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A CONTRIBUIÇÃO DAS ONGS PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA AVALIAÇÃO DA PERCEPÇÃO DOS STAKEHOLDERS

Resumo

A educação ambiental praticada pelas organizações não governamentais (ONGs) apresenta-se como uma nova proposta pedagógica voltada para a mudança de hábitos, atitudes e práticas sociais na busca de soluções para a degradação socioambiental que aflige o mundo contemporâneo. Este trabalho procura identificar a percepção e as expectativas dos stakeholders quanto à contribuição das ONGs para a educação ambiental. A pesquisa foi orientada pelo método Delphi e como resultado verificou-se que os stakeholders envolvidos entendem que a educação ambiental praticada pelas ONGs deve ser ampla, gratuita, profissionalizada e dirigida a todos os segmentos da sociedade por meio de parcerias com organizações dos setores público e privado.

Palavras-chave:
Educação Ambiental; Organizações Não Governamentais; Método Delphi; Stakeholders

Abstract

Environmental education practiced by non-governmental organizations (NGOs) presents itself as a new teaching method directed at changing habits, attitudes and social practices seeking solutions for the social-environmental degradation afflicting the contemporary world. This work seeks to identify the perception and expectations of stakeholders regarding the contribution of NGOs in environmental education. The research was guided by the Delphi method and, as a result, verified that the involved stakeholders understand that environmental education practiced by NGOs must be ample, free, professionalized and directed towards all the segments of society via partnerships with public and private sector organizations.

Keywords:
Environmental Education; Non-governmental Organizations; Delphi Method; Stakeholders

Resumen

La educación ambiental practicada por las organizaciones no gubernamentales (ONG) se presenta como una nueva propuesta pedagógica orientada a cambiar los hábitos, actitudes y prácticas sociales en la búsqueda de soluciones a la degradación social y ambiental que aquejan al mundo contemporáneo. Este trabajo intenta identificar las percepciones y expectativas de los interesados con respecto a la contribución de las ONG para la educación ambiental. La investigación se basó en el método Delphi y como resultado se encontró que los actores involucrados entienden que la educación ambiental desarrollada por las ONG debe ser amplia, libre, profesionalizada y dirigida a todos los segmentos de la sociedad a través de asociaciones con organizaciones de los sectores público y privado.

Palabras clave:
Educación Ambiental; Organizaciones No Gubernamentales; Método Delphi; Partes Interesadas

Introdução

A educação ambiental é um campo de conhecimento e de atividades pedagógicas, constituídos internacionalmente ao longo das últimas décadas, com o objetivo de compreender e oferecer respostas a um conjunto de problemas decorrentes das relações que envolvem a sociedade, a educação e o meio ambiente. Com rápido crescimento, a educação ambiental estendeu sua atuação para outras dimensões além da escola. A educação ambiental não formal praticada pelas organizações do terceiro setor apresenta-se como uma nova proposta pedagógica voltada para a mudança de hábitos, atitudes e práticas sociais que indiquem uma solução para o quadro de degradação socioambiental que aflige o mundo contemporâneo. Neste contexto de riscos, incertezas e dilemas, investir em uma educação voltada para um modelo de comportamento que se traduza em uma nova relação entre o ser humano e a natureza dá uma conotação estratégica à educação ambiental.

A preocupação com a necessidade de se promover estratégias educativas voltadas à conservação do meio ambiente e, por extensão, melhorar as condições de vida no planeta, surge no final dos anos 1960 e início da década de 1970, quando tem início um forte movimento ambientalista nos Estados Unidos, provocando um novo posicionamento em grande parte da opinião pública. Este movimento revelou a necessidade de uma maior e contínua conscientização acerca da finitude dos recursos naturais, da adoção do princípio da racionalidade na sua utilização e, que a proteção ambiental e o crescimento econômico não devem ser antagônicos.

A publicação, em 1997, do relatório "Nosso Futuro Comum", da Comissão Mundial Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, veio alertar as autoridades governamentais para a necessidade de adoção de políticas públicas com o objetivo de alcançar o desenvolvimento sustentável, "aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras satisfazerem as suas". As recomendações constantes desse relatório fundamentaram a realização, no Rio de Janeiro, em 1992, da Conferência sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, gerado no Fórum Internacional das ONGs, evento paralelo à Rio 92, definiu princípios fundamentais da educação para sociedades sustentáveis, reiterando a necessidade de um pensamento crítico, da interdisciplinaridade, da multiplicidade e diversidade.

Outro importante documento resultante da Conferência do Rio de Janeiro, é a Agenda 21 Global, programa de ação para a implementação do desenvolvimento sustentável. O documento, em seu preâmbulo, ao fazer um apelo às nações para que se unam em busca do desenvolvimento sustentável, afirma a necessidade da participação pública e do envolvimento das Organizações Não Governamentais (ONGs) nesse processo. Em seu capítulo 27 "Fortalecimento do papel das organizações não governamentais: parceiros para um desenvolvimento sustentável" reforça a recomendação da participação das ONGs ressaltando o valor de sua variada experiência, conhecimentos especializados e capacidade de ação para o exame e implementação do desenvolvimento sustentável.

A Agenda 21 destacou, também, em seu capítulo 36 "Promoção do ensino, da conscientização pública e do treinamento", a importância do papel da educação para o alcance de um modelo de desenvolvimento que leve em conta as pressões sobre o meio ambiente, sendo que o ensino, o aumento da consciência pública e o treinamento são temas transversais em todas as áreas de programas da Agenda 21. De acordo com os preceitos do documento, os mais variados programas no campo da educação devem ser promovidos com a colaboração das ONGs. Em 1997, a Declaração de Thessaloniki, veio reforçar os fundamentos anunciados na Conferência do Rio de Janeiro, determinando que as ações de educação ambiental sejam articuladas com base nos conceitos de ética e sustentabilidade, identidade cultural e diversidade, mobilização e participação, além de práticas interdisciplinares (JACOBI, 2005JACOBI, P. R. Educação Ambiental: o desafio da construção de um pensamento crítico, complexo, e reflexivo. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 31, nº 2, pp. 233-250, maio-ago, 2005.).

