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A consistência das teses de Trasímaco sobre a justiça no livro I da República de Platão

The consistency of Thrasymachus’ theses on justice in Plato’s Republic I

Resumo:

A discussão entre Trasímaco e Sócrates no Livro I da República de Platão dá vigor à questão da justiça iniciada com Céfalo. Trasímaco é um personagem importante da obra, pois vai relacionar a justiça ao governo da cidade. Isso faz com que a justiça saia da esfera individual e entre na esfera pública. Em nosso artigo, pretendemos verificar as teses de Trasímaco sobre a justiça e se estas são consistentes entre si. O problema da consistência das teses é antigo entre os comentadores e apresenta diferentes soluções. Nosso intuito é propor uma solução para o problema e relacionar isto à arte do governo proposta por Trasímaco. Isso nos permite verificar a maneira pela qual Sócrates e Trasímaco diferem entre si em suas propostas de governo e dos tipos de governante. Desse modo, nosso trabalho pretende contribuir com a literatura platonista sobre o papel ocupado por Trasímaco dentro da obra de Platão.

Palavras-chave:
Trasímaco; Sócrates; Justiça; Injustiça; Téchne ; Governo

Abstract:

The discussion between Thrasymachus and Socrates in Book I of Plato's Republic instead the question about justice started with Cephalus. Thrasymachus is an important character, who relates justice to the city government. This causes justice to leave individual sphere and enter public sphere. In our article, we want to verify how Thrasymachus' theses on justice and whether they are consistent with each other. The problem of consistency of theses is old among commentators and presents different solutions. Our intention is to propose a solution to the problem and to relate this to art of government proposed by Thrasymachus. This allows us to verify the manner in which Socrates and Thrasymachus differ in their proposals for government and types of ruler. In this way, our work intends to contribute with literature on the role played by Thrasymachus in Plato’s work.

Keywords:
Thrasymachus; Socrates; Justice; Injustice; Téchne ; Government

Introdução

Desde a interpretação de Kerferd (1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.))1 1 Publicada originalmente em 1947. sobre as teses de Trasímaco, muito se tem discutido com relação ao real papel deste personagem na República de Platão e a forma como ele apresenta a sua definição de justiça. O lógos de Trasímaco tem severas dificuldades de interpretação, o que levanta forte divergência entre os comentadores sobre o que realmente ele estaria querendo dizer. Ao tratar da justiça, três serão as principais teses por ele apresentadas. Colocá-las-emos por inteiro para fins de esclarecimentos futuros.2 2 Para a tradução, utilizaremos o texto de Pereira (2001). Tomaremos esta tradução como base para nosso trabalho, utilizando traduções nossas quando julgarmos necessário. Para o original grego em todo o trabalho, utilizaremos o texto estabelecido por Slings (2003).

(T1) φημὶ γὰρ ἐγὼ εἶναι τὸ δίκαιον οὐκ ἄλλο τι ἢ τὸ τοῦ κρείττονος συμφέρον.

afirmo que a justiça não é outra coisa senão a conveniência do mais forte. (R. 338c2-3)

(T2) Τίθεται δέ γε τοὺς νόμους ἑκάστη ἡ ἀρχὴ πρὸς τὸ αὑτῇ συμφέρον.

Cada governo estabelece as leis de acordo com a sua conveniência. (R. 338e1-2)

(T3) ἡ μὲν δικαιοσύνη καὶ τὸ δίκαιον ἀλλότριον ἀγαθὸν τῷ ὄντι, τοῦ κρείττονός τε καὶ ἄρχοντος συμφέρον, οἰκεία δὲ τοῦ πειθομένου τε καὶ ὑπηρετοῦντος βλάβη.

de fato, a justiça e o justo [são] um bem alheio, que consiste na conveniência do mais forte e do governante, e que é próprio de quem obedece e serve ter prejuízo. (R. 343c3-5)

Alguns comentadores alegam que a primeira tese é a real posição de Trasímaco, pois ele estaria preocupado apenas com a política e quando ele fala sobre o mais forte, ele quer dizer, de fato, o governante.3 3 Para uma lista extensa destes, ver Nicholson, 1974. Outros pensam que a sua posição está na terceira tese.4 4 Kerferd, 1976; Nicholson, 1974; Annas, 1981. Há ainda os que pensam ser Trasímaco um legalista (T2) e estaria querendo dizer que “a justiça é obediência às leis”.5 5 Hourani, 1962. Contra esta posição ver, Kerferd, 1964; Hadgopoulos, 1973. Inserido nesse debate há outro ponto importante, ao qual pretendemos nos prender nesse estudo, que é a verificação se as teses de Trasímaco são consistentes entre si. Muitos trabalhos foram desenvolvidos nos últimos anos sobre o assunto, alguns defendem a total inconsistência de suas teses,6 6 Entre outros, Annas, 1981; Allan, 1940; Klosko, 1984; Everson, 1998. outros defendem a inconsistência devido a uma manipulação de Platão sobre o personagem Trasímaco7 7 Harrison, 1967; Maguire, 1971. e, por fim, há aqueles que defendem a consistência das teses mediante alguns ajustes.8 8 Muitos são os autores que tem se dedicado nos últimos anos a defender uma consistência no argumento entre os mais importantes podemos citar Kerferd, 1976; Kerferd, 1964; Hourani, 1962; Sparshott, 1966; Henderson, 1970; Nicholson, 1974; Dorter, 1974; Reeve, 1985; Boter, 1986; Chappell, 1993; Reeve, 2008; Novitsky, 2009.

Neste artigo, faremos um detalhado estudo das teses apresentadas por Trasímaco com o intuito de verificar se há, de fato, um problema de consistência nestas. Sem a pretensão de exaurir o problema, nosso trabalho visa a tornar mais clara a discussão, assim como tem o intuito de mostrar se é possível considerar que há uma definição geral de justiça no discurso de Trasímaco. Para compreendermos a linguagem utilizada por Trasímaco na República, é preciso antes identificar o que ele entende por ‘mais forte’, ‘outro’, ‘justo’ e ‘injusto’, caracterizando o vocabulário utilizado por ele em sua argumentação. Em nossa análise, partimos do estudo de Kerferd, que defende que há uma definição geral de justiça como ‘bem alheio’ (Kerferd, 1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.), p. 559-560) e que isto garante a coesão entre todas as teses apresentadas por Trasímaco. Por outro lado, também iremos avaliar as principais posições contrárias à interpretação de Kerferd.

Em seu artigo publicado em 1947, Kerferd irá coletar as principais posições, atribuídas pelos comentadores, ao discurso de Trasímaco. Seriam estas:9 9 Kerferd, 1976, p. 545-546.

  1. Obrigação moral não tem existência real, mas é uma ilusão na mente dos homens (niilismo ético).

  2. Obrigação moral não tem existência à parte de decretos legais (legalismo).

  3. Obrigação moral tem existência real independente e surge da natureza do homem (direito natural).

  4. Os homens sempre perseguem o que eles pensam ser seu próprio interesse e devem fazê-lo a partir de sua própria natureza (egoísmo psicológico).

