Acessibilidade / Reportar erro

O Programa "Municípios Verdes": Estratégias de revalorização do espaço em municípios paraenses1 1 . Resultado de tese de doutoramento, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (PROCAM-USP). Pesquisa realizada com fomento Capes.Doutorado Sanduíche no exterior

Resumos

Nas últimas décadas, a questão ambiental tem possibilitado maior flexibilidade das escalas espaciais, valendo-se de um forte discurso para agir nos territórios. O Estado vem atuando na organização do espaço, utilizando como justificativa esta questão ambiental, com legislações especificas carregadas de finalidades de ordenação espacial, enquanto também permitem aos municípios ação direta sobre seu espaço na articulação dos interesses mais urgentes na gestão do território. Ao mesmo tempo, como vem ocorrendo nas transformações políticas a partir dos anos de 1990, o poder público firma com o privado alianças estratégicas que têm favorecido, principalmente, o segundo. Este artigo tem como objetivo mostrar como essa questão se apresenta no Programa "Municípios Verdes" (PMV), que teve início no Sudeste paraense em 2008. Os resultados mostram um processo de revalorização econômica do espaço a partir do discurso do "desenvolvimento sustentável".

Municípios Verdes; Desenvolvimento Sustentável; Revalorização Econômica do Espaço


In recent decades, the environmental issue has led to greater flexibility of spatial scales, using an environmental discourse to intervene on the ground. The State has been organising this space, using the environmental issue as justification, with specific laws containing spatial planning objectives, as well as allowing municipalities to carry out direct action in their territories to deal with the most urgent issues relating to land management. At the same time, as has happened with policy changes since the 1990s, public power has established territorial strategic alliances with the private sector in a way which has mainly favoured the latter. This article aims to show how this issue is dealt with in the Green Municipalities Program, which began in Southeast Pará in 2008. The results show a process of re-harnessing the economic value of the space using the discourse of "sustainable development".

Green Cities; Sustainable Development; Economic Enhancement of the Space


En las últimas décadas, la cuestión ambiental ha permitido una mayor flexibilidad de las escalas espaciales, sustentándose en el discurso ambiental para actuar en los territorios. El estado ha trabajando en la organización de la justificación del espacio utilizando el problema ambiental, desplegando con leyes específicas de ordenamiento del territorio, las que a la vez permiten a los municipios dirigir el accionar en su espacio para así articular los intereses más urgentes en la gestión. Al mismo tiempo, como ha venido ocurriendo con los cambios políticos desde la década de 1970, el gobierno ha sellado alianzas estratégicas con los privados, que han favorecido especialmente a estos últimos. Este artículo tiene por objetivo demostrar cómo esta cuestión se presenta en el Programa "Ciudades Verdes", que comenzó en el sudeste del Estado de Pará en 2008. Los resultados muestran un proceso de modernización económica del espacio desde el discurso del desarrollo sostenible.

Ciudades Verdes; Desarrollo Sostenible; Revalorización del Espacio Económico


O Discurso do Desenvolvimento Sustentável e Mercantilização da Natureza

O processo atual de capitalização da natureza e das estratégias do desenvolvimento sustentável está reconfigurando e ressignificando a apropriação dos recursos naturais pelo capital na Amazônia Oriental. Inclui-se, no rol dos recursos naturais, o próprio solo amazônico, como bem comum indispensável ao desenvolvimento de um povo.

Com o deslocamento da proposta do ecodesenvolvimento (SACHS, 2008SACHS, Ignacy. Desenvolvimento includente², sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.) para o discurso do desenvolvimento sustentável, o neoliberalismo conseguiu camuflar a contradição entre meio ambiente e crescimento econômico. Como escreve Leff (2006, p. 138)LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006., "na perspectiva neoliberal, desaparecem as causas econômicas dos problemas ambientais". De acordo com a lógica político-econômica desenvolvida na escala internacional, na qual surge um "aparelho normativo ecológico", os atores da globalização econômico-ecológica transformam-se nos responsáveis pelas estratégias de solução para a crise ambiental.

Esse processo gerou o descolamento entre as coisas e seu lugar de referência e finalidade, sendo ambos privados do sentido e de uso que possuem e/ou poderiam ter para os outros, os que não fazem parte das estratégias de acumulação.

O discurso do desenvolvimento sustentável incide sobre as estruturas espaciais, na sua organização, pela formula da simulação do consenso, anunciando a morte da dialética e do conflito (LEFF, 2006LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.). Os relatórios de sustentabilidade das empresas, o discurso dos institutos de gestão dos interesses das mesmas, as novas políticas elaboradas pelos estados e o discurso das ONGs simulam uma realidade sem contradições.