A Cúpula de Johanesburgo, realizada em 2002, ampliou o conceito de desenvolvimento sustentável, e propôs a criação da Década de Educação para o Desenvolvimento Sustentável, como uma forma de pontuar que educação e aprendizagem encontram-se no centro das abordagens para o desenvolvimento sustentável. No mesmo ano, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou Resolução instituindo a Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, no período de 2005 a 2014.

O Relatório Final da Década da Educação para Desenvolvimento Sustentável (UNESCO/UNEP, 2005), destaca a importância do papel da sociedade civil e das ONGs enquanto organizações que devem estimular a sensibilização dos cidadãos, as campanhas e os grupos de pressão, prestar consultoria e contribuir para a formulação de políticas públicas, implantar a educação para o desenvolvimento sustentável, especialmente nos espaços educativos não formais, promover a aprendizagem e a ação participativa e mediar as relações entre o governo e o público.

A educação não formal, objeto do trabalho educativo das ONGs, refere-se às atividades organizadas, com caráter de intencionalidade, realizadas fora da instituição formal de ensino, com determinado grau de sistematização e estruturação, com a finalidade de oferecer tipos selecionados de ensino a subgrupos específicos da população (COLLEY et al., 2002COLLEY, H.; HODKINSON, P.; MALCOLM, J. Non-formal learning: mapping the conceptual terrain, a consultation report. Leeds: Lifelong Learning Institute. University of Leeds, 2002. ; TRILLA, 1996TRILLA, J. La Educación Fuera de la Escuela. Ámbitos no formales de educación social. Barcelona: Ariel, 1996.; LA BELLE, 1980LA BELLE, T. J. Educación no formal y cambio social en América Latina, México: Nueva Imagen, 1980.).

No Brasil, as ONGs ambientais têm desempenhado um importante papel no processo de aprofundamento e expansão das ações de educação ambiental não formal e, muitas vezes, impulsionam iniciativas governamentais e dão apoio às organizações da iniciativa privada interessadas no desenvolvimento de projetos na área. Estas organizações fazem parte do grupo de interessados preocupados com a problemática ambiental. São os denominados stakeholders das demandas ambientais como: os órgãos estatais encarregados de proteger o meio ambiente, gestores públicos, instituições e grupos científicos, gestores de empresas privadas, imprensa, profissionais ligados à implementação da questão ambiental na gestão de processos produtivos, consumidores "verdes", comunidade acadêmica, cidadãos, etc.

Este trabalho utiliza o método prospectivo Delphi para identificar a percepção e as expectativas do público interessado (stakeholders) acerca da contribuição das ONGs ambientalistas para a educação ambiental não formal. Adota-se a expressão "educação ambiental" considerando-se as três vertentes da sustentabilidade: o ambiente, considerando os recursos e a fragilidade do meio físico, a sociedade, englobando cultura, participação, opinião pública e mídia, e a economia, considerando o crescimento econômico e o seu impacto na sociedade e no meio ambiente. A nomenclatura ONG (Organização Não Governamental), amplamente utilizada na literatura da área, é aplicada de forma genérica para todas as organizações do terceiro setor, sem ignorar as diferentes formas jurídicas que foram instituídas pela Reforma do Estado, a partir da década de 1990: as Organizações Sociais (OS) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).

Sociedade de risco e complexidade: desafios para a educação ambiental

O conceito de complexidade tem sido utilizado para caracterizar o panorama mundial e os problemas que nele se apresentam, como o crescimento demográfico, a distribuição de renda, a erosão das especificidades culturais decorrentes da globalização, os conflitos entre as nações, etnias e comunidades religiosas e a deterioração ambiental, levando à configuração de um mundo multirrisco, complexo e inseguro (DELORS, 2000DELORS J. (org). Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2000.). A compreensão da complexidade do mundo e da cultura exige análises mais integradas, uma vez, que a realidade é multifacetada. Alguns autores, como Morin (1999MORIN, E. O paradigma perdido: a natureza humana. 6. ed. Lisboa: Europa-América, 1999. e 2000) e Capra (1988CAPRA F. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix; 1988.), entendem que o mundo contemporâneo se defronta com vários desafios relacionados ao pensamento fragmentado decorrente do racionalismo da era moderna.

No campo específico da educação, o impacto da modernidade faz-se particularmente evidente ao trazer à tona um novo paradigma educacional, baseado na ideia de que um mundo globalizado pressupõe a eliminação de barreiras em todas as dimensões do existir humano, destruindo antigos parâmetros que serviram de referência, na sociedade moderna industrial, para o ordenamento da vida social e das atividades humanas em geral.

A necessidade de abordar o tema da complexidade ambiental decorre da percepção quanto ao incipiente e às múltiplas possibilidades que estão colocadas para, ao pensar a realidade de modo complexo, defini-la como uma nova racionalidade e um espaço onde se articulam natureza, técnica e cultura. Refletir sobre a complexidade ambiental abre estimulante espaço para compreender a gestação de novos atores sociais que se mobilizem para a apropriação da natureza, para um processo educativo articulado e compromissado com a sustentabilidade e a participação, apoiado numa lógica que privilegia o diálogo e a interdependência de diferentes áreas do saber. "Mas também questiona valores e premissas que norteiam as práticas sociais prevalecentes, isto implicando numa mudança na forma de pensar, uma transformação no mundo do conhecimento e das práticas educativas" (JACOBI, 2003JACOBI, P. R. Movimento ambientalista no Brasil. Representação social e complexidade da articulação de práticas coletivas. In: Ribeiro, W. (org.) Patrimônio Ambiental, EDUSP, 2003., p.189).