A única destas posições aceitas por Kerferd é a (III). Para refutar as outras posições e justificar a terceira, ele irá propor que a justiça como sendo a conveniência do mais forte não pode ser tomada como definição, mas somente a justiça como sendo um bem alheio, entendendo que este seria o posicionamento de Trasímaco (Kerferd, 1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.), p. 560). Dessa forma, Kerferd propõe que a defesa de Trasímaco da injustiça coloca esta como uma obrigação moral para ele, assim como a justiça é uma obrigação moral para Sócrates. Com isso, Kerferd (1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.), p. 561) refuta a posição (I).

A identidade entre díkaion e nómimon, entendendo nisso uma concepção da justiça como observância das leis, estaria profundamente enraizada na cultura grega (Vegetti, 1998VEGETTI, M. (ed.) (1998). Platone. La Repubblica. Vol. 1. Traduzione e commento. Napoli, Bibliopolis., p. 241).10 10 Em X. Mem. 4.4, Sócrates atesta a relação da justiça com a lei. No entanto, o posicionamento de Trasímaco sobre a justiça não pode unicamente ser defendido como “obediência às leis”, pois, se assim fosse, a sugestão de Clitofonte seria aceita como solução para seu argumento. Clitofonte sugere aos demais que a lei feita pelo mais forte (governante) é o que ele julga ser sua conveniência e esta deve ser seguida pelos mais fracos (governados) (R. 340a-b). No entanto, tal consideração não é aceita pelo próprio Trasímaco (R. 340c). A recusa de Trasímaco à sugestão de Clitofonte dá base para a refutação de Kerferd à posição do legalismo (II) defendida por Hourani (Kerferd, 1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.), p. 561).11 11 Cf. Kerferd, 1964.

Quanto a posição (IV), Kerferd a refuta dizendo que, em sua defesa da injustiça, Trasímaco recomenda que os homens ajam pelos seus próprios interesses, no entanto, os governados, ao contrário, agem ingenuamente porque não buscam o próprio interesse, mas fazem o interesse do governante. Isso não condiz com o egoísmo psicológico que defende que os homens perseguem sempre o próprio interesse (Kerferd, 1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.), p. 562).

Refutadas as posições (I), (II) e (IV), Kerferd irá advogar a favor da posição (III), acrescentando ao argumento de Trasímaco a teoria do direito natural. Segundo Kerferd, Trasímaco tomaria como regra geral para a justiça o ‘bem alheio’ (Kerferd, 1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.), p. 559) e defenderia um ideal moral de injustiça que se opõe à justiça.12 12 Kerferd, 1976, p. 561: “[…] para Trasímaco a injustiça é uma obrigação moral em todos os sentidos em que para Sócrates a justiça é uma obrigação moral”. Apesar de não usar a terminologia que opõe lei à natureza, Trasímaco tomaria a injustiça como uma areté e, com isso, faria da injustiça à realização da natureza dos homens (Kerferd, 1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.), p. 562). Voltaremos a esse ponto mais à frente em nosso trabalho para uma melhor análise da proposta final de Kerferd.

1. Apresentação do problema

A inconsistência das teses (T1) e (T3) se dá ao tomarmos a relação entre governante e governados. Se a justiça é um bem alheio (T3) e a conveniência do mais forte (T1), temos de um lado os governados praticando o que é melhor para o governante, pois este além de ser “outro” é também o “mais forte” da relação o que faz os argumentos, pelo ponto de vista dos governados, estarem de acordo. No entanto, ao tomarmos o ponto de vista do governante temos uma inconsistência, pois se o governante praticar a justiça terá que fazer necessariamente um bem para si mesmo visando a conveniência do mais forte e não um bem alheio como estava estabelecido em (T3), portanto, nesse caso, a justiça se confunde com a definição de injustiça que é a busca da própria vantagem. Este é o principal problema para que os argumentos de Trasímaco possam concordar entre si.

Henderson irá tentar resolver este problema da seguinte maneira: a ação justa é a vantagem do mais forte porque o mais forte é alguém que sempre tem a oportunidade para explorar as ações justas dos outros (Henderson, 1970HENDERSON, T. Y. (1970). In Defense of Thrasymachus. American Philosophical Quarterly 7, n. 3, p. 218-228., p. 220). Para explicar o seu pensamento ele irá definir o que consiste, segundo o seu entendimento, mais forte, injusto e governante. O mais forte seria sempre um homem injusto; homens injustos são aqueles que cometem ações injustas; o governante é alguém que sempre faz leis que são vantajosas para ele, não sendo definido nem como justo nem como injusto (Henderson, 1970HENDERSON, T. Y. (1970). In Defense of Thrasymachus. American Philosophical Quarterly 7, n. 3, p. 218-228., p. 220-221). Para Henderson, caso um governante seja justo não poderá ser considerado um homem forte, pois somente os governantes injustos são homens fortes (Henderson, 1970HENDERSON, T. Y. (1970). In Defense of Thrasymachus. American Philosophical Quarterly 7, n. 3, p. 218-228., p. 221). Dessa forma, a ação justa é a conveniência do mais forte, sendo o mais forte, por definição, aquele que tira vantagem de todas as oportunidades que o possam beneficiar. A justiça é um bem alheio, de modo que as ações justas permitem a outros a oportunidade de enganar um agente justo. Injustiça seria a própria vantagem, no sentido de que as ações injustas tiram vantagem de outros. Com essa interpretação, “a justiça é a conveniência do mais forte” não implica que se o mais forte agir justamente isto seja para sua própria conveniência (Henderson, 1970HENDERSON, T. Y. (1970). In Defense of Thrasymachus. American Philosophical Quarterly 7, n. 3, p. 218-228., p. 221). No entanto, a interpretação de Henderson foge ao texto e para que possamos melhor esclarecer isto citamos a seguinte passagem:

Ora, em cada pólis, não é o governo que detém a força (τὸ ἄρχον)?

Exatamente.

Certamente que cada governo estabelece as leis de acordo com a sua conveniência: a democracia, leis democráticas; a tirania, leis tirânicas; e os outros, da mesma maneira. Uma vez promulgadas essas leis para os governados, fazem saber que é justo aquilo que lhes convém, e castigam os transgressores, a título de que violaram a lei e cometeram uma injustiça. Aqui tens, meu excelente, aquilo que eu quero dizer, ao afirmar que há um só modelo de justiça em todas póleis - a conveniência do governo estabelecido. Ora estes é que detêm a força. De onde resulta, para quem pensar corretamente, que a justiça é a mesma em toda parte: a conveniência do mais forte (τὸ τοῦ κρείττονος συμφέρον). (R. 338d9-339a4)

