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Dialogismo, polifonia, cronotopo e grotesco em A última gravação de Krapp: uma leitura bakhtiniana

RESUMO

Este artigo, um recorte de nossa dissertação de mestrado, tem como objetivo apresentar uma análise da peça A última gravação de Krapp, de Samuel Beckett, a partir de conceitos teóricos provenientes dos escritos do teórico da literatura russo Mikhail Bakhtin, tais como dialogismo, polifonia, cronotopo e grotesco. Com o intuito de problematizar a questão das vozes presentes na peça, de acordo com a estrutura dramatúrgica criada por Samuel Beckett, tais conceitos servirão de suporte para uma reflexão que busque compreender a questão das relações existentes entre Krapp e suas alteridades; os jogos e conflitos desenvolvidos entre as diferentes consciências dos diferentes Krapps presentes no texto a partir da materialidade de suas gravações; a questão do espaço-tempo proposto por Beckett na peça; bem como a caracterização grotesca de Krapp e sua relação com a gênese do personagem, dentro do que denominamos, em nossa pesquisa, de poética do fracasso. Este trabalho foi originalmente apresentado como parte de nossa dissertação de mestrado1 1 Ver Santos (2015). .

PALAVRAS-CHAVE:
Samuel Beckett; Dialogismo; Polifonia; Cronotopo; Grotesco

ABSTRACT

This article aims to present an analysis of Samuel Beckett’s Krapp’s Last Tape, based on theoretical concepts from the writings of Russian literature theorist Mikhail Bakhtin, such as dialogism, polyphony, chronotope and grotesque in order to investigate the voices present in the play, according to the dramaturgical structure created by Samuel Beckett. Such concepts will serve as a support for a reflection that seeks to understand the relations between Krapp and his alterities as well as the games and conflicts developed through the different selves of the different Krapps present in the text, sprung from the materiality of his recordings. It will focus on the space-time question proposed by Beckett in the play, as well as the grotesque characterization of Krapp and its relation to the genesis of the character, within what we call in our research of poetics of failure. This work was originally presented as part of our master’s thesis.1 1 See Santos (2015).

KEYWORDS:
Samuel Beckett; Dialogism; Polyphony; Chronotope; Grotesque

Introdução

A última gravação de Krapp, peça escrita em inglês pelo dramaturgo e encenador Samuel Beckett (1906-1989) em 1958, representa uma grande mudança no que se refere à estrutura de sua dramaturgia2 2 Cf. Santos, 2015. . A obra apresenta uma ruptura significativa em relação à dramaturgia prévia de Beckett, caracterizada por peças mais extensas, centradas na contracenação de diversos personagens, trazendo maior concisão no que se refere à situação dramática central e rompendo com a estrutura convencional do diálogo dramático. Pela primeira vez em sua obra dramatúrgica escrita até então, temos apenas um personagem central em cena, o velho Krapp, escritor fracassado de sessenta e nove anos, às voltas com o final de sua existência, vivenciando mais uma vez, na data de seu aniversário, o ritual anual de revisitação de seu passado a partir do prisma da memória, através do ato de escuta de fitas magnéticas gravadas por ele mesmo a cada aniversário de sua vida. Se alguns dos temas centrais explorados por Beckett em peças anteriores como Esperando Godot e Fim de partida ressurgem, tais como a circularidade, a relação com a alteridade, o fracasso, os contrastes e a repetição, somente para citarmos alguns deles, a forma através da qual eles se materializam na peça é completamente diversa.

A origem da peça remonta ao primeiro encontro de Beckett com o ator irlandês Patrick Magee, para quem o autor escreveu A última gravação de Krapp. A qualidade vocal do ator, sua voz “rachada” e envelhecida atraiu a atenção de Beckett por sua especificidade e peso dramático, levando-o a conceber uma peça que foi chamada, em um primeiro momento, de Magee Monologue, e posteriormente renomeada como Krapp’s Last Tape.

Beckett ouviu pela primeira vez o ator irlandês Patrick Magee lendo alguns trechos de Molloy e From an Abandoned Work no Third Programme da BBC, em dezembro de 1957. Ele ficou emocionado e comovido pela distinta qualidade falhada da voz de Magee que parecia captar um sentimento de profundo cansaço do mundo, tristeza, ruína e arrependimento. Dois meses depois, ele começou a escrever um monólogo dramático para um personagem que foi descrito no primeiro rascunho como um “velho homem desgastado” com uma “velha voz enferrujada e arruinada com algum sotaque característico” (KNOWLSON; PILLING, 1980KNOWLSON, J.; PILLING, J. Frescoes of the Skull: The Later Prose and Drama of Samuel Beckett. New York: Grove Press, 1980., p.81; tradução nossa)3 3 No original: “Beckett first heard the Irish actor, Patrick Magee, reading some extracts from Molloy and From an Abandoned Work on the BBC Third Programme in December 1957. He was impressed and moved by the distinctive cracked quality of Magee’s voice which seemed to capture a sense ofdeep world-weariness, sadness, ruination and regret. Two months later, he began to write a dramatic monologue for a character who was described in the first draft as a ‘wearish old man’, with a ‘wheezy ruined voice with some characteristic accent’.” .

O título da peça4 4 Ainda sobre o título da peça, cf. Knowlson; Pilling, 1980, p.81. , segundo Michael Robinson (1969, p.283; tradução nossa), reúne “esterco e tempo”5 5 No original: “dung and time”. , aludindo ao desenvolvimento de uma abordagem dramatúrgica acerca da relação do homem com o efeito corrosivo e transformador do tempo, ou seja, “a constante mudança de identidade do eu que está em um constante processo de decantação do futuro para o passado”6 6 No original: “the ever-changing identity of the Self which is in a constant process of decantation from the future to the past”. .

