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Percepção de indígenas Kaingang acerca da política ambiental no Brasil no século XXI

Percepción de los indígenas Kaingang sobre la política ambiental en Brasil en el siglo XXI

Resumo

O cenário brasileiro na segunda década do século XXI exige atenção no que diz respeito às questões ambientais com consequências às comunidades indígenas do país. No artigo, propõe-se discutir relatos de representantes indígenas quanto ao aumento da veiculação de notícias acerca da devastação ambiental com debates sobre mudanças na política socioambiental do país. Sob aportes teóricos que destacam essas problemáticas em populações indígenas, utiliza-se entrevistas realizadas com indígenas Kaingang. A partir de suas narrativas, discute-se o cenário socioambiental do Brasil e a veiculação de notícias acerca do tema. Permeando a literatura com as narrativas produzidas, entende-se que este cenário socioambiental é sentido tanto na perspectiva afetiva como cognitiva, mostrando entendimentos acerca da posição marginalizada que os governos tratam as populações indígenas e o meio ambiente.

Palavras-chave:
Povos indígenas; Território Indígena; Política ambiental; conflitos socioambientais; Relação ser humano-natureza

Resumen

El escenario brasileño en la segunda década del siglo XXI requiere atención en las cuestiones ambientales con consecuencias para las comunidades indígenas del país. Se propone confrontar los relatos de representantes indígenas sobre la difusión de noticias sobre devastación ambiental con debates sobre cambios en la política socioambiental del país. Bajo aportes teóricos que resaltan estos temas en poblaciones indígenas, se utilizan entrevistas a indígenas Kaingang. A partir de sus narrativas, se discute el escenario socioambiental en Brasil y la difusión de noticias sobre el tema. Permeando la literatura con las narrativas producidas, se comprende que este escenario socioambiental se siente tanto desde una perspectiva afectiva como cognitiva, mostrando comprensiones sobre la posición de marginación que los gobiernos tratan a las poblaciones indígenas y al medio ambiente.

Palabras-clave:
Pueblos indígenas; Territorio Indígena; Política de medio ambiente; conflictos socioambientales; Periodismo Ambiental; Kaingang; Relación hombre-naturaleza

Abstract

The Brazilian scenario in the second decade of the 21st century requires attention concerning environmental issues with consequences for the country’s indigenous communities. The article proposes to confront reports from indigenous representatives regarding the increased news dissemination about ecological devastation, with debates about changes in the country’s socio-environmental policy. Interviews with Kaingang indigenous people are used under theoretical contributions highlighting these issues in indigenous populations. The socio-environmental scenario in Brazil and news dissemination on the subject are discussed based on their narratives. Permeating the literature with the produced reports, this socio-environmental scenario is felt in the affective and cognitive perspectives, showing an understanding of the marginalized position that governments treat indigenous populations and the environment.

Keywords:
Indigenous peoples; Indigenous territory; Environmental policy; Social and environmental conflicts; Human-nature relationship

Introdução

A proposição de novas políticas ambientais, bem como a reestruturação de normativas existentes, é especialmente delicada no Brasil devido à ampla extensão territorial e a diversidade de biomas e ecossistemas existentes. Percebe-se as interferências políticas e econômicas, com o intuito de beneficiar uma parcela da população em detrimento das demais. Em consequência dessas incongruências, a implementação de normativas que de fato agreguem à conservação da biodiversidade e ao respeito às comunidades tradicionais que habitam áreas de mata, segue sendo, muitas vezes, afligidas por rearranjos de normativas que desgastam a proteção de áreas naturais e promovem uma profunda crise socioambiental.

Destaca-se, também, a posição econômica do país nas cadeias produtivas mundiais: um forte agroexportador. Atualmente, o agronegócio constitui parcela significativa do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, sendo esse setor um contribuinte necessário a ser mantido no país. Muitas vezes, existe uma motivação em distorcer as normativas ambientais com o intuito de favorecer o agronegócio, entendendo que, a curto prazo, o Brasil depende muito desse setor para seu desenvolvimento.

Frente a esse cenário, muitas são as notícias veiculadas referentes à devastação do meio ambiente, que acomete de maneira arrebatadora o Brasil. As mídias explicitam as mudanças ocorridas na paisagem física, mas também tendem a destacar as consequências dessas modificações para as comunidades tradicionais, abundantes e diversas no país, sobretudo as populações indígenas habitantes de grandes áreas em que parte da natureza permanece conservada.

Há uma série de mudanças e ajustes no manejo dos territórios que mostram o desafio socioambiental brasileiro atual, os quais impactam diretamente os modos de vida da população. Isso porque a relação do ser humano com a natureza é parte fundamental do desenvolvimento dos modos de vida da espécie humana, principalmente quando se discute sobre a particularidade das populações indígenas.

O presente trabalho propõe-se a discutir de maneira crítica o cenário em que se insere o Brasil atualmente no âmbito político-ambiental. Sob o ponto de vista das problemáticas ambientais ocorridas nos últimos dez anos no país, traz subsídio ao debate da relação ser humano-natureza de representantes do povo indígena Kaingang entrevistados. Com vistas a compreender essa relação, tem-se como objetivos: (i) explorar a dimensão social das políticas ambientais, por meio de relatos de representantes indígenas, quanto à devastação ambiental ocorrida atualmente no país; (ii) avançar no debate sobre as consequências para essas populações e as perspectivas desse público para enfrentar os desdobramentos das alterações nessas normativas.

Caminhos ético-metodológicos

Para atingir os objetivos propostos, elegeram-se bibliografias da área político-ambiental, normativas ambientais brasileiras, bem como entrevistas semiestruturadas, realizadas sob a perspectiva da História Oral (MEIHY; HOLANDA, 2013MEIHY, J. C. S. B.; HOLANDA, F. História Oral: como fazer como pensar. 2ª ed. São Paulo: Editora Contexto, 2013.) pelas próprias pesquisadoras, com dez representantes indígenas do povo Kaingang, viventes no estado do Paraná, no sul do país.

As entrevistas ocorreram no ano de 2020 e no primeiro trimestre de 2021 (Autorização do Comitê Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CONEP): CAAE: 29910220.9.0000.5407). Destaca-se o contexto em que a coleta de dados com os indígenas foi realizada: o Brasil encontrava-se com grande número de casos de infecção e morte por covid-19; noticiava-se pela mídia nacional e internacional as queimadas crescentes no Pantanal, a devastação das áreas de floresta da Amazônia e a infecção e assassinato de indígenas devido à invasão de terras indígenas1 1 - Algumas notícias que exemplificam o momento em que as entrevistas foram realizadas podem ser encontradas no Editorial feito pela Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB, 2021): https://emergenciaindigena.apiboficial.org/files/2020/12/APIB_nossalutaepelavida_v7PT.pdf .

