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Mensagens dos familiares de pacientes em estado de coma: a esperança como elemento comum

Resumos

OBJETIVO: Identificar significados comuns nas mensagens dos familiares de pacientes em estado de coma internados em UTI. MÉTODOS: Estudo descritivo com abordagem qualitativa de análise de conteúdo de 30 mensagens de familiares de pacientes em estado crítico. RESULTADOS: Emergiram sete categorias: a busca de apoio espiritual para superar as dificuldades; a necessidade de expressão dos sentimentos; o desejo que os pacientes retornem ao convívio familiar; não se preocupem com os acontecimentos externos; preocupação dos familiares em relatarem as visitas reafirmando que o paciente não está sozinho; preocupação na recuperação dos mesmos; lembranças da vida cotidiana e notícias de casa. CONCLUSÕES: Sentimentos e preocupações emergiram, além de algo universal: a esperança. Esta permeou praticamente todas as categorias; esperança não só na cura, como também na adaptação.

Unidades de terapia intensiva; Pacientes internados; Família; Coma


OBJECTIVE: Identifying common meanings in messages from relatives of patients in coma who had been admitted into intensive care units. METHODS: Descriptive study, qualitatively analyzing 30 messages from families of critical state patients. RESULTS: Seven categories emerged: search for spiritual support to overcome difficulties; the necessity of expressing one's feelings; the wish for the patients to return to family life; patients should not worry about external events; family is concerned with reporting the visits, reaffirming that the patient is not alone; concerns about the patient's recovery; memories about daily life and news from home. CONCLUSIONS: Feelings and concerns emerged, along with a universal feeling: hope. This was a part of all categories; hope not only about a cure, but also in adaptation.

Intensive care unit; Hospitalized patients; Family; Coma


OBJETIVO: Identificar los significados comunes en los mensajes de los familiares de pacientes en estado de coma internados en una Unidad de Cuidados Intensivos (UCI). MÉTODOS: Se trata de un estudio descriptivo con abordaje cualitativo de análisis de contenido de 30 mensajes de familiares de pacientes en estado crítico. RESULTADOS: Emergieron siete categorías: la búsqueda de apoyo espiritual para superar las dificultades; la necesidad de expresión de los sentimientos; el deseo de que los pacientes retornen a la convivencia familiar; no se preocupen con los acontecimientos externos; preocupación de los familiares para relatar las visitas reafirmando que el paciente no está solo; preocupación en la recuperación de los mismos; recuerdos de la vida cotidiana y noticias de casa. CONCLUSIONES: Emergieron sentimientos y preocupaciones, además de algo universal: la esperanza. Ella permeó prácticamente todas las categorías; esperanza no sólo en la cura, sino también en la adaptación.

Unidades de terapia intensiva; Pacientes internos; Familia; Coma


ARTIGO ORIGINAL

Mensagens dos familiares de pacientes em estado de coma: a esperança como elemento comum*

Mensajes de los familiares de pacientes en estado de coma: la esperanza como elemento común

Ana Cláudia Giesbrecht PugginaI; Maria Júlia Paes da SilvaII; Monica Martins Trovo de AraújoIII

IPós-graduanda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo USP São Paulo (SP), Brasil

IIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo USP São Paulo (SP), Brasil

IIIPós-graduanda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo USP São Paulo (SP), Brasil

Autor Correspondente

RESUMO

OBJETIVO: Identificar significados comuns nas mensagens dos familiares de pacientes em estado de coma internados em UTI.

MÉTODOS: Estudo descritivo com abordagem qualitativa de análise de conteúdo de 30 mensagens de familiares de pacientes em estado crítico.

RESULTADOS: Emergiram sete categorias: a busca de apoio espiritual para superar as dificuldades; a necessidade de expressão dos sentimentos; o desejo que os pacientes retornem ao convívio familiar; não se preocupem com os acontecimentos externos; preocupação dos familiares em relatarem as visitas reafirmando que o paciente não está sozinho; preocupação na recuperação dos mesmos; lembranças da vida cotidiana e notícias de casa.

CONCLUSÕES: Sentimentos e preocupações emergiram, além de algo universal: a esperança. Esta permeou praticamente todas as categorias; esperança não só na cura, como também na adaptação.