1 A última gravação de Krapp: uma leitura bakhtiniana

O conceito de grotesco7 7 Sobre o grotesco no teatro, cf. PAVIS, 1999, p.188-189. , explorado por Mikhail Bakhtin (1895-1975) em seu estudo acerca da obra de François Rabelais (BAKHTIN, 1987BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1987.), parece adequado para uma reflexão acerca da caracterização do personagem Krapp como descrita na versão original da peça, datada de 1958. A abordagem de Beckett em relação ao personagem, ainda influenciada pela experiência de escrita de obras dramatúrgicas anteriores, como Esperando Godot e Fim de partida, que carregam traços marcantes de comicidade diversa, como a influência do music-hall, da clowneria e do circo, é preponderante desde as primeiras versões do texto até a versão publicada em 1958, onde os traços de caracterização física do personagem apontam para a influência de elementos grotescos, com o objetivo de romper com a ilusão dramática associada ao realismo-naturalismo no teatro, propondo algo próximo ao que Bakhtin aponta “de maneira exemplar em seu estudo da obra de Rabelais [...] como ‘realismo grotesco’”8 8 No original: “de manera ejemplar en su estudio de la obra de Rabelais [...] “realismo grotesco”.” (ARÁN, 2006ARÁN, P. (Dir.). Nuevo diccionario de la teoría de Mijaíl Bajtín. Córdoba: Ferreyra Editor, 2006., p.141; tradução nossa). Acreditamos que o diálogo teórico com a abordagem de Bakhtin em relação ao conceito possa nos auxiliar na realização de uma leitura acerca da caracterização original do personagem Krapp.

Bakhtin faz menção, em um dos capítulos de sua obra acerca de Rabelais, ao que seria a gênese do conceito de grotesco: “o exagero, o hiperbolismo, a profusão, o excesso são, segundo opinião geral, os sinais característicos mais marcantes do estilo grotesco” (BAKHTIN, 1987BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1987., p.265). Ainda segundo Bakhtin,

Na base das imagens grotescas, encontra-se uma concepção especial do conjunto corporal e dos seus limites. As fronteiras entre o corpo e o mundo, e entre os diferentes corpos, traçam-se de maneira completamente diferente do que nas imagens clássicas e naturalistas (1987, p.275)

Partindo desta acepção do termo, podemos observar sua relação com a influência clownesca presente em traços da primeira caracterização do personagem Krapp, exposta na versão original do texto publicada em língua inglesa, que tomamos como referência para a tradução da peça, incluída em nossa dissertação de mestrado.

A concepção inicial do personagem, conforme é descrita na rubrica introdutória da peça, apresenta um indivíduo cuja caracterização remete a um clown decadente, uma espécie de versão grotesca de um clown convencional, apoiada em pequenos detalhes relativos a seu figurino e maquiagem9 9 Cf. Beckett, 1999, p.1. . As “calças pretas curtas demais para ele”, o “surpreendente par de botas brancas e imundas”, o “rosto branco” e o “nariz purpúreo”10 10 Sobre a questão do nariz, dentro da representação grotesca, cf. o verbete grotesco, redigido por Susana Romano-Sued no Nuevo diccionario de la teoría de Mijaíl Bajtín (ARÁN, 2006, p.144-147). representam algumas das típicas construções ligadas a elementos grotescos apropriadas pelos clowns, que remetem às formas cômicas arcaicas, baseadas em elementos grosseiros e em comicidade de situação, como o fescenino, a satura e até mesmo a Commedia dell’arte, mas são transformadas [ou corrompidas] por elementos que remetem à uma estética do fracasso, recorrente em grande parte da obra de Samuel Beckett. Mas a sujeira e o aspecto decrépito de suas vestimentas, assim como o rosto de palhaço de um velho escritor, criam um paradoxo de estranhamento em uma ambientação cênica esteticamente naturalista, onde o espaço cênico e todos os objetos parecem remeter a uma situação demasiadamente real, evidenciada pela presença de registros gravados, que demonstram não se tratar de uma história imaginada ou que carregue qualquer indício que aponte para uma distorção ou um delírio acerca da realidade. De forma oposta, a extrema plausibilidade da situação dramática da peça, alicerçada no discurso e na narração do personagem, promove um verdadeiro estranhamento operado de forma diversa daquele resultante do efeito brechtiano do Verfremdungseffekt [efeito de distanciamento ou estranhamento], onde a identificação do leitor-espectador em relação ao espaço cênico e à estrutura da narrativa dramática, próximas do realismo-naturalismo, se confronta brutalmente com a visão do velho escritor decrépito e ridicularizado por suas feições e seus “trapos”, resultando em um paradoxo inquietante.

Na modernidade, as formas grotescas passam a ser cada vez mais a expressão da reconciliação fracassada entre a subjetividade e as estruturas imanentes do mundo. Dessa forma, o grotesco constitui o meio de representar o irracional, o paradoxal, o absurdo, o niilista, como por exemplo se constata nas obras de Kafka, Brecht, Dürrenmatt, Beckett e Ionesco. Poderiam ser considerados precursores desta tendência Büchner, Dostoiévski e Nietzsche11 11 No original: “En la modernidad, las formas grotescas pasan a ser cada vez más la expresión de la re-conciliación fracasada entre la subjetividad y las estructuras inmanentes del mundo. Así, el grotesco constituye el medio de representar lo irracional, lo paradójico, lo absurdo, lo nihilista, como por ejemplo se constata en las obras de Kafka, Brecht, Dürrenmatt, Beckett y Ionesco. Podrían considerarse precursores de esta tendencia a Büchner, Dostoievski, Nietzsche”. (ROMANO-SUED, S. 2006ROMANO-SUED, S. Grotesco. In: Nuevo diccionario de la teoría de Mijaíl Bajtín. Córdoba: Ferreyra Editor, 2006, pp.141-150., p.142-143; tradução nossa).