Na perspectiva de um trabalho que traga discussões atuais, são apresentadas narrativas coletadas pelas autoras e trabalhos que discutem dados relacionados às notícias veiculadas na mídia televisiva no Brasil e às mudanças na política ambiental do país durante os últimos dez anos (CARDOSO REIS, 2019CARDOSO, F. G.; REIS, C. F. Velhos dilemas, antiquadas soluções: o Brasil na contramão do desenvolvimento. In: LEITE, A. Z. et al (vários organizadores) (Orgs.). Brasil: incertezas e submissão? São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2019.; FEARNSIDE, 2019FEARNSIDE, P. M. Desmonte da Legislação Ambiental Brasileira. In: Weiss, J. S. Movimentos Socioambientais: Lutas - Avanços - Conquistas - Retrocessos - Esperanças. Formosa: Xapuri Socioambiental, p. 317-382, 2019.; MELLO-THÉRY, 2019MELLO-THÉRY, N. A. Perspectivas ambientais 2019: retrocessos na política governamental. Confins, n. 501, 2019. Acesso em: 06 de fevereiro de 2021. doi: https://doi.org/10.4000/confins.21182
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; GIRARDI et al, 2020GIRARDI, I. M. T.; LOOSE, E. B.; STELIGLER, D. G. Novos rumos da cobertura ambiental brasileira: um estudo a partir do Jornal Nacional. Medio ambiente: desafíos contemporâneos, n.7, p. 47-62, 2020.; ISA, 2021; INA; INESC, 2022; ISA, 2022). É importante destacar a postura dos governantes brasileiros frente à pasta do meio ambiente, sobretudo no cenário pandêmico, em que houve o desmonte de órgãos de fiscalização e manejo de áreas protegidas, em favor de setores aliados do Governo Federal (2019-2022), em especial agronegócio e mineração (GIRARDI et al, 2020; ISA, 2021; INA; INESC, 2022).

A análise dos dados é de natureza qualitativa, com triangulação da literatura pertinente à temática político-ambiental, às legislações vigentes no país quanto ao uso, ocupação, manejo e gerenciamento da terra e referenciais voltados à relação ser humano-natureza em povos indígenas, com a finalidade de divulgar as consequências diretas para esse público, no recorte espaço-temporal em que se inserem os Kaingang do Paraná, em relação às políticas ambientais em curso.

Relação ser humano-natureza: povos indígenas

Tratando diretamente das concepções e relações interpostas entre natureza e populações humanas, entende-se que essas são culturalmente determinadas e indissociáveis do contexto em que são produzidas. Nesse sentido, ao obter conexões entre sociedade e o mundo natural de um determinado povo, esse não pode ser generalizado, pois não é comum a todos os grupos, perpassando, assim, a simples dicotomia do pensamento oriental e ocidental.

Da perspectiva dos povos indígenas e suas culturas é possível observar que a relação que se estabelece com o ambiente ao redor é ímpar, já sendo discutida amplamente por diferentes autores (AYRES, 1990AYRES, O. M. Uma utilização de Multimeios na Pesquisa: “Os Kayapó através da Representação de alguns Mamíferos”. Dissertação (Mestrado em Multimeios). Universidade Estadual de Campinas. Campinas: 1990.; AB’SABER, 1996AB’SABER, A. N. Estratégia para recuperação da biodiversidade regional. In: DENCKER, A. F. M.; KUNSCH, M. M. K. (orgs.). Comunicação e meio ambiente. São Bernardo: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, p. 145-151, 1996.; DIEGUES, 2000DIEGUES, A. C. Etnoconservação: Novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos. 2 ed. São Paulo: NUPAUB - USP: Hucitec: Annablume, 2000.; BERKES, 2021BERKES, F. Toward A New Social Contract: Community-based Resource Management and Small-scale Fisheries. TBTI Global: 2021. 340 p.; BRONDIZIO et al, 2021BRONDÍZIO, E. S.; AUMEERUDDY-THOMAS, Y.; BATES, P. et al. Locally based, Regionally manifested, and Globally relevant: Indigenous and Local knowledge, values, and practices for Nature. Annual Review Environmental Resources. v. 46, p.16.1- 16.29, 2021.). Uma vez que a interação com a natureza faz parte do modo de vida e da construção da cultura desses povos e entendendo a pluralidade existente entre os diferentes grupos indígenas, é importante ressaltar o entendimento específico do povo Kaingang sobre o assunto.

Em estudo junto a um grupo Kaingang do Rio Grande do Sul, Lappe e Laroque (2015LAPPE, E.; LAROQUE, L. F. S. Indígenas e Natureza: a reciprocidade entre os Kaingang e a natureza nas Terras Indígenas Por Fi Gâ, Jamã Tÿ Tãnh e Foxá. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 34, p. 147-156, ago. 2015.) observaram que ao tentar compreender as interligações entre esse povo e a natureza que os cerca, faz-se necessário olhar para os costumes e tradições que são perpetuados há milhares de gerações, uma vez que o ambiente e o território modulam toda a organização social da comunidade. Posteriormente, Ayres (2022AYRES, A. D.; MONTERO, M. M. B.; BRANDO, F. B. Etnologia Dos Kaingang E Seus Territórios No Estado Do Paraná. Revista Brasileira de Desenvolvimento Territorial Sustentável GUAJU, Matinhos, v. 8, 2022, p. 1-23. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/guaju.v9i0.87377
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) registrou aspecto semelhante com os Kaingang do Paraná, destacando a importância do território indígena para a reprodução cultural e da natureza. Os entrevistados foram indagados quanto a forma com que se relacionam com o meio ambiente, obtendo-se algumas devolutivas:

O modo como o Kaingang se relaciona com a natureza, é muito diferente. Eu costumo dizer que a gente tem uma relação de mutualidade. Então, a gente não vive sem a natureza e natureza também não vai viver sem a nossa presença. Então, é um cuidando do outro. Agora, em questão do não indígena, ele já olha pra terra com uma questão de o que que ele vai conseguir em cima da daquela terra, o que que ele vai tirar daquela terra, o que que ele vai possuir através daquela terra. Com o olhar capitalista mesmo (Entrevistado 01, 15/01/2021)

Eu acho que os indígenas, de um modo geral, eles, os Kaingangs eles conservam sim a natureza, porque como eu falei antes, é a nossa cultura, ela não existe sem a conservação da natureza, uma coisa tá ligada a outra. Então, as populações indígenas, principalmente os Kaingang, a gente valoriza sim. Todas as populações, todas as comunidades indígenas valorizam a natureza, porque a relação entre as duas é uma relação muito íntima, entre a nossa cultura indígena e a preservação e a valorização da natureza (Entrevistado 02, 03/02/2021)

Frente às considerações acerca da relação humano-natureza entre os Kaingang, reforçando o papel dos povos indígenas para a conservação da natureza e a ligação entre a manutenção do modo de vida e de sua cultura, os dados mostram entendimento sobre a relação intrínseca existente. Também é vista como condição sine qua non da presença indígena nos territórios para que a natureza seja mantida, uma vez que reconhecem a dependência dos recursos que são fornecidos para sua própria subsistência.