Descritores: Unidades de terapia intensiva; Pacientes internados; Família; Coma

RESUMEN

OBJETIVO: Identificar los significados comunes en los mensajes de los familiares de pacientes en estado de coma internados en una Unidad de Cuidados Intensivos (UCI).

MÉTODOS: Se trata de un estudio descriptivo con abordaje cualitativo de análisis de contenido de 30 mensajes de familiares de pacientes en estado crítico.

RESULTADOS: Emergieron siete categorías: la búsqueda de apoyo espiritual para superar las dificultades; la necesidad de expresión de los sentimientos; el deseo de que los pacientes retornen a la convivencia familiar; no se preocupen con los acontecimientos externos; preocupación de los familiares para relatar las visitas reafirmando que el paciente no está solo; preocupación en la recuperación de los mismos; recuerdos de la vida cotidiana y noticias de casa.

CONCLUSIONES: Emergieron sentimientos y preocupaciones, además de algo universal: la esperanza. Ella permeó prácticamente todas las categorías; esperanza no sólo en la cura, sino también en la adaptación.

Descriptores: Unidades de terapia intensiva; Pacientes internos; Familia; Coma

INTRODUÇÃO

A tecnologia nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) tem proporcionado um aumento cada vez maior da complexidade dos quadros clínicos e, com isso, aumentado a incidência de pacientes com rebaixamento do nível de consciência, tanto pela ação de drogas, procedimentos terapêuticos, quanto pela própria doença. "A incorporação de tecnologias advindas da informática tem permitido o desenvolvimento completo e a modernização de vários equipamentos de monitorização dos diversos sistemas fisiológicos do organismo humano, desde ventiladores mecânicos com a incorporação de vários modos de assistência respiratória completa ou parcial, até bombas de infusão com o controle mais exato da dosagem dos medicamentos e de seus diluentes"(1).

Não há dúvida que o tratamento em UTI seja um ramo da Medicina altamente tecnológico. Mesmo em casos aparentemente sem esperanças, podem-se salvar vidas através de aplicação de modernas tecnologias. Porém, embora com esse contexto de sucesso, o tratamento em UTIs tem falhado em outro aspecto. Pacientes parecem sofrer de outros problemas resultantes da comunicação insuficiente, alteração no sono e falta de empatia da equipe. Muitas atividades em situações de cuidado intensivo parecem ser entre a equipe e as máquinas, sujeitos e objetos(2). Evoluímos como enfermeiros e profissionais da saúde em relação à técnica, mas como técnica não significa ética, não conseguimos manter nossa dignidade nas pequenas coisas: esquecemos de sorrir, de olhar nos olhos dos nossos pacientes e dos nossos companheiros de trabalho, de apertar as mãos, de fazer um afago, de puxar a cadeira, sentar e ouvir(3).

Ninguém questiona a importância da existência da tecnologia, porque ela em si mesma não é benéfica nem maléfica, tudo depende do uso que se faz dela. A UTI precisa e deve utilizar recursos tecnológicos cada vez mais avançados, porém os profissionais não deveriam esquecer que jamais a máquina substituirá a essência humana(4).

Existem muitas crenças e fantasias quando se fala de UTI para pessoas que não são da área de saúde. Àqueles que desconhecem o meio hospitalar, a UTI é considerada como um local crítico onde "as pessoas vão lá para morrer"; "quando estão nas últimas" ou "quando estão muito graves". Estereótipos como esses, poderiam ser desfeitos por definições adequadas, bem como, comunicação e interação eficientes com os familiares de pacientes internados em UTI(5).

O enfermeiro poderia ser o indicado para estabelecer essa comunicação com os familiares sobre as rotinas da UTI, os aparelhos, os cuidados realizados, como também, oferecer apoio emocional e espiritual. Porém, esse cuidado, tanto para com os pacientes como para com os familiares, com certeza, é um dos mais difíceis de ser implementado. A rotina diária e complexa que envolve o ambiente da UTI induz os membros da equipe de Enfermagem a esquecerem de tocar e conversar com o paciente à sua frente(6).