Pela normalização e banalização, o desenvolvimento sustentável adentra as estruturas sociais como se fosse uma verdade inquestionável. A ação "ecologicamente correta" desses atores vem expandindo-se graças a esse "aparelho normativo ecológico": diante do discurso da sustentabilidade é praticamente impossível questionar as posições desses atores dessa forma de "ecologia" sem ser considerado um inimigo da própria questão ambiental (FRANÇOIS, 2012François, Stéphane. L'écologie Politique: une vision du monde réactionnaire? Paris : CERF, 2012). De repente, a degradação ambiental, a exploração da força de trabalho e a pobreza perderam sua relação como produto da contradição entre desenvolvimento econômico e meio ambiente, entre capital e trabalho; e toda a atenção foi voltada para uma causa ambiental aprisionada pelos atores político-econômicos que controlam a produção e o mercado.

Atualmente, grande parte do sucesso das empresas e das ONGs deve-se à transformação da política, entendida como ação social que permite aos homens e mulheres lidarem com os seus interesses na esfera pública (ARENDT, 2009ARENDT, Hannah. A Promessa da Política (The Promise of Politics). Translation by Pedro Jorgensen Jr. 2ª Ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.) para a ação dos voluntariados. Como escreveu Heller e Féher (2008)HELLER, Agnes & FEHÉR, Ferenc. A Condição Política Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002., os espaços de manifestação das lutas sociais foram transformados em espaços de voluntarismo. Uma das formas dessa "política da boa vontade" manifesta-se na questão ambiental por meio da negação dos conflitos e do surgimento de um jogo de consensos simulados cujo principal objetivo é sustentar o modelo urbano-industrial em nova base ideológica.

O discurso do desenvolvimento sustentável nega os limites do crescimento em prol de uma economia sustentada por indicadores de mercado. É cada vez mais difícil convencer que existe solução fora das estratégias econômicas e da mercantilização da natureza. Se até a década de 1980 era facilmente perceptível essas contradições entre desenvolvimento econômico e meio ambiente, atualmente desaparece qualquer clareza de sentido, porque o processo engoliu de tal forma suas contradições que o maior resultado desse jogo de simulações é a atual cooperação entre governos, empresas, ONGs e universidades em um objetivo único - a sustentação da economia de mercado.

Nesse aspecto, é preciso discutir a relação do real e do simbólico e o surgimento do desenvolvimento sustentável como simulacro. A economia e a política não negam a natureza, nem o meio ambiente, porque se produziu um espaço de poder onde o político e o econômico criam para seu próprio sustento uma ideia de natureza e de meio ambiente, consagrada pelo "aparelho normativo ecológico". O atual espaço de difusão do desenvolvimento sustentável produz o que Baudrillard chama de hipertelia: um excesso de imperativos funcionais, postos em prática por uma sorte de saturação. O discurso tratado por Baudrillard sobre o surgimento dos simulacros na sociedade de consumo encontra sentido no atual programa de ação do desenvolvimento sustentável, no qual o descolamento do real como medida possível do concreto cede lugar ao que entendemos como o simbólico hipertélico, também significado próprio (BAUDRILLARD, 1993BAUDRILLARD, Jean. Cultura y Simulacro. Barcelona: Kairós, 1993.).

Considerando o sentido de desenvolvimento sustentável produzido na escala ambiental internacional, a solução para a crise ambiental seria a incorporação do atual modelo de gestão pelas empresas e pelos governos em todas as escalas. Em outras palavras, que todos se tornassem voluntários das causas. Assim, desaparece o real problema da crise ambiental (que é de natureza social-econômica-política) porque se chegou a um consenso de que esta não tem suas causas provocadas pelos princípios básicos do modelo atual e, se tem, o próprio sistema seria capaz de solucioná-la.

A economia metamorfoseou-se e modificou as relações que compõem o atual jogo de poder entre os atores. Escravizou o sentido de desenvolvimento e de sustentável, monopolizando a crise ambiental. A racionalidade econômica que gerou o quadro atual de degradação "resiste à sua desconstrução e arma um simulacro no discurso do desenvolvimento sustentado" (LEFF 2006, p. 143-44LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.).