Ademais, as discussões trazidas por outros trabalhos desenvolvidos com os Kaingang (VEIGA, 2006VEIGA, J. Aspectos fundamentais da cultura Kaingang. Campinas: Editora Curt Nimuendajú, 2006. 254 p.; LAPPE; LAROQUE, 2015LAPPE, E.; LAROQUE, L. F. S. Indígenas e Natureza: a reciprocidade entre os Kaingang e a natureza nas Terras Indígenas Por Fi Gâ, Jamã Tÿ Tãnh e Foxá. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 34, p. 147-156, ago. 2015.; AYRES; BRANDO, 2022AYRES, A. D.; MONTERO, M. M. B.; BRANDO, F. B. Etnologia Dos Kaingang E Seus Territórios No Estado Do Paraná. Revista Brasileira de Desenvolvimento Territorial Sustentável GUAJU, Matinhos, v. 8, 2022, p. 1-23. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/guaju.v9i0.87377
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) vão ao encontro à perspectiva das contribuições da natureza para as pessoas, como descrito no segundo capítulo do documento sobre biodiversidade e serviços ecossistêmicos (BRAUMAN et al, 2020BRAUMAN, K.A.; GARIBALDI, L.A.; POLASKY, S.; AUMEERUDDY-THOMAS, Y.; BRANCALION, P. H. S. et al. Global trends in nature’s contributions to people. PNAS, 117:32799-805. 2020.), no qual se evidencia que a interação dos seres humanos com a natureza permite a coprodução de conhecimentos ecológicos e um impacto positivo na qualidade de vida das pessoas.

Cenário ambiental brasileiro

De modo retrospectivo, observa-se que a erosão das políticas ambientais vem ocorrendo há algumas décadas no Brasil, evidenciando conflitos na composição dessa agenda (SANTOS, 2009SANTOS, L. B. Trilhas da política ambiental: conflitos, agendas e criação de unidades de conservação. Ambiente & Sociedade, Campinas, v. XII, n.I, p. 133-150, jan-jun, 2009.). Entende-se que ocorreram intervenções capazes de subsidiar o artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil, o qual reconhece que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (BRASIL, 1988), tal como exigências no âmbito do licenciamento e gestão ambiental. No entanto, o século XXI é marcado por uma série de revezes por intermédio das políticas públicas em vigor, sob ancoragens legislativas e medidas provisórias, chegando ao ápice nos últimos anos (2018-2022) em virtude de um comando contrário à pasta do meio ambiente (FEARNSIDE, 2019FEARNSIDE, P. M. Desmonte da Legislação Ambiental Brasileira. In: Weiss, J. S. Movimentos Socioambientais: Lutas - Avanços - Conquistas - Retrocessos - Esperanças. Formosa: Xapuri Socioambiental, p. 317-382, 2019.; GIRARDI et al, 2020GIRARDI, I. M. T.; LOOSE, E. B.; STELIGLER, D. G. Novos rumos da cobertura ambiental brasileira: um estudo a partir do Jornal Nacional. Medio ambiente: desafíos contemporâneos, n.7, p. 47-62, 2020.).

Ao explorar as motivações dos agravamentos já existentes na problemática ambiental brasileira, destaca-se a presença de financiamentos ocorridos por correntes desenvolvimentistas, beneficiadas pela flexibilização e retrocesso nas normativas socioambientais. É intrínseca à agenda ambiental o debate político constante, sobretudo com grupos da sociedade civil ligados às áreas ou medidas que interferirão mais diretamente nos territórios ocupados por populações tradicionais (SANTOS, 2009SANTOS, L. B. Trilhas da política ambiental: conflitos, agendas e criação de unidades de conservação. Ambiente & Sociedade, Campinas, v. XII, n.I, p. 133-150, jan-jun, 2009.).

Dentre as medidas tomadas que impactam diretamente esse cenário, merece destaque a reforma do Código Florestal, modificada em 2012, somando retrocessos e fragilizando ainda mais as medidas em prol da proteção ambiental. O maior exemplo disso é a atualização dos Cadastros Ambientais Rurais (CARs) pelos proprietários de terras, que não passaram pelo crivo de validação por órgãos ambientais, resultando em altas taxas de sobreposição de Unidades de Conservação (UCs) de domínio público com as propriedades privadas. Nesse sentido, destaca-se a situação de terras indígenas amazônicas, em que mais de 3,5 milhões de hectares de UCs se sobrepõem a CARs (ISA, 2022).

Outro fator que merece destaque é o negacionismo quanto às temáticas ambientais como as mudanças climáticas e o aumento do desmatamento da Floresta Amazônica, sentido também no âmbito internacional. De acordo com Mello-Théry (2017; 2019) e Instituto Socioambiental (ISA, 2022), embora retrocessos fossem percebidos nessa pasta em governos anteriores, entende-se que havia um singelo avanço relacionado à manutenção da biodiversidade e dos recursos hídricos, mas quase inexistente nos últimos dez anos.

Em razão da crescente nessas problemáticas, sobretudo às que levam a mudanças nas dinâmicas climáticas globais, houve a formação de um consórcio técnico chamado de Climate Action Tracker. Dentre os debates, explicitando o monitoramento das metas dos países signatários do Acordo de Paris quanto a tentativa de estabilização das mudanças climáticas, os membros desse grupo identificaram o distanciamento do governo brasileiro em ações que priorizem a redução da degradação ambiental, demonstrado por medidas que inviabilizam a efetividade do cumprimento de acordos globais, esvaziando discussões técnicas ambientais, com corte orçamentário crescente e flexibilizando normativas ambientais (GIRARDI et al, 2020GIRARDI, I. M. T.; LOOSE, E. B.; STELIGLER, D. G. Novos rumos da cobertura ambiental brasileira: um estudo a partir do Jornal Nacional. Medio ambiente: desafíos contemporâneos, n.7, p. 47-62, 2020.).

Em seu trabalho, Fearnside (2019FEARNSIDE, P. M. Desmonte da Legislação Ambiental Brasileira. In: Weiss, J. S. Movimentos Socioambientais: Lutas - Avanços - Conquistas - Retrocessos - Esperanças. Formosa: Xapuri Socioambiental, p. 317-382, 2019.) descreve os principais meios de erosão do controle ambiental que vêm sendo dispostos dentro da política em vigor no país. Complementa que essa problemática “se dá por transferência de autoridade, uso de ‘condicionantes’, a inobservância da lei e das normas do Departamento de Licenciamento do IBAMA e a corrupção e doações políticas” (p. 322). Acerca desses meios, outros autores também criticam o plano de ação atual brasileira, que procura afrouxar normativas de licenciamento ambiental e da ocupação de áreas verdes, reforçando uma continuidade colonizadora assimétrica sobre terras brasileiras em detrimento de um desenvolvimento comercial inexistente (CARDOSO REIS, 2019CARDOSO, F. G.; REIS, C. F. Velhos dilemas, antiquadas soluções: o Brasil na contramão do desenvolvimento. In: LEITE, A. Z. et al (vários organizadores) (Orgs.). Brasil: incertezas e submissão? São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2019.; FEARNSIDE, 2019FEARNSIDE, P. M. Desmonte da Legislação Ambiental Brasileira. In: Weiss, J. S. Movimentos Socioambientais: Lutas - Avanços - Conquistas - Retrocessos - Esperanças. Formosa: Xapuri Socioambiental, p. 317-382, 2019.; MELLO-THÉRY, 2019MELLO-THÉRY, N. A. Perspectivas ambientais 2019: retrocessos na política governamental. Confins, n. 501, 2019. Acesso em: 06 de fevereiro de 2021. doi: https://doi.org/10.4000/confins.21182
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).