Ao falar da justiça, Trasímaco parece estar preocupado em demonstrar como esta se apresenta na prática dentro da cidade (πόλις) e na relação que estabelece dentro do governo (ἀρχή) instituído nesta. Tanto Sócrates como Trasímaco concordam que em cada cidade é o governo que detém o κράτος que, no caso estabelecido, pode ser tanto traduzido como ‘força’ como também ‘poder’.13 13 Tomaremos estes termos como sinônimos neste trabalho sempre que estivermos falando de questões relativas ao governo. Isso inclui a relação governante e governado. Em nenhum momento da posterior discussão entre Sócrates e Trasímaco estes discutem quem seria, de fato, o mais forte, pois parece acordado entre eles, desde o que foi dito em 338d9-10, que o mais forte é aquele que exerce o poder na cidade através do governo constituído, e este só pode ser o governante. Portanto, ao contrário do que diz Henderson, o mais forte é sempre o governante. No decorrer da discussão, Sócrates tentará provar que, ao contrário do que diz Trasímaco, a justiça não é a conveniência do mais forte e que o governante deve visar a conveniência do governado, mas não tentará inverter a relação de força estabelecida pelos dois, como podemos ver pela passagem demonstrada. Segundo Bordes,

No entanto, se ele [Trasímaco] procede assim, é precisamente porque aos seus olhos a arkhé desempenha, nos três regimes, um papel exatamente semelhante, a “do mais forte”; nessas condições, o relato entre as leis e a arkhé é também a mesma nos três casos: as leis são interesse. Elas dependem, desse modo, totalmente da soberania e esta nos é apresentada por Trasímaco como um fato de evidência indiscutível. Portanto, não há necessidade de se demandar qual pode ser o melhor regime possível, pelo menos em absoluto: a escolha do melhor regime é função do interesse de cada cidadão e do lugar onde se situa no corpo político. (Bordes, 1982BORDES, J. (1982). Politeia dans la pensée grecque jusqu’a Aristote. Paris, Les Belles Lettres., p. 250)

A relação entre lei e governo é uma das características da justiça apresentada por Trasímaco. A determinação do justo depende da soberania estabelecia no governo. Será papel do governante, portanto o estabelecimento das leis que determinam o justo. Sócrates irá questionar Trasímaco sobre a possibilidade de o governante errar. Se na formulação das leis o governante errar, essas não vão ser sempre o mais vantajoso ao governante, mas também o contrário, o desvantajoso (R. 339c-e). Ao recusar a sugestão de Clitofonte de que o governante faz leis que ele pensa serem benéficas a ele, Trasímaco irá perguntar a Sócrates: “pensas que chamo mais forte aquele que se engana, no momento em que se engana?” (ἀλλὰ κρείττω με οἴει καλεῖν τὸν ἐξαμαρτάνοντα ὅταν ἐξαμαρτάνῃ; R. 340c6-7). É a partir da crítica de Sócrates que Trasímaco vai apresentar mais um elemento necessário para a definição do mais forte: ele não deve errar. Mas como pode o governante não errar? Para melhor entendermos isto, passemos à análise do argumento da téchne. Trasímaco fala com rigor (κατὰ τὸν ἀκριβῆ λόγον) que

nenhum artífice se engana. Efetivamente, só quando o seu saber o abandona é que quem erra se engana e nisso não é um artífice. Por consequência, artífice, sábio ou governante algum se engana, enquanto estiver nessa função, mas toda a gente dirá que o médico errou, ou que o governante errou. Tal é a acepção em que deves tomar a minha resposta de há pouco. Precisando os fatos o mais possível: o governante, na medida em que está no governo, não se engana; se não se engana, promulga a lei que é melhor para ele, e é essa que deve ser cumprida pelos governados. De maneira que, tal como declarei no início, afirmo que a justiça consiste em fazer o que é conveniente para o mais forte. (R. 340e1-341a4)

Em seu comentário à República, Adam dirá que Trasímaco, na passagem aqui citada, deixa os fatos para tratar de um tipo de idealismo, pois toma o governante como infalível (Adam, 2009ADAM, J. (2009). The Republic of Plato. Edited with critical notes, commentary and appendices by James Adam. 2 vols. Cambridge, Cambridge University Press. (1ed. 1902), vol. 1, p. 33). Guthrie diz haver uma falha no argumento, pois ao tentar demonstrar o governante real, Trasímaco acaba por formular um governante ideal ao introduzir o sentido estrito de que o governante não erra (Guthrie, 2007GUTHRIE, W. K. C. (2007). Os Sofistas. São Paulo, Paulus. (1ed. 1995), p. 92). Para Harrison, o argumento está sem um propósito adequado e representa uma das provas da manipulação de Platão sobre o personagem Trasímaco (Harrison, 1967HARRISON, E. L. (1967). Plato’s Manipulation of Thrasymachus. Phoenix 21, n. 1, p. 27-39., p. 31). Nawar (2018NAWAR, T. (2018). Thrasymachus’ Unerring Skill and the Arguments of Republic 1. Phronesis 63, p. 359-391.) entende que o argumento da infalibilidade do artífice não é um argumento irrelevante. Acreditamos que a passagem não está propriamente tratando de um idealismo ou qualquer tipo de manipulação de Platão para fins futuros, mas que Trasímaco está estritamente separando a função do artífice quando está a exercer a sua arte. Isso quer dizer que o médico tomado na função de exercer a medicina não é assim chamado quando erra, mas por ser aquele que é designado para tratar do corpo. O homem que toma por vezes a função de médico pode por vezes errar em seus afazeres comuns, mas não quando está exercendo a medicina. Da mesma forma, Trasímaco está a falar do governante como aquele que no exercício de sua função faz leis que são melhores para ele (τὸ αὑτῷ βέλτιστον τίθεσθαι), de acordo com a sua conveniência, beneficiando assim o seu próprio interesse. Segundo Santas, Trasímaco adicionou conhecimento ao poder político como outra condição necessária para ser o ‘mais forte’ (Santas, 2010SANTAS, G. (2010). Understanding Plato’s Republic. Oxford, Wiley-Blackwell., p. 21).

Se conhecimento (epistéme) agora é uma das condições para se ter o krátos, não é mais qualquer governante que será o ‘mais forte’, mas somente os que possuírem uma téchne para governar. Dessa forma, Trasímaco está agora a tratar diretamente da téchne e sua relação com a epistéme. Quanto a isso, podemos retomar a passagem 338d9-339a4 para um reexame da mesma. Se não é qualquer governante que pode governar, mas somente aqueles que possuem a téchne do governo, então também podemos dizer que as leis feitas por estes são infalíveis, pois são feitas por artífices no exercício máximo de sua arte. Dessa forma, ao contrário do que Clitofonte sugere, o governante não faz leis que crê serem convenientes para ele, mas faz leis que são realmente convenientes a ele (o mais forte), e que cabe aos governados o cumprimento dessas leis. Essa passagem relacionada ao argumento da téchne do governante concilia adequadamente as teses (T1) e (T2).

Na tentativa de refutar Trasímaco em seu argumento, Sócrates, em resumo, defende que cada arte se diferencia por uma dýnamis específica que produz uma utilidade. Esta utilidade (ὠφελία) é conveniente ao paciente da arte e não ao seu agente. Para que o agente possa se beneficiar é preciso atribuir junto de cada arte uma segunda arte que é a arte dos lucros (μισθωτική) que produz um salário (μισθός) que irá recompensá-lo pelo serviço. Αpesar dos misthoí serem úteis àquele que exerce sua arte, é inegável que o exercício da sua arte continua sendo útil para outros, mesmo que o artífice não receba nada por isto (R. 346a1-e2). Podemos dizer assim, que os misthoí e a ophelía são referentes a pessoas diferentes, um é o que pratica a arte e recebe os misthoí por sua prática, e o outro aquele que recebe a ophelía própria da arte em questão. Para que Trasímaco possa manter o seu argumento de que a justiça é a conveniência do mais forte, ele deve conseguir provar a possibilidade uma téchne que vise a sua própria vantagem. Somente assim ele poderia defender a existência de um governante que aja em seu próprio benefício.