O panorama da sociedade atual caracteriza-se por uma radicalização da modernidade, isto é, nos defrontamos com uma modernidade vitimizada por riscos, incertezas e dilemas, provenientes de suas próprias ações, e que agora precisa se confrontar com os resultados decorrentes de seu comportamento e vislumbrar caminhos que a levem a superar esta etapa. Essa sociedade é denominada, sociedade de risco, por Giddens (1991GIDDENS, A. As consequências da modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo: Editora Unesp, 1991.) e Beck (1992BECK, U. Risk Society: towards a new modernity. London: Sage, 1992. ).

Como expõe Lenzi (2005), as obras de Beck e de Giddens abordam conceitos importantes para um adequado entendimento da degradação ambiental moderna e das mudanças e dos conflitos que despontam em torno dela. Para os autores, três elementos básicos identificam a sociedade de risco: a existência dos riscos ambientais, que são, segundo os autores, os mais emblemáticos para a caracterização da sociedade de risco; a dependência dos homens em relação ao conhecimento científico no que diz respeito aos problemas ambientais; e as consequências políticas dessas mudanças e do próprio ambientalismo nas sociedades modernas.

A teoria de risco na modernidade tecida por Giddens (1991GIDDENS, A. As consequências da modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo: Editora Unesp, 1991.) e Beck (1992BECK, U. Risk Society: towards a new modernity. London: Sage, 1992. ) nos oferece um referencial para a compreensão das questões socioambientais da atualidade e, de forma mais específica, para a introdução de uma discussão sobre as possibilidades da educação ambiental como elemento mediador da práxis humana, uma vez, que se apresenta como uma nova proposta pedagógica voltada para a mudança de hábitos, atitudes e práticas sociais.

A reflexão sobre a sociedade de risco "permite estabelecer a complexa temática das relações entre meio ambiente e educação, a partir de alguns parâmetros presentes em práticas sociais centradas na educação para uma sociedade sustentável" (JACOBI, GRANJA, FRANCO, 2006JACOBI, P. R.; GRANJA S. I. B.; FRANCO, M. I. Aprendizagem social: práticas educativas e participação da sociedade civil como estratégias de aprimoramento para a gestão compartilhada em bacias hidrográficas. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v. 20, nº 2, pp. 5-18, abr.-jun. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br; www.scielo.br>. Acesso em: 10 jan. 2014.
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, p. 6). Portanto, o desafio que se coloca à educação voltada para a sustentabilidade ambiental na sociedade de risco é que ela se apresente como proposta modificadora do comportamento dos indivíduos, enquanto prática dialógica que objetiva o desenvolvimento de consciência crítica pela sociedade, devendo estar comprometida com uma abordagem da problemática ambiental que interrelacione os aspectos sociais, ecológicos, econômicos, políticos, culturais, científicos, tecnológicos e éticos.

A Educação Ambiental no Brasil

No Brasil, é a partir das décadas de 1970 e 1980, que a educação ambiental passa a se constituir, enquanto um campo diverso, complexo e plural, caracterizado pela presença de diferentes atores e setores sociais que, de forma direta ou indireta, influenciaram seus caminhos. Lima (2008) observa que este universo era composto por diferentes níveis governamentais, a UNESCO e a ONU, organismos financeiros, movimentos sociais, ONGs ambientalistas, empresas ligadas ao financiamento ou desenvolvimento de atividades educativas na área ambiental. É evidente que essas influências não ocorreram de forma homogênea e nem com a mesma dimensão. Como ressalta o autor, as pressões sobre o Poder Público, demandando a criação de órgãos e políticas ambientais, exercidas por organismos internacionais, sociedade civil por meio de movimentos sociais e das ONGS, por iniciativas pioneiras de unidades de ensino e educadores engajados no tema ambiental, foram especialmente decisivas, no período inicial de constituição do campo da educação ambiental no país.

Dois eventos evidenciam o processo de educação ambiental brasileiro. A Constituição de 1988 que estabelece que o Poder Público deve "promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente". E, a criação, em 1999, da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), que coloca o indivíduo como agente transformador e corresponsável pela qualidade e sustentabilidade da vida no planeta, deixando a condição de mero expectador. Em suas diretrizes, incorpora à concepção de meio ambiente os aspectos socioambientais, culturais e éticos. Determina ainda que todos têm direito à educação ambiental, como componente essencial e permanente da educação nacional, estabelecendo que deve estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, tanto em caráter formal como não formal. Envolve, na sua execução, diferentes atores sociais além das instituições educativas, Poder Público, empresas, meios de comunicação e sociedade civil (BRASIL, 1999). Em 2002, o Decreto que regulamentou Política Nacional de Educação Ambiental destaca o papel das ONGs para a sua execução (BRASIL, 2002).

Trilla (1985TRILLA, J. La educación fuera de la escuela: enseñanza a distancia, por correspondência, por ordenador, radio, vídeo y otros médios no formales. Barcelona: Planeta, 1985.) esclarece que, em algumas obras, se faz clara a distinção entre educação ambiental formal e educação ambiental não formal. A primeira refere-se àquela educação ambiental integrada ao modelo do sistema formal de ensino; e a segunda, aos programas extraescolares dirigidos a crianças, jovens ou adultos. Observa o autor que os problemas ecológicos atuais e a crescente sensibilização em relação a eles têm criado uma grande demanda por educação com foco ambiental tanto na escola como fora dela. No Brasil, o âmbito da educação ambiental não formal, está contemplado na PNEA, enquanto ações e práticas educativas que tenham como objetivo sensibilizar a sociedade sobre as questões ambientais e incentivar o engajamento dos indivíduos para que participem na defesa da qualidade ambiental.