Se a construção do personagem Krapp não pode ser comparada à dos personagens de Rabelais ou até mesmo ao contexto popular da Idade Média e do Renascimento, analisados por Bakhtin, por outro lado alguns dos traços mencionados por Bakhtin parecem se aproximar da caracterização do personagem, tais como o nariz purpúreo clownesco, as botas surpreendentes e imundas utilizadas por Krapp, seus apetites corporarais, sua necessidade em satisfazê-los, e as associações excrementais relacionadas ao próprio nome do personagem. Sobre a importância desses elementos dentro da perspectiva do realismo grotesco, podemos citar o que aponta Susana Romano-Sued:

A característica dominante no realismo grotesco é o rebaixamento, ou seja, a transferência de tudo o que é elevado, espiritual, ideal e abstrato, a um plano material e corporal. A Terra e o corpo são percebidos como unidade indissolúvel talvez em resposta à separação inevitável entre universo biológico puro e a espécie humana, os seres de linguagem12 12 No original: “El rasgo dominante en el realismo grotesco es el rebajamiento, es decir la transferência de todo lo elevado, espiritual, ideal y abstracto, a un plano material y corporal. La Tierra y el cuerpo son percibidos como unidad indisoluble, acaso como respuesta a la separación irremediable entre el universo biológico puro y la especie humana, los seres de lenguaje”. (2006, p.145; tradução nossa).

Outro dado importante presente na concepção de A última gravação de Krapp refere-se ao limiar, ou melhor, aos diferentes tipos de limiar que permeiam a existência do personagem Krapp, permitindo que possamos caracterizá-lo verdadeiramente como uma criatura do limiar. Diferenciando o limiar de fronteira, ou seja, o primeiro sendo o lugar do entre, do lá e cá, do indivisível, e o segundo sendo o lugar do este ou aquele [um em detrimento do outro], parece-nos que Krapp permanece por toda a peça lidando com diferentes formas de limiar. Se transpusermos para esta abordagem da peça a leitura do filósofo alemão Walter Benjamin relativa ao conceito de limiar, podemos visualizar mais claramente esta questão:

Ritos de passagem - assim se denominam no folclore as cerimônias ligadas à morte, ao nascimento, ao casamento, à puberdade, etc. Na vida moderna, estas transições tornaram-se cada vez mais irreconhecíveis e difíceis de vivenciar. Tornamo-nos muito pobres em experiências liminares. O adormecer talvez seja a única delas que nos restou. [E, com isso, também o despertar.] E, finalmente, tal qual as variações das figuras do sonho, oscilam também em torno de limiares os altos e baixos da conversação e as mudanças sexuais do amor. “Como agradar ao homem”, diz Aragon, “manter-se na soleira da imaginação!” [Paysan de Paris, Paris, 1926, p.74] [...] (2006, p.535).

Krapp se situa no limiar ou “soleira da imaginação” durante toda a peça, através do mergulho em suas [ou dos outros Krapps] memórias, complementando as informações ouvidas através das vozes de seus outros, trazidas à tona graças à materialidade do gravador de fitas de rolo, com visualizações provenientes de sua imaginação. O gravador, portanto, está presente na peça como o objeto com o qual Krapp desenvolve uma espécie de relação afetiva, pelo fato de este servir-lhe como um verdadeiro álbum de recordações de sua trajetória pessoal. Mas o gravador também encerra em si outra função importante, a de facilitador do trânsito do personagem dentro do limiar entre realidade e memória. Recuperando a definição de Benjamin acerca do conceito de limiar, podemos esclarecer de forma mais pontual a relação de Krapp com os diferentes limiares presentes na peça:

[...] O limiar [Schwelle] deve ser rigorosamente diferenciado da fronteira [Grenze]. O limiar é uma zona. Mudança, transição, fluxo estão contidos na palavra schwellen [inchar, entumescer], e a etimologia não deve negligenciar estes significados. Por outro lado, é necessário determinar o contexto tectônico e cerimonial imediato que deu à palavra o seu significado - morada de sonho (2006, p.535).

Krapp parece estar sempre nesta “zona” descrita por Benjamin, transitando continuamente dentro de seus limites, nunca estabelecendo fronteiras intransponíveis e definitivas em sua existência. Se tomarmos como referência a análise de Bakhtin sobre a obra literária de Dostoievski, nos deparamos com uma passagem onde Bakhtin afirma que:

Em Dostoievski, os participantes da ação se encontram no limiar [no limiar da vida e da morte, da mentira e da verdade, da razão e da loucura]. E aqui eles são apresentados como vozes que ecoam, que se manifestam diante da Terra e do céu (2013, p.168-169).

De forma diversa dos personagens dostoievskianos, o personagem Krapp também se situa em um limiar entre luz e escuridão, vida e morte, presença e ausência, realidade e memória. Durante toda a peça, o confronto entre luz e escuridão, materializados cenicamente a partir da concepção estética proposta por Beckett, parece situar Krapp no limiar entre esses dois mundos, que fazem paralelo direto em relação à razão em oposição aos apelos viciosos do personagem [mulheres, sexo, bananas, whisky]. Krapp transita, em vários momentos da peça, entre a luz [a área cênica onde está circunscrita sua mesa e seus apetrechos necessários ao registro anual de suas vozes, e também à fruição de suas gravações] e a escuridão [o restante do palco que está imerso na total ausência de luz]. No espaço cênico de seu covil, Krapp é caracterizado como um personagem situado no “entre” espaços, elemento explicitado através de sua permanência tanto na zona de luz como na de escuridão em diferentes momentos da peça, e até mesmo através de sua movimentação, que o faz transitar entre esses espaços ao longo do ato único da peça e mesmo se virar para trás, enquanto manipula suas gravações, com certo pavor, como se a presença da morte rondasse todo o espaço do covil do personagem.

