Acessibilidade / Reportar erro

CURADORIA EDUCATIVA DE ARTES VISUAIS: UM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE PARÂMETROS PARA OS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL E O ENSINO MÉDIO

EDUCATIONAL CURATORSHIP OF VISUAL ARTS: BUILDING PARAMETERS FOR THE FINAL YEARS OF MIDDLE AND HIGH SCHOOL

CURADURÍA EDUCATIVA DE ARTES VISUALES: UN PROCESO DE CONSTRUCCIÓN DE PARÁMETROS PARA LOS ÚLTIMOS AÑOS DE LA EDUCACIÓN PRIMARIA Y LA EDUCACIÓN SECUNDARIA

RESUMO

Este artigo discute a curadoria educativa de artes visuais com base na análise de um processo cíclico de criação, aplicação em sala de aula e avaliação do material educativo Violência & heroísmo. Produzido e testado no âmbito do projeto de ensino, pesquisa e extensão “Mediação da experiência estética na escola”, da Universidade do Estado de Minas Gerais, esse material se sustenta em uma série de premissas conceituais e metodológicas que busca integrar educação estética e ética. Considerando a experiência adquirida no projeto e referências encontradas na literatura de ensino de arte, são propostos oito parâmetros para a curadoria educativa voltada para o ensino fundamental II, que compreende do 6º ao 9º ano, e para o ensino médio.

PALAVRAS-CHAVE
Curadoria educativa; Ensino de arte; Artes visuais na educação básica; Material educativo

ABSTRACT

This article discusses the educational curatorship of visual arts based on the analysis of a cyclical process of creation, application in the classroom and evaluation of the educational material Violência & heroísmo. Produced and tested within the scope of the teaching, research, and extension project “Mediação da experiência estética na escola”, from the Universidade do Estado de Minas Gerais, this material is based on a series of conceptual and methodological premises that seek to integrate aesthetic and ethical education. Considering the experience acquired in the project and references found in the literature on art education, eight parameters are proposed for educational curatorship focused on middle school, which includes 6th to 9th grades, and high school.

KEYWORDS
Educational Curatorship; Art Education; Visual Arts in Basic Education; Educational Material

RESUMEN

Este artículo discute la curaduría educativa de artes visuales basada en el análisis de un proceso cíclico de creación, aplicación en el aula y evaluación del material educativo Violência e heroísmo. Producido y probado en el marco del proyecto de enseñanza, investigación y extensión “Mediação da experiência estética na escola”, de la Universidade do Estado de Minas Gerais, este material se basa en una serie de premisas conceptuales y metodológicas que buscan integrar la educación estética y ética. Considerando la experiencia adquirida en el proyecto y las referencias encontradas en la literatura de enseñanza de arte, se proponen ocho parámetros para la curaduría educativa dirigida a la educación primaria II, que abarca desde el 6º hasta el 9º año, y para la educación secundaria.

PALABRAS CLAVE
Curaduría educativa; Enseñanza de arte; Artes visuales en educación básica; Material educativo

Figura 1.
Estudantes do 9º ano de uma escola da rede pública, sob orientação de Cleverson Gonçalves de Andrade. Violência & heroísmo, 2019. Técnica mista, 198 x 90 cm.

O termo “curadoria educativa” surgiu no contexto museal como uma estratégia política para subverter a hierarquia institucional, equiparando o status dos profissionais responsáveis pelos programas educativos com o dos curadores de coleções e exposições. Esse título possibilitaria acesso mais direto ao conselho diretor e à participação nas negociações, ampliando as chances de pleitear recursos e espaços para os projetos educativos.1 1 Essas ideias foram apresentadas por Toby Jackson, então curador da Tate Modern, na palestra “School Art: What’s in It?”, realizada no Seminário Educação e Arte: a experiência da Tate Modern, em 25 de novembro de 2005, no Museu Lasar Segall, em São Paulo, SP. Esse processo é significativo também para a legitimação do conhecimento especializado do educador. Em comparação à longa tradição de pesquisa nos campos que sustentam a formação de acervos, a educação em museus constitui uma área nova de investigação, empenhada em conquistar reconhecimento.

E qual seria o conhecimento especializado do curador educativo no campo das artes visuais? Para Helen Charman (2005)CHARMAN, Helen. Uncovering Professionalism in the Art Museum: An Exploration of Key Characteristics of the Working Lives of Education Curators at Tate Modern. Tate Papers, n. 3, Spring 2005., esse profissional precisa dominar três áreas principais, que influenciam e informam todos os aspectos das decisões que competem à função: audiências, teorias da aprendizagem e artes. O grau de expertise em cada área pode variar, mas o diferencial da profissão reside justamente na compreensão da relação intrínseca entre esses três componentes. Ainda segundo Charman (2005)CHARMAN, Helen. Uncovering Professionalism in the Art Museum: An Exploration of Key Characteristics of the Working Lives of Education Curators at Tate Modern. Tate Papers, n. 3, Spring 2005., tão importante quanto os tipos de conhecimento é a forma como são aplicados. Em oposição aos procedimentos de rotina, o trabalho do curador educativo envolve análise e julgamento específicos para solução de cada tarefa, o que demanda inovação e criatividade. A transposição da curadoria educativa do museu para a sala de aula traz deslocamentos e novos desafios, tanto para a prática curatorial como para o ensino.

No Brasil, algumas instituições já contaram com a posição de “curador educativo” ou “curador pedagógico” em seus quadros institucionais, como é o caso da Bienal do Mercosul e de algumas edições da Bienal de São Paulo, mas o cargo parece estar em declínio (cf. HONORATO, 2007HONORATO, Cayo. Expondo a mediação educacional: questões sobre educação, arte contemporânea e política. Revista Ars, São Paulo, v. 5, n. 9, jan. 2007, p. 116-127.). Por outro lado, com a expansão do conceito de curadoria para além do campo museal, a aplicação do termo começa a ser discutida no contexto da educação formal. Num sentido amplo, o papel dos docentes na seleção de materiais didáticos e de exemplos ou experiências particulares a serem exploradas em sala de aula constitui uma forma de curadoria.

No ensino de artes, essa função torna-se especialmente relevante, visto que a disciplina configura o que alguns autores denominam como um domínio “complexo mal estruturado” (EFLAND, 2002, p. 11EFLAND, Arthur. Art and Cognition: Integrating the Visual Arts in the Curriculum. New York: Teachers College Press; Reston (VA): NAEA, 2002.). Definida em contraposição aos campos de conhecimento que se organizam em torno de princípios gerais cristalizados, como a matemática e a física, essa expressão se aplica às áreas altamente dependentes de estudos de caso individuais.

Nesses domínios menos estruturados, como é o caso das artes, a curadoria seria inerente ao trabalho do docente, pois a apresentação de objetos artísticos implica “uma seleção que pressupõe julgamento de quais obras possibilitarão a ampliação da experiência estética do grupo” (HILLESHEIM, 2013, p. 71HILLESHEIM, Giovana; SILVA, Maria Cristina; MAKOWIEKY, Sandra. Ensino de arte: um olhar para os espelhos retrovisores. Revista Ars, São Paulo, v. 11, n. 21, jun 2013, p. 62-79.), assim como novos rearranjos e trocas de perspectivas na esfera escolar. Ainda que nosso enfoque seja no ensino das artes visuais, isso não significa de forma alguma uma redução da experiência estética a essa única dimensão, nem uma desconsideração da discussão contemporânea sobre políticas da arte e processos de reorganização do sensível, que ocorrem na construção de visibilidades e inteligibilidades dos acontecimentos (cf. RANCIÈRE, 2005RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34, 2005.).

Examinando o argumento de que professores de artes visuais atuam como curadores educativos, cabe perguntar em que medida suas escolhas são dirigidas por um conceito, propósito ou projeto. Em uma pesquisa com um grupo de docentes de artes e de história, Mirian Celeste Martins e Gisa Piscoque (2012)MARTINS, Mírian Celeste; PICOSQUE, Gisa. Mediação cultural para professores andarilhos da cultura. 2 ed. São Paulo: Intermeios, 2012. chegaram à conclusão de que nem sempre os professores estão cientes dos parâmetros que determinam suas escolhas.

Beleza, grau de notoriedade, forma de ilustrar conteúdo, recurso para tornar a aula mais agradável e interessante foram algumas das motivações apresentadas pelos sujeitos do estudo para a seleção. Os dados revelam também que mais da metade desses docentes desconsidera o universo cultural dos seus estudantes ao escolher as obras que levarão para suas aulas.

Diante desse quadro, fica a dúvida se reunir obras de arte de forma mais ou menos vaga realmente configura uma curadoria educativa. Para Milton Guran (2011, p. 92)GURAN, Milton. Curadoria: expressão e função social. Studium, Campinas, n. 32, p. 90-93, inverno 2011., toda curadoria “é uma espécie de manifesto estético e cultural – e, portanto, político, cujo critério deve ser transparente e explícito”. Nessa perspectiva, a reunião pouco consistente de obras de arte não preenche os requisitos de um projeto curatorial. É possível conjecturar que o descuido na seleção de obras a serem trabalhadas em sala de aula esteja relacionado com o fato de que as práticas curatoriais não costumam ser contempladas no currículo das licenciaturas de artes visuais.