Marco importante acerca dos retrocessos ambientais é a alteração da estrutura governamental publicada no Diário Oficial da União (DOU) em janeiro de 2019 quanto ao Serviço Florestal Brasileiro, à demarcação de terras indígenas e quilombolas e a criação de UCs, que passaram a integrar a pasta do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Logo no primeiro mês de 2021, também foi publicada no DOU a Resolução do Ministério da Economia nº 162, que versa sobre o processo de outorga de concessão florestal também pelo Ministério da Agricultura, sob a justificativa de que essa normativa visa combater a grilagem e a exploração predatória (BRASIL, 2019; 2020).

Levando em consideração o contexto em que o país está inserido atualmente em termos socioambientais e o processo excludente à população nas tomadas de decisão, as discussões acerca das informações técnicas dos impactos dessas mudanças não perpassam qualquer discussão pública, nem mesmo com as populações atingidas diretamente. Quando as comunidades são ouvidas, na maioria dos casos suas opiniões não são consideradas ao propor e aplicar normativas (SILVA; SATO, 2012SILVA, M. J.; SATO, M. T. Territórios em Tensão: O Mapeamento dos Conflitos Socioambientais do Estado de Mato Grosso - Brasil. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. XV, n. 1, p. 1 -28, jan.-abr. 2012; GIRARDI et al, 2020GIRARDI, I. M. T.; LOOSE, E. B.; STELIGLER, D. G. Novos rumos da cobertura ambiental brasileira: um estudo a partir do Jornal Nacional. Medio ambiente: desafíos contemporâneos, n.7, p. 47-62, 2020.).

Tomando como exemplo a demarcação de terras indígenas, tal pauta é frequentemente deixada de lado em detrimento da posse de terras para extração mineral ou agropecuária por grupos economicamente competitivos, sob a justificativa do desenvolvimento econômico (SILVA, SATO, 2012SILVA, M. J.; SATO, M. T. Territórios em Tensão: O Mapeamento dos Conflitos Socioambientais do Estado de Mato Grosso - Brasil. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. XV, n. 1, p. 1 -28, jan.-abr. 2012). Sobre essa temática inclusive está em discussão um projeto de lei (PL 191/20) que regulamente o garimpo em terras indígenas, hoje considerado ilegal (GIRARDI et al, 2020GIRARDI, I. M. T.; LOOSE, E. B.; STELIGLER, D. G. Novos rumos da cobertura ambiental brasileira: um estudo a partir do Jornal Nacional. Medio ambiente: desafíos contemporâneos, n.7, p. 47-62, 2020.; INA; INESC, 2022).

Há que se considerar também que o Brasil ainda vive um certo modelo de colonização, sobretudo no que consta a exploração de recursos naturais para alimentar um modelo capitalista de desenvolvimento. Esse fluxo segue em direção à inviabilização de modos de vida dos povos tradicionais, atacando-os e deslegitimando seus direitos às terras que ocupam milenarmente e ao patrimônio imaterial que lhes é intrínseco à relação com seu território (ARRUDA, 1999ARRUDA, R. “Populações tradicionais” e a proteção dos recursos naturais em Unidades de Conservação. Ambiente & Sociedade, ano II, n. 5, p. 79-92, jul-dez, 1999.; SILVA, SATO, 2012SILVA, M. J.; SATO, M. T. Territórios em Tensão: O Mapeamento dos Conflitos Socioambientais do Estado de Mato Grosso - Brasil. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. XV, n. 1, p. 1 -28, jan.-abr. 2012; CASTILHO, 2018CASTILHO, A. L. A serpente fora do ovo: a frente do agronegócio e o supremacismo ruralista. Revista OKARA: Geografia em debate, v.12, n.2, p. 699-707, 2018.). Entende-se que esses processos se relacionam com as políticas ambientais em vigor, em que a existência e resistência dessas comunidades e o ideal de conservação da natureza são desqualificados perante o crescimento econômico de uma pequena parcela da população (GIRARDI et al, 2020GIRARDI, I. M. T.; LOOSE, E. B.; STELIGLER, D. G. Novos rumos da cobertura ambiental brasileira: um estudo a partir do Jornal Nacional. Medio ambiente: desafíos contemporâneos, n.7, p. 47-62, 2020.).

Os Kaingang e a natureza

O desaparecimento de povos indígenas tem sido registrado como uma contingência histórica, desde o acentuado decréscimo populacional ocorrido entre 1500 e aproximadamente 1970, devido ao genocídio imposto pelos colonizadores não indígenas. Todavia, nas últimas décadas, observa-se o crescimento dessa população, em um ritmo quase seis vezes maior do que outros grupos de cidadãos brasileiros, segundo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) (FUNAI, s.d.).

Em número de habitantes, há um menor registro de indígenas nos estados do Sul e Sudeste do país, e especificamente no Paraná, encontram-se três etnias: Guarani, Kaingang e Xetá. Observando a distribuição geográfica das Terras Indígenas (TI) reconhecidas atualmente e a historiografia do estado, indica-se que a ocupação de diferentes ambientes da região, com diversos biomas, incluindo manguezais, campos, cerrados e florestas. Já são reconhecidos os usos por estes povos de tecnologias ancestrais para viabilizar a agricultura, a coleta, a caça e a pesca em diversos ambientes (MOTA, 2014MOTA, L. T. A presença indígena no vale do Rio Tibagi/PR no início do século XX. Antíteses, v. 7, n. 3, p. 358-391, 2014.; AYRES et al, 2023).

Dentre as etnias denominadas que habitam o estado do Paraná, destaca-se neste estudo o olhar para os povos Kaingang, pertencentes ao tronco linguístico Macro-Jê, que são conhecidos por serem a terceira maior etnia em número de habitantes do país, segundo a FUNAI (FUNAI, s.d.). Marcante é a sua organização social e cosmologia dualista, destacada sobretudo pela crença de origem que propõe a existência de dois irmãos, assimétricos e complementares, Kamé e Kairu, os descendentes de todo povo Kaingang (NIMUENDAJU, 1993NIMUENDAJÚ, C. Etnografia e indigenismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1993.). Ademais, esse grupo também recebe destaque pela dispersão e manutenção das Florestas de Araucária, bioma fundamental do estado (UNIVERSITY OF EXETER, 2018).

