis CT, Laguardia J, Martins M. [Translation and cross-cultural adaptation of the Brazilian version of the Hospital Survey on Patient Safety Culture: initial stage]. Cad. Saúde Pública. 2012; 28(11):2199-210. Portuguese.)

Não foi excluído nenhum item do instrumento de avaliação; pelo contrário, foi acrescentado o item 8 na seção A, sugerido pelo grupo de população meta. O item refere-se ao acesso à realização de exames, visto que, na realidade brasileira, nem sempre os exames necessários são ofertados aos pacientes gratuitamente e em tempo hábil. A acessibilidade é definda como a capacidade do usuário obter cuidados de saúde sempre que necessitar e de maneira fácil e conveniente,(1111. Oliveira MA, Pereira IC. Primary Health Care essential attributes and the Family Health Strategy. Rev. Bras. Enferm. 2013; 66(spe):158-64. Portuguese.) e esta dimensão da qualidade em saúde interfere diretamente na segurança, por impossibilitar diagnóstico e tratamento adequados. Acredita-se que o elevado número de questões do instrumento pode interferir na aderência à pesquisa e, em outro estudo, igualmente foi sugerido que seria mais apropriado menor número de itens.(1313. Torijano-Casalengua ML, Olivera-Cañadas G, Astier-Peña MP, Maderuelo-Fernández JÁ, Silvestre-Busto C. [Validation of a questionnaire to assess patient safety culture in Spanish Primary Health Care professional]. Aten Primaria. 2013; 45(1):21-37.)

Assim, o desafio de adaptar transculturalmente um instrumento, e as limitações ao se avaliar um assunto complexo, que é a cultura de segurança do paciente, com itens objetivos dirigidos a gestores, equipe administrativa e multiprofissional, pode-se afirmar sua confiabilidade. No entanto, deve-se prosseguir com etapas seguintes, para equivalência operacional e de mensuração, para comprovar suas propriedades psicométricas.(66. Reis CT, Laguardia J, Martins M. [Translation and cross-cultural adaptation of the Brazilian version of the Hospital Survey on Patient Safety Culture: initial stage]. Cad. Saúde Pública. 2012; 28(11):2199-210. Portuguese.) A aplicação de um questionário validado, em estudos comparados nos diferentes contextos no país, e entre outros países dos diversos continentes, possibilitará compreender o multifacetado fenômeno da cultura de segurança em vários serviços da Atenção Primária.

Conclusão

Foram realizadas tradução, adaptação transcultural e validação do instrumento de pesquisa Medical Office Survey on Patient Safety Culture, com análise semântica e avaliação da clareza e compreensão dos itens. Na análise dos especialistas, os resultados demonstraram validade de conteúdo satisfatória. No pré-teste, a versão para o português do Brasil apresentou alta confiabilidade, de acordo com o alfa de Cronbach, e foi considerado de fácil compreensão pela população meta.

Referências

  • 1
    Mendes CM, Barroso FF. Promoting a culture of safety in primary health care. Rev Port Saúde Pública. 2014; 32(2):197-205. Portuguese.
  • 2
    Ammouri AA, Tailakh AK, Muliira JK, Geethakrishnan R, Al Kindi SN. Patient safety culture among nurses. Int Nurs Rev. 2015; 62(1): 102-10.
  • 3
    Françolin L, Gabriel CS, Bernardes A, Silva AE, Brito MF, Machado JP. Patient safety management from the perspective of nurses. Rev Esc Enferm USP. 2015; 49(2):277-83.
  • 4
    Thomas L, Galla C. Building a culture of safety through team training and engagement. BMJ Qual Saf. 2013; 22(5):425-34.
  • 5
    Reis CT, Martins M, Laguardia J. [Patient safety as a dimension of the quality of health care-a look at the literature]. Cien Saude Colet. 2013; 18(7):2029-36. Portuguese.
  • 6
    Reis CT, Laguardia J, Martins M. [Translation and cross-cultural adaptation of the Brazilian version of the Hospital Survey on Patient Safety Culture: initial stage]. Cad. Saúde Pública. 2012; 28(11):2199-210. Portuguese.
  • 7
    Kirwan M, Matthews A, Scott PA. The impact of the work environment of nurses on patient safety outcomes: a multi-level modelling approach. Int J Nurs Stud. 2013; 50(2):253-63.
  • 8
    Rodríguez-Cogollo R, Paredes-Alvarado IR, Galicia-Flores T, Barrasa-Villar JI, Ruiz SC. [Patient safety culture in family and community medicine residents in Aragon]. Rev Calid Asist. 2014; 29(3):143-9. Spanish.
  • 9
    Gaal S, Verstappe W, Wensing M. What do primary care physicians and researchers consider the most important patient safety improvement strategies? BMC Health Serv Res. 2011; 11:102.
  • 10
    Bondevik GT, Hofoss D, Hansen EH, Deilkås EC. The safety attitudes questionnaire - ambulatory version: psychometric properties of the Norwegian translated version for the primary care setting. BMC Health Serv Res. 2014; 14:139.
  • 11
    Oliveira MA, Pereira IC. Primary Health Care essential attributes and the Family Health Strategy. Rev. Bras. Enferm. 2013; 66(spe):158-64. Portuguese.
  • 12
    Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ). Medical Office Survey on Patient Safety Culture [Internet]. [cited 2015 Jul 7]. Available from:http://www.ahrq.gov/professionals/quality-patient-safety/patientsafetyculture/medical-office/index.html
    » http://www.ahrq.gov/professionals/quality-patient-safety/patientsafetyculture/medical-office/index.html
  • 13
    Torijano-Casalengua ML, Olivera-Cañadas G, Astier-Peña MP, Maderuelo-Fernández JÁ, Silvestre-Busto C. [Validation of a questionnaire to assess patient safety culture in Spanish Primary Health Care professional]. Aten Primaria. 2013; 45(1):21-37.
  • 14
    Webair HH, Al-Assani SS, Al-Haddad RH, Al-Shaeeb WH, Bin Selm MA, Alyamani AS. Assessment of patient safety culture in primary care setting, Al-Mukala, Yemen. BMC Fam Pract. 2015; 16(1):136.
  • 15
    Parker D, Wensing M, Esmail A, Valderas JM. Measurement tools and process indicators of patient safety culture in primary care. A mixed methods study by the LINNEAUS collaboration on patient safety in primary care. Eur J Gen Pract. 2015 Nov; 21 Supp 1:26-30.
  • 16
    Sousa VD, Rojjanasrirat W. Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: a clear and user-friendly guideline. J Eval Clin Pract. 2011; 17(2):268-74.
  • 17
    Alexandre NM, Coluci MZ. [Content validity in the development and adaptation processes of measurement instruments]. Ciênc. saúde coletiva. 2011; 16(7):3061-8. Portuguese.
  • 18
    Bellucci JJ, Matsuda LM. [Construction and validation of an instrument to assess the Reception with Risk Rating]. Rev Bras Enferm. 2012; 65(5):751-7. Portuguese.
  • 19
    Pasquali L. [Principles of elaboration of psychological scales]. Rev. psiquiatr. clín. [Intenet]. 1998; 25(5):206-13. Portuguese.
  • 20
    Tuthill EM, Burler LM, McGrath JM, Cursson RM, Maklware, Gable RK, et al. Cross-cultural adaptation of instruments assessing breastfeeding determinants: a multi-step approach. Int Breastfeed J. 2014; 9:16.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2015
  • Aceito
    18 Jan 2016
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: actapaulista@unifesp.br