Um estudo(7) sobre as famílias de pacientes internados em UTI realizado com enfermeiros, identificou uma percepção bastante significativa. Todos os discursos referiram-se às dificuldades que os enfermeiros tinham em lidar com a família, revelando distintas dimensões dessa vivência. Alguns, percebem os sentimentos de sofrimento dos familiares e aprendem a lidar com eles. Outros relacionam essa dificuldade à organização do trabalho, às especificidades de uma Terapia Intensiva, às próprias limitações pessoais ou da equipe de saúde, e ainda, ao modo das famílias expressarem seus sentimentos.

"A hospitalização de um familiar em UTI geralmente ocorre de forma aguda e inesperada, restando pouco tempo para o ajuste familiar. Diante dessa situação estressante, os familiares podem sentir-se desorientados, desamparados e com dificuldades para se mobilizarem, fazendo emergir diferentes tipos de necessidades"(8).

A família experencia medo, ansiedade, insegurança, e esses sentimentos emergem de situações difíceis que acompanham essa internação, tais como: a possibilidade da morte do paciente, a busca de informações sobre o estado de saúde do paciente e a própria dinâmica de trabalho da terapia intensiva, com sua tecnologia e com o saber específico dos profissionais(7,9).

Por outro lado, o enfermeiro percebe que, em certas situações, a família sente-se segura por deixar seu parente nesse ambiente bem equipado, o que advém da idéia de que em Terapia Intensiva o paciente pode ser melhor cuidado. Nesse sentido, o enfermeiro percebe que a família vivencia sentimentos ambíguos em relação à UTI: lugar estranho, que amedronta, mas que oferece segurança no cuidado do doente grave, sempre com o desejo que ele saia de lá o quanto antes(7).

No trabalho(10) em que teve como objetivos verificar a influência da música e mensagem oral sobre os sinais vitais e expressão facial dos pacientes em coma fisiológico ou induzido; e relacionar a existência de responsividade do paciente com a Escala de Coma de Glasgow ou com a Escala de Sedação de Ramsay, no que se refere ao estímulo musical e ao estímulo verbal, os familiares de pacientes internados em UTI tiveram a oportunidade de gravar uma mensagem (estimulo verbal) que teve o propósito de ser exposta aos seus entes queridos.

Acredita-se que, ao se repetir o nome do paciente e colocar uma mensagem feita por um familiar próximo e com sua própria voz, a atenção do paciente se volte mais facilmente para esse estímulo(11), já que há uma grande tendência a "prestar atenção" às coisas que tenham um certo valor cognitivo e emocional.

OBJETIVO

O objetivo desse estudo foi, portanto, identificar significados comuns nas mensagens dos familiares de pacientes em estado de coma internados em UTI.

MÉTODOS

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo descritivo, transversal, exploratório e de campo, com abordagem qualitativa, visto que o foco é complexo e de interpretação subjetiva, sendo o discurso o elemento básico de investigação.

Local de estudo

O estudo foi realizado em duas Unidades de Terapia Intensiva (Trauma e Clínica) de um hospital escola da cidade de São Paulo (Brasil).

Amostra

A amostra do estudo foi constituída por 30 mensagens de familiares de pacientes em estado de coma e internados em Unidade de Terapia Intensiva.

Procedimentos para a coleta dos dados

Diante das mensagens gravadas no referido estudo(10), considerou-se adequado analisá-las para se compreender as necessidades e expectativas dos familiares de pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva.

Para a gravação do estímulo verbal, os familiares foram convidados a participar da pesquisa, elaboravam uma mensagem gravada com a sua própria voz e escolhiam uma música de acordo com a preferência do paciente, ambas gravadas no mesmo CD.

Durante o horário de visita, a pesquisadora se aproximava dos familiares quando estes estavam à beira do leito. Apenas apresentava-se e comentava rapidamente sobre o trabalho e sua possibilidade de escolha em participar ou não. Se o familiar aceitasse ou apresentasse interesse, orientava-se um encontro ao término do horário de visita na sala de reuniões da própria unidade. A autora preocupou-se em não atrapalhá-los no único momento do dia em que poderiam estar próximos da pessoa querida, por isso evitou longas explicações naquele momento. Inúmeras foram as vezes, em que, antes de abordar os familiares, observou uma tentativa destes em se comunicar com o paciente. Quando isso ocorria, era quase certa a sua aceitação em participar da pesquisa(10).