O desenvolvimento sustentável tem firmado-se por meio dos mecanismos de regulação e normalização que trabalham a favor de regras e normas que produzem valores a partir desses processos de reapropriação e ressignificação, que adequam a ação dos atores públicos e privados a esse aparelho normativo. O Programa "Municípios Verdes" oferece elementos para pensarmos essa problemática, uma vez que expressa como um espaço economicamente desvalorizado que se revaloriza após a incorporação de instrumentos de gestão considerados "ambientalmente corretos".

O Programa Municípios Verdes

Criado no ano de 2008 por iniciativa do Fundo Vale (instrumento de ação da empresa Vale nos territórios onde ela atua), o Programa Municípios Verdes (PMV) foi transformado em projeto do governo do estado do Pará em 2011. De acordo com a Vale (2011) VALE. Projeto para atividades de projeto de reflorestamento e reflorestamento (MDL-FRCP). http://www.vale.com/ptbr/sustentabilidade/Documents/DCP_Vale%20Florestar_05042011_v1.pdf. Accessed: May 2011.
http://www.vale.com/ptbr/sustentabilidad...
, o PMV foi pensado como ferramenta para auxiliar os municípios que compunham a lista dos maiores desmatadores da Amazônia, divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 2008. O objetivo era criar um "pacto de desenvolvimento sustentável" entre os municípios considerados críticos ao longo do corredor da exploração madeireira e do desmatamento - o "arco do desmatamento".

O PMV deveria fortalecer a gestão ambiental desses municípios, através do engajamento dos atores locais (VALE, 2012VALE, Sobre os Municípios Verdes. Available at www.fundovale.org/categorias/projetos/municipios-verdes/sobre-municipios-verdes.aspx. Accessed: 22 April 2012.
www.fundovale.org/categorias/projetos/mu...
) em um programa de ação coordenado pelo governo municipal em parceria com o governo estadual, empresas, universidades e ONGs. Inicialmente foram selecionados três dos municípios mais críticos da lista do MMA - Paragominas, São Felix do Xingu e Novo Progresso -, ambos no Sudeste do Pará. Três bases de ação foram definidas: 1. Promover e apoiar ações locais para o desenvolvimento sustentável e de combate ao desmatamento em municípios integrantes da referida lista; 2. Reforçar as capacidades do governo local na gestão ambiental, incluindo a formação de gestores públicos e da equipe técnica das instituições locais; 3. Apoiar os esforços para uma economia de base florestal e contribuir para a intensificação do uso da terra (VALE, 2012VALE, Sobre os Municípios Verdes. Available at www.fundovale.org/categorias/projetos/municipios-verdes/sobre-municipios-verdes.aspx. Accessed: 22 April 2012.
www.fundovale.org/categorias/projetos/mu...
).

Para isso, alguns compromissos foram assumidos por parte do estado do Pará: 1. Fortalecimento e modernização do Instituto de Terras do Pará (ITERPA), para agilizar processos de regularização fundiária para fins de combate ao desmatamento e promoção do desenvolvimento sustentável; 2. Encaminhamento de um projeto de lei à Assembleia Legislativa do Estado para regulamentação do ICMS ecológico e redução das taxas de licenciamento ambiental, assim como um novo marco regulatório fundiário; 3. Assinatura do Termo de Cooperação entre as secretarias estadual e municipal de meio ambiente, além da assinatura do decreto de elevação da tributação do carvão para operações interestaduais e da proibição do transporte de lenha entre municípios.

Entre as ações municipais, destacam-se: 1. Assinatura do projeto de lei que criou o Código Ambiental Municipal - "um conjunto de leis que inovam a legislação de meio ambiente do município através das políticas de mudanças climáticas e de resíduos sólidos"; 2. Criação do Observatório Ambiental, "que congrega diversas instituições parceiras para fazer o monitoramento da qualidade ambiental" pelas instituições: Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e a The Natural Conservancy (TNC); 3. O Protocolo de Intenções para Regularização Fundiária entre o ITERPA, o Programa Terra Legal do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e as prefeituras; 4. Contrato para Implantação do Projeto "Pecuária Verde", inicialmente entre o Fundo Vale e o Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas, um dos principais projetos do Programa. 5. O protocolo de intenções para a realização do microzoneamento municipal acordado a TNC (PARÁ, 2012PARÁ. Um Pacto pelo Meio Ambiente: Programa Municípios Verdes. 2012).