Mas sua relação com o limiar não se esgota na ambientação cênica proposta por Beckett, enfatizada em suas diversas encenações da peça. Krapp, segundo depoimento do próprio Beckett, está vivendo o que seriam seus últimos momentos, prestes a encontrar o que almeja, como é evidenciado por sua fala na derradeira gravação aos sessenta e nove anos, ou seja, está “afogado em sonhos e ardendo por deixar de existir”13 13 No original: “drowned in dreams and burning to be gone”. (BECKETT apud SANTOS, 2015SANTOS, F. Poética do fracasso: dramaturgia e encenação no teatro de Samuel Beckett. 2015. 166 f. Dissertação. (Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo., p.112), portanto estando localizado no limiar entre a vida e a morte, entre a realidade do presente e as memórias materializadas através das gravações. A morte parece rondar o personagem durante todo o ato único da peça, e o contraste entre a luz acima de sua mesa e a absoluta escuridão que abarca o restante do palco também evocam a presença do limiar entre vida e morte. Ou seja, as atividades físicas desempenhadas por Krapp ocorrem, em sua maioria, na zona iluminada de sua mesa, onde estão todos os apetrechos necessários ao personagem [gravador, fitas magnéticas, dicionário, livro de registro, microfone e as caixas de armazenamento de fitas], e a área situada na penumbra existe apenas como área de transição, nos momentos em que Krapp sai de sua mesa em busca de algum dos objetos que se encontram no fundo do palco14 14 Mesmo na versão do texto utilizada na encenação do Schiller-Theater em 1969, onde Beckett introduziu o cubby hole ao fundo do palco, contendo uma pequena luz que vazava de forma sutil pela área de escuridão, este jogo cênico se mantém. . Portanto, poderíamos aferir que a zona de luz intensa, onde Krapp realiza seus movimentos, sua escuta das gravações e grava seu novo depoimento acerca do ano anterior, poderia significar a área vital do personagem, ao contrário da zona de escuridão total, onde não ocorrem ações do personagem [a não ser movimentação de passagem], onde praticamente inexistem movimentos ou ruídos, e para onde Krapp chega a olhar assustado, como se a morte habitasse tal escuridão, e o espreitasse ao longo de toda a representação.

Esta verdadeira existência entre limiares também é explicitada quando Krapp rememora suas antigas passagens amorosas com mulheres, evocando a presença de sujeitos ausentes para lhe servirem de companhia, situando-se mais uma vez no terreno do limiar, desta vez no limiar entre presença [a sua, as evocadas] e ausência [sujeitos ausentes tornados presentes através da materialidade das gravações e das visualizações provenientes da memória de Krapp]. As memórias ou “sonhos”, como menciona Krapp, também estão em contraponto com a realidade do personagem exposta através da ação dramática da peça. E novamente podemos afirmar que aqui se trata de um limiar, ou seja, dentro do diálogo proposto entre gravações escutadas [memórias] e gravação realizada em tempo presente [realidade], de forma alternada, Krapp transita literalmente entre esses dois mundos, mergulhando paulatinamente em visualizações que se chocam com seu relato do momento atual de sua existência, e fazem com que sua consciência oscile permanentemente neste limiar de realidade e memória, revisitando os acontecimentos passados e fazendo com que dialoguem com os acontecimentos do presente.

Caracterizada como monodrama15 15 Segundo a definição de Patrice Pavis, “no sentido banal, é uma peça com uma personagem, ou pelo menos com um só ator [que poderá assumir vários papéis]. A peça é centrada na figura de uma pessoa da qual se exploram as motivações íntimas, a subjetividade ou o lirismo” (1999, p.246). , pela convenção de apresentar apenas um personagem em cena, A última gravação de Krapp parece romper desde o início com qualquer referência estrutural ao monólogo teatral convencional . Se por um lado vemos apenas o velho Krapp em cena, do início ao fim da peça, por outro lado percebemos, desde o princípio, que de alguma forma o personagem não está completamente sozinho. Krapp dialoga, literalmente, com gravações de sua voz eternizadas nas fitas magnéticas que tem em seu poder, resultantes de suas reflexões anuais acerca de sua existência, registros que lhe possibilitam fazer uma reavaliação de sua vida a cada novo ritual anual de escuta e gravação de novas impressões acerca do ano que acaba de se encerrar. Segundo Martin Esslin, “A última gravação de Krapp trata da passagem do tempo e da instabilidade da personalidade” (1968, p.69), ou seja, da relação do Krapp atual com os inúmeros Krapps registrados anualmente em suas fitas gravadas. O Krapp atual ouve as fitas gravadas contendo as vozes de seus “outros”, e é afetado inúmeras vezes por elas, mas ele não as afeta dialogicamente de forma direta, pois trata-se de registros sonoros de suas alteridades, incapazes de desenvolver uma comunicação diretamente responsiva em relação ao personagem. As relações dialógicas se esboçam nas atitudes e falas de Krapp reagindo e sendo afetado por suas alteridades no ato da escuta das gravações, mas não se realizam diretamente pela incapacidade desses “outros” Krapps de serem afetados pelo discurso do velho Krapp no tempo presente. Mas, ao mesmo tempo, a manipulação por parte de Krapp dos registros de seus “outros”, através das seleções de acontecimentos que realiza durante o ato de escuta, adiantando e voltando a fita para passagens que considera mais pertinentes, e evitando outras que talvez o perturbem, faz com que os arquivos de voz dos diferentes “eus” de Krapp sejam afetados pelo presente. Eles se transformam e adquirem novos significados, consequentemente afetando novamente o personagem, de formas diversas daquelas pelas quais Krapp fora afetado no passado pelos mesmos acontecimentos, constituindo dessa forma relações dialógicas entre os diferentes “eus” de Krapp.