Os familiares receberam orientações quanto aos critérios de elaboração das mensagens em grupos de duas ou três pessoas, na sala de reuniões. Foram fornecidos papel e caneta para que fizessem um breve rascunho do que seria dito e gravado. Além disso, os familiares foram orientados sobre como utilizar o gravador digital de voz e, no momento da gravação, ficavam sozinhos, até mesmo sem a presença da pesquisadora, para que se sentissem mais à vontade(10).

A mensagem oral foi utilizada com dois objetivos básicos: expor o paciente a um estímulo de linguagem e focalizar sua atenção. Para a elaboração desta utilizou-se, a princípio, alguns critérios de padronização: elaboração da mensagem por um familiar significativo para o paciente, pois nem sempre a pessoa que o estava acompanhando naquele momento tinha um vínculo forte com ele; duração de, no máximo, 3 minutos; dizer no início e no fim da mensagem quem estava falando; falar três vezes, no mínimo, o nome do paciente no decorrer da mensagem; situar o paciente espacialmente: onde o paciente estava e o que estava acontecendo com ele; dizer uma mensagem de carinho e com uma perspectiva otimista; contar algo de sua vida familiar.

Quanto ao critério de elaboração da mensagem ser feita por um familiar significativo para o paciente, não havia uma maneira precisa para se avaliar isso, mas sempre se perguntava qual o grau de ligação com o paciente e se ele gostaria da opinião de outro familiar para aceitar participar da pesquisa.

Após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, (Processo n. 1079/04) a coleta se deu nos meses de março à setembro de 2005, junto aos familiares que aceitaram gravar a mensagem e preencher o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para a pesquisa exposta.

Tratamento dos dados

Os discursos dos familiares foram transcritos na íntegra, respeitando a coloquialidade de suas falas e os dados foram analisados segundo a metodologia da Análise de Conteúdo(12), que propõe um conjunto de técnicas de análise da comunicação verbal, para obter indicadores, qualitativos ou não, que permitem a descrição do conteúdo das mensagens dos entrevistados. Seu método é composto de três fases (pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação) e um dos critérios para a categorização dos dados pode ser o semântico ou temático, quando são agrupados todos os temas que têm o mesmo significado.

RESULTADOS

Dos discursos dos familiares emergiram sete categorias que evidenciaram a busca de apoio espiritual para superar as dificuldades, a necessidade de expressão dos sentimentos, o desejo que os pacientes retornem ao convívio familiar e não se preocupem com os acontecimentos externos. Revelaram, ainda, uma preocupação dos familiares em relatar as visitas, reafirmando que o paciente não está sozinho na sua recuperação, bem como em relembrar momentos da vida cotidiana e dar notícias de casa.

Categoria I – A busca de apoio espiritual para superar as dificuldades

Nessa categoria fica evidente que independente da religião ou do vínculo com algumas delas, os familiares buscam apoio espiritual nesse momento de incerteza e insegurança. Nas mensagens há uma forte expressão de religiosidade; palavras como "Deus", "Jesus" e "oração" estiveram muito presentes em praticamente todos os discursos. Além disso, esse apego ao espiritual vem, muitas vezes, relacionado à necessidade de não perder a esperança, a propostas de mudanças, a promessas e à espera de um milagre.

"Nossos irmãos em Cristo têm orado muito por você. Você é uma pessoa muito amada no meio cristão. Nossos filhos ficaram abalados, mas eles têm reagido bem, como nós os educamos na igreja, na graça de Deus, o Senhor tem amparado nossos filhos e eles têm reagido bem." (Esposa do paciente IV)

"Apesar de eu não ir na igreja, eu tenho muita fé em Deus que você vai sair daí, forte, andando; você vai viver muito, muito, muito..." (Filha da paciente XVI)

"Todo mundo está orando, está rezando, está pedindo para que Deus faça esse milagre para que a senhora volte para a nossa casa, para o nosso convívio (...)" (Filho da paciente XI)

"(...) a F fez a promessa de Sebastião, ela cortou o cabelo, e o pai também fez a promessa de ir a Aparecida à pé, o W também fez, nós vamos ter que cumprir essas promessas agora; com a sua força você vai levantar, vai se recuperar e você vai junto também." (Irmão do paciente XXIV)

Categoria II – A necessidade de expressão dos sentimentos

Nessa categoria evidencia-se a necessidade dos familiares expressarem seus sentimentos de amor, saudade, carinho e dedicação aos pacientes, como também, arrependimento e culpa por atos relacionados a eles.