A educação ambiental não formal é um processo de práticas educativas intencionalmente organizadas, normalmente dedicadas à população de todas as idades e que pode orientar-se em diversas vertentes, desde a aquisição de conhecimentos ao desenvolvimento de valores e atitudes positivas para o ambiente, passando, inclusive, por atividades de lazer. As propostas nesta área podem ser mais ou menos estruturadas conforme se trate de trilhas interpretativas, oficinas, hortas pedagógicas, cursos de formação e outros (TRILLA, 1985TRILLA, J. La educación fuera de la escuela: enseñanza a distancia, por correspondência, por ordenador, radio, vídeo y otros médios no formales. Barcelona: Planeta, 1985.). Devido ao seu âmbito de atuação e ao seu público alvo, é um campo fértil e promissor para promover a conscientização, o conhecimento, o desenvolvimento de competências, o estabelecimento de compromissos e ações por parte dos indivíduos e da coletividade na busca de proteção e melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida para as gerações presentes e futuras (UNESCO/UNEP, 1986).

De acordo com o conceito de educação permanente (realizada ao longo de toda a vida), a educação ambiental integra-se ao processo educativo de todo cidadão e desenvolve-se simultaneamente com outras atividades realizadas ao longo de sua vida, razão pela qual a educação ambiental não formal tem um papel fundamental na construção da cidadania (TRILLA, 1996TRILLA, J. La Educación Fuera de la Escuela. Ámbitos no formales de educación social. Barcelona: Ariel, 1996.).

ONGs: novos atores para demandas educativas ambientais

O mundo contemporâneo tem presenciado um expressivo crescimento das atividades voluntárias organizadas, assim como, o surgimento de organizações sem fins lucrativos com o objetivo de atender a demandas por serviços sociais, favorecer o desenvolvimento econômico local, obstar a degradação ambiental, defender os direitos civis e procurar atender muitos outros anseios da sociedade, ainda não atendidos, ou deixados sob a responsabilidade do Estado.

O alcance e a escala desse fenômeno são grandes, caracterizando uma revolução associativa global, que resulta na formação de um terceiro setor, que vem crescendo em razão de diferentes pressões, necessidades e demandas dos indivíduos, como cidadãos, das instituições e até dos próprios governos refletindo um conjunto de alterações sociais, e a globalização dos riscos ambientais (SALAMON,1998SALAMON, L. A emergência do terceiro setor - uma revolução associativa global. Revista de Administração. São Paulo, v. 33, nº 1, pp. 5-11, jan.-mar., 1998.; FERNANDES, 2005FERNANDES, R. C. O que é o terceiro setor? In: IOSCHPE, E. et al. 3º Setor. Desenvolvimento Social Sustentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.).

O termo terceiro setor "é uma nomenclatura geral adotada para distinguir um conjunto de organizações sociais particulares daquelas organizações empresariais lucrativas e de organizações governamentais" (CABRAL, 2007CABRAL, E. de S. Terceiro setor. Gestão e controle social. São Paulo: Saraiva, 2007., p. 8). A literatura sobre o tema apresenta várias denominações que, de uma maneira geral, se identificam com o terceiro setor: organizações não governamentais, setor sem fins lucrativos, setor de caridade, setor não lucrativo, economia social, setor voluntário e setor da sociedade civil, dentre outras (FERNANDES, 2005FERNANDES, R. C. O que é o terceiro setor? In: IOSCHPE, E. et al. 3º Setor. Desenvolvimento Social Sustentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.; CABRAL, 2007). O terceiro setor, portanto, reúne tanto instituições filantrópicas voltadas à prestação de serviços como saúde e educação, quanto instituições dedicadas à defesa dos direitos de determinados grupos da população, ou relacionadas à proteção ambiental, e ainda experiências de trabalho voluntário e de filantropia empresarial.

As ONGs ambientalistas são entidades privadas com fins públicos, sem fins lucrativos e com alguma participação voluntária que atuam em problemas socioambientais. Seu foco de ação é impedir a degradação ambiental e promover formas sustentáveis de desenvolvimento. Nas últimas décadas, muitas delas têm atuado em parceria com a comunidade, governos e iniciativa privada para dar conta da complexidade do campo ambiental, que demanda soluções multifacetadas para um público bastante heterogêneo (PIGNATTI, 2005PIGNATTI, M. G. As ONGs e a política ambiental nos anos 90. Um olhar sobre Mato Grosso. São Paulo: Annablume; Universidade Federal de Mato Grosso; Instituto da Saúde Coletiva, 2005.; PRINCEN; FINGER,1996).

No Brasil, como aborda Fischer (2002), o terceiro setor apresenta-se amplo e diversificado, sendo composto por organizações não governamentais, fundações de direito privado, entidades de assistência social e de benemerência, entidades religiosas, associações culturais, educacionais, que desempenham papéis que não se afastam daqueles exercidos por organizações semelhantes nos países desenvolvidos. Fischer (2002, p. 45) relata que as organizações brasileiras possuem variados tamanhos, graus de formalização, volumes de recursos, objetivos institucionais e formas de atuar e que essa diversidade é decorrente da riqueza e pluralidade da sociedade brasileira e dos diferentes marcos históricos que definiram os arranjos institucionais nas relações entre o Estado e o mercado.

Pignatti (2005PIGNATTI, M. G. As ONGs e a política ambiental nos anos 90. Um olhar sobre Mato Grosso. São Paulo: Annablume; Universidade Federal de Mato Grosso; Instituto da Saúde Coletiva, 2005.) relata que no Brasil as ONGs proliferaram a partir da década de 1970, formadas por pessoas provenientes das elites intelectuais originárias das universidades, igrejas, partidos ou organizações de militância de esquerda. No final dos anos de1980 e início de 1990, em decorrência de mudanças ocorridas na sociedade brasileira, as ONGs passam a ter um diálogo mais próximo com o Estado, participando das ações e legitimando alguns programas do governo, e a atuar em várias frentes específicas como, por exemplo, as ONGs ambientalistas.