Essa lacuna no processo de ensino e aprendizagem da arte começa a ser problematizada. Para Raphael Vella (2018)VELLA, Raphael. Curating as a Dialogue-Based Strategy in Art Education. International Journal of Education Through Art, Bristol, v. 14, n. 3, 2018, p. 293-303., por exemplo, promover os tipos de pensamento característicos do trabalho de curadoria deve ser incorporado como um dos objetivos da educação artística. Se o/a professor(a) de arte atuará como um curador educativo, faz todo o sentido que sua formação incentive o desenvolvimento de práticas e competências necessárias para que desempenhe bem esse papel. No entanto, essa é uma questão complexa, haja vista a sofisticação que o exercício curatorial requer. Na visão de Cristiana Tejo (2010, p. 150)TEJO, Cristiana. Não se nasce curador, torna-se curador. In RAMOS, Alexandre Dias. (Org.). Sobre o ofício do curador. Porto Alegre: Zouk, 2010, p. 149-163., a formação do curador envolve um investimento a longo prazo, de modo a permitir a maturação de uma gama de características e saberes: um posicionamento singular, um olho privilegiado, uma escuta cuidadosa dos artistas, uma abertura para o mundo, certa curiosidade, uma formação humanística interdisciplinar (abrangendo conhecimentos de história da arte, filosofia, comunicação, sociologia, antropologia, história, economia, teoria crítica etc.), uma experiência direta com a arte, um senso crítico azeitado e uma afetividade cultivada.

Tanto Tejo quanto Felipe Scovino (2018)SCOVINO, Felipe. Anotações e dilemas de um curador no Brasil. Revista Ars, São Paulo, v. 19, n. 33, ago. 2018, p. 29-41. observam que as fragilidades do sistema de arte e do cenário educacional brasileiros impõem uma série de obstáculos para a formação profissional do curador. Se essa capacitação está aquém do que deveria ser, pode-se deduzir que as iniciativas de introduzir a curadoria educativa como objeto de estudo nos cursos de licenciatura em artes visuais têm um longo caminho a percorrer. Diante do estágio incipiente das discussões em torno desse tema, torna-se um desafio definir parâmetros para seu exercício na educação básica.

Esse artigo busca contribuir com a discussão apresentando uma proposta de critérios elaborada a partir da análise do processo de construção do material educativo Violência & heroísmo. Desenvolvido no âmbito do projeto de ensino, pesquisa e extensão “Mediação da experiência estética na escola”,2 2 Projeto realizado com o suporte do Programa de Apoio a Projetos de Extensão da Universidade Do Estado de Minas Gerais Editais PAEx/UEMG Nº 01/2017, 01/2018, 01/2019 e 04/2019 e do Programa de Apoio à Pesquisa –editais PAPq/UEMG Nº 01/2018 e 01/2019. o material foi testado em sala de aula ao longo de três anos e, como resultado de avaliações consecutivas, sua curadoria educativa passou por uma série de revisões. A próxima seção apresenta as referências conceituais e metodológicas que balizam o projeto e a produção do material educativo. A seção seguinte descreve as várias etapas da curadoria educativa, apontando fatores que levaram à sua reestruturação. Ao final, apresentamos um conjunto de parâmetros que poderá servir de referência para professores dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio que queiram propor curadorias de artes visuais mais consistentes.

Contexto de produção do material educativo Violência & heroísmo

O projeto “Mediação da experiência estética na escola” tinha como objetivo geral construir uma metodologia de ensino que fosse adequada à realidade das escolas públicas brasileiras e, ao mesmo tempo, estivesse em sintonia com os paradigmas contemporâneos de ensino de artes visuais. Para tanto, disponibilizou para professores da educação básica materiais educativos inéditos, produzidos pela equipe do projeto ou por estudantes de graduação da Escola Guignard, como trabalho final da disciplina “Mediação em artes visuais”.

Para nortear o processo de criação dos materiais, os estudantes discutiram uma série de referenciais teóricos e metodológicos e analisaram materiais educativos produzidos por museus e centros culturais. Um dos princípios básicos da disciplina envolvia conciliar duas vertentes de ensino da arte: educação estética e política. Integrar essas duas dimensões representou um desafio, pois embora ambas sejam essenciais para a formação humana, cada uma apresenta prioridades distintas, apoia-se em argumentos diferentes e conduz a práticas diversas, ainda que interligadas.

Defensores da educação estética propõem como foco do ensino de arte “ampliar o âmbito e a qualidade da experiência estética visual” (LANIER, 1999, p. 46LANIER, Vicent. Devolvendo arte à arte-educação. In BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte-educação: Leitura no subsolo. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1999, p. 43-55.).3 3 Em que pese o caráter multissensorial da experiência estética, na literatura de artes visuais é comum equiparar educação estética com educação visual ou educação do olhar – ver: DEWEY, 2010; BALLO, 1969; DONDIS, 1984; PREBLE, 1989; TAYLOR, 1981). Para John Dewey, a capacidade de perceber esteticamente depende de o observador ser capaz de recriar o processo de ordenação dos elementos da obra, em um processo análogo ao vivenciado pelo artista no processo de criação. Ainda segundo o filósofo, o desenvolvimento dessa habilidade requer uma aprendizagem visual, sendo que “a ideia de que a percepção estética é assunto de momentos ocasionais é uma das razões para o atraso das artes” (DEWEY, 2010, p. 136DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.).

Propostas de educação estética aparecem em uma série de “gramáticas visuais” publicadas na segunda metade do século XX (cf. BALLO, 1969BALLO, Guido. The Critical Eye: A New Approach to Art Appreciation. London: Heinemann, 1969.; DONDIS, 1984DONDIS, Donis A. A Primer of Visual Literacy. Cambridge, MA; London: The MIT Press, 1984.; PREBLE, 1989PREBLE, Duane; PREBLE, Sarah. Artforms. New York: Harper and Row, 1989.; TAYLOR, 1981TAYLOR, Joshua. Learning to Look: A Handbook for the Visual Arts. (1 ed. 1957). Chicago: The University of Chicago, 1981.). No Brasil, Rudolph Arnheim (1974)ARNHEIM, Rudolph. Art and Visual Perception: A Psychology of the Creative Eye. 1 ed. 1954. Berkeley and Los Angeles (CA): University of California Press, 1974. e Fayga Ostrower (1983)OSTROWER, Fayga. Universos da arte. Rio de Janeiro: Campus, 1983. estão entre seus representantes mais conhecidos. Em geral, pode-se dizer que esses autores se baseiam na premissa de que o conhecimento dos elementos e princípios formais permite ao observador ver com mais acuidade, leva a uma consciência maior da experiência imediata e amplia sua capacidade de construir significado. Tendo alcançado enorme sucesso, com o decorrer dos anos essa abordagem entrou progressivamente em declínio, sob suspeita de se configurar como um instrumento de enculturação, de enfatizar a forma em detrimento do conteúdo e de dificultar o envolvimento emocional na relação com obras de arte (cf. VIANNA, 2009VIANNA, Rachel. Development of Visual Perception and the Role of ‘Visual Concepts’ in Critical Studies. International Journal of Education through Art, Bristol, v. 5, n. 1, 2009, p. 23-35.).

Mais recentemente, o lançamento do “Quadro europeu de referência para competências visuais” (KÁRPÁTI; SCHÖNAU, 2019KÁRPÁTI, Andrea; SCHÖNAU, Diederik. The Common European Framework of Reference for Visual Literacy: Looking for the Bigger Picture’; Renaming the Framework: Common European Framework of Reference for Visual Competency. International Journal of Education Through Art, Bristol, v. 15, n. 1, 2019, p. 3-14, p. 95-100.) sinaliza um ressurgimento da preocupação com a educação estética, mas com um tom marcadamente engajado. Resultado de um consórcio internacional que reuniu 25 pesquisadores, o protótipo busca fortalecer o ensino e a pesquisa relacionados a esse domínio para enfrentar questões relevantes para a educação do século XXI, como a construção da identidade, a diversidade cultural e o papel predominante da informação visual veiculada pelas mídias sociais. Abraçando essa perspectiva contemporânea de educação estética, o projeto “Mediação” busca inspiração nas gramáticas visuais, aproximando seus métodos da concepção de interpretação de Michael Parsons (1998)PARSONS, Michael. Compreender a arte: um ato de cognição verbal e visual. Disponível em: <https://xdocz.com.br/doc/arte-design-e-interdiciplinaridade-uma-nova-proposta-de-ensino-das-artes-no-ensino-medio-987jg05q5e8z> Acesso em: 4 jun 2023.
https://xdocz.com.br/doc/arte-design-e-i...
, o qual defende que “interpretar uma obra de arte é construir sua significação relacionando suas qualidades puramente perceptivas ao contexto”.