"Preciso dizer que te amo muito." (Irmã do paciente V)

"Nós estamos sentindo muito a sua falta lá em casa." (Esposa do paciente VIII)

"Eu só quero ter a senhora de volta, poder beijar a senhora, abraçar, dizer o quanto eu amo a senhora, continuo amando, sempre amei, amo e sempre vou amar a senhora, até o fim dos meus dias." (Filha da paciente XIII)

"Quero te pedir desculpas por nossas brigas, eu tinha brigado muito, mas eu preciso muito de você, da sua presença." (Filha da paciente XVI)

"Mamãe A, receba o meu amor, meu carinho e minha gratidão da grande oportunidade que a senhora me deu nessa minha existência, e também, por ter me apoiado em todas as áreas da minha vida." (Filha da paciente XXIII)

Categoria III – O desejo que os pacientes retornem ao convívio familiar

Nessa categoria evidencia-se o desejo de que as coisas voltem a ser como eram antes, de que a pessoa querida volte ao convívio familiar e de que o "pesadelo" acabe logo.

"Mãezona, estamos ansiosos para que regresse logo para que possamos nos divertir, viajar e ir a lugares fantásticos." (Filho da paciente XV)

"Estamos preparando o seu retorno ao lar cheio de vida, alegria e saúde. (Filho da paciente XV)

"Volta logo para casa, por favor." (Filha da paciente XVI)

"Todo o dia, perguntam de você, você tem que voltar." (Irmão do paciente XXIV)

Categoria IV – O desejo que os pacientes não se preocupem com os acontecimentos externos

Nessa categoria surge a preocupação dos familiares em relação ao bem-estar do paciente, sem que este se preocupe com as atividades que deixou de fazer nem com as pessoas que dependem dele, e sim, exclusivamente com a sua recuperação.

"Não há com o que você se preocupar. Eu estou me alimentando, estou trabalhando, não tem que se preocupar com nada." (Filha da paciente IX)

"Você não tem com o que se preocupar, nós estamos muito bem em casa, eu estou me dando bem com o pai, (...)" (Filha da paciente IX)

"Mãe, fica boa logo, não fica ansiosa, não fica tensa, não fica eufórica, procura ficar calma, fazer tudo o que precisa ser feito. O importante é que a senhora viva, que a senhora saia disso mãe, que a senhora saia dessa com vida." (Filha da paciente XIII)

"Tenha calma, acorde tranquilo, calmo, não fique nervoso nem agitado." (Esposa do paciente XXVI)

Categoria V – A preocupação com a recuperação dos pacientes

Nessa categoria fica evidente a preocupação dos familiares com a recuperação e o restabelecimento da saúde dos pacientes, com o gostar independentemente de ser útil. Vale destacar o fato de que os familiares, ao falarem da recuperação dos seus entes queridos, não se referem apenas à melhora de suas condições clínicas, mas também ao fato de que esperam que os pacientes possam voltar a ser e viver como antes da internação (não emagrecido ou edemaciado; mas sim andando e falando, por exemplo), diferentes do estado em que se encontravam no momento em que as mensagens foram gravadas.

"Todo dia, toda hora, cada segundo a gente está vibrando pela sua recuperação." (Filha da paciente III)

"Nós te amamos muito e esperamos em Deus que você melhore logo e volte para casa são, andando e com todos os sentidos, pois nós acreditamos no Senhor e sabemos que ele vai te recuperar prontamente como você era antes." (Esposa do paciente IV)

"T, o P e a M estão me ajudando muito, nós estamos torcendo por você, Jesus vai nos ajudar, você vai ficar bom." (Esposa do paciente VIII)

Categoria VI – A preocupação em relatar as visitas e reafirmar que o paciente não está sozinho

Nessa categoria fica evidente o quanto são importantes para os familiares as visitas hospitalares. Eles as descrevem valorizando a presença familiar como um fator de segurança para o paciente. Além disso, nessa categoria há uma demonstração do bem querer que a pessoa desperta, ou seja, o quanto ela é importante e amada por sua família.