A história desse povo é marcada por diversos embates e invasões de terras ocorridos séculos atrás em face da expansão agrícola e da atividade tropeira, que resultou na tomada de territórios a eles pertencentes e extermínio de parte de seu povo e cultura. Ainda assim, os Kaingang resistem no Paraná, buscando sempre a devolução e demarcação dos territórios que ocupam e a manutenção de sua cultura. Exemplo disso é tido no kiki, o principal ritual dos Kaingang, uma cerimônia de culto aos mortos, com pinturas, danças e cânticos inspirados nas cosmovisões das metades clânicas que os compõe (VEIGA, 2006VEIGA, J. Aspectos fundamentais da cultura Kaingang. Campinas: Editora Curt Nimuendajú, 2006. 254 p.; LAPPE; LAROQUE, 2015LAPPE, E.; LAROQUE, L. F. S. Indígenas e Natureza: a reciprocidade entre os Kaingang e a natureza nas Terras Indígenas Por Fi Gâ, Jamã Tÿ Tãnh e Foxá. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 34, p. 147-156, ago. 2015.).

A relação dos Kaingang com a natureza é específica e possui um significado intrínseco, sobretudo por entenderem a relação de mutualidade entre a manutenção do meio ambiente e de sua cultura e modo de vida, isto é, de seu próprio povo. Justamente por essa percepção ímpar cada vez mais os povos indígenas estão sendo chamados por arenas internacionais a contribuírem com problemáticas relacionadas à conservação da biodiversidade e mitigação das mudanças climáticas (BRAUMAN et al, 2020BRAUMAN, K.A.; GARIBALDI, L.A.; POLASKY, S.; AUMEERUDDY-THOMAS, Y.; BRANCALION, P. H. S. et al. Global trends in nature’s contributions to people. PNAS, 117:32799-805. 2020.; AYRES, 2022AYRES, A. D.; MONTERO, M. M. B.; BRANDO, F. B. Etnologia Dos Kaingang E Seus Territórios No Estado Do Paraná. Revista Brasileira de Desenvolvimento Territorial Sustentável GUAJU, Matinhos, v. 8, 2022, p. 1-23. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/guaju.v9i0.87377
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).

De acordo com os dados coletados pelo presente estudo, ao debater sobre a relação entre os Kaingang e demais povos indígenas com o ambiente que os cerca e as mudanças nas legislações ambientais, é necessário ressaltar o papel dos territórios indígenas:

Então a gente precisa da aldeia demarcada, a gente precisa do nosso território ancestral pra que em cima desses territórios a gente possa viver em comunidade e possa praticar as nossas culturas e as nossas tradições que é essa relação com a terra, o tempo de plantio, o tempo da colheita, essa cosmologia com o sol e com a lua, essas nossas marcas, a dualidade da nossa história, as nossas comidas, o nosso relacionamento com a mandioca, com o milho, é a língua falada, passada a língua maternal, passada de mãe pra filho (Entrevistado 01, 15/01/2021)

Essa narrativa mostra a importância dos territórios indígenas para a conservação da diversidade cultural desses grupos, servindo como “área de reprodução cultural, religiosa, cosmológica” (Entrevistado 04, 28/10/2020) (GROOM et al, 2005GROOM, M. J.; MEFFE, G. K.; CARROLL, C. R. Principles of Conservation Biology. 3 ed. Massachussetts: Sinauer Associates, 2005.; AYRES; BRANDO, 2022AYRES, A. D.; MONTERO, M. M. B.; BRANDO, F. B. Etnologia Dos Kaingang E Seus Territórios No Estado Do Paraná. Revista Brasileira de Desenvolvimento Territorial Sustentável GUAJU, Matinhos, v. 8, 2022, p. 1-23. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/guaju.v9i0.87377
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). Esses territórios são representativos de sua cultura e cosmologia, um espaço de significações e reprodução de seu modo de vida. Ademais, a manutenção desses territórios e a existência de conhecimentos tradicionais, ecológicos ou não, têm adquirido papel importante no planejamento de iniciativas para mitigação de problemas ambientais globais (BERKES, 2021BERKES, F. Toward A New Social Contract: Community-based Resource Management and Small-scale Fisheries. TBTI Global: 2021. 340 p.; BRONDÍZIO et al, 2021BRONDÍZIO, E. S.; AUMEERUDDY-THOMAS, Y.; BATES, P. et al. Locally based, Regionally manifested, and Globally relevant: Indigenous and Local knowledge, values, and practices for Nature. Annual Review Environmental Resources. v. 46, p.16.1- 16.29, 2021.; AYRES, 2022).

Remete-se ao papel dos territórios indígenas e de seu próprio povo a importância da discussão sobre políticas ambientais e a mitigação de desastres socioambientais que vê m ocorrendo no Brasil, uma vez que esses indivíduos e suas terras têm sofrido pressões pelas propostas legislativas bem como da própria FUNAI, que tem se mostrado contrária a pasta (INA; INESC, 2022). Além disso, o desmonte dos órgãos de fiscalização ambiental e a falta de interesse em promover a proteção das terras indígenas têm sido notadas por esses grupos, cujos territórios estão sendo invadidos, gerando conflitos:

O desmatamento ainda tá muito grande. Dentro desses territórios indígenas, hoje mesmo, falo por nós aqui, nós temos uma associação e um grupo de vigias, de vigilantes ambientais que fazem um trabalho excepcional, só que só isso não adianta. Não temos recurso, eles não têm recursos. Então fica difícil também trabalhar com isso. Viatura é uma Toyota velha, então é difícil de trabalhar também, mas eles dão o seu melhor, sabe? (Entrevistado 04, 28/10/2020).

Tem sido muito triste inclusive quando eu vejo que as autoridades que deveriam proteger, não protegem e inclusive incentivam a violência contra a população indígena. Eu vejo como uma forma de exterminar, que nós, que o meu povo tá sendo muito prejudicado, porque a gente sempre teve condições precárias. Tanto de saúde, quanto de atendimento, quanto de valorização e preservação da natureza. Eu vejo que que a gente tá sendo muito prejudicado em relação a isso, assim, parece que acaba sendo uma forma de exterminar. Eu sempre ouço que as populações indígenas tem que ser civilizada, mas eu acho que se essa for a nossa civilização, eu não gostaria que fosse influenciar nas comunidades (Entrevistado 02, 03/02/2021).

Percepções da devastação ambiental: perspectiva Kaingang

Em vista de compreender a relação ser humano-natureza por comunidades tradicionais, entendendo que na proximidade com o meio circundante tais populações desenvolveram estratégias de manejo e conexões afetivas distintas das usualmente expostas na sociedade ocidental (AB’SABER, 1996AB’SABER, A. N. Estratégia para recuperação da biodiversidade regional. In: DENCKER, A. F. M.; KUNSCH, M. M. K. (orgs.). Comunicação e meio ambiente. São Bernardo: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, p. 145-151, 1996.; AYRES, 2022AYRES, A. D.; MONTERO, M. M. B.; BRANDO, F. B. Etnologia Dos Kaingang E Seus Territórios No Estado Do Paraná. Revista Brasileira de Desenvolvimento Territorial Sustentável GUAJU, Matinhos, v. 8, 2022, p. 1-23. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/guaju.v9i0.87377
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; AYRES; BRANDO, 2022), buscou-se interlocuções de indígenas Kaingang acerca da devastação ambiental dos últimos anos do território brasileiro.