A proposta de educação para a compreensão crítica da arte desenvolvida por Teresinha Franz (2003FRANZ, Teresinha. Educação para uma compreensão crítica da arte. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2003.; 2008FRANZ, Teresinha. Os estudantes e a compreensão crítica da arte. Imaginar, n. 49, jan. 2008, p. 4-11. Disponível em: <https://www.academia.edu/28130408/Os_estudantes_e_a_compreens%C3%A3o_cr%C3%ADtica_da_arte>. Acesso em: 4 jun. 2023.t. 2011.
https://www.academia.edu/28130408/Os_est...
; RANGEL; FRANZ, 2009RANGEL, Valeska; FRANZ, Teresinha. Um instrumento de mediação para uma compreensão crítica da arte: Guernica (re)visitada. Invisibilidade: Revista da Rede Ibero Americana de Educação Artística, Beja, Portugal, n. 0, 2009, p. 73-85.) constituiu a principal referência teórica e metodológica para a construção dos materiais educativos disponibilizados no projeto. Na perspectiva dessa estudiosa, as atividades de mediação devem contemplar cinco âmbitos: histórico/antropológico, que diz respeito ao contexto sociocultural que produziu a obra; estético/artístico, que compreende a cultura estética e artística que produziu a obra; crítico/social, que propõe reflexões sobre questões de poder, ideologia, classe, etnia e gênero; biográfico, que aborda relações entre a obra e a realidade pessoal, social e cultural dos aprendizes; pedagógico, que diz respeito ao planejamento do processo de ensino-aprendizagem conduzido pelo educador. A autora aponta que “levando em conta uma compreensão holística e complexa da arte, estes âmbitos nunca aparecem de forma isolada, mas interconectados, porque são interdependentes” (FRANZ, 2008, p. 11FRANZ, Teresinha. Os estudantes e a compreensão crítica da arte. Imaginar, n. 49, jan. 2008, p. 4-11. Disponível em: <https://www.academia.edu/28130408/Os_estudantes_e_a_compreens%C3%A3o_cr%C3%ADtica_da_arte>. Acesso em: 4 jun. 2023.t. 2011.
https://www.academia.edu/28130408/Os_est...
).

A mediação como investigação crítica, defendida por George Geahigan (1997)GEAHIGAN, George. Art Criticism: From Theory to Practice. In WOLFF, Tom; GEAHIGAN, George. Art Criticism and Education. Urbana and Chicago: University of Illinois, 1997, p. 123-278., constitui outra baliza do projeto. De maneira semelhante, Geahigan e Franz afirmam que embora estudantes possam ser capazes de ver e entender muita coisa com base na sua experiência de vida, há modos convencionais de entender as artes visuais que provavelmente irão permanecer inacessíveis para eles, a menos que adquiram certos tipos de conhecimento e habilidades. Em uma perspectiva cara à educação estética, Geahigan, alega ser essencial promover oportunidades para desenvolver o conhecimento de conceitos-chave do campo da arte e das habilidades perceptivas.

Dentro das premissas citadas, os estudantes têm liberdade para propor uma curadoria voltada para o público que escolherem. O alto nível dos trabalhos que eles produziram ensejou a criação do projeto Mediação. Dos quarenta materiais desenvolvidos por alunos de três turmas no ano de 2016, dez foram selecionados.4 4 Todos os autores assinaram um documento de cessão de direitos autorais para o projeto. Dando continuidade a uma parceria com o Projeto Circuito de Museus,5 5 Em funcionamento desde 2011, o Circuito de Museus facilita o acesso do público escolar aos espaços museológicos da cidade, organizados em torno de Circuitos Temáticos. realizado pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte – SMED, os professores participantes do Programa foram convidados a testar os materiais em sala de aula. Aqueles que aceitaram participar escolheram o material que consideraram mais adequado para seus estudantes e puderam optar entre aplicá-los de forma independente ou atuar como observadores, enquanto integrantes da equipe assumiram o papel de mediadores na condução das atividades.6 6 Todos os professores participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual garantia anonimato em qualquer tipo de divulgação dos resultados. Os diretores das respectivas escolas assinaram um Termo de Anuência, autorizando a aplicação dos materiais educativos em sala de aula.

Uma premissa do projeto era funcionar como um laboratório de testes dos materiais educativos, considerando as alterações sugeridas por professores e estudantes no processo de revisão da curadoria e dos roteiros de atividades. Para tanto, a equipe desenvolveu instrumentos de avaliação específicos para professores e para diferentes faixas etárias de estudantes. Todas as respostas foram tabuladas e analisadas e, dependendo dos resultados, os materiais foram revistos. Ao longo de três edições, realizadas nos anos de 2017, 2018 e 2019, 42 professores parceiros testaram 15 materiais educativos diferentes. No total, participaram das atividades 71 turmas de 35 escolas, alcançando mais de 2.000 estudantes de todos os níveis, desde a educação infantil até o ensino médio.

Violência & heroísmo foi utilizado em todas as edições do projeto. Ao longo de três anos, foi aplicado por quatro professoras em nove turmas de 6º, 7º e 9º anos do ensino fundamental, alcançando um número aproximado de 220 estudantes. Entre os vários materiais testados pelo projeto, esse foi o que sofreu alterações mais significativas na sua curadoria educativa, razão pela qual foi eleito para análise neste artigo.

Violência & heroísmo: processo de construção de uma curadoria educativa

Criada pelo estudante de graduação Pedro Faria Rolim em 2016, a primeira versão do material educativo era intitulada Violência e se dirigia a alunos do ensino médio. A curadoria reunia três obras do artista contemporâneo Pedro Reyes, cujo trabalho de forte cunho sociopolítico ganhou reputação internacional.7 7 Site do artista: <http://www.pedroreyes.net/> Acesso em 22 abr. 2020. LISSON GALLERY. Pedro Reyes. Disponível em: <https://www.lissongallery.com/artists/pedro-reyes> Acesso em 2 jun. 2023. Na obra Palas por pistolas (2008), Reyes produziu pás a partir dos materiais componentes de armas de fogo arrecadadas em uma campanha de doação voluntária na cidade mexicana de Culiacán. As pás foram entregues a instituições de arte e escolas, para serem usadas no plantio de 1.527 árvores – o mesmo número de armas coletadas e destruídas. Os trabalhos Imagine (2012) e Disarm (2013) envolveram a produção de instrumentos musicais com restos de 6.700 armas recolhidas pelo governo mexicano. O material didático continha uma breve apresentação do artista e das três obras, com fotografias e links para assistir às performances. Cada obra era acompanhada por uma citação de Reyes e por uma série de questões que buscavam contemplar os diferentes âmbitos da compreensão crítica da arte propostos por Franz (RANGEL; FRANZ, 2009RANGEL, Valeska; FRANZ, Teresinha. Um instrumento de mediação para uma compreensão crítica da arte: Guernica (re)visitada. Invisibilidade: Revista da Rede Ibero Americana de Educação Artística, Beja, Portugal, n. 0, 2009, p. 73-85.).

Com a perspectiva da aplicação prática, todos os materiais educativos selecionados pelo projeto passaram por um processo de avaliação para verificar sua adequação à realidade da sala de aula. Considerando a dificuldade de acesso a equipamentos multimídia nas escolas públicas, foi priorizado o formato impresso, com reproduções coloridas das obras de arte em papel couché tamanho A4. Tendo em vista que o número de estudantes por turma alcançava até quarenta alunos, decidiu-se por um número mínimo de seis obras por material.

A revisão do formato e a incorporação de novos conteúdos ao material Violência foi conduzida por Gerson Aquiles Mendes de Melo, na época cursando o Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade do Estado de Minas Gerais. Buscando reforçar a dimensão ativista da poética de Pedro Reyes, a curadoria educativa foi estruturada em torno de intervenções urbanas, com obras de Banksy, JR e Éder Oliveira. De Banksy, foi escolhido o trabalho Rage, Flower Thrower (2005), também conhecida como Love is in the Air, uma das obras mais famosas do artista. Essa imagem mostra um homem com o rosto coberto por um lenço, em posição de lançar o que poderia ser uma pedra ou uma granada, mas em vez disso a figura segura um buquê de flores. Realizado originalmente em um muro de Jerusalém, o trabalho evoca a Intifada Palestina,8 8 Manifestação espontânea da população palestina contra a ocupação israelense, na qual civis atiraram paus e pedras contra militares israelenses (1987 – 1993). mas tem sido interpretado também como um protesto contra a violência cometida contra participantes de uma parada gay realizada naquela cidade em 2005.9 9 PUBLIC DELIVERY. Banksy’s Rage, the flower thrower – everything you need to know. January 10, 2020. Disponível em: <https://publicdelivery.org/banksy-flower-thrower/> Acesso em 23 abr. 2020. Ver também: THE ART STORY. Banksy. Disponível em: <https://www.theartstory.org/artist/banksy/artworks/> Acesso em 2 jun. 2023.

Figura 2.
Pranchas da terceira versão do material educativo Violência & heroísmo.

O fotógrafo francês JR foi representado pela obra Women are Heroes,10 10 Site do artista: <https://www.jr-art.net/projects/rio-de-janeiro> acesso em 2 jun. 2023. Ver também: EL PAÍS. JR, um olhar da sua arte ao redor do mundo. 7 nov. 2017. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/30/album/1509379270_746077.html#foto_gal_1> Acesso em 2 jun. 2023. um tributo à dignidade de mulheres que, mesmo ocupando papéis essenciais na sociedade, são as principais vítimas de violência no mundo. O artista e sua equipe trabalharam em Serra Leoa, Quênia, Libéria, Índia e Camboja entre 2007 e 2010, fixando suas imensas fotografias de olhos e faces de mulheres em muros, telhados, trens e containers. No Brasil, a intervenção Women are Heroes aconteceu em 2008 no Morro da Providência, favela do Rio de Janeiro, e contou com a participação de mães, avós e amigas de três jovens assassinados com envolvimento de militares poucas semanas antes do artista chegar.