De acordo com Roochnik, Sócrates “usa isto [a analogia com a téchne] para refutar Trasímaco, um professor profissional para quem a justiça é uma téchne e em benefício do governante” (Roochnik, 1996ROOCHNIK, D. (1996). Of Art and Wisdom. Plato’s Understanding of Techne. University Park, The Pennsylvania State University Press., p. 144), mas para o próprio Sócrates a justiça não é uma téchne, pois é apenas “similar a téchne em seu relacionamento com o semelhante e o dessemelhante. Disto não se segue necessariamente que a justiça como conhecimento seja uma téchne” (Roochnik, 1996ROOCHNIK, D. (1996). Of Art and Wisdom. Plato’s Understanding of Techne. University Park, The Pennsylvania State University Press., p. 145).14 14 Ver também p. 146: “justiça é um tipo de conhecimento, e conhecimento é exemplificado por téchne - disto não se segue que justiça é um tipo de téchne”. Roochnik sugere que o sentido de Platão utilizar a analogia com a téchne em suas obras é exortativo e refutativo, não sendo o propósito da analogia estabelecer um modelo teórico do conhecimento moral (Roochnik, 1986ROOCHNIK, D. (1996). Of Art and Wisdom. Plato’s Understanding of Techne. University Park, The Pennsylvania State University Press., p. 303).15 15 Cf. Roochnik, 1996, p. 133: “se areté é assumida como sendo conhecimento, e se téchne é o modelo do conhecimento moral, uma inaceitável consequência - nominalmente, areté não é conhecimento - se sucede. Como um resultado, no território platônico, téchne não é propriamente um modelo para conhecimento moral”. Por um lado, concordamos com Roochnik que Sócrates não concebe a justiça como uma téchne, por outro lado, discordamos que Trasímaco pense ser a justiça uma téchne. Segundo entendemos, ambos concordam que o governo é uma téchne que deve ser exercida pelo governante, e é por isso que podemos falar em uma téchne do governante. O tratamento que cada um dá à téchne com relação à justiça é, no entanto, distinto. Trasímaco faz com que a téchne do governante produza justiça, pois os governados devem ser justos cumprindo as determinações do governante. Ao contrário, no argumento de Sócrates, se o governante tem que ser justo, então há uma téchne do governo que é exercida pela presença da justiça, não sendo esta o seu produto. Ambos incluem a justiça na téchne do governo, mas de maneira distinta. O que nos faz perceber as maneiras distintas como Sócrates e Trasímaco entendem a arte do governo.

O argumento de Sócrates ajuda a definir o papel do governante enquanto governante que é oferecer a utilidade da sua arte ao governado. No entanto, a maneira em que ele interpreta o ‘verdadeiro governante’ é distinta da de Trasímaco. Para Trasímaco o governante injusto não buscará a conveniência/utilidade dos governados, mas a própria conveniência através dos misthoí. Quando ele governa, governa por vontade própria (R. 345e). Já para Sócrates, ao contrário, o governante justo não aceitará os mesmos misthoí, pois “os bons (οἱ ἀγαθοί) não querem governar nem por causa das riquezas, nem das honrarias, porquanto não querem ser apodados de mercenários, exigindo abertamente o salário do seu cargo (μισθὸν μισθωτοί), nem ladrões, tirando vantagem da sua posição” (R. 347b).

Temos já definidos o mais forte e o governante, precisamos verificar agora quem é o injusto segundo Trasímaco. Para isso, colocamos sua própria definição de injustiça. São duas as teses apresentadas:

(T4) ἡ δὲ ἀδικία τοὐναντίον, καὶ ἄρχει τῶν ὡς ἀληθῶς εὐηθικῶν τε καὶ δικαίων, οἱ δ’ ἀρχόμενοι ποιοῦσιν τὸ ἐκείνου συμφέρον κρείττονος ὄντος, καὶ εὐδαίμονα ἐκείνον ποιοῦσιν ὑπηρετοῦντες αὐτῷ, ἐαυτοὺς δὲ οὐδ’ ὁπωστιοῦν.

a injustiça é o contrário, e é quem comanda os verdadeiramente ingênuos e justos; e os governados fazem o que é conveniente para o mais forte e, servindo-o, tornam-no feliz, mas de modo algum a si mesmos. (R. 343c5-d1)

(T5) τὸ δ’ ἄδικον ἑαυτῷ λυσιτελοῦν τε καὶ συμφέρον.

A injustiça é a própria vantagem e conveniência. (R. 344c8-9)

O injusto é definido por critério de comparação com o justo. Sendo o justo ingênuo, ele sempre será enganado pelo injusto nas relações que estabelecerem entre eles, e nisso Trasímaco dá vários exemplos de situações onde o injusto tem sempre mais (πλέον ἔχειν) e o justo sempre menos (ἔλαττον ἔχειν) (cf. R. 343d3-343e7). É baseado nestes dois conceitos que Boter irá apresentar sua posição sobre Trasímaco, conforme iremos discutir na próxima seção.

2. A consistência das teses

Boter atenta para que se “a justiça é um bem alheio” for tomada como uma caracterização universal, ela significará que não somente quem é justo procura o bem do outro como também seu próprio prejuízo (Boter, 1986BOTER, G. J. (1986). Thrasymachus and ΠΛΕΟΝΕΞΙΑ. Mnemosyne 39, n. 3/4, p. 261-281., p. 265), o que parece um contrassenso. Por isso, Boter não irá tomar nenhuma das teses de Trasímaco como definições.16 16 Boter, 1986, p. 266: “Na minha interpretação, eu defenderei que nenhuma das afirmações de Trasímaco será considerada como uma definição, i. e., a proposição que descreve a essência da coisa definida e que é válida sobre todas as circunstâncias e por qualquer um”. Sobre isso ver também Chappell, 2000, p. 106-107: “Minha visão ainda é que a preocupação de Trasímaco é ‘dizer-nos o que, em realidade, a justiça parece ser, observando e descrevendo a prática social chamada justiça’ e fazer isso não pelo que Platão, ou Everson, contaria como uma definição formal, mas pelas contundentes e esclarecedoras subversivas generalizações sobre o funcionamento da justiça na sociedade. Não há a mínima razão para converter estas generalizações em definições formais e depois queixar-se que, assim tomadas, elas se contradizem”. (Grifos nossos) De acordo com ele, “Trasímaco tacitamente assume que a essência da justiça é ἰσότης, o oposto da πλεονεξία, uma opinião que pertence a cada grego de seu tempo, incluindo Platão” (Boter, 1986BOTER, G. J. (1986). Thrasymachus and ΠΛΕΟΝΕΞΙΑ. Mnemosyne 39, n. 3/4, p. 261-281., p. 266-267).17 17 Também assume a mesma posição Maguire, 1971, p. 152-153. Segundo Romilly (2002, p. 17), a palavra nómos, junto com a palavra isonomía, teria sido trazida para a vida política ateniense por Clistenes, em 506-507 a.C. Boter entende que o ‘outro’ é sempre o ‘mais forte’, seja público ou privado; o governante é um caso especial de ‘mais forte’ que está apto a cometer injustiça sem o risco de ser punido, distinguindo-se do injusto privado (Boter, 1986BOTER, G. J. (1986). Thrasymachus and ΠΛΕΟΝΕΞΙΑ. Mnemosyne 39, n. 3/4, p. 261-281., p. 267). Abaixo colocamos em resumo seu raciocínio:18 18 Boter, 1986, p. 273-274.