Em trabalho prévio, Lappe e Laroque (2015LAPPE, E.; LAROQUE, L. F. S. Indígenas e Natureza: a reciprocidade entre os Kaingang e a natureza nas Terras Indígenas Por Fi Gâ, Jamã Tÿ Tãnh e Foxá. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 34, p. 147-156, ago. 2015.) discutiram a relação recíproca entre os Kaingang e a natureza, sobre a importância do território para essa população em virtude da presença dos elementos naturais que servem de sustento e manutenção de sua cultura. Ainda sob essa ótica, debate-se que para os indígenas, diferente das sociedades ocidentais-capitalistas, a natureza não é vista da perspectiva puramente utilitarista, e sim como local de reprodução de seu modo de vida, suas crenças e ritos culturais. Assim, levando-se em conta a constante expropriação de seus territórios, os processos importantes para a sobrevivência de povos indígenas brasileiros estão sendo comprometidos.

Esses autores ainda debatem, que da perspectiva indígena “sociedade e natureza, bem como humanos e não humanos, não representam categorias estanques, ou seja, são tratadas como coletividade que se inter-relacionam e se complementam” (LAPPE; LAROQUE, 2015LAPPE, E.; LAROQUE, L. F. S. Indígenas e Natureza: a reciprocidade entre os Kaingang e a natureza nas Terras Indígenas Por Fi Gâ, Jamã Tÿ Tãnh e Foxá. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 34, p. 147-156, ago. 2015., p. 152). Ailton Krenak (2019KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.) ao estabelecer essas visões também faz o mesmo apontamento, criticando veementemente a separação da humanidade e natureza, entendendo que o reconhecimento da diversidade e não superioridade humana é uma alternativa para impedir devastações ambientais. Na concepção dos indígenas Kaingang entrevistados no presente estudo, quando indagados quanto ao aumento das notícias acerca da devastação que está ocorrendo nas áreas de mata protegidas, como as queimadas e o desmatamento da Amazônia, e sobre a relação disso com as invasões às TI, as respostas dos entrevistados se assemelharam muito.

Os indígenas percebem que a responsabilidade da preservação da natureza recai somente a eles e ao poder público, eximindo a população não indígena de compartilhar essa obrigação:

É difícil de falar dos não indígenas, sabe? Porque eu acho que eles jogam muito no indígena de preservar a natureza, ‘não eles que preservem, e eu posso matar, tirar madeira, fazer o que eu quiser’ Só que muitas vezes ele está adentrando as comunidades indígenas e destruindo a natureza, sabe? Isso afeta o nosso emocional. O emocional do indígena. Porque a natureza, os animais, eles fazem parte da nossa vida (Entrevistado 10, 18/11/2020)

Além disso, suas falas mostram o reconhecimento e consciência do projeto de exploração das terras que ocupam e, consequentemente, extermínio das populações viventes nesses ambientes, destacando-se:

De desmatamento, das queimadas, dos assassinatos dos indígenas, é um sentimento de certa impotência e indignação. É visto também que o Governo ele pouco faz pra preservação das terras indígenas e, consequentemente, da preservação dos povos indígenas. Então, pra mim é muito triste, né? (Entrevistado 03, 30/11/2020)

Então é difícil falar de invasão porque o meu tio também que mora na aldeia vizinha acabou morto por um invasor, que ele queria o terreno e esse não gostou e acabou matando meu tio, faz um mês já que ele perdeu a vida com essa invasão. Daí a gente, às vezes, fica em desespero. O branco não tem o mesmo sangue que o índio. O índio não mata por gosto, mas eu acho que o branco, às vezes, mata por gosto, porque na aldeia sempre eles falam que tem que matar o que a gente vai comer. Se eu matar um porco eu vou comer, se eu matar um tatu é pro meu sustento. Então a gente tem essa questão. Mas a gente vive com medo também (Entrevistado 06, 01/12/2020).

Observa-se que esses relatos são cobertos de sentimentos, sobretudo a impotência, termo muito usado por esses povos quando se trata da demonstração do cenário em que se encontra o Brasil em termos ambientais. Além disso, a relação entre os processos de devastação da natureza e as invasões às terras indígenas é clara para essa parte da população e seus discursos indicam que esse é um acontecimento recorrente, desencadeando inclusive o assassinato de indígenas dentro de suas áreas e ao lado de suas famílias.

Apesar de as entrevistas deste estudo terem sido realizadas no final de 2020 e início de 2021, segundo Will (2014WILL, K. L. P. Genocídio Indígena no Brasil. Coimbra, Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas) - Universidade de Coimbra. 2014.) o projeto de genocídio e tomada ilegal de áreas protegidas já vem sendo registrado há muito tempo e não é novidade para nenhum brasileiro. Porém, como apontam Girardi e colaboradores (2020GIRARDI, I. M. T.; LOOSE, E. B.; STELIGLER, D. G. Novos rumos da cobertura ambiental brasileira: um estudo a partir do Jornal Nacional. Medio ambiente: desafíos contemporâneos, n.7, p. 47-62, 2020.), as reformas ocorridas e o desmonte de órgãos de fiscalização ambiental agravam esse quadro.

Vista a um retrospecto da caracterização da cultura e organização social dos Kaingang, é fundamental atentar-se que esse grupo estabelece conexão íntima com o ambiente que os cerca e seu território. Seu mito de origem relaciona-se com a criação do ambiente na perspectiva de uma dualidade entre todos os elementos da natureza, em que o ser humano se insere, portanto, como igual às outras espécies e recursos inanimados (NIMUENDAJU, 1993NIMUENDAJÚ, C. Etnografia e indigenismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1993.; MOTA, 2014MOTA, L. T. A presença indígena no vale do Rio Tibagi/PR no início do século XX. Antíteses, v. 7, n. 3, p. 358-391, 2014.; AYRES; BRANDO, 2022AYRES, A. D.; MONTERO, M. M. B.; BRANDO, F. B. Etnologia Dos Kaingang E Seus Territórios No Estado Do Paraná. Revista Brasileira de Desenvolvimento Territorial Sustentável GUAJU, Matinhos, v. 8, 2022, p. 1-23. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/guaju.v9i0.87377
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). Uma tradição lembrada por Lappe e Laroque (2015LAPPE, E.; LAROQUE, L. F. S. Indígenas e Natureza: a reciprocidade entre os Kaingang e a natureza nas Terras Indígenas Por Fi Gâ, Jamã Tÿ Tãnh e Foxá. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 34, p. 147-156, ago. 2015.) reforça ainda mais essa conexão, como é o caso do enterramento dos umbigos dos recém-nascidos Kaingang dentro de seu território, indicando a posse e o pertencimento às terras que ocupam.