Por parte do Governo Federal, além da participação direta do IBAMA e do Ministério Público Federal, o PMV recebe apoio do Programa Mais Ambiente (PMA). As principais vantagens do Mais Ambiente "vão desde simplificação do processo de regularização ambiental, como isenção e suspensão de cobrança de multa sobre os passivos ambientais do imóvel rural ao apoio do poder público para a efetiva recuperação das áreas degradas de APP e RL" (BRASIL, 2012a) além de: a) Simplificação do processo de regularização ambiental do imóvel rural, possibilitando o acesso ao crédito rural; b) Suspensão da cobrança de multas aplicadas pelo IBAMA, previstas nos artigos 43, 48, 51 e 55 do Decreto n° 6.514/2008 (BRASIL, 2008_______, Decreto nº 6.514, de 22 de Julho de 2008. Available at: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/D6514.htm. Accessed: December 2012.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) e sua conversão em serviços de recuperação da qualidade do meio ambiente; c) Isenção da aplicação de multas nos artigos mencionados para infrações cometidas até 10 de dezembro de 2009; d) Prazos para recuperar passivos ambientais das áreas de APP e RL do imóvel; e) Apoio do Poder Público com os subprogramas de Assistência Técnica e Extensão, Capacitação e Educação Ambiental; f) Apoio aos beneficiários especiais no georeferenciamento do perímetro do imóvel e das áreas de APP e RL e Remanescentes de Vegetação Nativa (BRASIl, 2012a).

É, portanto, um programa de parceria entre o Governo do Estado do Pará, organizações públicas, Municípios, Setor Privado e Organizações Não Governamentais. Ao lançar o (Organograma 1) como um projeto de estado, o governo do Pará, através da sua Secretaria de Meio Ambiente, declara como objetivos: a) dinamizar a economia local em bases sustentáveis, intensificando e agregando valor à agropecuária, contribuir para o melhoramento da gestão pública, promover segurança jurídica e a atração de novos investimentos; b) agenciar o "desenvolvimento econômico e social através do uso sustentável e conservação dos recursos naturais"; c) "fortalecimento do sistema municipal de meio ambiente com incentivo à criação de órgãos e conselhos municipais, incluindo mecanismos que facilitem a sua estruturação, aparelhamento e funcionamento regular"; d) e "compartilhar e descentralizar a agenda ambiental, que pressupõe ações integradas entre o Governo do Estado e os municípios e permite uma participação mais efetiva da sociedade e do setor privado". (IMAZON, 2011________, Boletim de Monitoramento do Município de Paragominas. October 2011.).

Organograma 1.
Estrutura de Governança do Programa Municípios Verdes

Para os gestores do projeto, as principais vantagens de aderência para os municípios seriam a segurança jurídica: "o cumprimento das leis ambientais reduz a possibilidade de sanções como multas ou embargos econômicos"; a atração de investidores: "ser um Município Verde é um diferencial de mercado e torna atrativa a chegada e permanência de bons investidores"; incentivos creditícios: "a nova visão dos municípios em relação às questões ambientais e sociais poderia criar as condições necessárias para acesso ao crédito, fomento e assistência técnica rural"; desembargo e regularização: "articulação junto ao Ministério do Meio Ambiente e IBAMA do desembargo e regularização das propriedades rurais". (IMAZON, 2011, p. 4________, Boletim de Monitoramento do Município de Paragominas. October 2011.). Dessa forma, o Programa auxilia as atividades econômicas tradicionais - pecuária e agricultura - e incentiva a silvicultura através do manejo florestal, cujo discurso é de redução do desmatamento e da degradação ambiental.

O PMV promove a regularização fundiária e a conclusão do Cadastro Ambiental Rural (CAR)l dos municípios membros (IMAZON, 2011________, Boletim de Monitoramento do Município de Paragominas. October 2011.), obrigatório para que a propriedade seja identificada pelo Estado, embora sua adesão seja considerada voluntária.

Municípios Verdes e Cadastro Ambiental Rural

O Cadastro Ambiental Rural tornou-se indispensável para o licenciamento ambiental de uma propriedade, e por isso ele é o principal requisito para o ingresso dos municípios no PMV. Para acelerar o CAR no "arco do desmatamento", o governo do Pará fez uma parceria com o Governo da Noruega, o Ministério do Meio Ambiente e o Programa das Nações Unidades para o Desenvolvimento (PNUD) com o objetivo de fornecer os meios técnicos necessários para a sua realização e, assim, aumentar a área cadastrada.

Os dois primeiros municípios contemplados pelo novo convênio foram Ulianópolis e Dom Eliseu, que tiveram o cadastro feito no tempo recorde de dez meses - de fevereiro a dezembro de 2012. Paragominas já havia providenciado o cadastramento antes da assinatura do referido acordo. O PMV é uma política territorial de grande impacto sobre a legalização das terras, uma vez que flexibiliza as leis de combate à grilagem, facilitando a regularização fundiária sob a justificativa de resolução dos problemas ambientais. É também uma política de comando, controle e ordenamento, executada através do pacto estabelecido entre os atores nas três escalas de poderes: federal, estadual e municipal.