  1. A base da justiça é ἰσότης: isto significa que qualquer um segue esta regra. Leis são designadas para manter esta ἰσότης.

  2. A maioria das pessoas, no entanto, poderia preferir ter mais do que podem ter; se alguém for bem sucedido em ter mais (πλέον ἔχειν), o resultado imediato é que alguém terá menos (ἔλαττον ἔχειν).

  3. Numa sociedade onde as leis são observadas como ἰσότης, qualquer um que as quebre deve evitar ser punido tanto agindo sem ser percebido (λάθρᾳ) como usando a violência (βίᾳ]).

  4. Se alguém que está na posição de governante deseja ter mais do que pode, ele faz isso por dissolver a identidade entre leis e justiça: o que de fato é injustiça (a πλεονεξία do governante) é chamado de justiça (obediência das leis). O governante que melhor está apto para isto é o tirano.

  5. Em todos os casos onde o justo tem que negociar com um injusto, seja o injusto um governante ou uma pessoa privada, o justo tem sempre pior resultado. Desse modo, fazer a justiça traz o bem do outro e a desvantagem do justo.

  6. O governante e o injusto privado diferenciam-se somente em grau, seus objetivos são o mesmo: πλεονεξία; seus significados são diferentes: o governante usa em seu benefício as leis, o injusto privado age λάθρᾳ καὶ βίᾳ.

De acordo com essa interpretação, temos a justiça como um bem alheio que, se for seguida por todos da cidade, trará benefício para todos. Boter faz uma distinção entre justiça essencial (ἰσότης) e justiça formal (obediência às leis). A justiça que os governados devem obedecer é a justiça formal (cf. R. 338e3-4), pois o governante ele mesmo está fora deste tipo de justiça. No entanto, a essência da justiça é a mesma para qualquer um, incluindo o governante, sendo ela ἰσότης (Boter, 1986BOTER, G. J. (1986). Thrasymachus and ΠΛΕΟΝΕΞΙΑ. Mnemosyne 39, n. 3/4, p. 261-281., p. 274-275). Em oposição a Boter, podemos dizer que um benefício alheio não garante que todos os cidadãos de uma mesma pólis sejam beneficiados por este, já que, dar ao outro um benefício não indica uma distribuição igualitária do mesmo benefício a todos os cidadãos. Em primeiro lugar, não nos parece correta a identificação feita por Boter do ‘outro’ ser sempre o ‘mais forte’. Se duas pessoas justas fazem o bem uma a outra, não há nenhuma relação de força (no sentido de krátos) entre elas, não sendo possível a identificação no outro de um ‘mais forte’ (κρείττων). Também não podemos tomar o governante, nesta interpretação, como um caso especial de ‘mais forte’, pois se o ‘mais forte’ é o ‘outro’ de uma relação, em nada um governante se distinguiria em força dos governados quando pratica a justiça.

Também gostaríamos apresentar brevemente a visão relativista para as teses de Trasímaco. Segundo Novitsky, a maneira como Trasímaco trata em seu argumento da noção de justiça relacionada a tipos de governo diferentes indica que o que Trasímaco está dizendo é que o conteúdo real da justiça, e os fins do sistema que isso reflete, é meramente contingente (Novitsky, 2009NOVITSKY, D. (2009). Thrasymachus on the Relativity of Justice. Polis 26, n. 1, p. 11-30., p. 13). A justiça nada mais é do que o resultado de interesses dos governantes e, desse modo, não poderia apresentar um conteúdo necessário e nem uma definição única. Essa solução parece importante a primeira vista se tomarmos Trasímaco como defensor das teses relativistas existentes entre os sofistas do séc. V a.C. No entanto, parece ir no caminho contrário a sua defesa de uma téchne do governo, de maneira de que é através desta téchne que o governante se baseia para governar e estabelecer o que é justo. Desse modo, a tese puramente relatista não parece dar conta do conteúdo do argumento de Trasímaco e seria incoerente com o que ele parece defender.

Iremos expor a seguir nossos argumentos da maneira como entendemos o longo discurso que Trasímaco faz na passagem 343b-344c, com o intuito de explicitar a nossa resposta:

  1. A justiça e o justo são, na realidade, um bem alheio, conveniência do mais forte e de quem governa (ἡ μὲν δικαιοσύνη καὶ τὸ δίκαιον ἀλλότριον ἀγαθὸν τῷ ὄντι, τοῦ κρείττονός τε καὶ ἄρχοντος συμφέρον), i. e., o governante (343c3-4).

  2. A justiça é o prejuízo próprio de quem obedece e de quem serve, i. e., os governados (343c4-5).

  3. A injustiça comanda os verdadeiros ingênuos e os justos (ἄρχει τῶν ὡς ἀληθῶς εὐηθικῶν τε καὶ δικαίων; 343c5-7).

  4. A injustiça é a própria vantagem e conveniência (τὸ δ’ ἄδικον ἑαυτῷ λυσιτελοῦν τε καὶ συμφέρον; 344c8-9).

  5. Os governados trabalham para a conveniência do verdadeiro mais forte (κρείττονος ὄντος) e fazem a felicidade (εὐδαίμονα) dele servindo-o, mas de nenhuma maneira a deles próprios (343c7-d1).

  6. Um indivíduo não pode ser nunca o mais forte (cf. o exemplo de Polidamas, 338c8-d1). Mas somente aquele que detém o poder (κράτος) pode ser considerado o mais forte, e este é o que está no governo de uma cidade (cf. 338d9).

  7. Em toda parte, o homem justo tem menos do que o homem injusto (ὅτι δίκαιος ἀνὴρ ἀδίκου πανταχοῦ ἔλλατον ἔχει; 343d2-3).

  8. As relações de justo e injusto entre indivíduos giram em torno do πλέον ἔχειν e do ἔλαττον ἔχειν, mas nenhum deles possui o κράτος e, por isso, não podem ser considerados mais fortes enquanto indivíduos (343d3-e1).