As ONGs ambientalistas, no Brasil, têm desempenhado um importante papel no processo de aprofundamento e expansão de ações de educação ambiental no campo não formal que complementam e, muitas vezes, impulsionam iniciativas governamentais e dão apoio às organizações da iniciativa privada interessadas no desenvolvimento de projetos na área. Uma das principais características das ONGs é a capacidade de articulação em torno de agendas comuns. Jacobi (2003JACOBI, P. R. Movimento ambientalista no Brasil. Representação social e complexidade da articulação de práticas coletivas. In: Ribeiro, W. (org.) Patrimônio Ambiental, EDUSP, 2003.) observa que um grande salto de qualidade nas atividades de educação ambiental tem sido proporcionado pelas ONGs e organizações comunitárias, com o desenvolvimento de uma extensa lista de ações não formais, indicativas de práticas inovadoras, preocupadas em desenvolver a corresponsabilidade das pessoas e grupos sociais quanto à importância de formar cidadãos cada vez mais comprometidos com as questões ambientais.

No Brasil, há aproximadamente 290,7 mil fundações privadas e associações sem fins lucrativos, sendo que, destas, 2.242 dedicam-se a atividades ligadas ao meio ambiente e um número significativo desenvolve projetos de educação ambiental (IBGE, 2012). Pesquisas realizadas pela Editorial Análise para os anos de 2008 (481 entidades), 2009 (368 entidades), 2010 (328 entidades), indicam uma tendência, por parte das organizações, de atendimento de demandas no campo da educação ambiental (95,1%), apresentando-se como agentes detentores de know-how para o atendimento de demandas sociais (61,9% de suas demandas) que refletem a complexidade das relações socioambientais, Tabela 1. Chama a atenção o protagonismo da educação ambiental que vem liderando o foco das ações das organizações desde 2008 (92,3%), e o fato de que para a maior parte das ONGs analisadas (90,9%) o objetivo central de suas atividades é estimular a consciência crítica, fundamento que compõe os preceitos da educação para a sustentabilidade.

Tabela 1
Tipos de atividade que as organizações desenvolvem

A contribuição das ONGs para a educação ambiental: a visão dos stakeholders da questão ambiental

Para o desenvolvimento da pesquisa optou-se pela aplicação do método Delphi, que se insere nos chamados métodos prospectivos, de cunho qualitativo e que busca obter o consenso de opiniões entre especialistas sobre o tema pesquisado (ZAZKIEWICZ; SALLES FILHO, 2001). A participação é mantida em anonimato, o que isenta os participantes de pressão social, influência de personalidade e dominação individual, conduz ao pensamento independente e à evolução gradual das opiniões e, conta com um baixo custo de aplicação (GRISI; BRITO, 2003GRISI, C. C. de H. e; BRITO, R. de . Técnica de cenários e o método Delphi: uma aplicação para o ambiente brasileiro. Seminários em Administração FEA-USP, São Paulo, 2003.; GIOVINAZZO, 2001GIOVINAZZO, R. A. Modelo de aplicação da metodologia Delphi pela internet - vantagens e ressalvas. Administração On line, v. 2, n. 2, abril/maio/jun, 2001.; VERGARA, 2004VERGARA, S. C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas , 2004.).

A identificação da opinião dos especialistas, denominado painel Delphi, baseia-se na aplicação de um questionário, em sucessivas rodadas (a literatura sugere entre 2 e 10). Os questionários apresentam uma série de proposições específicas aos stakeholders que, de modo individual, devem classificá-las, segundo critério estabelecido, por ordem de relevância para o tema. As respostas dos questionários são resumidas, tabuladas e devolvidas aos especialistas para que estes validem novamente suas opiniões ou as reformulem. (GIOVINAZZO, 2001GIOVINAZZO, R. A. Modelo de aplicação da metodologia Delphi pela internet - vantagens e ressalvas. Administração On line, v. 2, n. 2, abril/maio/jun, 2001.; VERGARA, 2004VERGARA, S. C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas , 2004.). O objetivo é distribuir todas as informações disponíveis e geradas pelo grupo entre todos os participantes (WOUNDENBER,1991).

A cada rodada, os questionários são submetidos a um tratamento estatístico, sendo que questões relevantes são incluídas e, aquelas consideradas de pouca importância para o estudo são eliminadas. Ou seja, se houver uma discrepância muito elevada em relação à opinião de um determinado especialista, não será possível chegar-se a um consenso, daí a necessidade de excluí-la. Como são introduzidas/excluídas questões em cada um das rodadas, o especialista poderá alterar a avaliação que deu à determinada questão em etapa anterior, por estabelecer um novo grau de relevância para esta questão na etapa subsequente (VERGARA, 2004VERGARA, S. C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas , 2004.).

Foram selecionados cinco grupos de especialistas com relevante expertise no tema tratado pela pesquisa, com cinco representantes de cada grupo, totalizando 25 participantes. Os especialistas foram escolhidos tendo em conta o conceito de stakeholder proposto por Freeman (1984FREEMAN, R. E. Strategic management: a stakeholder approach. Boston: Pitman/Ballinger, 1984.), "qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar ou ser afetado pela obtenção de um propósito corporativo". O número de participantes selecionados garantiria a continuidade do trabalho, mesmo que houvesse desistência de alguns participantes. Não houve desistência, de modo que o grupo consultado reuniu, efetivamente, 25 participantes: cinco gestores de empresas que desenvolvem parcerias com ONGs ambientalistas; cinco gestores públicos de órgãos que desenvolvem projetos com ONGs ambientalistas; cinco gestores de ONGs ambientalistas; cinco jornalistas que desenvolvem as suas atividades no campo da temática ambiental e cinco professores universitários, cuja atuação também envolve relacionamento com ONGs ambientalistas. Estes especialistas foram mantidos no anonimato como requer o método.