Para candidatar-se a ser um município verde, é necessário assinar o Termo de Compromisso do Ministério Público Federal contra o desmatamento; assinar o termo de adesão ao Programa e usar o kit de materiais que auxilia a gestão municipal no cumprimento das metas. Os municípios que aderiram ao Programa em 2011 tiveram os prazos de licenciamento ambiental prorrogados, sob a condição de terem cumprido as metas estabelecidas de: "celebrar o pacto pelo controle do desmatamento; criar estrutura de monitoramento, fiscalização e controle do desmatamento; estar fora da lista dos maiores desmatadores do MMA; promover educação ambiental nas escolas" (IMAZON, 2011, p. 5________, Boletim de Monitoramento do Município de Paragominas. October 2011.). De acordo com o Imazon, até 18 de maio de 2011, dos 143 municípios do Estado do Pará, 83 haviam assinado o Termo de Compromisso do MPF, passando para 94 em 2012.

Tomando Paragominas como exemplo, principal integrante do Programa, o pacto é feito entre governo (Prefeitura e órgãos públicos estaduais e federais), Empresas, Universidades e ONGs (voltaremos ao assunto no item Município de Paragominas). Os principais atores são as empresas (entendidas aqui como empresa agrícola, pecuarista, mineral, silvicultura, etc.), uma vez que são elas que devem executar as ações diretas no local de produção objeto das ações, de forma que o mesmo sofra a ação corretiva e se torne legalmente apto para uso. Os órgãos públicos encarregam-se da parte regulatória e normativa (como o CAR) e oferecem os instrumentos técnicos e científicos necessários para avançar no processo que fica a cargo das parcerias com grandes universidades, como a Universidade de São Paulo Esalq/USP e, também, a ação de controle que atualmente é realizada por órgãos estaduais e pelas ONGs Imazon e TNC.

Os três municípios que receberam o projeto de monocultura do eucalipto Vale Florestar ascenderam à condição de "Municípios Verdes". Paragominas, como já dito, foi o primeiro e o exemplo mais concreto do Programa; Dom Eliseu e Ulianópolis alcançaram essa condição em dezembro de 2012, após cumprirem a meta de cadastrar as propriedades rurais. Os três municípios seguem o mesmo padrão administrativo, embora alguns mais avançados no cumprimento das metas. Dom Eliseu foi o último a entrar no Programa, apontado como principal obstáculo a resistência dos produtores rurais para realizar o CAR. Entendemos que o Programa Municípios Verdes é uma política de ordenamento do uso do solo porque através do aparato regulatório-normativo, agiliza-se a condição de uso da propriedade rural e define seu zoneamento. Existe a ação conjunta da regularização para a legalidade da terra e para o controle ambiental, em especial para o domínio do desmatamento, mas é também uma ordenação para a economia setorial - agropecuária e silvicultura -, cujo manejo correto do ponto de vista dessa política ambiental torna-se estratégico no discurso de combate ao desmatamento e de promoção do desenvolvimento sustentável, inclusive repercutindo em outros estados.

Em junho de 2012, o Programa recebeu o apoio do Banco da Amazônia, do Bolsa Verde do Rio de Janeiro e do Programa Cidades Sustentáveis, termo de compromisso assinado durante a Conferência Mundial da ONU no Rio de Janeiro, em 2012 - a RIO + 20. O convênio assinado com a Bolsa de Valores especializada em negociação de capital derivado de projetos de "desenvolvimento sustentável" pode facilitar a negociação de produtos rurais dos "municípios verdes" no mercado de capitais, especialmente da soja que é uma commodity de valorização no mercado. As parcerias com instituições financeiras permitem maior agilidade na aprovação de créditos para propriedades que cumprem os requisitos legais, principalmente os de cunho ambiental.

Nos Municípios Verdes, em especial por meio do CAR, a relação entre política ambiental e territorial estabelece-se, com destaque para a articulação entre as três escalas de poder: Federal, Estadual e Municipal, para a implantação das políticas de comando e controle do desmatamento. Um dos fatores que induziu a criação do PMV foi a Resolução 3.545/2008 do Conselho Monetário Nacional, que passou a condicionar o financiamento para propriedades rurais à regularização ambiental da propriedade. Com isso, os municípios que compunham a lista do MMA ficaram sob o embargo do Governo Federal. Para receber financiamento, o produtor rural ficou condicionado a apresentar documentos que atestassem a condição ambiental da propriedade.