Se observarmos bem o que está dito em (i), podemos verificar que é a primeira vez em que Trasímaco utiliza o termo δικαιοσύνη. Segundo entendemos o termo foi utilizado para dar uma definição geral da justiça como sendo, em realidade (τῷ ὄντι), um ‘bem alheio’. Assim, toda e qualquer relação na qual se envolva a justiça, terá que se remeter a isto. O justo como ‘a conveniência do mais forte’ é uma particularidade dessa definição geral que inclui apenas a relação entre governante e governados. Por isso, que em (i) há um ‘e’ que inclui o ‘mais forte’ e o ‘governante’ como um único e real beneficiado da justiça nesse único caso. Enquanto a definição geral de justiça é dita em (i) como sendo um bem alheio, a definição geral de injustiça consiste no que é dito em (iv) como sendo a busca da própria vantagem, pois se aplica a todos os tipos de injustos e não somente aqueles que estão no governo. Se incluirmos a (i) o que é dito em (iii), perceberemos que quem comanda (ἄρχει) os justos é a injustiça. Isto constitui uma particularidade da injustiça na formação de um governo. Analisando o que é dito em (ii), temos que os governados, que são aqueles que cumprem o que é determinado pela lei, sempre têm prejuízo com isso. Somando (ii) a (v), percebemos que há um verdadeiro mais forte (κρείττονος ὄντος) ao qual todos os governados estão subordinados. Dessa forma, se entendermos que há somente um verdadeiramente forte, não podemos aceitar que outro, senão o governante injusto, tenha o krátos.

Ao examinarmos (vii), veremos mais um caso particular da definição geral da justiça que inclui toda a relação entre indivíduos. Somando isto ao que é dito em (viii), podemos entender que a relação entre justo e injusto entre indivíduos não se dá da mesma maneira que entre governante e governados. Enquanto nesta há o krátos do governante determinando o que deve ser feito pelo governado, naquela há uma relação que gira em torno do πλέον ἔχειν e do ἔλαττον ἔχειν. O krátos tem uma relação direta com a soberania (Bordes, 1982BORDES, J. (1982). Politeia dans la pensée grecque jusqu’a Aristote. Paris, Les Belles Lettres., p. 238) e não pode ser entendido fora do governo no âmbito do homem comum e particular. O que Trasímaco parece aqui demonstrar com seus argumentos está relacionado ao que ele entende por τὸν μεγάλα δυνάμενον πλεονεκτεῖν (R. 344a1), aquele que, segundo diz, tem maior capacidade (δύναμις) para agir pela pleonexía. É a partir deste que ele pretende discernir o quanto é mais vantajoso para o particular ser injusto do que justo (R. 344a2-3). Colocamos abaixo um quadro explicativo:

  • Definição geral:

  • Justiça - bem alheio (T3).

  • Injustiça - própria vantagem (T5).

  • Governo:

  • Justiça - conveniência do mais forte (T1) e obediência às leis (T2).

  • Injustiça - comanda os justos e os ingênuos (T4).

Em resumo, toda a definição de Trasímaco sobre a justiça e a injustiça pode ser extraída dessa passagem. A justiça como um bem alheio e a injustiça como sendo a própria vantagem se adequam a todas as relações de justiça e injustiça expostas no argumento de Trasímaco. Com relação aos indivíduos, aqueles que fazem o justo promovem o bem do outro, aqueles que fazem o injusto, devido à pleonexía, promovem o seu próprio bem. Com relação ao governo, como o próprio Trasímaco afirma: “há um só modelo de justiça em todas as póleis - a conveniência do governo estabelecido. Ora estes é que detêm a força.” (R. 338e6-339a2). De fato, havíamos concordado que todo governo é considerado o ‘mais forte’ numa pólis. Se entendermos que o governo, ao possuir o krátos, faz leis para a sua própria conveniência, podemos dizer que cumprir a lei é beneficiar o governante. Trasímaco claramente não faz distinção entre governo e governante, entendendo que aquele que detém o poder também detém todos os benefícios do governo. De fato, Trasímaco quer deixar claro que todos os benefícios só são possíveis àqueles que detém o poder. Isto valeria para todos os tipos de governo sejam eles tirânicos, democráticos ou oligárquicos (cf. R. 338d6-7). Como bem aponta Kerferd, a teoria de Trasímaco não é necessariamente subversiva (Kerferd, 1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.), p. 563). Em uma democracia, por exemplo, fazer o bem alheio é fazer o bem a todos os cidadãos que têm representação direta na democracia, sendo esta o ‘mais forte’. Em uma oligarquia, o benefício vai para alguns poucos no poder. Entretanto, se nos lembrarmos do que foi dito na passagem 340c-341a, o governo não é condição suficiente para que o governante seja o ‘mais forte’. É condição necessária para o governante que ele tenha conhecimento, pois, sem este, ele não está livre do erro e, dessa forma, não pode ser considerado o mais forte. De modo que Trasímaco entende que o governo deve se manter por uma téchne própria que capacitaria o governante a se ver livre do erro. Somente através do conhecimento de sua arte é que um governante pode ser considerado como sendo um verdadeiro governante (ὡς αληθῶς ἄρχουσιν; cf. R. 343b5) e tirar para si todos os benefícios que levam a felicidade. Citemos como ele irá introduzi-lo:

Mas a maneira mais fácil de aprenderes é se chegares a mais completa injustiça, aquela que dá o máximo de felicidade ao injusto, e a maior das desditas aos que foram vítimas de injustiças, e não querem cometer atos desses. Trata-se da tirania, que arrebata os bens alheios às ocultas e pela violência, quer sejam sagrados ou profanos, particulares ou públicos, e isso não aos poucos, mas de uma só vez. Se alguém cometer qualquer destas partes da injustiça não estando oculto, é castigado e recebe as maiores injúrias. [...] Mas se este, além de se apropriar dos bens dos cidadãos, faz deles escravos e os torna seus servos, em vez destes epítetos injuriosos, é qualificado de feliz e bem-aventurado, não só pelos seus concidadãos, mas por todos os demais que souberem que ele cometeu essa injustiça completa. É que aqueles que criticam a injustiça não a criticam por recearem praticá-la, mas por temerem sofrê-la. (R. 344a4-c4)

O tirano é visto como o verdadeiro governante na visão de Trasímaco, pois permite a esse tipo de governante se preocupar unicamente com o próprio benefício, podendo agir livremente com a injustiça. A definição geral de injustiça diz que se deve procurar a própria vantagem com o intuito de se ter sempre mais do que o outro. No entanto, há modos diferentes para se conseguir agir dessa forma. O injusto comum deve agir ocultamente e se for pego será penalizado por isso, não podendo realizar o seu desejo se não estiver oculto à lei. O completamente injusto determina a lei e, portanto, não precisa se ocultar a esta, mas a utiliza para realizar o seu próprio fim injusto, i. e., a sua própria vantagem. A distinção não é incoerente, apenas hierarquiza a injustiça, fazendo do tirano o único realmente feliz ao realizar a injustiça. Isso nos faz ir contra a posição (III) de Kerferd, que defende a injustiça inerente à natureza humana.19 19 Kerferd, 1976, p. 562: “Ele [Trasímaco] não usa a terminologia daqueles que opõe lei e natureza, mas sua equação da injustiça como virture (areté) demonstra que ele considera a injustiça como um cumprimento da natureza dos homens. Consequentemente, ele deve ser corretamente inserido entre os proponentes da teoria do direito natural”. Grifos meus. Primeiramente, não há nada que indique que há em Trasímaco um desejo de injustiça em todos os homens. O que existe são homens injustos que agem por pleonexía. Depois, entre esses homens injustos, somente uma classe restrita é capaz de atingir a injustiça plenamente, são estes os tiranos. Quando Trasímaco aproxima a injustiça da excelência, está tratando apenas da completa injustiça, que é capaz de tornar felizes os homens que conseguem alcançá-la. Nisso, Trasímaco dará à injustiça todos os atributos normalmente dados à justiça, sendo bela e forte (καλὸν καὶ ἰσχυρόν), assim como se encontra ao lado da excelência e da sabedoria (ἐν ἀρετῇ καὶ σοφίᾳ; R. 348e-349a).