Com relação aos especialistas escolhidos, Adams (1980ADAMS, L. A. Delphi Forecasting: Future Issues. Grievance Arbitration. Technological Forecasting and Social Change. New York, v. 12, n. 2, 1980.) observa que estes devem sentir-se pessoalmente envolvidos com o problema em questão, possuir informações e experiências relevantes para o processo e estar motivados a participar, percebendo que os resultados fornecerão informações importantes. Giovinazzo (2000) destaca que os especialistas devem ser selecionados de diferentes setores e organizações, como universidades, institutos e indústrias. Um resultado de qualidade depende principalmente dos especialistas escolhidos.

A realização da pesquisa Delphi

A pesquisa Delphi foi desenvolvida em três etapas. Inicialmente, realizou-se uma entrevista semiestruturada com os participantes para o levantamento das principais questões e possíveis respostas. Uma das características da entrevista semiestruturada, é a utilização de um roteiro previamente elaborado com perguntas básicas apoiadas em teorias e hipóteses, que se relacionam com o tema a ser investigado (TRIVINOS, 1987TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.; MANZINI, 2003MANZINI, E. J. Considerações sobre a elaboração de roteiro para entrevista semi-estruturada. In: MARQUEZINE: M. C.; ALMEIDA, M. A.; OMOTE; S. (Orgs.) Colóquios sobre pesquisa em Educação Especial. Londrina: Eduel, 2003. p.11-25.).

No primeiro contato, os participantes foram devidamente esclarecidos sobre o tema pesquisado e se comprometeram a participar das etapas seguintes. O comprometimento dos especialistas participantes é indispensável para a realização da pesquisa (CARTER; BEAULIEU, 1992CARTER, K. A.; BEAULIEU, L. J. Conduction a Community Needs Assessment: Primary Data Collection Techniques. Florida: Cooperative Extension Service, 1992). As entrevistas versaram sobre as características dos processos educativos ambientais não formais, perfil do público-alvo das ações das ONGs, as possibilidades das ONGs desenvolverem projetos em parcerias com outras entidades (pública, privada ou terceiro setor), aspectos do perfil do educador ambiental e a sua profissionalização, fontes de financiamento das atividades e cobrança pela prestação de serviços por parte das organizações.

A partir das entrevistas iniciais, foi elaborado um questionário relacionando-se possíveis respostas alternativas às quais deveriam ser atribuídas notas entre 0 e 10, sendo que 0 representaria total discordância e 10 total concordância. Os questionários foram enviados pela internet para a segunda rodada de questões. A Tabela 2 apresenta as questões formuladas e a análise estatística das notas atribuídas aos questionários na segunda etapa de levantamento das informações.

Tabela 2
Segunda rodada da pesquisa Delphi

Na segunda rodada foi possível identificar a existência de pontos de grande concordância, entre os stakeholders, em torno do tipo de educação ambiental não formal que deve ser desenvolvida pelas ONGs. É uma concepção ampla que engloba não só os aspectos informativos e propositivos, mas também críticos. Guimarães (2006, p. 12) observa que "conhecer para preservar não deixa de ser importante, mas focar apenas nisso é insuficiente para causar transformações significativas na realidade socioambiental".

Pesquisa realizada pela Análise Editorial, entre 2008 e 2010, sobre o perfil das ONGs, demonstra que estimular a consciência crítica foi o principal foco das ações desenvolvidas no período. A Tabela 3 apresenta os outros objetivos de suas atividades identificados na pesquisa (ANÁLISE, 2008; ANÁLISE; 2009; ANÁLISE, 2010).

Tabela 3
Objetivos dos programas desenvolvidos pelas ONGs

Outro ponto de concordância, identificado entre os especialistas, nesta segunda rodada está na amplitude do público-alvo das ações educativas. Espera-se que as práticas de educação ambiental sejam dirigidas aos mais diversos segmentos da sociedade. Neste sentido, como observa Gadotti (2005GADOTTI, M. A Questão da Educação Formal/Não formal. Institut International Des Droits de L'Enfant (IDE). Droit à L´Education: solution à tous lês problèmes ou problème sans solution? Sion (Suisse), 18 au 22 octobre 2005.), os programas de educação não formal por sua flexibilidade, tanto em relação ao tempo quanto aos seus múltiplos espaços, e por não ter obrigatoriedade de seguir um sistema sequencial e hierárquico de progressão, permitem abarcar um público-alvo mais heterogêneo.

Por outro lado, observa-se, também nesta rodada, entre os especialistas, alguma discordância no tocante à remuneração do educador ambiental. Alguns entrevistados se manifestaram no sentido de que o trabalho do educador ambiental seja voluntário, enquanto outros enfatizaram a importância da remuneração do educador, propiciando a sua profissionalização. Cabe observar, que quando o trabalho é realizado de forma voluntária pode sofrer interrupções ou mesmo não acontecer, havendo ainda a possibilidade dos processos educativos serem realizados por educadores que não estejam adequadamente capacitados.

Outro ponto em que se verifica alguma discordância refere-se à forma de financiamento das atividades, sendo que alguns entrevistados discordam do financiamento de origem pública e outros do financiamento de origem privada. Tal postura se explica pela preocupação com uma possível interferência do financiador sobre o projeto desenvolvido. Todavia, existe uma grande concordância em que a educação ambiental seja oferecida gratuitamente pelas ONGs, dada a sua importância para a sociedade. Cabe lembrar, que no Brasil, a Política Nacional de Educação Ambiental, determina que o Poder Público, incentive nos níveis governamentais a ampla participação de ONGs na formulação e execução de programas e atividades vinculadas à educação ambiental não formal (BRASIL, 1999).

Com o objetivo de avançar no sentido de obter, senão um consenso, mas ao menos uma avaliação com grande apoio dos stakeholders, eliminou-se do questionário todas as alternativas que obtiveram média inferior a 7. As demais alternativas foram consolidadas e um novo questionário foi enviado aos participantes para a terceira rodada de questões.