À medida que as relações entre as comunidades e o território são firmadas, a afetividade dos sujeitos com o ambiente é fortalecida. Entende-se que os desdobramentos da flexibilização das normativas ambientais promovido por políticas governamentais não afetam somente o equilíbrio físico do ambiente, mas também o psíquico dos povos que depositam em seu território a necessidade de preservação de sua cultura e seu modo de vida, como destacado no trecho de uma das entrevistas coletadas: “A preservação da natureza é a preservação dos povos indígenas, né? Porque um não existe sem o outro” (Entrevistado 05, 02/12/2020). A fala mostra a relação indissociável dos povos indígenas com o território que ocupam, entendido por eles como essencial para sua manutenção e sobrevivência.

Perspectiva midiática: a problemática ambiental

Embora no ano de 2020 a questão ambiental, sobretudo frente às queimadas ocorridas na Floresta Amazônica, tenha sido colocada em pauta diversas vezes na mídia brasileira (GIRALDI et al, 2020; MELLO-THÉRY, 2019MELLO-THÉRY, N. A. Perspectivas ambientais 2019: retrocessos na política governamental. Confins, n. 501, 2019. Acesso em: 06 de fevereiro de 2021. doi: https://doi.org/10.4000/confins.21182
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), essa temática tem sido discutida por trabalhos como de Santos (2009SANTOS, L. B. Trilhas da política ambiental: conflitos, agendas e criação de unidades de conservação. Ambiente & Sociedade, Campinas, v. XII, n.I, p. 133-150, jan-jun, 2009.) e de Girardi e colaboradores (2020GIRARDI, I. M. T.; LOOSE, E. B.; STELIGLER, D. G. Novos rumos da cobertura ambiental brasileira: um estudo a partir do Jornal Nacional. Medio ambiente: desafíos contemporâneos, n.7, p. 47-62, 2020.) mostrando que a realidade dos últimos anos não segue essa tendência. Data da década de 1980 o maior interesse jornalístico em noticiar essa temática na mídia televisiva, ainda que de maneira esparsa, impulsionado pelo movimento ambientalista e conservacionistas, inclusive as reuniões globais sobre o tema, tal qual a Eco-92 e a assinatura do Protocolo de Kyoto em 1997 (BARROS; SOUZA, 2008BARROS, A. T.; SOUSA, J. P. Antecedentes do jornalismo ambiental no Brasil e em Portugal: abordagens preliminares. In: Anais do X Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste. São Luis: Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2008.; MELLO-THÉRY, 2019).

Acerca do cenário atual da cobertura midiática brasileira, foi constatado que parte da razão de uma veiculação mais tímida está ligada à pressão dos patrocinadores vinculados aos grandes empreendimentos, seja do agronegócio, da mineração ou outros. Em relação ao papel do jornalismo e ao atendimento da pauta ambiental, destaca-se que é um “assunto de interesse público porque afeta a todos, em diferentes níveis e setores, desde a saúde das pessoas até a manutenção de práticas culturais associadas à natureza” (GIRARDI et al, 2020GIRARDI, I. M. T.; LOOSE, E. B.; STELIGLER, D. G. Novos rumos da cobertura ambiental brasileira: um estudo a partir do Jornal Nacional. Medio ambiente: desafíos contemporâneos, n.7, p. 47-62, 2020., p. 53). Acredita-se, na verdade, que não existe o interesse de sensibilizar a população quanto a essa causa, visto que vai contra muitos princípios assumidos pelo mercado e por discursos falaciosos de governo.

De forma complementar, o cumprimento das funções informativas, políticas e pedagógicas do jornalismo ambiental deve ser perpassado também por uma visão contextualizada e sistêmica dos fatos, para além das comunidades humanas afetadas por problemas ambientais, todas as espécies e ecossistemas degradados. Nesse sentido, questões que não são diretamente tratadas como ambientais, tal qual pandemias ou surgimento de novas doenças, devem ser mostrados e retratados, pois sabe-se que a visão sistêmica e transdisciplinar dos acontecimentos é o que permite aos sujeitos desenvolverem um olhar crítico sobre isso.

Frente às tragédias e crimes ambientais que vêm acontecendo no Brasil, principalmente após o rompimento da barragem de rejeitos de minério de Brumadinho, ocorrida em 2019, de acordo com o estudo de Girardi e colaboradores (2020GIRARDI, I. M. T.; LOOSE, E. B.; STELIGLER, D. G. Novos rumos da cobertura ambiental brasileira: um estudo a partir do Jornal Nacional. Medio ambiente: desafíos contemporâneos, n.7, p. 47-62, 2020.), a veiculação de notícias ambientais na programação da televisão cresceu no país. Essa mudança foi sentida por pesquisadores da área indicando que anteriormente somente os grandes desastres naturais tinham espaço na programação. Uma explicação para essa mudança e maior cobertura ambiental nos telejornais recentemente é vista como uma demanda da própria sociedade e também a pressão internacional frente a essa temática (GIRARDI et al, 2020GIRARDI, I. M. T.; LOOSE, E. B.; STELIGLER, D. G. Novos rumos da cobertura ambiental brasileira: um estudo a partir do Jornal Nacional. Medio ambiente: desafíos contemporâneos, n.7, p. 47-62, 2020.). Sob esse cenário e focando nas invasões às terras indígenas, o presente estudo levantou o questionamento a representantes Kaingang acerca da temática, dos quais destaca-se o seguinte relato:

A devastação das terras indígenas, você mesma botou aqui, as notícias aumentaram muito este ano, as notícias, porque a devastação das terras indígenas por grileiros e agricultores sempre teve nesse país, desde 1500, sempre teve. Então, aumentou muito esse ano por causa das queimadas, que foram repercussão e chegaram os grandes centros, certo? Mas sempre teve queimada na Amazônia, sempre teve desmatamento, sempre teve as invasões das terras indígenas, inclusive no Sul, no Norte sempre tem. A questão é que não é noticiado. Todo dia tá morrendo indígena por causa de agricultura. Por causa desse combate entre indígenas e agricultores e fazendeiros, e indígenas e grileiros, sempre tem, certo? [...] A segunda questão é o descaso do Governo Federal, em relação a isso, que a gente não pode nem comentar sobre o Governo Federal [...] Mas, enfim, em relação aos povos indígenas, que sempre foi um desgoverno em relação as causas indígenas. Então, pra mim, esse momento, é momento de preocupação, principalmente em relação a minha família. Em relação aos parentes e aos povos, que estão juntos estando sempre com a gente, as pessoas que estão sempre com a gente. Em relação a pandemia e em relação a ao desmatamento, ele sempre esteve ali, isso não é noticiado e realmente há um desinteresse em âmbito nacional em que o desmatamento pare, porque se para o desmatamento, se o desmatamento parar, pra eles é um absurdo para o desenvolvimento nacional e que o agro é pop, mas, na verdade, o agro não é pop, o agro, ele deve ser sustentável e não deve destruir a natureza e os povos indígenas sabem como fazer isso, os povos indígenas fazem isso e as pessoas não olham, porque nós sempre fomos marginalizados. Então, assim, pra mim, é isso, eu acho que se potencializou somente porque as fumaças atingiram os grandes centros, senão é a mesma coisa de sempre, o que os povos indígenas vivem todos os dias, certo? (Entrevistado 08, 25/11/2020)

Fica clara a percepção de que a veiculação de notícias restrita aos desastres ambientais específicos ou a eventos internacionais vêm sendo notada, especialmente por grupos marginalizados que resistem frente aos crimes ambientais. Destaca-se o trecho em que o entrevistado 08 fala sobre as fumaças atingirem os grandes centros, indicando que as notícias só foram divulgadas e tiveram tamanho impacto devido às consequências para os estados mais populosos e urbanos, visto que a realidade para as populações indígenas já é essa há muito tempo, mas nunca tratada na mídia com tamanho fervor.