Como mencionado anteriormente, um dos benefícios do PMV ao fazendeiro é a flexibilidade na regularização da propriedade após a adesão ao Programa. Inicialmente, muitos proprietários não aderiram ao CAR porque os custos para a realização do Cadastro eram muito altos, problema facilitado com a formação da parceria com o governo da Noruega e a ação das ONGs. Assim, com a criação do PMV, investimentos foram destinados para a realização do CAR, e as prefeituras de alguns municípios, como Dom Eliseu, Ulianópolis e Paragominas pressionaram os proprietários rurais a fazerem o Cadastro.

Ao transformar o CAR em uma das principais exigências para regularização da propriedade, inclusive dispensando a apresentação da cadeia dominial como prova de aquisição licita da terra, o poder público assume que não tem importância a origem da propriedade e, portanto, torna-se avalista das terras griladas. Paragominas, município-piloto do Programa, encontra-se em estado avançado no cumprimento das metas e pode oferecer parâmetros para pensar cenários futuros a partir do avanço do PMV e o próprio Cadastro Ambiental Rural.

Paragominas e o Programa Municípios Verdes

Paragominas destacou-se como município agrícola, pecuarista e extrativista de madeira para serragem. Contando a partir de 1960, foram quase cinco décadas de exploração que resultaram em uma intensa degradação ambiental. Na lista divulgada pelo MMA, Paragominas estava entre os dez primeiros. Até 2007, o município havia perdido uma média de 45% de sua cobertura florestal original. Mais de oito mil quilômetros quadrados de florestas foram subtraídos, de acordo com levantamento do INPE (PARAGOMINAS, 2009, p. 1). E foi essa situação que impulsionou mudanças na gestão municipal nos últimos quatro anos e, até o momento, tornando-se um dos maiores destaques do país na chamada "administração verde".

De acordo com a prefeitura, Paragominas começou a mudar a partir de 2008, quando o município assumiu um compromisso de transformar o quadro de desmatamento que havia lhe dado visibilidade no Brasil. O "Pacto pelo Desmatamento Zero" e o "Pacto pelo Produto Legal e Sustentável", foi acordado entre a Prefeitura e os empresários do setor agropecuário e florestal no segundo semestre daquele ano. Em 2009, o projeto de mudança do município foi fortalecido pela chegada do Fundo Vale, que trouxe para Paragominas as ONGs Imazon e TNC, parceiras da empresa. As ONGs começaram a fazer um trabalho de mapeamento da cobertura vegetal e, no final daquele ano, apresentaram um diagnóstico socioeconômico e ambiental, sendo a questão florestal o principal problema a ser tratado. O documento auxiliou a ação da Prefeitura no combate ao desmatamento, dando suporte de dados para a elaboração do microzoneamento das propriedades rurais para a realização da regularização fundiária e do ordenamento econômico das atividades de pecuária e agronegócio. A gerência do projeto Vale Florestar, sediada em Dom Eliseu, destaca a atuação da prefeitura no processo de regularização das terras, essencial para o sucesso do empreendimento florestal da empresa.

Além disso, Prefeitura, ITERPA e Programa Terra Legal do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) assinaram um termo de cooperação para resolver o problema da ilegalidade das propriedades. Os principais pontos do "Programa Paragominas Verde" são: 1) Criação de um código ambiental, documento que traz uma moderna legislação ambiental para o município, já efetuado; 2) Criação do Observatório Ambiental para fazer o monitoramento da qualidade ambiental da cidade, também criado; 3) Pacto entre o Fundo Vale, as ONGs Imazon e TNC e o Sindicato dos Produtores Rurais para a implantação do Projeto "Pecuária Verde", que incentiva principalmente o investimento em tecnologia na produção, projeto em execução.

Nos últimos três anos, Paragominas conseguiu importantes indicadores ambientais. Os principais destaques são para a redução do desmatamento, uma vez que o município manteve os 66% da cobertura vegetal que apresentava em 2009 e conta com 5,28% de área em regeneração. Mais de 50% das propriedades encontra-se com a área de reserva legal adequada e o restante está em processo de adequação (Tabela 1). Toda a área de reserva legal do município está acordada com a lei de redução de 80% para 50% por ser área destinada para recuperação. Essa situação foi fruto da estrutura jurídico-normativa que produziu uma condição favorável ao desenvolvimento das ações econômicas em acordo com as metas estabelecidas. Grande parte disso deveu-se ao emprego das tecnologias ambientais feito pelo trabalho das ONGs e das universidades em parceria com o poder público municipal, do poder privado da empresa agrícola e pecuarista e da silvicultura.