"A Dona M quer vir visitar você, a irmã L já veio, a T, a irmã D, né?! Tem tanta gente querendo vim visitar você, só que na UTI só pode entrar duas pessoas. Então, tem que dar tempo porque o meu lugar eu não dou para ninguém." (Filha da paciente II)

Eu e a C vimos aqui todos os dias te visitar. A visita é na parte da tarde, das quatro às cinco horas, tá bom?" (Filho da paciente XI)

"A mamãe hoje ia vir, não pode vir, mas amanhã ela vai estar aí novamente, querida." (Pai da paciente XXV)

"(...) você não está sozinho, você está junto com a gente, nós estamos todos com você." (Esposa do paciente XXVI)

Categoria VII – As lembranças da vida cotidiana e notícias de casa

Nessa categoria é expressa a necessidade dos familiares em relatar as notícias de casa e algumas mudanças, lembranças de momentos especiais, como também, atividades que antes eram de responsabilidade do paciente e que agora são assumidas por outra pessoa.

"Então, mãe, não é para você se preocupar, lá em casa está tudo bem." (Filho da paciente XI)

"O seu cachorro, o R, ele está lá em São Roque. Nós levamos ele para São Roque porque ele ficou muito grande e não deu no apartamento. Só que aí, a gente teve que trazer a B, a gatinha, lembra da gata F? A B, ela está agora lá no apto." (Mãe do paciente I)

"Quanto a bicicletaria estamos cuidando de tudo, o que o I sabe ele faz, vende peças, anota pedidos." (Irmã do paciente V)

"Quando você puder ir para Vinhedo, vamos brincar com as crianças, com a L, E e com o F. Eles estão bem, todos querendo tê-lo junto a nós, brincando lá no quintal, naquele gramado tão grande, pulando corda, brincando lá no balanço..." (Esposa do paciente VIII)

DISCUSSÃO

Em estudos(9,13-14) que também abordam a busca de apoio espiritual pelos familiares para superarem as dificuldades com o adoecimento de um ente querido, foram obtidos resultados semelhantes: a questão da espiritualidade, independente da crença religiosa da pessoa, é um aspecto marcante para os pacientes e familiares durante à internação em UTI. Nos depoimentos são enaltecidas a crença e a fé em Deus, como entidades diretamente vinculadas ao processo de internação e a alta. Além disso, a religião mostra-se como fonte de apoio familiar para a compreensão do evento.

A espiritualidade mostra-se como fonte de apoio familiar para a compreensão do estado crítico do ente querido e do sofrimento inerente à esta condição. Aquele ser enaltecido é, afinal, muitas vezes o único ponto de apoio; o que pode ser facilmente transferido aos familiares que também passam pela experiência, e sob outra perspectiva, não menos dolorosa(15).

A presença de Deus está diretamente relacionada à questão da cura e da gratidão. O familiar parece entregar a Deus nessa situação, a responsabilidade e a decisão pela vida ou morte do paciente(9).

Algumas vezes essa busca calorosa pela espiritualidade se parece com o terceiro estágio de uma doença incurável mencionado por Klüber-Ross(16): a barganha. A maioria das barganhas são feitas com Deus e geralmente mantidas em segredo ou reveladas em situações especiais; são tentativas de adiamento de um sofrimento maior, e incluem promessas e mudanças de comportamento se a graça for alcançada.

Nesse momento de intenso sofrimento fica evidente a necessidade dos familiares de abordar alguns sentimentos e a elaboração das mensagens parecia significar mais uma oportunidade para eles se expressarem em relação aos pacientes, sentimentos esses nem sempre mencionados em situações de saúde plena.

Na verbalização das mensagens, principalmente as palavras de amor e saudade, na maioria das vezes vinham envolvidas de intensa emoção e lágrimas. Foi emocionante, através dessa estratégia de gravação, observar filhos que tinham dificuldades de dizer que amam os pais, filhos pedindo desculpas e prometendo muitas coisas, conjuges jurando amor eterno... A tentativa de resgatar um tempo de convívio que pode não ter sido devida ou adequadamente aproveitado.

Os pacientes, em geral, eram muito graves e em algumas mensagens esse pedido tinha um forte tom de desespero e desamparo. Alguns familiares repetiram "volte logo" inúmeras vezes no decorrer da mensagem.