Portanto, as gravações permitem a confrontação de Krapp com seus “outros”, ou seja, seus diversos “eus” caracterizados na peça como suas alteridades. A partir desse fluxo de consciência, expresso na forma de um monólogo de característica dialógica, Krapp pode confrontar em cena os anseios e expectativas de seus “outros” [Krapp aos vinte e nove e aos trinta e nove anos] com a efetiva realidade vivenciada por ele em tempo presente, aos sessenta e nove anos. Se pensarmos que as vozes dos outros Krapps atuam como verdadeiras “consciências alheias” em relação ao Krapp de sessenta e nove anos, pertencendo a seus outros “eus” do passado como verdadeiras alteridades, não mais representando ou estando de acordo com a consciência atual de Krapp, muitas vezes não sendo sequer reconhecidas por ele, podemos fazer um paralelo com o que afirma Bakhtin:

Não se podem contemplar, analisar e definir as consciências alheias como objetos, como coisas: comunicar-se com elas só é possível dialogicamente. Pensar nelas implica conversar com elas, pois do contrário elas voltariam imediatamente para nós o seu aspecto objetificado: elas calam, fecham-se e imobilizam-se nas imagens objetificadas acabadas (2013, p.77-78).

Desse modo, a confrontação entre os diferentes juízos de Krapp acerca dos acontecimentos que permeiam sua existência, expressos através de oposições advindas de uma verdadeira “reação dialógica” por parte do personagem em cena em relação à voz de seu eu gravada aos trinta e nove anos, faz com que sejam evidenciadas as relações dialógicas propostas por Beckett dentro da estrutura de A última gravação de Krapp. Retomando Bakhtin:

[...] Esses dois juízos devem materializar-se para que possa surgir relação dialógica entre eles ou tratamento dialógico deles. Assim, esses dois juízos, como uma tese e uma antítese, podem unir-se num enunciado de um sujeito, que expresse a posição dialética una deste em relação a um dado problema. Nesse caso não surgem relações dialógicas. Mas se esses dois juízos forem divididos entre dois diferentes enunciados de dois sujeitos diferentes, então surgirão entre eles relações dialógicas (2013, p.210).

O gravador de Krapp possibilita a ele encontrar o outro, a alteridade, ou seja, através dele Krapp consegue vislumbrar seus outros “eus”, provenientes de diferentes momentos de sua trajetória e, ao mesmo tempo, possibilita a Krapp o vislumbre de espaços diversos, que trazem consigo sua temporalidade e historicidade, contextualizando, portanto, os acontecimentos evocados em cena pelo personagem. A rubrica inicial da peça, onde lemos “tarde da noite, no futuro” (BECKETT apud SANTOS, 2015SANTOS, F. Poética do fracasso: dramaturgia e encenação no teatro de Samuel Beckett. 2015. 166 f. Dissertação. (Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo., p.104), aponta para uma localização no espaço-tempo. Se a ação da peça se passa no futuro, onde Krapp surge em cena como um velho escritor frustrado, aos seus sessenta e nove anos, amargando as escolhas do passado, especialmente o fato de ter escolhido a escuridão como eixo central de seu caminho [literário e existencial], podemos concluir que, uma vez que o texto da peça foi escrito em 1958, se tomarmos essa data como referência possível para as gravações realizadas por Krapp aos trinta e nove anos, o Krapp de sessenta e nove anos estaria realizando as ações da peça por volta do ano de 1988. A presença de um gravador de fitas de rolo, cujos primeiros modelos datam da década de 1950 [antes disso os primeiros gravadores utilizavam cabos metálicos magnetizados no lugar de fitas magnéticas, ao contrário do gravador utilizado na peça], localiza o que seria possivelmente o tempo presente onde as gravações foram realizadas por Krapp, ou seja, em algum ponto ao longo da década de 1950. Embora este dado seja apenas uma projeção, sem traços na dramaturgia que definam exatamente o tempo da ação dramática, por outro lado podemos afirmar que passado e presente se localizariam em algum lugar entre as décadas de 1950 e 1980, dessa forma delimitando o espaço-tempo da peça de uma forma mais próxima do teatro realista, diferentemente de todas as outras peças do autor.

Se em peças como Esperando Godot, Fim de partida e Dias felizes não podemos caracterizar as ações e acontecimentos como “realistas”, pois Beckett opera estranhamentos diversos que rompem com tal perspectiva, como a simetria imperfeita dos atos de Esperando Godot e Dias felizes, em que em meio a elementos similares, como o cenário espelhado em ambos os atos de Godot com as mudanças na árvore e na condição física de Pozzo e Lucky, ou a sombrinha de Winnie em Dias felizes, que após ser totalmente carbonizada pelo calor do sol durante o primeiro ato, retorna absolutamente impecável no início do segundo ato, em A última gravação de Krapp a estrutura dramatúrgica e cênica da peça aponta para um substrato notadamente realista. A indeterminação do espaço-tempo de peças anteriores é substituída, em A última gravação de Krapp, por um espaço-tempo determinado. Percebemos na peça um espaço cênico realista, o “covil de Krapp” (BECKETT apud SANTOS, 2015SANTOS, F. Poética do fracasso: dramaturgia e encenação no teatro de Samuel Beckett. 2015. 166 f. Dissertação. (Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo., p.104), espécie de cômodo pequeno e escuro, apresentando apenas uma única mesa com duas gavetas e os apetrechos indispensáveis à existência do personagem: seu gravador, as respectivas fitas magnéticas onde Krapp guarda meticulosamente as vozes dos outros Krapps do passado, o microfone, objeto que permite a Krapp a continuidade do ritual de registro de seus eus a cada novo aniversário, um grande livro de registro, onde Krapp registra palavras advindas de suas gravações antigas, como uma espécie de catálogo referencial para termos que o personagem muitas vezes não se lembra mais, um dicionário, elemento que possibilita a Krapp decifrar muito do que encontra em seu livro de registro e já não compreende mais, caixas onde armazena suas gravações, as bananas e a garrafa de whisky, vícios que o acompanham desde sua juventude, e a lâmpada acima de sua mesa, cuja iluminação é o único elemento material que representa um refúgio em relação à total escuridão que assola seu cômodo e sua existência. James Knowlson desenvolve interessante apontamento acerca da relação de Krapp com os rituais cotidianos que restaram de sua juventude, tais como a compulsão por bananas, por bebida e pelo acontecimento anual de suas gravações retrospectivas:

As preocupações atuais de Krapp giram em torno da gratificação dos apetites corporais que, antes, ele havia resolvido que deveriam ser cortados de sua vida. Comer bananas e beber whisky tornaram-se para ele maneiras habituais de preencher o tempo. Das atividades físicas que no passado ele considerara excessos, apenas o sexo veio a representar um papel reduzido em sua existência solitária. Mas todos eles se tornaram ações mecânicas a partir das quais Krapp deriva pouco conforto (KNOWLSON; PILLING, 1980KNOWLSON, J.; PILLING, J. Frescoes of the Skull: The Later Prose and Drama of Samuel Beckett. New York: Grove Press, 1980., p.81; tradução nossa).