Éder Oliveira, único brasileiro escolhido para compor a lista de artistas, também trabalha com retratos de pessoas anônimas, tendo como motivo principal a identidade cultural do homem amazônico.11 11 Site do artista: <http://www.ederoliveira.net/sobre> Acesso em 2 jun. 2023. Na série Páginas Vermelhas (2015) o artista paraense pintou retratos monocromáticos a partir de fotografias retiradas de páginas policiais dos jornais de Belém. Em depoimento, Oliveira declarou seu incômodo com o fato desses suspeitos serem sempre negros, caboclos, mestiços e índios, perfil esse que está mais presente nas páginas de crimes dos jornais do que em qualquer outra mídia.12 12 INSTITUTO PIPA. “Páginas vermelhas”, individual de Éder Oliveira. 28 ago. 2015. Disponível em: https://www.premiopipa.com/2015/08/paginas-vermelhas-individual-de-eder-oliveira/. Acesso em 4 jun. 2023.

Em uma versão seguinte do material, as pranchas com reproduções coloridas das obras selecionadas incluíram no verso uma pequena biografia do artista e uma breve apresentação do seu trabalho. As questões ativadoras e sugestões de atividades foram mantidas, sem a introdução de outras perguntas ou propostas didáticas. Nesse formato, Violência foi testado de forma independente por uma professora, que aplicou o material em três turmas de 6º ano, alcançando um total de 73 estudantes. Ao final, 31 deles se dispuseram a preencher a ficha de avaliação, de onde foram retirados os depoimentos a seguir:13 13 Devido às restrições de espaço, não serão discutidos aqui os dados quantitativos da avaliação. Optamos por manter os textos tal como foram escritos pelos estudantes.

Sobre o material eu achei muito interessantes foi um assunto muito bom para conversar com a professora. E também gostei sobre o tema violência. Eu aprendi muitas coisas importantes e vi artistas que eu nunca ouvi falar, foi bom ver as imagens dos artista que fez muitos sucessos em todos os lugares. Sobre o bate papo sobre eles foi bom. A minha sugestão é que falar de violência com a professora foi ótimo porque tudo que nois queria desabafar nois queria saber [sic].

Eu gostei bastante do material, tinha a ver com violência, mas de um jeito bom. Eu aprendi que as artes visuais podem ser usadas como várias coisas.

Eu achei interessante e legal esse jeito de pensar. Aprendi um novo jeito de olhar as obras e apreciar.

Diferente. Interessante e diferente do que eu achava que violência era. Legais e especiais. [Aprendi] que arte não e apenas desenhos e pinturas. E sim obras que demonstram sentimentos.

Com a perspectiva de uma nova aplicação do projeto em 2018, Violência passou por uma segunda revisão de conteúdo e formato. Seguindo as sugestões levantadas na avaliação, as reproduções coloridas foram ampliadas para melhorar a visibilidade. Integrantes da equipe da 2ª edição do projeto, a professora Rachel de Oliveira Costa e o bolsista do programa de extensão Cleverson Gonçalves de Oliveira propuseram novos critérios para a curadoria educativa: incluir trabalhos de artistas mulheres e reforçar os temas da violência contra a mulher e da homofobia. Atendendo a esses parâmetros, foram selecionadas obras de Panmela Castro e Ana Luiza Santos, performer queer.

De Panmela Castro, eles escolheram o painel comemorativo do 8º aniversário da Lei Maria da Penha, pintado em 2014 sobre um muro de 336 metros de comprimento em frente à Delegacia de Atendimento à Mulher, na cidade do Rio de Janeiro.14 14 Site da artista: <https://panmelacastro.com/> Acesso em 2 jun. 2023. Ver também o artigo: PAGE, 2017. A obra é representativa da poética da artista, tanto do ponto de vista plástico quanto temático. Ativista dos diretos da mulher de reconhecimento internacional, Castro criou vários projetos de arte urbana explorando temas como feminismo negro, gênero e raça.

Do repertório de performances de Ana Luiza Santos, foram selecionados dois trabalhos, documentados em vídeo e fotografia.15 15 Site da artista: <https://www.anasantosnovo.com/> Acesso em 2 jun. 2023. Em Melindrosa (2014) a artista conversa com desconhecidos usando um vestido feito de notas de dez reais verdadeiras. Quando uma pessoa arranca uma nota, essa é seguida por várias outras, de modo que em segundos a roupa se desfaz, encerrando a performance. Em Pontos de vista (2018), Santos caminha por lugares de grande circulação no centro de São Paulo carregando banners com os dizeres “TROCO PONTOS DE VISTA”. A fotografia que documenta a performance mostra a artista trocando olhares com um policial montado a cavalo.

Em relação à abordagem pedagógica, a 2ª edição de Violência foi completamente reestruturada. Além de uma série de diretrizes gerais para a mediação da experiência estética, anexada a todos os materiais educativos do projeto, recebeu um roteiro de atividades com sugestões para cinco aulas de 50 minutos que incluíam debates sobre as obras; discussões sobre a violência na mídia, no cotidiano e sua representação na música brasileira; pesquisas sobre os artistas; proposição de uma intervenção artística na escola ou no bairro.

Em 2018, Cleverson de Oliveira aplicou o material educativo em parceria com outra professora da Rede Municipal em três turmas de 6º ano, envolvendo 71 estudantes com idades entre dez e treze anos. A professora escolheu o material Violência pensando em conscientizar seus alunos a respeito do tema, visto que eles não só apresentavam problemas de indisciplina, como também um comportamento violento entre si. Como era de se esperar, a realidade da sala de aula exigiu uma adaptação do roteiro em vários momentos.

Para tratar da representação da violência na música, Oliveira preparou uma playlist com os mais variados gêneros musicais. Em vez de um debate, organizou a atividade em forma de jogo, no qual os participantes tiveram que relacionar algum trecho das letras com uma das obras de arte, explicando os pontos em comum. Em um momento tenso, com uma turma muito agitada, Oliveira teve um insight: começou a falar sobre seus heróis e heroínas, relacionando as histórias de Marielle Franco, Zumbi dos Palmares e Nelson Mandela com a produção contemporânea de arte. Então, pediu que cada grupo fizesse um esboço de uma pessoa para homenagear ou que criasse uma personagem para simbolizar o combate a um dos vários tipos de violência sobre os quais haviam conversado anteriormente. Na quinta e última aula, a sala se transformou em um ateliê. Ao final das atividades, um total de 59 alunos das três turmas se voluntariou para preencher a ficha de avaliação do material. As questões abertas receberam breves depoimentos, como os que se seguem:

Pra mim foi otimo poderia ter novamente. [Aprendi] que a violência é uma coisa muito séria, e que tem artes muito bacanas e exprecivas [sic].

Aprendi que é importante saber sobre artes.

Eu aprendi algumas artes relacionadas com violencia, racismo, teoria genero, sociedade. Interpretação musical [sic].

Foi uma esperiencia nova de aprendizagem bem interessante, o tema foi bem legal as atividades foram otimas gostei bastante. Eu aprendi e vi os tipos de violencia que existem na sociedade e como as pessoas fazem para espresar isso com a arte [sic].

Aprendi que cada arte tem seu lema atras das artes tem algo que se você repara bem tem um contexto [sic].

Com base nas avaliações colhidas e nas novas referências teóricas consultadas, o material educativo foi revisado mais uma vez em 2019. A ideia de colocar a violência como passível de ser contestada tornou-se central para a terceira edição, que passou a se chamar Violência & heroísmo. O roteiro de atividades incorporou as adaptações feitas no ano anterior, buscando tornar as aulas mais dinâmicas e atrativas. A curadoria educativa permaneceu a mesma.

Duas professoras parceiras da 3ª edição do projeto escolheram o material Violência & heroísmo. Uma delas testou-o de forma independente, com cerca de 60 estudantes de duas turmas de 7º ano. A outra solicitou que Cleverson de Oliveira, pelo segundo ano bolsista de extensão do projeto, atuasse como mediador em duas turmas de 9º ano. A avaliação obtida a partir dessa rodada de aplicação do material apontou que as alterações no roteiro de atividades foram acertadas. Os trechos das letras de música foram efetivos para introduzir o tema da violência, despertando o interesse dos estudantes em descobrir o que as imagens tinham em comum com as letras. Essa dinâmica, junto às questões ativadoras, mantiveram o debate animado até o final da aula. O efeito positivo de integrar música e artes visuais pôde ser sentido também no fato de os estudantes montaram sua própria playlist para discutir a representação da violência na música.

Figura 3.
Estudantes de uma Escola Municipal de Belo Horizonte.

A pesquisa para eleger heróis e heroínas foi realizada no laboratório de informática da escola. Cada grupo apresentou os resultados de sua pesquisa na internet. Várias questões foram levantadas pelas escolhas dos homenageados, abrangendo a atualidade de sua causa, a proximidade com o universo dos estudantes e a resolução das imagens que serviriam de base para a confecção dos estênceis e lambe-lambes. Depois do debate, os grupos optaram por seus heróis: Marielle Franco, Raoni e Martin Luther King. Essa atividade encerrou a aplicação do material educativo no horário regular das aulas de artes. A intervenção artística na sala de artes funcionou em um regime de ateliê aberto, ao longo de seis encontros, no contraturno das aulas de artes. A participação foi voluntária e aberta para estudantes de outras turmas da escola. Oliveira editou as imagens selecionadas pelos grupos e os próprios estudantes produziram retratos de Marielle, Raoni e Luther King, utilizando uma combinação de técnicas (figura 3). Como as fichas de avaliação do material só foram distribuídas ao final das atividades de ateliê, apenas 18 dos 60 estudantes completaram a avaliação, sem se deter nas questões abertas.