O cenário midiático quanto às problemáticas ambientais, o crescente retrocesso nas políticas ambientais e o esvaziamento de pastas que promovem diálogos entre a sociedade e a manutenção da paisagem existente, possuem pontos de conexão que podem ser debatidos segundo a perspectiva da relação ser humano-natureza. Tratando-se das populações indígenas, enquanto sujeitos que possuem relação intrínseca com a terra que habitam e que promovem a conservação da flora e fauna como consequência do reforço mútuo entre a cultura do grupo e as práticas com o ambiente (AYRES, 2022AYRES, A. D.; MONTERO, M. M. B.; BRANDO, F. B. Etnologia Dos Kaingang E Seus Territórios No Estado Do Paraná. Revista Brasileira de Desenvolvimento Territorial Sustentável GUAJU, Matinhos, v. 8, 2022, p. 1-23. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/guaju.v9i0.87377
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), os resultados das mudanças nas políticas ambientais, sobretudo das que dizem respeito à flexibilização nas ocupações de áreas florestadas e, consequentemente o desmatamento e outros problemas ambientais travados, são hoje analisados por esses indivíduos que entendem e reivindicam seu direito de uso do meio ambiente como local de reprodução cultural, ecológica e política, por exemplo:

Ler essas notícias da morte de tantos indígenas no Brasil a fora. [...] E principalmente por conta dos indígenas estarem tentando defender as suas terras e suas famílias. Porém, eu acredito que se nada for feito nos próximos anos, pelo poder público, é muito grande o risco, ainda mais de desmatamento, da retirada dos indígenas das suas terras e infelizmente pode ocorrer o aumento dos assassinatos, principalmente pelos invasores. (Entrevistado 03, 30/11/2020)

Concernente ao aumento da veiculação de notícias ambientais, pode ser um reflexo do modelo de governança adotado pelos governos federais nos últimos dez anos, que favorecem a flexibilização de políticas ambientais, esvaziando os órgãos de fiscalização, alterando o processo de licenciamento ambiental, indicando profissionais de pouca qualificação na área para ocupar cargos, no que tange a planejamento e execução de medidas socioambientais favoráveis à natureza e aos povos indígenas (GIRALDI et al, 2020; AYRES, 2022AYRES, A. D.; MONTERO, M. M. B.; BRANDO, F. B. Etnologia Dos Kaingang E Seus Territórios No Estado Do Paraná. Revista Brasileira de Desenvolvimento Territorial Sustentável GUAJU, Matinhos, v. 8, 2022, p. 1-23. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/guaju.v9i0.87377
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; INA; INESC, 2022; ISA, 2022).

Dentre as problemáticas enfrentadas pelos povos indígenas na última década ressalta-se a reforma do Código Florestal, que resultou em grande sobreposição dos territórios indígenas e UCs com os cadastros de áreas rurais, sem a correta fiscalização de órgãos ambientais (ISA, 2022). Além disso, uma série de medidas e entraves à ação indigenista promovidas pela FUNAI, na figura de seus novos dirigentes, como o estímulo à exploração econômica de territórios indígenas, colaboram para o agravamento dos conflitos socioambientais (INA; INESC, 2022).

Considerações Finais

Segundo os objetivos propostos neste estudo, evidenciaram-se as dimensões sociopolíticas de modificações em normativas ambientais que afetam diretamente as populações indígenas, como a sobreposição de UCs e territórios indígenas com cadastros de propriedades rurais irregulares, bem como suas percepções acerca da veiculação de notícias sobre a devastação ambiental. Destacaram-se narrativas Kaingang sobre essas temáticas e os desdobramentos na relação ser humano-natureza. Os Kaingang entrevistados deram a conhecer a visão acerca da flexibilização atual das legislações ambientais e a crescente divulgação dessas problemáticas pela mídia televisiva, bem como a constante devastação ambiental.

Para se desenvolver uma política ambiental satisfatória, debate-se a necessidade da disjunção entre os legisladores e aqueles interessados em uma expansão econômica desenfreada, os quais muitas vezes, regulam como e quando as normativas ambientais serão implementadas.

Há de se considerar modelos de gestão que levem em conta as percepções da sociedade civil, fundamental para que haja um equilíbrio favorável no âmbito econômico, ambiental e social para as comunidades tradicionais e povos indígenas. Atualmente, é possível inferir que a maneira como as decisões vêm sendo tomadas não consideram as necessidades dos povos indígenas, resultando em conflitos socioambientais, muitas vezes atrelados à invasão de territórios ancestrais, devastação ambiental e genocídio indígena. Modelos de governo e políticas públicas que não considerem essas problemáticas continuam perpetuando a violência e marginalização desses grupos, a devastação de suas terras e o apagamento dessas culturas.

Sabe-se que esse é um desafio a ser enfrentado, sobretudo frente aos interesses diversos, que resultam na degradação do meio ambiente e na repercussão de imagem negativa sobre os povos indígenas, como aqueles que prejudicam o desenvolvimento econômico do país com seu modo de vida e ocupação de territórios. Romper com os padrões clássicos de economia do país representa um processo laborioso, entendendo que as instituições designadas à proteção dessas questões estão sendo esvaziadas e os profissionais habilitados discriminados.

Por meio das interlocuções com indígenas acerca da degradação ambiental e da presença dessa temática na mídia brasileira, permeadas pelas normativas ambientais, entende-se que esses povos teriam muito a acrescentar no debate se fossem chamados para participar da construção das políticas públicas socioambientais. No entanto, essas políticas acabam sendo publicadas sem uma escuta ativa desses povos, que conhecem muito de seus territórios e descrevem usos da terra e manejos da flora e da fauna e que podem contribuir para mitigar problemas relacionados à perda da biodiversidade, às mudanças climáticas e ao desmatamento.

A percepção afetiva evidencia a preocupação de que o desmonte dessa pasta represente também o desmonte de suas culturas e modos de vida, pois se sabe que exercem relação de interdependência da manutenção da natureza e de seus povos. Destacam-se as narrativas acerca da veiculação de notícias, mostrando entendimento e reconhecimento de que as problemáticas ambientais são tratadas com desprezo em regiões mais periféricas do Brasil, reflexo de um país desigual, que coloca o interesse e desenvolvimento econômico a frente das questões socioambientais de uma parcela da população.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2021
  • Aceito
    21 Nov 2022
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