O velho Krapp é um escritor frustrado e solitário, que debocha de seu eu de trinta e nove anos ao ouvir a passagem da gravação onde rememora o motivo principal de seu estado de isolamento atual, ou seja, “a visão” ocorrida “naquela memorável noite de março”, o momento em que decidiu que a escuridão deveria ser o tema central de sua obra, e por consequência, de sua existência. A escolha pelo caminho da escuridão, da busca pelo desenvolvimento de seu opus magnum, e a incapacidade [ou falta de empenho] em encontrar a felicidade ao lado de uma mulher parecem ter guiado o Krapp pomposo que escutamos na gravação antiga ao fracasso e solidão que constituem a vida do velho Krapp aos sessenta e nove anos. Embora a peça apresente uma profusão de citações a mulheres que desempenharam algum papel na vida de Krapp, como sua mãe, Bianca ou a garota no bote, e até mesmo àquelas que surgem em seu relato de forma fantasiosa, como nos casos de suas divagações acerca da garota em uma estação de trem e até mesmo Effie, a heroína do romance Effie Briest, de Theodor Fontaine (cuja leitura de “uma página por dia” constitui a única atividade intelectual do velho Krapp aos sessenta e nove anos), as menções de Krapp às passagens amorosas de sua vida são sempre cercadas de comentários negativos, que denotam certa descrença na felicidade plena e no amor. Segundo James Knowlson, “[...] todos os “affairs” de Krapp são descritos em termos de uma mistura de arrependimento, alívio e desejo insatisfeito” (KNOWLSON, 1980KNOWLSON, J. (Ed.). Theatre Workbook 1: Samuel Beckett, Krapp’s Last Tape. London: Brutus Books, 1980., p.86; tradução nossa).

A paródia relativa à voz da prostituta descrita em seu solilóquio final, realizada no presente pelo Krapp de sessenta e nove anos ao término de sua última gravação, demonstra a ênfase da recusa ao amor, materializada em sua escolha por se relacionar com uma prostituta esquelética, ao invés de empreender mais uma (talvez a última) tentativa de busca por um relacionamento amoroso, caminho escolhido pelo seu eu de trinta e nove anos e reafirmado pelo Krapp de sessenta e nove anos, mas também indica a repetição de sua compulsão por sexo. A menção relativa ao acontecimento do encontro entre Krapp e a prostituta, no final de seu último solilóquio, que está sendo gravado no presente, reverbera a menção a outra de suas compulsões, citada pelo Krapp de sessenta e nove anos em seu primeiro solilóquio na peça, a compulsão por bananas, tendo a forma fálica da banana [que chega a ficar exposta de forma sugestiva, com sua ponta para fora do colete de Krapp no início da peça] também uma conotação notadamente sexual. Segundo Bakhtin, “o parodiar é a criação do duplo destronante, do mesmo ‘mundo às avessas’. Por isso a paródia é ambivalente. [...] Tudo tem a sua paródia, vale dizer, um aspecto cômico, pois tudo renasce e se renova através da morte” (2013, p.145). Ao invés de reproduzir o diálogo resultante do acontecimento de seu encontro com a prostituta de forma seca e direta, Krapp reproduz o diálogo através de sua voz com ênfase na ironia, enfatizando sua resposta à pergunta feita pela prostituta e evocada em seu solilóquio de forma a ironizar a circunstância da relação de ambos (profissional e destituída de afeto, em contraponto à sua relação descrita com Bianca, por exemplo). Ao mesmo tempo, Krapp ironiza o espanto da prostituta após a concretização do ato sexual, respondendo que havia se “resguardado” para ela por toda sua vida, como se houvesse alguma possibilidade de tal afirmação conter alguma verdade.

Os contrastes apresentados na peça estão centrados na oposição entre luz e escuridão evidenciados na ambientação cênica proposta por Beckett desde a primeira versão manuscrita do texto, segundo Dougald Mcmillan e Martha Fehsenfeld, e que seriam aprofundados na encenação de Beckett de A última gravação de Krapp no Schiller-Theater, em 1969 (MCMILLAN; FEHSENFELD, 1988MCMILLAN, D.; FEHSENFELD, M. Beckett in the Theatre. London: John Calder, 1988., p.243). Quando a peça se inicia, vemos o velho Krapp em sua mesa, disposta sob um pequeno feixe de luz posicionado acima de sua parte superior, deixando todo o restante do palco na completa escuridão. A oposição maniqueísta entre luz (razão) e escuridão (os hábitos negativos que Krapp tenta abandonar) perpassa diversos elementos da peça, não somente a ambientação do espaço cênico. A vestimenta de Krapp, como em Esperando Godot, mantém a oposição entre branco e preto, materializada no contraste entre calças e colete pretos, a camisa branca sem colarinho e o par de botas brancas (BECKETT apud SANTOS, 2015SANTOS, F. Poética do fracasso: dramaturgia e encenação no teatro de Samuel Beckett. 2015. 166 f. Dissertação. (Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo., p.104). Sua menção ao relacionamento com Bianca também parece ecoar tal dualidade, pelo significado do nome (branca) em oposição ao nome da rua onde viviam (Kedar Street, kedar sendo a palavra em hebraico para negro). A enfermeira morena também apresenta esta oposição, evidenciada na descrição de Krapp gravada por seu eu de trinta e nove anos: “recordo particularmente de uma bela jovem morena, toda branca e engomada, seios incomparáveis, com um grande carrinho de capota negra; coisa mais fúnebre” (BECKETT apud SANTOS, 2015BECKETT, S. A última gravação de Krapp. In: SANTOS, F. Poética do fracasso: dramaturgia e encenação no teatro de Samuel Beckett. 2015. 166 f. Dissertação. (Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo., p.109). Segundo James Knowlson:

As imagens em branco e preto que atravessam toda a peça sugerem que a incapacidade de Krapp, e até mesmo sua relutância para encontrar a felicidade com uma mulher, se origina de uma atitude fundamental em relação à vida como um todo, que afeta a maioria dos aspectos de sua vida diária. Krapp está sempre pronto para associar a mulher com o lado mais sombrio da existência, e ele claramente a enxerga como algo que apela para o lado mais sombrio e sensual da natureza do homem, distraindo-o do cultivo da compreensão e do espírito. A renúncia gravada de Krapp não é, portanto, um mero e casual fim de um caso. [...] No caso de Krapp, o amor terreno não é renunciado em razão do amor de Deus, como acontecia na tradição petrarquiana. Em vez disso, a renúncia a formas de amor parte de uma busca ascética que rejeita o mundo como uma criação inferior, e evita o elemento material da carne para se concentrar sobre o espiritual ou o pneumático. Krapp segue claramente aqui uma gnóstica, e até mesmo uma tradição especificamente maniqueísta, com a sua abstenção de relações sexuais e casamento [...], a sua ruptura entre Deus e o mundo, o mundo e o homem, o espírito e a carne, e sua visão do universo, do mundo e do próprio homem como que divididos entre dois princípios opostos, as forças das trevas constantemente ameaçando as forças da luz (KNOWLSON; PILLING, 1980KNOWLSON, J.; PILLING, J. Frescoes of the Skull: The Later Prose and Drama of Samuel Beckett. New York: Grove Press, 1980., p.86-87; tradução nossa).

O confronto com as diferentes alteridades não se limita às vozes evocadas pelas gravações de Krapp aos vinte e nove anos e aos trinta e nove anos, mas também possibilita, de forma diversa e através do discurso de Krapp gravado em seu aniversário de trinta e nove anos, a evocação de outras vozes, que ecoam o tempo relacionado a cada diferente gravação, como é o caso das cenas narradas pelo personagem em meio a seus depoimentos acerca de anos passados. Portanto, estas vozes, presentes durante toda a peça através das gravações antigas escutadas por Krapp, gravadas em seu aniversário de trinta e nove anos e que abordam de forma reflexiva os acontecimentos do ano anterior, e também através da evocação, na gravação escutada em cena, de outras vozes (notadamente de Krapp aos vinte e nove anos e das mulheres de quem se lembra), constituem verdadeira polifonia.

O texto polifônico ou dialógico é um conceito bakhtiniano que permite examinar a questão da alteridade enquanto presença de um outro discurso no interior do discurso. Esse conceito está em continuidade com as teorias da enunciação e, segundo Todorov, sua originalidade consiste no fato de colocar o contexto de enunciação no interior do enunciado (AMORIM, 2004AMORIM, M. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas ciências humanas. São Paulo: Musa Editora, 2004., p.107).

Podemos considerar as vozes evocadas como polifônicas devido ao fato de, considerando a proposta de Bakhtin (2013)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013., possuírem particularidades próprias e serem portadoras de diferentes visões de mundo. E no caso das vozes gravadas de Krapp, ainda temos o aspecto de que, a cada nova gravação realizada na efeméride de um novo aniversário do personagem, o Krapp que fala e grava a si mesmo carrega em sua voz os outros Krapps que existiram antes dele, ou seja, sua voz atual sempre mantém uma relação dialógica com as vozes de seus “eus” antecessores. De acordo com Sarrazac:

O termo “voz”, [...] segundo Bakhtin, ainda pode designar a voz ou as vozes de um texto dramático, permitindo elaborar uma poética da voz, capaz de influenciar o trabalho de voz dos atores. [...] A fala de um personagem torna-se polifônica quando, em seu discurso, irrompe uma voz que extrapola a identidade psicológica ou quando ela não inscreve mais uma situação de comunicação com outro personagem [formas de stream of consciousness ou de polílogo]; ou quando se acrescentam a seu discurso outras fontes sonoras de significação que participam do estilhaçamento do sujeito falante [interferência de outras falas, ruídos ou música] (2012, p.187).

Portanto, as gravações de Krapp possibilitam aquilo que Sarrazac chama de “multiplicação do sujeito em diferentes vozes” (SARRAZAC, 2012SARRAZAC, J-P. (org.). Léxico do drama moderno e contemporâneo. São Paulo: Cosac Naify, 2012., p.189). Mesmo sendo provenientes do mesmo sujeito, ou seja, Krapp, as vozes carregam as marcas do contexto sócio-histórico do personagem através de verdadeiros recortes de sua trajetória, permitindo que as distinções entre os diversos Krapps funcionem quase como registros de diferentes sujeitos provenientes de diferentes contextos, compondo uma verdadeira orquestração polifônica em cena. Se tomarmos como referência a afirmação de Bakhtin em relação à obra de Dostoievski, segundo a qual “o romance polifônico é inteiramente dialógico. Há relações dialógicas entre todos os elementos da estrutura romanesca, ou seja, eles estão em oposição como contraponto” (2013, p.47), podemos realizar a transposição do conceito de polifonia para a dramaturgia de A última gravação de Krapp, tendo como base as relações dialógicas presentes no texto. Tal aproximação se mostra coerente, uma vez que, segundo Bakhtin, “parece-nos que se pode falar francamente de um pensamento artístico polifônico de tipo especial, que ultrapassa os limites do gênero romanesco” (2013, p.339).