Nas duas turmas de 7º ano, 40 estudantes preencheram as fichas de avaliação. A professora também analisou o material após a aplicação. Em seu relato, apontou que apenas durante as aulas se deu conta da dificuldade de abordar um tema com o qual tinha uma experiência muito distinta dos seus estudantes, moradores de uma comunidade onde a violência era uma experiência mais próxima e cotidiana. Ela se sentiu incomodada e sem voz, e um dos seus melhores alunos se queixou, alegando que a violência já era demasiado presente na sua vida. Na visão dessa professora, o material seria mais adequado para estudantes do 9º ano em diante, tanto mais porque abordava questões de violência contra a mulher e de homofobia. Depoimentos dos seus alunos, por outro lado, apontam que pelo menos para alguns deles o tema e as atividades foram pertinentes:

É um tema muito bom e bastante polemico. Foram interessantes, algumas eu já conhecia. Apesar do pouco desempenho de alguns alunos foi bom [sic].

O material eu achei interessante, as obras e os temas eu realmente gostei e das atividades também.

[Aprendi] a respeitar às diversidades e muito mais. Eu queria que tivesse mais coisa de muzica, como: compor musicas e escrever reps e etc. [sic].

[Aprendi] que a gente não pode ter preconceito com as pessoas.

Aprendi diferentes tipos de arte.

Em 2020, com a suspensão das aulas presenciais em decorrência da pandemia de Covid-19, a aplicação dos materiais educativos no projeto “Mediação da experiência estética na escola” sofreu uma interrupção. Essa paralisação abriu espaço para uma nova revisão do material educativo Violência & heroísmo, com vistas à sua publicação. Esse processo, por sua vez, ensejou uma reflexão mais aprofundada sobre os critérios utilizados na curadoria educativa, levando em conta outros materiais educativos produzidos e testados no projeto, além de novas referências encontradas na literatura sobre o ensino de artes.

Na próxima seção, apresentamos algumas considerações sobre esse tema, com foco no ensino médio e no fundamental II. Esse recorte considera que a curadoria para estudantes mais novos deve levar em conta critérios específicos, visto as diferenças na faixa etária e na estrutura escolar. Com idade média de 11 anos, os estudantes do 6º ano estão entrando em um período de transição para a adolescência. No mesmo ano, o ensino passa a ser organizado em torno de disciplinas, com as aulas de artes – pelo menos oficialmente – ministradas por professores com formação específica na área.

Princípios para uma curadoria educativa de artes visuais para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio

Segundo Paulo Herkenhoff (2008, p. 23)HERKENHOFF, Paulo. Bienal 1998: princípios e processos. Marcelina, São Paulo, ano 1, v.1, p. 20-36, 2008., “a tarefa curatorial deve ser a de produzir saltos epistemológicos que envolvam o conhecimento da arte e os próprios modos de pensá-la”. O projeto “Mediação da experiência estética na escola” considera essa definição válida também para a curadoria educativa, com a diferença de que seu foco não são os profissionais do campo, mas públicos não familiarizados com os códigos da arte erudita ocidental. Considerando o contexto escolar, isso significa que o ponto de partida para a elaboração de uma curadoria educativa deve ser o universo cultural dos estudantes. Tomar como base o repertório estético dos alunos é pertinente por diferentes razões.

Do ponto de vista das teorias construtivistas de ensino-aprendizagem, a elaboração do conhecimento não acontece em abstrato, mas na relação com algum contexto de referência. Teresinha Franz (2008)FRANZ, Teresinha. Os estudantes e a compreensão crítica da arte. Imaginar, n. 49, jan. 2008, p. 4-11. Disponível em: <https://www.academia.edu/28130408/Os_estudantes_e_a_compreens%C3%A3o_cr%C3%ADtica_da_arte>. Acesso em: 4 jun. 2023.t. 2011.
https://www.academia.edu/28130408/Os_est...
chama atenção para o fato de que os conhecimentos intuitivos dos estudantes podem tanto facilitar como impedir formas de compreensão mais complexas. Conhecer as concepções iniciais dos alunos permite ao professor criar situações de “desconforto cognitivo” capazes de estimular os “saltos epistemológicos” mencionados por Herkenhoff. Outro motivo para estabelecer uma conexão com os repertórios estéticos juvenis diz respeito a tornar os produtos da chamada alta cultura relevantes para a experiência vital dos estudantes. Quando isso não acontece, as artes visuais “passam a formar parte desse conjunto de saberes escolares alheios ao seu mundo e completamente inoperantes como configuradores da sua identidade” (AGUIRRE, 2009AGUIRRE, Imanol. Imaginando um futuro para a educação artística. In TOURINHO, Irene; MARTINS, Raimundo (orgs.). Educação para a cultura visual: narrativas de ensino e pesquisa. Santa Maria, RS: UFSM, 2009, p. 157-188.).

Trabalhar com o universo cultural dos estudantes não quer dizer limitar-se à cultura de massa ou popular, mas sim estabelecer pontes com a cultura visual em que os alunos estão inseridos. Ana Mae Barbosa (2007, p. 20)BARBOSA, Ana Mae. As mutações do conceito e da prática. In BARBOSA, Ana Mae. (Org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. 3 ed. São Paulo: Cortez Editora, 2007. defende que “a mobilidade social depende da inter-relação entre os códigos culturais das diferentes classes sociais e o entendimento do mundo depende de uma ampla visão que integre o erudito e o popular”. Juarez Dayrell (2002)DAYRELL, Juarez. Juventude, produção cultural e a escola. Caderno do Professor, Belo Horizonte, n. 9, 2002., por sua vez, aponta que o papel dos professores seria o de se colocar “como expressão de uma geração adulta, portadora de um mundo de valores, regras, projetos e utopias a ser proposto aos alunos”. Nesse sentido, o professor de arte funciona como um representante da cultura erudita, propiciando aos seus alunos acesso a um universo que a maioria não tem oportunidade de conhecer por meio de suas relações familiares e pessoais.

A avaliação de diferentes materiais educativos no projeto “Mediação” comprovou a importância estratégica de estabelecer um diálogo com o repertório dos estudantes, e essa constatação se mostrou válida para todas as faixas etárias. Em Violência & heroísmo, a atividade com músicas de estilos familiares aos alunos funcionou como um estímulo necessário para atrair o interesse, proporcionando um ponto de partida para a participação dos estudantes no debate sobre as obras reunidas no material.

Mesmo que o professor adote o universo dos estudantes como referência inicial da curadoria, seu leque de opções é praticamente ilimitado, uma vez que o trabalho envolve reproduções fotográficas, em vez de obras originais. Diferentemente de um educador no museu, ou mesmo de um curador de arte, ele não precisa lidar com um acervo nem enfrenta restrições de espaço e orçamento. Diante das infinitas possibilidades de conceitos, temas, campos e obras, como desenvolver um projeto coerente? O Programa Educacional Art 2116 16 ART 21 – EDUCATION PROGRAM. Disponível em: https://art21.org/for-educators/tools-for-teaching/getting-started-an-introduction-to-teaching-with-contemporary-art/. Acesso em: 2 jun. 2023. recomenda usar temas e ideias amplas, impulsionadas por questões essenciais, para criar uma estrutura unificadora na seleção de recursos, obras de arte e artistas. George Geahigan adota uma perspectiva semelhante ao traçar diretrizes para o planejamento do ensino de arte:

Uma unidade de instrução deve ter um foco ou tema unificador específico que dará coerência a uma série de lições. Isso permite que os professores selecionem obras de arte para estudo, identifiquem conceitos estéticos relevantes e organizem as aulas em uma sequência lógica. Unidades com um foco coerente permitem aos alunos ir além de uma única obra de arte e ver as relações entre as diferentes obras. (GEAHIGAN, 1997, p. 256GEAHIGAN, George. Art Criticism: From Theory to Practice. In WOLFF, Tom; GEAHIGAN, George. Art Criticism and Education. Urbana and Chicago: University of Illinois, 1997, p. 123-278., tradução livre)

Ainda segundo Geahigan, os temas não devem ser abrangentes demais nem muito restritos. Para evitar esses dois extremos, o autor sugere cinco princípios norteadores. O primeiro, “Problemas ou tópicos”, é organizado em torno dos interesses e preocupações dos estudantes, levando em conta assuntos que se sentirão confortáveis em discutir. Um problema difere de um tópico no sentido de que nesse se contrastam duas ideias opostas, como natural e artificial, humano e máquina. Para crianças menores, o autor aconselha selecionar temas concretos, como animais ou brincadeiras. Estudantes mais velhos são capazes de lidar com temas abstratos, como identidade, amor, medo etc. A experiência do projeto “Mediação” sugere que a divisão de Geahigan é pertinente e que a faixa etária entre 11 e 12 anos, correspondente a estudantes de 6º e 7º ano, é a mais difícil de decifrar. Mesmo com os professores escolhendo os materiais, nem sempre os temas se mostraram adequados. Além disso, o que funciona para uma turma pode não funcionar para outra.