O tirano não seria o completo injusto porque infringe todas as leis, como defendem os legalistas. Ele seria o completamente injusto, primeiro, porque ele age em benefício próprio quando assim deseja; segundo, é o governante e, portanto, aquele que determina o justo; e terceiro, faz as leis em sua própria conveniência e, por isso, é aquele que recebe todos os benefícios dos governados quando estes cumprem seus atos com justiça, pois domina-os com seu poder.20 20 Cf. Kerferd, 1976, p. 559: “em prática, a justiça (quando olhamos do ponto de vista dos governados) equivale a procurar o interesse do mais forte como sendo um interesse alheio, enquanto a injustiça, que é normalmente possível para o governante somente, é proveitosa e vantajosa por si mesma”. Reeve, 1985, p. 259: “justiça é o interesse do Governante mais forte”. Sparshott, 1966, p. 434: “a superioridade do injusto é simplesmente o supremo controle dos meios para o poder”. O governante de Trasímaco é muito mais engenhoso, pois ele, como detentor do krátos, se livra de qualquer infração da lei.

Conclusão

O que fizemos nesse trabalho foi uma apresentação das teses de Trasímaco incluindo uma posterior análise das mesmas, mostrando como ele direciona seus argumentos para responder as refutações de Sócrates e, assim, manter a consistência de suas teses. Para tal, nos utilizamos dos principais estudos sobre o assunto com o intuito de elaborar uma exposição adequada dos problemas inseridos na discussão. Segundo entendemos, as teses de Trasímaco podem ser consistentes se levarmos em consideração o que ele quer dizer em seu grande discurso (R. 343b-344c).

Para deixar isso claro, apresentamos a nossa proposta para manter a consistência apresentada por Trasímaco em seu lógos no Livro I da República. As teses sobre a justiça podem ser divididas em duas, de maneira que podemos entender o ‘bem alheio’ como uma tese geral da justiça e ‘a conveniência do mais forte’ e a ‘obediência às leis’ como uma tese específica com relação ao governo. Isso, se for relacionado à visão de verdadeiro governante de Trasímaco, torna coerente a união das teses ao conceito de tirano como sendo o completamente injusto e, portanto, aquele que detém o poder da justiça em suas mãos, mas age injustamente para com os governados.