A Tabela 4 apresenta as questões formuladas e a análise estatística das notas atribuídas aos questionários na terceira rodada da pesquisa Delphi.

Tabela 4
Terceira rodada da pesquisa Delphi

Como resultado final da pesquisa, observamos que, segundo a visão dos stakeholders consultados, a educação ambiental não formal desenvolvida pelas ONGs deve ser a mais ampla possível, abarcando os aspectos informativos, propositivos e críticos e extensiva a todos os segmentos da sociedade. Guimarães (2004GUIMARÃES, M. A formação de educadores ambientais. Coleção Papirus Educação. Campinas, SP: Papirus, 2004.) destaca duas vertentes no campo da educação ambiental. A linha tradicional ou conservadora, que de acordo com o autor se caracteriza por ser hegemônica e por apresentar uma visão mecanicista da ciência, simplificadora dos complexos fenômenos da realidade, e, portanto, despida de potencial para impulsionar as mudanças necessárias à superação da crise socioambiental atual. A outra vertente, classificada como educação ambiental crítica, é conceituada pelo autor como contra-hegemônica, de perfil interdisciplinar relacionado a teoria da complexidade, e com a finalidade de revelar as relações de dominação que moldam a sociedade atual. Esta linha, na visão do autor, deve fazer um contraponto aos processos identificados com a educação conservadora. A abordagem tradicional de educação é contestada para o processo de resolução de problemas ambientais, complexos por essência, o que impede que eles se enquadrem nos limites de determinada disciplina, em razão de sua natureza interdisciplinar.

Cabe salientar que a força da educação ambiental não formal está no fato de que ela não opera dentro de um determinado conjunto de regras com uma estrutura e currículos rígidos e avaliações formais. De um modo geral, a educação não formal vem suprir uma série de funções relacionadas com a educação permanente e outras dimensões do processo educativo como um todo, não contemplados pela educação formal. Há uma concentração da atuação da educação não formal em relação a determinados tipos de educação, como por exemplo, a educação ambiental (LA BELLE, 1980LA BELLE, T. J. Educación no formal y cambio social en América Latina, México: Nueva Imagen, 1980.; BLOOM, 1956BLOOM, B. S. Taxonomy of Educational Objectives: The Classification of Educational Goals. Handbook 1: Cognitive Domain. New York: Mc KAY, 1956., 1976). Esta flexibilidade de abordagem da educação ambiental não formal possibilita que as ONGs possam trabalhar com uma grande diversidade de temas, demandados pelos objetivos de seus projetos e de seus respectivos públicos- alvo (UNESCO/UNEP, 1986).

A singularidade organizacional das ONGs propicia-lhes uma maleabilidade que permite atender públicos diferenciados, trabalhar com grande diversidade de temas e objetivos, que podem sempre ser ampliados em função de novas demandas. Segundo Salamon (1998SALAMON, L. A emergência do terceiro setor - uma revolução associativa global. Revista de Administração. São Paulo, v. 33, nº 1, pp. 5-11, jan.-mar., 1998.), mudanças históricas e de longo alcance criaram a possibilidade para que instituições alternativas sejam capazes de atender mais adequadamente às demandas sociais, como por exemplo, processos de educação ambiental não formal. Para o autor, essas organizações, por sua pequena escala, flexibilidade e capacidade de canalizar a participação popular são mais capacitadas para atender a estas demandas.

Outra conclusão obtida no estudo é a de que os especialistas esperam que as ONGs desenvolvam suas atividades em parcerias com outras ONGs e organizações dos setores público e privado. Compete observar que a própria Política Nacional de Educação Ambiental no Brasil estabelece que o Poder Público deve estimular a participação de empresas públicas e privadas no desenvolvimento de programas de educação ambiental em parceria com: escola, universidade e ONGs.

Estas organizações, com a diversidade de identidades que as caracterizam, vêm adquirindo experiência e legitimidade para estabelecer novas formas de cooperação e parceria com os setores público e privado, propiciando a ampliação da cidadania por meio de suas ações. Como observa Jacobi (2003JACOBI, P. R. Movimento ambientalista no Brasil. Representação social e complexidade da articulação de práticas coletivas. In: Ribeiro, W. (org.) Patrimônio Ambiental, EDUSP, 2003., p. 3), " [...] o crescimento em número e tamanho das ONGs, o ganho em visibilidade e legitimidade, possibilitam a articulação, formação de redes e outras dinâmicas organizacionais para trocar informações, dividir tarefas e ampliar o alcance das iniciativas".

As organizações da sociedade civil vêm obtendo uma maior consistência institucional e novas competências organizacionais, sendo vistas como instituições legítimas para o estabelecimento de parcerias entre o Estado e as empresas dispostas a desenvolver algum tipo de iniciativa social. Assim, estas entidades passam a ter um "status mais elevado e devem estar bem capacitadas, em termos técnicos, administrativos e gerenciais, para desempenhar seu papel na realização dos resultados que inspiraram a parceria" (FISCHER, 2002, p. 36).

A realização de ações conjuntas entre organizações da sociedade civil e as organizações do setor privado não é uma coisa recente, e emergiu a partir do final dos anos 1990, "[...] como uma das mais fortes estratégias para promover o desenvolvimento sustentado" (FISHER, 2002, p. 29). O processo contínuo de redução das atividades do Estado na prestação de serviços públicos também tem contribuído para o surgimento destas parcerias.

Garrison (2000) apresenta que há um consenso de que as ONGs podem ocupar com eficácia espaços e lacunas deixados pelo Estado, motivadas por preocupações privadas (ainda que com a missão de realizar o interesse público) e com base em redes de conhecimentos e em padrões próprios de eficiência e eficácia. Essas entidades não geram nem distribuem lucros, mas movimentam e transferem volumes financeiros razoáveis e tornam-se cada vez mais profissionalizadas. Mais do que o Estado, elas vêm adquirindo experiência e legitimidade para estabelecer diferentes formas de cooperação e de parceria para a realização de ações na área ambiental (GADOTTI, 2000).