O segundo princípio norteador sugerido por Geahigan envolve a curadoria monográfica. Nesse caso, o estudioso recomenda considerar a influência do artista sobre outros criadores e o modo como sua obra condensa as preocupações estéticas de sua época ou região. Já para Philip Yenawine (2003)YENAWINE, Philip. Jump Starting Visual Literacy: Thoughts on Image Selection. Art Education, Reston, v. 56, n. 1, p. 6-12, jan. 2003. Disponível em: <www.jstor.org/stable/3194026>. Acesso em 2 jun. 2023.
www.jstor.org/stable/3194026...
, é preferível reunir obras de diferentes artistas, pois isso permite que mais estudantes encontrem neles representados os seus interesses, suas preferências e seus contextos. Ainda segundo esse autor, a arte de lugares e épocas diferentes propicia uma visão mais concreta da história, e um conjunto diversificado de obras contribui para desenvolver a flexibilidade e a apreciação da variedade de formas de expressão criativa da humanidade. No âmbito do projeto, a diversidade se mostrou mais efetiva, comprovando os argumentos apresentados por Yenawine.

Os outros três parâmetros propostos por Geahigan para a curadoria educativa dizem respeito a conhecimentos específicos do campo da arte. “Conceitos estéticos” coloca em relevo a linguagem visual, focando os modos como artistas manipularam os elementos visuais (cor, linha, luz e sombra etc.) e os princípios de composição (ritmo, proporção etc.) para provocar experiências e construir significados. “Gêneros artísticos” diz respeito a categorias dentro de uma forma de arte, como pintura de paisagem, ou, na arquitetura, edifícios residenciais. “Estilo histórico ou regional” constitui uma outra opção. Conforme mencionado anteriormente, a ênfase desse autor em critérios artísticos baseia-se em uma visão do ensino de arte que privilegia a educação estética.

No projeto “Mediação”, em nenhum caso a curadoria educativa dos materiais teve como ponto de partida conceitos estéticos ou estilísticos. Quanto aos gêneros artísticos, sua importância tornou-se mais clara com o passar do tempo. No decorrer dos processos de aplicação e avaliação, chegou-se à conclusão de que limitar o escopo de materiais e técnicas facilitaria a comparação das obras entre si. Essa é a estratégia adotada por vários autores das gramáticas visuais citadas anteriormente. Violência & heroísmo trouxe contribuições importantes para esse entendimento, ao apontar que abordar trabalhos de natureza muito diversa – performance, instalação, estêncil, grafite etc. – dificulta a apreensão dos conceitos, tanto do ponto de vista teórico como da percepção de suas materialidades e características formais. A última curadoria, que ainda está em processo, elegeu artistas que abordam a violência por meio da representação da figura humana em superfícies bidimensionais. Contemplando preocupações da educação estética, essa alteração tem como propósito favorecer o desenvolvimento de competências visuais por meio da comparação formal, promover o conhecimento de conceitos chave do campo da arte e construir um repertório amplo de processos criativos e métodos de trabalho.

O fato de que os materiais educativos trabalham com reproduções fotográficas de obras de arte merece uma consideração especial em relação ao aperfeiçoamento das competências visuais. Entre as diretrizes de mediação inseridas em todos os materiais educativos do projeto há uma recomendação de incluir atividades que ajudem os estudantes a imaginar as dimensões, texturas, cores e formato das obras originais. Desenhar as obras na sua escala real e, quando possível, assistir a vídeos sobre os trabalhos, especialmente se esses são tridimensionais ou envolvem performance, são meios efetivos de ajudar a visualização. Na avaliação de um professor parceiro do projeto, a experiência com obras originais também é muito importante, pois funciona como uma referência para os estudantes imaginarem as obras representadas. Devido às limitações inerentes ao trabalho com reproduções fotográficas, Yenawine (2003)YENAWINE, Philip. Jump Starting Visual Literacy: Thoughts on Image Selection. Art Education, Reston, v. 56, n. 1, p. 6-12, jan. 2003. Disponível em: <www.jstor.org/stable/3194026>. Acesso em 2 jun. 2023.
www.jstor.org/stable/3194026...
sugere focar em obras bidimensionais, mas essa diretriz não foi observada no projeto. Mesmo os materiais que abordaram performance, escultura e instalações tiveram resultados satisfatórios.

Diretamente relacionadas com a importância de se referir ao universo cultural dos estudantes, a diversidade cultural e a autorrepresentação ganharam força como princípios norteadores da curadoria educativa ao longo dos três anos do projeto. No caso de Violência & heroísmo, as sucessivas revisões incorporaram artistas como Éder Oliveira, Panmela Castro e Ana Luisa Santos, cujas poéticas giram em torno da autoidentidade. Em outros materiais educativos, a preocupação com a diversidade cultural aparece no esforço de reunir um grupo equilibrado de representações da figura humana em relação à etnia, gênero, classe social, idade, território de origem etc. Outra estratégia adotada diz respeito à formação de um grupo heterogêneo de artistas. Em ambos os casos, a ideia é que estudantes se sintam representados, seja pela identificação com os sujeitos e contextos abordados nas obras, seja com os artistas. Na prática, ambas as táticas exigem um alto investimento em termos de tempo e pesquisa. Essa é provavelmente uma das razões para o ensino das histórias e das culturas afro-brasileira e indígena, determinado respectivamente pelas Leis 10.639/03 e 11.645/08,17 17 O segundo parágrafo da Lei 10.639, de 2003, determina: “os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. A Lei 11.645, de 2008, inclui o ensino da temática”História e cultura indígena”. encontrar-se em um estágio inicial no ensino de artes visuais.

Substituir o fatalismo pela esperança e pela ação é um parâmetro inspirado na curadoria de literatura infantil realizada pela Cátedra de Educação Científica e Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Laval, no Canadá (cf. BADER, et. alBADER, Barbara et. al. Conception d’activités éducatives en ee-dd et formation initiale et continue d’enseignantes et d’enseignants du primaire et du secondaire. Disponível em: https://www.cle-sciences-dd.fse.ulaval.ca/fichiers/site_cle_sciences_v4/modules/document_section_fichier/fichier__2092c4f931fa__prezi_CLE-EEDD_MEES.compressed.pdf. Acesso em: 2 jun. 2023.
https://www.cle-sciences-dd.fse.ulaval.c...
). Alinhada com uma perspectiva de formação cidadã, a Cátedra exclui títulos que adotam uma abordagem doutrinária, catastrófica e moralizante.

No projeto “Mediação”, além de Violência & heroísmo, outros quatro materiais apresentam uma curadoria marcadamente ativista, nos quais se discute os temas da solidão, ecologia, padrões de beleza corporal e questões de gênero. Na avaliação dos dois primeiros materiais, alguns estudantes manifestaram o desejo de trabalhar com temas mais alegres, enquanto outros afirmaram a importância de abordar esse tipo de conteúdo. Nesse sentido, a proposta do projeto não é fugir de temas difíceis, mas cuidar para evitar uma seleção que reúna um conjunto de obras desoladoras.

Para alguns educadores, o engajamento político, social e cultural de uma parcela significativa da produção artística contemporânea constitui um estímulo importante no ensino de artes visuais. Joseph Iacona (2017)IACONA, Joseph. Teaching with Contemporary Art: Keep it Real, Keep it Relevant. Art 21 Magazine, n.p., nov/dez 2017. Disponível em <magazine.art21.org/2017/11/15/keep-it-real-keep-it-relevant/#.XrWHb2hKhPY>. Acesso em: 2 jun. 2023.
magazine.art21.org/2017/11/15/keep-it-re...
defende a arte contemporânea como a mais propícia para engajar os estudantes em ideias relevantes para suas vidas, motivando-os e ao mesmo tempo desafiando-os como pensadores. O mencionado Programa Educacional Art 21 elenca uma série de razões para privilegiar essa produção, apontando que artistas contemporâneos: 1) dão voz a uma variedade de identidades, valores e crenças; 2) atuam como modelos criativos que podem inspirar diversos estilos de aprendizagem; 3) abordam eventos atuais e ideias históricas, trabalhando de forma interdisciplinar; 4) incentivam a alfabetização midiática, uma vez que exploram novas tecnologias e mídias; 5) desenvolvem temas como beleza, identidade e comunidade que dão a perceber as relações da arte com estruturas maiores. Além dos pontos levantados pelo Art 21, a experiência adquirida na aplicação dos materiais educativos indica que a possibilidade de assistir aos artistas falando sobre seus trabalhos e seus processos criativos representa um fator muito atrativo para gerações tão acostumadas com a linguagem audiovisual.