O tempo cronológico, medido como as batidas de um relógio, é o mesmo para cada um de nós, todos temos 24 horas por dia. Mas a percepção desse tempo, medido com as batidas do coração, é que pode ser muito diferente. Quando esperamos algo importante, o tempo parece demorar uma eternidade... torturante e lento, muito diferente do que se estivéssemos fazendo algo que gostamos(17).

O tempo para esses familiares parecia ser um fator de angústia, devido à incerteza do desfecho.

Nas mensagens, também evidencia-se uma preocupação dos familiares em relatar quem visita e/ou visitou os pacientes, que muitas pessoas ligam e questionam sobre o estado de saúde e, principalmente, que ele não está sozinho, está sendo assistido de muito perto também pelos familiares. Para o paciente em estado crítico, essa afirmação é essencial uma vez que tudo o que é por ele percebido na maior parte do tempo (sons, vozes, fisionomia, cheiros, toques) provém de pessoas estranhas e de um ambiente desconhecido.

Recordações da vida cotidiana e notícias de casa, também mencionadas pelos familiares, parecem ser importantes nesse momento como uma aceitação da continuidade da vida: reorganização das estruturas financeiras, relacionais e psico-emocionais, lembranças de bons momentos, aprendizados e mudanças de hábitos adquiridos com o sofrimento, motivação para reagir, valorização das pequenas coisas...

É interessante notar, que em um estudo(18) quantitativo sobre as necessidades dos familiares de pacientes internados em UTI, as autoras identificaram percepções diferentes dos familiares. Nesse estudo foi utilizada para coleta de dados, uma adaptação do Critical Care Family Need Inventory e a amostra foi constituída foi 39 familiares. Os resultados mostraram que as maiores necessidades dos familiares são: ter certeza que o paciente está recebendo o melhor tratamento (89,7%), saber fatos concretos sobre o progresso do paciente (84,6%), conversar com o médico todos os dias (79,5%) e ter um toalete e um telefone próximo à sala de espera (56,4%).

Vários fatores podem ter influenciado essa diferença em relação aos resultados encontrados neste estudo e no descrito anteriormente(18), como por exemplo, a abordagem do estudo (quantitativa ou qualitativa), a utilização do instrumento e os procedimentos de coleta de dados. Neste trabalho a finalidade primária foi a elaboração de mensagens pelos familiares para seus entes queridos e, portanto, nesse aspecto os objetivos também são muito diferentes.

Na verdade, os estudos se complementam e trazem à tona um tema de muita importância na assistência de enfermagem: o cuidado aos familiares de pacientes internados em UTI. A percepção das necessidades das famílias podem resultar na implementação de novas políticas, como horários de visitas mais flexíveis e acomodações mais adequadas para os acompanhantes, além de promover maior proximidade da equipe de enfermagem dos pacientes e de seus familiares(18). Encarar o cuidado aos familiares, bem como sua presença junto a esses pacientes, como parte essencial da assistência de enfermagem é nosso desafio.

CONCLUSÕES

A família experencia, durante o processo de internação de um ente querido em uma Unidade de Terapia Intensiva, inúmeros sentimentos; como senso comum, poderíamos destacar medo, ansiedade e insegurança. Porém, outros sentimentos e preocupações emergiram, além de algo universal: a esperança. Considerando as categorias, a esperança permeou praticamente todas elas, esperança não só na cura como também na adaptação.

Na verdade, os familiares parecem passar por um período turbulento de mudanças, transformações, amadurecimentos e buscas intensas de forças internas e externas para superar as dificuldades e eles parecem encontrá-las. A valorização de momentos felizes e o aprendizado com o sofrimento trazem outras perspectivas, além da continuidade da existência.

Identificar esses sentimentos pode melhorar e individualizar a assistência de enfermagem. Talvez, ao vermos os familiares, não somente como pessoas que sofrem, mas que também sentem inúmeras emoções e aprendem durante todo esse processo, possamos dar um primeiro passo para ajudá-los a superar essa experiência.

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  • Corresponding Author:
    Ana Cláudia Giesbrecht Puggina
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      18 Jul 2007
    • Recebido
      20 Abr 2007
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