Observa-se, também, que os stakeholders consultados entendem que as ONGs ambientalistas devem buscar recursos nos setores público e privado, assim como doações da sociedade, de modo a poder oferecer seus serviços gratuitamente. Por outro lado, a proposta do voluntariado como base para as atividades das ONGs não é predominante entre os especialistas. Ao contrário, vários participantes propõem que os educadores ambientais das ONGs sejam remunerados, buscando-se a sua profissionalização com formação acadêmica, experiência profissional e capacidade de relacionamento interpessoal; somados à preocupação com a questão ambiental. Além de conhecer os aspectos relacionados ao meio ambiente, propriamente dito, o educador ambiental deve conhecer as necessidades das comunidades e ter habilidade para desenvolver trabalho em equipe, de forma a buscar a solução participativa dos problemas que se apresentam. Por esta razão, o perfil que se coloca para o profissional educador ambiental, na área não formal ou formal, parte da exigência de uma formação ampliada, que vai além da academia, demandando uma vivência interdisciplinar, criatividade para lidar com um campo em construção, visão sistêmica, uma postura reflexiva, participativa e mobilizadora da sociedade. Como observa Zahler (2007), além da questão da preservação dos recursos naturais, o educador ambiental deve conhecer a dinâmica da natureza, as necessidades das comunidades, e ainda ter habilidade para desenvolver trabalho em equipe, de forma a buscar a solução participativa dos problemas que se apresentam.

O educador ambiental é um profissional com um perfil que ainda está se delineando. São provenientes de diversos contextos profissionais, trazem grande variedade de capacidades e conhecimentos para as organizações por onde passam. Todavia, como destacam Lerda e Earle (2007LERDA, D.; EARLE, S. W. Educação ambiental para a conservação - desafios e lições. In: JUNQUEIRA, V; NEIMAN, Z. Educação ambiental e conservação da biodiversidade. São Paulo: Manole, 2007.), essa diversidade no campo profissional acaba confirmando o mito de que qualquer pessoa pode ser educador ambiental, uma vez que, qualquer profissional que trabalhe com comunidades, educação, elaboração de projetos ou pesquisa, atua em algum momento como educador apresentando novas ideias e propostas para o seu público-alvo. Além disso, como pontuam as autoras, os títulos profissionais ou descrições das funções dos profissionais que trabalham com comunidades nem sempre reconhecem o elemento educacional. Essa realidade, como alertam as autoras, pode facilitar a ausência de uma capacitação mais técnica, de ferramentas didáticas e de integração com os componentes dos processos de educação ambiental.

Considerações finais

A percepção e conscientização dos graves problemas que atingem a sociedade moderna, em especial os riscos ecológicos universalizantes e globalizados, é sem dúvida, uma questão que se refere à sobrevivência do ser humano na terra e precisa ser solucionada. A complexidade dos elementos que configuram este contexto torna fundamental a educação ambiental. Seu desafio é conscientizar a sociedade sobre os riscos socioambientais que gera, possibilitando mudanças de comportamento na sua relação com a natureza.

No campo da temática ambiental, os problemas e soluções, bem como os custos e benefícios, envolvem diferentes atores e requerem articulação entre os setores público, privado e a sociedade civil, por meio de suas várias organizações. Trata-se de uma realidade que demanda um novo cenário educativo, no qual as ONGs se apresentam como atores essenciais por sua expertise e perfil para o desenvolvimento de processos de educação ambiental não formal.

O resultado final da pesquisa Delphi oferece uma visão da opinião predominante entre os participantes acerca das expectativas da sociedade sobre o papel a ser desempenhado pelas ONGs em relação às práticas de educação ambiental.

Espera-se destas instituições uma educação ambiental ampla, abrangendo os aspectos não apenas informativos e propositivos, mas também críticos, dirigida a todos os segmentos da sociedade, atuando em parcerias com outras ONGs e organizações dos setores público e privado, apoiada em educadores profissionais, remunerados, e que apresentem competências pessoais que vão além da formação acadêmica e da experiência profissional, com grande capacidade de relacionamento interpessoal.

Este estudo não pretendeu esgotar a discussão sobre o tema. Pelo contrário, os resultados, sugerem uma lista de indagações, e nos provocam a adentrar em novos campos de investigações. Quais os limites da educação ambiental no que se refere ao desenvolvimento sustentável? Qual a efetividade da educação ambiental não formal diante da diversidade de grupos e respectivas demandas? Como solucionar os problemas referentes à falta de financiamento e de estrutura para o desenvolvimento de programas educativos? Como a educação ambiental deve interagir com outras dimensões educativas tais como: educação para a paz, direitos humanos, educação intercultural, desenvolvimento internacional e comunicação?

Nesta mesma linha, podemos destacar, ainda, os crescentes desafios que se colocam quando da constituição de parcerias das ONGs com outras organizações, como por exemplo, remodelar funções tradicionais, novos processos de organização interna, adequação de aspectos jurídicos, melhorias na capacitação de recursos humanos e na gestão institucional, com o objetivo de alcançar eficiência e eficácia, transparência, melhor avaliação, qualidade de resultados e ainda reconhecimento e legitimidade junto à sociedade civil. Cabe, também, comentar que há limites definidos para que as ações das ONGs sejam bem-sucedidas, como a própria heterogeneidade das organizações, questões como o financiamento dos serviços que prestam e, até mesmo, quanto à sua capacidade de obtenção e mensuração de resultados positivos de seus projetos, como por exemplo, a geração de novos comportamentos sociais.

Estas são apenas algumas das indagações pertinentes ao tema, permanece um vasto campo aberto para estudos teóricos e empíricos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2014
  • Aceito
    31 Mar 2015
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