Um critério comum à maioria das curadorias e que também norteia o nosso projeto diz respeito ao mérito artístico. George Geahigan (1997)GEAHIGAN, George. Art Criticism: From Theory to Practice. In WOLFF, Tom; GEAHIGAN, George. Art Criticism and Education. Urbana and Chicago: University of Illinois, 1997, p. 123-278. considera como indicador de mérito o prestígio da obra junto à críticos, curadores e historiadores, mas recomenda deixar espaço também para o gosto pessoal do curador. A National Gallery of Art18 18 Segundo material disponibilizado no curso “Teaching critical thinking through art with the National Gallery of Art”. sugere que o professor se pergunte: esse trabalho realmente me afeta? Se eu olhar para ele por um minuto, vou descobrir mais coisas e me sentir curioso para conhecer ainda mais sobre ele? Mérito, nesses termos, envolve a capacidade da obra de convidar à interpretação, de compartilhar sensibilidades e despertar a curiosidade. No projeto “Mediação”, todos esses princípios são adotados.

Outro modo de pensar a curadoria educativa que teve influência sobre o projeto “Mediação” foi aquele desenvolvido por Raphael Vella (2018)VELLA, Raphael. Curating as a Dialogue-Based Strategy in Art Education. International Journal of Education Through Art, Bristol, v. 14, n. 3, 2018, p. 293-303.. Na perspectiva desse autor, a curadoria deve ser estruturada a partir de quatro tipos de diálogo. O primeiro concerne o diálogo entre os trabalhos. A ideia é motivar os estudantes a estudar as relações contextuais entre as obras, ao invés de focar em cada uma separadamente. O segundo envolve o diálogo entre posições curatoriais, entendendo que uma curadoria não implica uma afirmação definitiva sobre um determinado conjunto de trabalhos, mas uma perspectiva dentre muitas possíveis. Nesse sentido, é importante que os estudantes entendam que os objetos selecionados para uma exposição constroem uma ideia, em vez de simplesmente representá-la. O terceiro tipo envolve o diálogo com públicos. Conceber uma curadoria requer considerar o ponto de vista de outros e, por isso, incentivar a coprodução de sentidos. Finalmente, Vella descreve o diálogo como cuidado. Remetendo à origem etimológica da palavra curadoria, o autor aponta que um curador é responsável por coisas que são de interesse público.

Se o diálogo entre trabalhos já estava presente no projeto desde o início, as outras três formas de diálogo propostas por Vella só vieram a ser incorporadas de forma explícita nos últimos materiais educativos. Na última versão de Violência & heroísmo, os próprios estudantes são convidados a assumir o papel de curadores, tanto na criação de uma playlist com músicas sobre o tema, como também na indicação de novas obras para compor o conjunto selecionado no material e na proposição de novas curadorias. É importante notar ainda que a noção de curadoria como coprodução de sentidos implica um desafio em duas dimensões, conforme aponta Eder Chiodetto:

O discurso curatorial deve, portanto, se efetuar no delicado limite de conseguir problematizar certas questões para o espectador sem, no entanto, criar um direcionamento demasiado restritivo para a leitura da obra de arte, o que equivaleria a sequestrar sua polissemia inata. Algumas vezes, o excesso de didatismo pode ferir a livre fruição do imaginário do público. Em outras, a falta de didática implica na falta de generosidade em abrir portas de acesso. (CHIODETTO, 2013CHIODETTO, Eder. Curadoria em fotografia: da pesquisa à exposição [livro eletrônico]. São Paulo: Prata Design, 2013. Disponível em: <https://fotoeditorial.com/produto/curadoria-em-fotografia-da-pesquisa-a-exposicao/>. Acesso em: 4 jun.. 2023.
https://fotoeditorial.com/produto/curado...
)

Atingir esse equilíbrio constitui, a nosso ver, um ponto fundamental para o sucesso dos materiais educativos. Curadoria educativa não implica uma abordagem literal nem excessivamente didática. Diferente de uma posição instrumentalista, que toma as obras como meio para ensinar um determinado tópico, a arte deve ser tratada em sua complexidade e riqueza. Utilizando uma metodologia que busca conciliar educação estética e política, o objetivo do projeto “Mediação” é promover encontros capazes de suscitar a curiosidade, compartilhar subjetividades, explorar ambiguidades, desencadear reflexões e incentivar a investigação e o diálogo.

Considerando a experiência reunida na aplicação e avaliação dos materiais educativos, junto às referências citadas, apresentamos oito parâmetros para curadoria educativa de artes visuais para o ensino fundamental II e o ensino médio:

  1. Tomar o universo cultural dos estudantes como ponto de partida;

  2. Propor diálogos entre os campos da arte erudita, da cultura de massa e popular;

  3. Combinar a semelhança de meios e técnicas com a diversidade de enfoques;

  4. Contemplar a diversidade cultural e, na medida do possível, a autorrepresentação;

  5. Promover esperança, engajamento e ação;

  6. Incentivar o trabalho com arte contemporânea;

  7. Reunir obras que tenham mérito artístico;

  8. Abordar a curadoria como uma série de diálogos: entre as obras, com outras curadorias, com os públicos e com o bem comum.

Convém ressaltar que nem todos os materiais educativos do projeto “Mediação” contemplaram esses critérios em sua totalidade. Isso porque os parâmetros de curadoria foram sendo construídos ao longo do tempo, por meio de ciclos de aplicação dos materiais em sala de aula, avaliação e revisão, conforme descrito anteriormente. Na atualização dos materiais existentes e na proposição de novos, a ideia é sempre reforçar o compromisso com essas premissas, mas sem cair em dogmatismos. Essa atividade de curadoria no ensino de artes traz aberturas e possibilidades de rever práticas e valores da cultura escolar, como as próprias fronteiras que separam aquilo que é percebido como arte daquilo que não é. A nosso ver, o importante é observar esse conjunto de princípios em relação ao grupo de obras estudadas ao longo do ano letivo, obviamente, sem tomá-los como objetos prontos e acabados, aproveitando todo o processo para indagar possíveis transformações da percepção e suas implicações para a vida.

Os autores agradecem os estudantes e as professoras que participaram do projeto “Mediação da experiência estética na escola”, em especial Cleverson Gonçalves de Oliveira, por suas contribuições na criação e aplicação do material educativo Violência & heroísmo.