Tabela 1
Município de Paragominas - Quadro Ambiental

O uso de tecnologia no aprimoramento da produção tem feito a diferença na gestão das propriedades rurais. Em estudo concluído em 2011 sobre a topografia do município, principalmente para definir a aptidão de uso do solo quanto à declividade, concluiu-se que em área de uso agropecuário 610.783,88 mil hectares de terras estavam aptos para agricultura e 9.482, 29 mil estariam inaptos. Das áreas localizadas acima de 100 metros de altitude, 265.852,58 hectares estavam aptos para cultivo agrícola e silvicultura, sendo que 11.845,74 hectares possuíam menor aptidão e 8.118,95 hectares estavam restritos à exploração agropecuária. A área total localizada acima de 100 metros apta para uso agrícola com maior ou menor aptidão correspondia a 285.817, 27 mil hectares.

Já na área com declividade abaixo de 100 metros de altitude, 344.931,30 mil hectares possuíam condições excelentes para pecuária e silvicultura, mas com melhor aptidão para silvicultura eram 6.116,56 mil hectares e área restrita para exploração agropecuária de 1.363, 34 mil hectares. Nessa classificação de declive, eram 351.047, 86 hectares com melhor aptidão para pecuária e silvicultura. Com base nesse estudo, Paragominas definiu o quadro de potencial econômico do município (Tabela 2):

Tabela 2
Potencial Econômico do Município de Paragominas

A economia está estruturada entre os setores agropecuário e florestal. Na agricultura, destaque para a produção de soja, atualmente maior produtor do estado do Pará; e milho, que também cresceu durante a última década. No setor florestal, o município tem três projetos importantes: o Vale Florestar, principal parceiro através do Fundo Vale, que já conta com mais de 10 mil hectares de eucalipto plantado; o Grupo Concrem com produção de Paricá e a Paragoflor, também com Paricá. Já a pecuária foi beneficiada pelo "Projeto Pecuária Verde". Esse último é resultado de uma parceria entre o Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas, o Fundo Vale e a empresa Dow AgroSciences. Segundo o Sindicato, o objetivo é aperfeiçoar e intensificar a pecuária e promover o aumento da produtividade e da lucratividade.

O modelo foi implantado inicialmente em seis fazendas, selecionadas a partir do relatório de destaque das propriedades no Programa Boas Praticas Agropecuárias (BPA) promovido pela Embrapa. Também foram considerados critérios ambientais, tamanho da fazenda e atividade desenvolvida. O projeto piloto foi pensado para três anos de experiência. A perspectiva, segundo o Sindicato é que, após esses três anos, o mesmo seja estendido para outras fazendas do município e do Estado do Pará, devendo também chegar até a agricultura e a silvicultura. Também apoiam o projeto a Universidade de São Paulo/Esalq e a Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), ambas na promoção de tecnologias e de técnicas que permitem intensificar a produção nas áreas que já foram e/ou são convertidas em pasto.

Entendemos que a questão fundamental no Projeto Municípios Verdes seja a revalorização de uma área castigada pela degradação ambiental, o que provocou uma desvalorização econômica das atividades predominantes (pecuária e monocultura agrícola). A degradação ambiental que produziu a desvalorização recoloca as mesmas atividades econômicas do passado (agora acrescidas da silvicultura) no mercado como prática de "desenvolvimento sustentável", valorizadas pela associação da forma de produção aos métodos ditos "ambientalmente corretos".

Considerações Finais

Diante da situação em que se encontra a parte sudeste do estado do Pará, marcada por uma grande perda da cobertura vegetal, pensar e implantar projetos que contribuam para o controle do desmatamento é de grande importância. O Programa Municípios Verdes, considerado aqui como um programa de ação, aparece como proposta de recuperação dessas áreas degradadas. Nesse sentido, o trabalho das ONGS tem sido fundamental, pois auxilia no monitoramento das propriedades e, ao mesmo tempo, dá credibilidade à atividade econômica. No mesmo sentido, a parceria firmada com a Vale (Fundo Vale) e as universidades significa mais investimentos em pesquisa, ciência e tecnologia a serviço do melhoramento da produção e da valorização econômica do espaço. Do mesmo modo, a transformação do "Projeto Municípios Verdes" em um programa do Estado, com a agregação de diversas instituições, tende a intensificar as atividades que já vinham sendo desenvolvidas em Paragominas, expandindo-se para outros municípios. A tendência é que esse modelo venha a se expandir na Amazônia, mantendo a mesma lógica de uso e ocupação do solo de modelos anteriores, mas com novos discursos.