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  • 1
    Publicada originalmente em 1947.
  • 2
    Para a tradução, utilizaremos o texto de Pereira (2001PEREIRA, M. H. R. (trad.) (2001). Platão. A República. 9ed. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.). Tomaremos esta tradução como base para nosso trabalho, utilizando traduções nossas quando julgarmos necessário. Para o original grego em todo o trabalho, utilizaremos o texto estabelecido por Slings (2003SLINGS, S. R. (2003). Platonis Rempvblicam. Recognovit brevique adnotatione critica instrvxit. Oxford, Oxford University Press.).
  • 3
    Para uma lista extensa destes, ver Nicholson, 1974NICHOLSON, P. P. (1974). Unravelling Thrasymachus’ Arguments in The Republic. Phronesis 19, n. 3, p. 210-232..
  • 4
    Kerferd, 1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.); Nicholson, 1974NICHOLSON, P. P. (1974). Unravelling Thrasymachus’ Arguments in The Republic. Phronesis 19, n. 3, p. 210-232.; Annas, 1981ANNAS, J. (1981). An Introduction to Plato’s Republic. Oxford, Oxford University Press..
  • 5
    Hourani, 1962HOURANI, G. F. (1962). Thrasymachus’ Definition of Justice in Plato’s Republic. Phronesis 7, n. 2, p. 110-120.. Contra esta posição ver, Kerferd, 1964KERFERD, G. B. (1964). Thrasymachus and Justice: a Reply. Phronesis 9, n. 1, p. 12-16.; Hadgopoulos, 1973HADGOPOULOS, D. J. (1973). Thrasymachus and Legalism. Phronesis 18, n. 3, p. 204-208..
  • 6
    Entre outros, Annas, 1981ANNAS, J. (1981). An Introduction to Plato’s Republic. Oxford, Oxford University Press.; Allan, 1940ALLAN, D. J. (ed.) (1940). Plato. Republic Book I. London, Methuen.; Klosko, 1984KLOSKO, G. (1984). Thrasymachos’ Eristikos: The Agon Logon in Republic I. Polity 17, n. 1, p. 5-29.; Everson, 1998EVERSON, S. (1998). The Incoherence of Thrasymachus. Oxford Studies in Ancient Philosophy 16, p. 99-131..
  • 7
    Harrison, 1967HARRISON, E. L. (1967). Plato’s Manipulation of Thrasymachus. Phoenix 21, n. 1, p. 27-39.; Maguire, 1971MAGUIRE, J. P. (1971). Thrasymachus - or Plato? Phronesis 16, n. 2, p. 142-163..
  • 8
    Muitos são os autores que tem se dedicado nos últimos anos a defender uma consistência no argumento entre os mais importantes podemos citar Kerferd, 1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.); Kerferd, 1964KERFERD, G. B. (1964). Thrasymachus and Justice: a Reply. Phronesis 9, n. 1, p. 12-16.; Hourani, 1962HOURANI, G. F. (1962). Thrasymachus’ Definition of Justice in Plato’s Republic. Phronesis 7, n. 2, p. 110-120.; Sparshott, 1966SPARSHOTT, F. E. (1966). Socrates and Thrasymachus. The Monist 50, n. 3, 421-459.; Henderson, 1970HENDERSON, T. Y. (1970). In Defense of Thrasymachus. American Philosophical Quarterly 7, n. 3, p. 218-228.; Nicholson, 1974NICHOLSON, P. P. (1974). Unravelling Thrasymachus’ Arguments in The Republic. Phronesis 19, n. 3, p. 210-232.; Dorter, 1974DORTER, K. (1974). Socrates’ Refutation of Thrasymachus and Treatment of Virtue. Philosophy & Rhetoric 7, n. 1, p. 25-46.; Reeve, 1985REEVE, C. D. C. (1985). Socrates Meets Thrasymachus. Archiv für Geschichte der Philosophie 67, n. 3, p. 246-265.; Boter, 1986BOTER, G. J. (1986). Thrasymachus and ΠΛΕΟΝΕΞΙΑ. Mnemosyne 39, n. 3/4, p. 261-281.; Chappell, 1993CHAPPELL, T. D. J. (1993). The Virtues of Thrasymachus. Phronesis 38, n. 1, p. 1-17.; Reeve, 2008REEVE, C. D. C. (2008). Glaucon’s Challenge and Thrasymacheanism. Oxford Studies in Ancient Philosophy 34, p. 69-103.; Novitsky, 2009NOVITSKY, D. (2009). Thrasymachus on the Relativity of Justice. Polis 26, n. 1, p. 11-30..
  • 9
    Kerferd, 1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.), p. 545-546.
  • 10
    Em X. Mem. 4.4, Sócrates atesta a relação da justiça com a lei.
  • 11
    Cf. Kerferd, 1964KERFERD, G. B. (1964). Thrasymachus and Justice: a Reply. Phronesis 9, n. 1, p. 12-16..
  • 12
    Kerferd, 1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.), p. 561: “[…] para Trasímaco a injustiça é uma obrigação moral em todos os sentidos em que para Sócrates a justiça é uma obrigação moral”.
  • 13
    Tomaremos estes termos como sinônimos neste trabalho sempre que estivermos falando de questões relativas ao governo. Isso inclui a relação governante e governado.
  • 14
    Ver também p. 146: “justiça é um tipo de conhecimento, e conhecimento é exemplificado por téchne - disto não se segue que justiça é um tipo de téchne”.
  • 15
    Cf. Roochnik, 1996ROOCHNIK, D. (1996). Of Art and Wisdom. Plato’s Understanding of Techne. University Park, The Pennsylvania State University Press., p. 133: “se areté é assumida como sendo conhecimento, e se téchne é o modelo do conhecimento moral, uma inaceitável consequência - nominalmente, areté não é conhecimento - se sucede. Como um resultado, no território platônico, téchne não é propriamente um modelo para conhecimento moral”.
  • 16
    Boter, 1986BOTER, G. J. (1986). Thrasymachus and ΠΛΕΟΝΕΞΙΑ. Mnemosyne 39, n. 3/4, p. 261-281., p. 266: “Na minha interpretação, eu defenderei que nenhuma das afirmações de Trasímaco será considerada como uma definição, i. e., a proposição que descreve a essência da coisa definida e que é válida sobre todas as circunstâncias e por qualquer um”. Sobre isso ver também Chappell, 2000CHAPPELL, T. D. J. (2000). Thrasymachus and Definition. Oxford Studies in Ancient Philosophy 18, p. 101-107., p. 106-107: “Minha visão ainda é que a preocupação de Trasímaco é ‘dizer-nos o que, em realidade, a justiça parece ser, observando e descrevendo a prática social chamada justiça’ e fazer isso não pelo que Platão, ou Everson, contaria como uma definição formal, mas pelas contundentes e esclarecedoras subversivas generalizações sobre o funcionamento da justiça na sociedade. Não há a mínima razão para converter estas generalizações em definições formais e depois queixar-se que, assim tomadas, elas se contradizem”. (Grifos nossos)
  • 17
    Também assume a mesma posição Maguire, 1971MAGUIRE, J. P. (1971). Thrasymachus - or Plato? Phronesis 16, n. 2, p. 142-163., p. 152-153. Segundo Romilly (2002ROMILLY, J. (2002). La Loi dans la Pensée Grecque. Paris, Les Belles Lettres., p. 17), a palavra nómos, junto com a palavra isonomía, teria sido trazida para a vida política ateniense por Clistenes, em 506-507 a.C.
  • 18
    Boter, 1986BOTER, G. J. (1986). Thrasymachus and ΠΛΕΟΝΕΞΙΑ. Mnemosyne 39, n. 3/4, p. 261-281., p. 273-274.
  • 19
    Kerferd, 1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.), p. 562: “Ele [Trasímaco] não usa a terminologia daqueles que opõe lei e natureza, mas sua equação da injustiça como virture (areté) demonstra que ele considera a injustiça como um cumprimento da natureza dos homens. Consequentemente, ele deve ser corretamente inserido entre os proponentes da teoria do direito natural”. Grifos meus.
  • 20
    Cf. Kerferd, 1976KERFERD, G. B. (1976). The Doctrine of Thrasymachus in Plato’s Republic. In: CLASSEN, C. J. Sophistik. Wege der Forschung. Band 187. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, p. 545-563. (Pub. orig. 1947, Durham University Journal, v. 40, p. 19-27.), p. 559: “em prática, a justiça (quando olhamos do ponto de vista dos governados) equivale a procurar o interesse do mais forte como sendo um interesse alheio, enquanto a injustiça, que é normalmente possível para o governante somente, é proveitosa e vantajosa por si mesma”. Reeve, 1985REEVE, C. D. C. (1985). Socrates Meets Thrasymachus. Archiv für Geschichte der Philosophie 67, n. 3, p. 246-265., p. 259: “justiça é o interesse do Governante mais forte”. Sparshott, 1966SPARSHOTT, F. E. (1966). Socrates and Thrasymachus. The Monist 50, n. 3, 421-459., p. 434: “a superioridade do injusto é simplesmente o supremo controle dos meios para o poder”.
  • ERRATA

    (1) No artigo “A consistência das teses de Trasímaco sobre a justiça no livro I da República de Platão”, da Revista Archai 30 (e03001), ficou faltando incluir as seguintes entradas na Bibliografia:
    MENEZES, L. M. B. (2017MENEZES, L. M. B. (2017). Arte, Filosofia e Governo: O Desafio do Filósofo Governante na República de Platão. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação Lógica e Metafísica. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro.). Arte, Filosofia e Governo: O Desafio do Filósofo Governante na República de Platão. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação Lógica e Metafísica. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
    MENEZES, L. M. B. (2019MENEZES, L. M. B. (2019). Justiça e Força em Trasímaco. Kriterion 142, p. 165-186.). Justiça e Força em Trasímaco. Kriterion 142, p. 165-186.
    (2) Quanto ao fato de que o presente artigo, publicado na revista Archai, contém uma série de passagens idênticas ao artigo publicado na revista Kriterion (Menezes, 2019MENEZES, L. M. B. (2019). Justiça e Força em Trasímaco. Kriterion 142, p. 165-186.), esclareço que ambos são fruto de uma pesquisa maior de doutorado (Menezes, 2017MENEZES, L. M. B. (2017). Arte, Filosofia e Governo: O Desafio do Filósofo Governante na República de Platão. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação Lógica e Metafísica. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro.). No calor da pesquisa desenvolvida, acabei utilizando partes idênticas em ambos os artigos. Quero ressaltar, porém, que os artigos possuem propostas e objetivos diferentes. No artigo publicado na revista Kriterion, procurei investigar a relação entre governo e epistéme nas teses de Trasímaco. Por conta disso, foi necessário apresentar uma investigação sobre as teses por ele desenvolvidas e de que maneira isso se justifica na obra de Platão. Já no presente artigo, publicado na revista Archai, procurei enfatizar a questão da consistência das três teses sobre a justiça elaboradas por Trasímaco, a saber, (i) Justiça e força, (ii) Justiça e lei, (iii) Justiça e bem alheio. Deste modo, procurei argumentar ao longo do trabalho de que maneira as teses apresentadas, que parecem contraditórias entre si, podem ser consistentes com o conjunto do discurso elaborado por Trasímaco no Livro I da República.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    28 Jan 2019
  • Aceito
    16 Ago 2019
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