Referências

  • AGUIRRE, Imanol. Imaginando um futuro para a educação artística. In TOURINHO, Irene; MARTINS, Raimundo (orgs.). Educação para a cultura visual: narrativas de ensino e pesquisa. Santa Maria, RS: UFSM, 2009, p. 157-188.
  • ARNHEIM, Rudolph. Art and Visual Perception: A Psychology of the Creative Eye. 1 ed. 1954. Berkeley and Los Angeles (CA): University of California Press, 1974.
  • BADER, Barbara et. al. Conception d’activités éducatives en ee-dd et formation initiale et continue d’enseignantes et d’enseignants du primaire et du secondaire. Disponível em: https://www.cle-sciences-dd.fse.ulaval.ca/fichiers/site_cle_sciences_v4/modules/document_section_fichier/fichier__2092c4f931fa__prezi_CLE-EEDD_MEES.compressed.pdf Acesso em: 2 jun. 2023.
    » https://www.cle-sciences-dd.fse.ulaval.ca/fichiers/site_cle_sciences_v4/modules/document_section_fichier/fichier__2092c4f931fa__prezi_CLE-EEDD_MEES.compressed.pdf
  • BALLO, Guido. The Critical Eye: A New Approach to Art Appreciation. London: Heinemann, 1969.
  • BARBOSA, Ana Mae. As mutações do conceito e da prática. In BARBOSA, Ana Mae. (Org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. 3 ed. São Paulo: Cortez Editora, 2007.
  • CHARMAN, Helen. Uncovering Professionalism in the Art Museum: An Exploration of Key Characteristics of the Working Lives of Education Curators at Tate Modern. Tate Papers, n. 3, Spring 2005.
  • CHIODETTO, Eder. Curadoria em fotografia: da pesquisa à exposição [livro eletrônico]. São Paulo: Prata Design, 2013. Disponível em: <https://fotoeditorial.com/produto/curadoria-em-fotografia-da-pesquisa-a-exposicao/> Acesso em: 4 jun.. 2023.
    » https://fotoeditorial.com/produto/curadoria-em-fotografia-da-pesquisa-a-exposicao/
  • DAYRELL, Juarez. Juventude, produção cultural e a escola. Caderno do Professor, Belo Horizonte, n. 9, 2002.
  • DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
  • DONDIS, Donis A. A Primer of Visual Literacy. Cambridge, MA; London: The MIT Press, 1984.
  • EFLAND, Arthur. Art and Cognition: Integrating the Visual Arts in the Curriculum. New York: Teachers College Press; Reston (VA): NAEA, 2002.
  • FRANZ, Teresinha. Educação para uma compreensão crítica da arte. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2003.
  • FRANZ, Teresinha. Os estudantes e a compreensão crítica da arte. Imaginar, n. 49, jan. 2008, p. 4-11. Disponível em: <https://www.academia.edu/28130408/Os_estudantes_e_a_compreens%C3%A3o_cr%C3%ADtica_da_arte> Acesso em: 4 jun. 2023.t. 2011.
    » https://www.academia.edu/28130408/Os_estudantes_e_a_compreens%C3%A3o_cr%C3%ADtica_da_arte
  • GEAHIGAN, George. Art Criticism: From Theory to Practice. In WOLFF, Tom; GEAHIGAN, George. Art Criticism and Education. Urbana and Chicago: University of Illinois, 1997, p. 123-278.
  • GURAN, Milton. Curadoria: expressão e função social. Studium, Campinas, n. 32, p. 90-93, inverno 2011.
  • HERKENHOFF, Paulo. Bienal 1998: princípios e processos. Marcelina, São Paulo, ano 1, v.1, p. 20-36, 2008.
  • HILLESHEIM, Giovana; SILVA, Maria Cristina; MAKOWIEKY, Sandra. Ensino de arte: um olhar para os espelhos retrovisores. Revista Ars, São Paulo, v. 11, n. 21, jun 2013, p. 62-79.
  • HONORATO, Cayo. Expondo a mediação educacional: questões sobre educação, arte contemporânea e política. Revista Ars, São Paulo, v. 5, n. 9, jan. 2007, p. 116-127.
  • IACONA, Joseph. Teaching with Contemporary Art: Keep it Real, Keep it Relevant. Art 21 Magazine, n.p., nov/dez 2017. Disponível em <magazine.art21.org/2017/11/15/keep-it-real-keep-it-relevant/#.XrWHb2hKhPY> Acesso em: 2 jun. 2023.
    » magazine.art21.org/2017/11/15/keep-it-real-keep-it-relevant/#.XrWHb2hKhPY
  • KÁRPÁTI, Andrea; SCHÖNAU, Diederik. The Common European Framework of Reference for Visual Literacy: Looking for the Bigger Picture’; Renaming the Framework: Common European Framework of Reference for Visual Competency. International Journal of Education Through Art, Bristol, v. 15, n. 1, 2019, p. 3-14, p. 95-100.
  • LANIER, Vicent. Devolvendo arte à arte-educação. In BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte-educação: Leitura no subsolo. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1999, p. 43-55.
  • MARTINS, Mírian Celeste; PICOSQUE, Gisa. Mediação cultural para professores andarilhos da cultura. 2 ed. São Paulo: Intermeios, 2012.
  • OSTROWER, Fayga. Universos da arte. Rio de Janeiro: Campus, 1983.
  • PAGE, Thomas. Panmela Castro: Brazil’s graffiti queen, delivering justice through the nozzle of a paint can. CNN, 5th March 2017. Disponível em: <edition.cnn.com/style/article/her-panmela-castro/index.html> Acesso em: 2 jun. 2023.
    » edition.cnn.com/style/article/her-panmela-castro/index.html
  • PARSONS, Michael. Compreender a arte: um ato de cognição verbal e visual. Disponível em: <https://xdocz.com.br/doc/arte-design-e-interdiciplinaridade-uma-nova-proposta-de-ensino-das-artes-no-ensino-medio-987jg05q5e8z> Acesso em: 4 jun 2023.
    » https://xdocz.com.br/doc/arte-design-e-interdiciplinaridade-uma-nova-proposta-de-ensino-das-artes-no-ensino-medio-987jg05q5e8z
  • PREBLE, Duane; PREBLE, Sarah. Artforms. New York: Harper and Row, 1989.
  • RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34, 2005.
  • RANGEL, Valeska; FRANZ, Teresinha. Um instrumento de mediação para uma compreensão crítica da arte: Guernica (re)visitada. Invisibilidade: Revista da Rede Ibero Americana de Educação Artística, Beja, Portugal, n. 0, 2009, p. 73-85.
  • SCOVINO, Felipe. Anotações e dilemas de um curador no Brasil. Revista Ars, São Paulo, v. 19, n. 33, ago. 2018, p. 29-41.
  • TAYLOR, Joshua. Learning to Look: A Handbook for the Visual Arts. (1 ed. 1957). Chicago: The University of Chicago, 1981.
  • TEJO, Cristiana. Não se nasce curador, torna-se curador. In RAMOS, Alexandre Dias. (Org.). Sobre o ofício do curador. Porto Alegre: Zouk, 2010, p. 149-163.
  • VELLA, Raphael. Curating as a Dialogue-Based Strategy in Art Education. International Journal of Education Through Art, Bristol, v. 14, n. 3, 2018, p. 293-303.
  • VIANNA, Rachel. Development of Visual Perception and the Role of ‘Visual Concepts’ in Critical Studies. International Journal of Education through Art, Bristol, v. 5, n. 1, 2009, p. 23-35.
  • YENAWINE, Philip. Jump Starting Visual Literacy: Thoughts on Image Selection. Art Education, Reston, v. 56, n. 1, p. 6-12, jan. 2003. Disponível em: <www.jstor.org/stable/3194026> Acesso em 2 jun. 2023.

NOTAS

  • ***
    Os autores agradecem os estudantes e as professoras que participaram do projeto “Mediação da experiência estética na escola”, em especial Cleverson Gonçalves de Oliveira, por suas contribuições na criação e aplicação do material educativo Violência & heroísmo.
  • 1
    Essas ideias foram apresentadas por Toby Jackson, então curador da Tate Modern, na palestra “School Art: What’s in It?”, realizada no Seminário Educação e Arte: a experiência da Tate Modern, em 25 de novembro de 2005, no Museu Lasar Segall, em São Paulo, SP.
  • 2
    Projeto realizado com o suporte do Programa de Apoio a Projetos de Extensão da Universidade Do Estado de Minas Gerais Editais PAEx/UEMG Nº 01/2017, 01/2018, 01/2019 e 04/2019 e do Programa de Apoio à Pesquisa –editais PAPq/UEMG Nº 01/2018 e 01/2019.
  • 3
    Em que pese o caráter multissensorial da experiência estética, na literatura de artes visuais é comum equiparar educação estética com educação visual ou educação do olhar – ver: DEWEY, 2010DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.; BALLO, 1969BALLO, Guido. The Critical Eye: A New Approach to Art Appreciation. London: Heinemann, 1969.; DONDIS, 1984DONDIS, Donis A. A Primer of Visual Literacy. Cambridge, MA; London: The MIT Press, 1984.; PREBLE, 1989PREBLE, Duane; PREBLE, Sarah. Artforms. New York: Harper and Row, 1989.; TAYLOR, 1981TAYLOR, Joshua. Learning to Look: A Handbook for the Visual Arts. (1 ed. 1957). Chicago: The University of Chicago, 1981.).
  • 4
    Todos os autores assinaram um documento de cessão de direitos autorais para o projeto.
  • 5
    Em funcionamento desde 2011, o Circuito de Museus facilita o acesso do público escolar aos espaços museológicos da cidade, organizados em torno de Circuitos Temáticos.
  • 6
    Todos os professores participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual garantia anonimato em qualquer tipo de divulgação dos resultados. Os diretores das respectivas escolas assinaram um Termo de Anuência, autorizando a aplicação dos materiais educativos em sala de aula.
  • 7
    Site do artista: <http://www.pedroreyes.net/> Acesso em 22 abr. 2020. LISSON GALLERY. Pedro Reyes. Disponível em: <https://www.lissongallery.com/artists/pedro-reyes> Acesso em 2 jun. 2023.
  • 8
    Manifestação espontânea da população palestina contra a ocupação israelense, na qual civis atiraram paus e pedras contra militares israelenses (1987 – 1993).
  • 9
    PUBLIC DELIVERY. Banksy’s Rage, the flower thrower – everything you need to know. January 10, 2020. Disponível em: <https://publicdelivery.org/banksy-flower-thrower/> Acesso em 23 abr. 2020. Ver também: THE ART STORY. Banksy. Disponível em: <https://www.theartstory.org/artist/banksy/artworks/> Acesso em 2 jun. 2023.
  • 10
    Site do artista: <https://www.jr-art.net/projects/rio-de-janeiro> acesso em 2 jun. 2023. Ver também: EL PAÍS. JR, um olhar da sua arte ao redor do mundo. 7 nov. 2017. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/30/album/1509379270_746077.html#foto_gal_1> Acesso em 2 jun. 2023.
  • 11
    Site do artista: <http://www.ederoliveira.net/sobre> Acesso em 2 jun. 2023.
  • 12
    INSTITUTO PIPA. “Páginas vermelhas”, individual de Éder Oliveira. 28 ago. 2015. Disponível em: https://www.premiopipa.com/2015/08/paginas-vermelhas-individual-de-eder-oliveira/. Acesso em 4 jun. 2023.
  • 13
    Devido às restrições de espaço, não serão discutidos aqui os dados quantitativos da avaliação. Optamos por manter os textos tal como foram escritos pelos estudantes.
  • 14
    Site da artista: <https://panmelacastro.com/> Acesso em 2 jun. 2023. Ver também o artigo: PAGE, 2017PAGE, Thomas. Panmela Castro: Brazil’s graffiti queen, delivering justice through the nozzle of a paint can. CNN, 5th March 2017. Disponível em: <edition.cnn.com/style/article/her-panmela-castro/index.html>. Acesso em: 2 jun. 2023.
    edition.cnn.com/style/article/her-panmel...
    .
  • 15
    Site da artista: <https://www.anasantosnovo.com/> Acesso em 2 jun. 2023.
  • 16
  • 17
    O segundo parágrafo da Lei 10.639, de 2003, determina: “os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. A Lei 11.645, de 2008, inclui o ensino da temática”História e cultura indígena”.
  • 18
    Segundo material disponibilizado no curso “Teaching critical thinking through art with the National Gallery of Art”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2020
  • Aceito
    04 Jun 2023
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Depto. De Artes Plásticas / ARS, Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, 05508-900 - São Paulo - SP, Tel. (11) 3091-4430 / Fax. (11) 3091-4323 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ars@usp.br