A nomenclatura área para recuperação ambiental credencia a parceria público-privada, fortalecida pela entrada de universidades e ONGs, e promove a criação de pactos entre esses atores para revalorizar esse espaço e as atividades nele dominantes. Através do discurso do desenvolvimento sustentável e por meio do Cadastro Ambiental Rural as terras estão sendo facilmente regularizadas, abrindo precedente para a legalização sem a devida comprovação da procedência da propriedade.

Nesse sentido, por mais que possa ser importante trabalhar conforme os padrões legais em termos ambientais, o discurso tem legitimado e revalorizado o mesmo processo de apropriação e uso do espaço existente antes. O diferencial é que o processo de acumulação se dá dentro das novas exigências do cenário internacional estruturado pela globalização - com investimento tecnológico e o discurso da sustentabilidade. Em outras palavras, os novos projetos para essa área aparecem como solução para os problemas gerados pelas políticas de frentes pioneiras, e isso faz uma grande diferença em termos de legitimidade das atividades econômicas e políticas do período atual, em que esses critérios de "ambientalmente correto" fortalecem-se nas diversas escalas geográficas e legitimam a ação do capital.

References

  • ARENDT, Hannah. A Promessa da Política (The Promise of Politics). Translation by Pedro Jorgensen Jr. 2ª Ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.
  • BAUDRILLARD, Jean. Cultura y Simulacro. Barcelona: Kairós, 1993.
  • BRASIL. MPF. Termo de Compromisso para o Programa Município Verde. March 2011
  • _______, Decreto nº 6.514, de 22 de Julho de 2008. Available at: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/D6514.htm. Accessed: December 2012.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/D6514.htm
  • _______, Mais Ambiente. Available at: www.maisambiente.gov.br/index.php/quais-os-beneficios . Accessed on 15 December 2012b.
    » www.maisambiente.gov.br/index.php/quais-os-beneficios
  • François, Stéphane. L'écologie Politique: une vision du monde réactionnaire? Paris : CERF, 2012
  • LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
  • IMAZON. Diagnóstico Socioeconômico e Florestal do Município de Paragominas. 2009.
  • ________, Boletim de Monitoramento do Município de Paragominas. October 2011.
  • HELLER, Agnes & FEHÉR, Ferenc. A Condição Política Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
  • PARÁ. Um Pacto pelo Meio Ambiente: Programa Municípios Verdes. 2012
  • PARAGOMINAS. Informações históricas. Available at www.paragominas.pa.gov.br. Accessed: December 2012.
    » www.paragominas.pa.gov.br
  • INSTITUTO DE PESQUISA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA. Paragominas lança mão da ciência para avançar no processo de ordenamento territorial. Available at: http://www.paragominas.pa.gov.br/. Accessed: May 2011.
    » http://www.paragominas.pa.gov.br/
  • SACHS, Ignacy. Desenvolvimento includente², sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.
  • SEMA. Cartilha Municípios Verdes, 2011.
  • VALE, Sobre os Municípios Verdes. Available at www.fundovale.org/categorias/projetos/municipios-verdes/sobre-municipios-verdes.aspx. Accessed: 22 April 2012.
    » www.fundovale.org/categorias/projetos/municipios-verdes/sobre-municipios-verdes.aspx
  • VALE. Projeto para atividades de projeto de reflorestamento e reflorestamento (MDL-FRCP). http://www.vale.com/ptbr/sustentabilidade/Documents/DCP_Vale%20Florestar_05042011_v1.pdf. Accessed: May 2011.
    » http://www.vale.com/ptbr/sustentabilidade/Documents/DCP_Vale%20Florestar_05042011_v1.pdf
  • VALE. Em destaque. Available at VALE. Projeto Vale Florestar. Available at http://saladeimprensa.vale.com/pt/pauta_online/indexasp?ID=89. Accessed: June 2010.
    » http://saladeimprensa.vale.com/pt/pauta_online/indexasp?ID=89
  • 1
    . Resultado de tese de doutoramento, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (PROCAM-USP). Pesquisa realizada com fomento Capes.Doutorado Sanduíche no exterior

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2014
  • Aceito
    23 Jan 2015
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaambienteesociedade@gmail.com