Outro aspecto de extrema importância dentro da peça diz respeito às relações entre espaço e tempo. Se tomarmos como referência o ensaio escrito por Samuel Beckett acerca da obra literária de Proust, que poderia ilustrar de forma pontual alguns dos elementos e problemas expostos por Beckett em sua dramaturgia, A última gravação de Krapp está construída sobre a ideia de tempo, ou seja, “esse monstro de duas cabeças, danação e salvação - o Tempo” (BECKETT, 2003BECKETT, S. Proust. Trad. Arthur Nestrovski. São Paulo: Cosac Naify, 2003., p.11). Em seu covil, privado de qualquer contato humano por um longo período de tempo (devemos lembrar que a recusa ao amor - e, portanto, ao outro - se deu aos trinta e nove anos do personagem), Krapp sofre a ação do tempo de forma corrosiva e extrema, tendo como refúgio apenas a possibilidade de diálogo com seus outros “eus”, única forma de contato com a alteridade em seu isolamento. Não há possibilidade de fuga ou salvação, apenas o exercício da absorção da experiência do tempo. Segundo Beckett:

Não há como fugir das horas e dos dias. Nem de amanhã nem de ontem. Não há como fugir de ontem porque ontem nos deformou, ou foi por nós deformado. O estado emocional é irrelevante. Sobreveio uma deformação. Ontem não é um marco de estrada ultrapassado, mas um diamante na estrada batida dos anos e irremediavelmente parte de nós, dentro de nós, pesado e perigoso. Não estamos meramente mais cansados por causa de ontem, somos outros, não mais o que éramos antes da calamidade de ontem (2003, p.11).

Krapp necessita de um livro de registro e de um dicionário para que possa voltar a compreender passagens e citações pertencentes a momentos vivenciados por seus outros, acontecimentos descritos por seus diferentes “eus” antes da catástrofe da transformação diária de seu “eu” em outros “eus”. Mas para o Krapp de sessenta e nove anos, muitas delas tornaram-se incompreensíveis, mesmo com o auxílio de seu livro de registro e do dicionário. E mesmo as passagens reconhecíveis por ele, oscilam entre aquilo que ainda faz algum sentido em sua existência solitária (como a lembrança dos afetos vividos com mulheres, especialmente Bianca, a morte da mãe, etc.), e aquilo que já não faz mais sentido algum para seu “eu” atual, notadamente suas aspirações e pretensões literárias, ou seja, “[...) as aspirações de ontem foram válidas para o eu de ontem, não para o de hoje [...]” (BECKETT, 2003BECKETT, S. Proust. Trad. Arthur Nestrovski. São Paulo: Cosac Naify, 2003., p.12).

Dentro desse contexto, o hábito representa papel fundamental na existência de Krapp. Se ele se isola do mundo e do amor em virtude de perseguir unicamente seu objetivo maior, ou seja, a realização de uma obra prima que represente sua potência como escritor, por outro lado adota uma série de hábitos que o mantêm afastado da possibilidade de enlouquecimento advindo da ausência de qualquer outro indivíduo em seu cotidiano e da opressão exercida pelo tempo. Seu hábito mais relevante se refere às gravações anuais de suas vozes, cada qual representando um estágio de desenvolvimento de sua personalidade, capturando de forma precisa alguns dos principais acontecimentos do ano imediatamente anterior a cada gravação, portanto ainda suscetíveis de serem resgatados pela memória com certo frescor. Mas outros hábitos também “acorrentam” Krapp, como sua compulsão por bananas (apesar da piora que representa em relação às suas condições intestinais), sua compulsão por bebida, e de forma mais diluída, sua compulsão por sexo. O hábito de escuta anual das vozes dos outros Krapps é possível apenas através de um hábito anterior, ou seja, o hábito de registrar sua voz através de gravações, mas a escuta em si também pode ser reconhecida como um hábito essencial para Krapp, pois somente através dela é que o personagem consegue acessar os recônditos de suas memórias. Segundo o dramaturgo:

As leis da memória estão sujeitas às leis mais abrangentes do hábito. O hábito é o acordo efetivado entre o indivíduo e seu meio, ou entre o indivíduo e suas próprias excentricidades orgânicas, a garantia de uma fosca inviolabilidade, o para-raios de sua existência. O hábito é o lastro que acorrenta o cão a seu vômito. Respirar é um hábito. A vida é um hábito. Ou melhor, a vida é uma sucessão de hábitos, posto que o indivíduo é uma sucessão de indivíduos. [...] O hábito, então, é um termo genérico para os incontáveis compromissos travados entre os incontáveis sujeitos que constituem o indivíduo e seus incontáveis objetos correspondentes (BECKETT, 2003BECKETT, S. Proust. Trad. Arthur Nestrovski. São Paulo: Cosac Naify, 2003., p.17-18).

Portanto, nesta relação dialógica com as vozes alteritárias de seus outros “eus”, Krapp oscila entre os planos do real e da imaginação, ou seja, seu diálogo com as vozes gravadas acontece tanto de forma atrelada ao real (o aqui-agora de sua existência), quanto de forma atrelada à imaginação, sem a qual Krapp jamais alcançaria a visualização dos acontecimentos descritos pelos outros Krapps, muitos deles soterrados em sua mente sob os escombros da somatória dos anos passados, carregados de sensações, traumas e decepções. Realidade e imaginação evocada através da memória seriam, dessa forma, os alicerces que movem os acontecimentos no tempo presente no qual vive o Krapp de sessenta e nove anos, e que consistem na estrutura de seu diálogo permanente com seus outros “eus”. Podemos recuperar aqui o que afirma Beckett em seu ensaio sobre Proust:

A identificação entre as experiências imediata e passada, a reaparição de uma ação passada, ou sua reação no presente, consiste numa colaboração entre o ideal e o real, entre a imaginação e a apreensão direta, entre símbolo e substância. Tal colaboração libera a realidade essencial, negada tanto à vida ativa como à contemplativa. O que é comum ao passado e ao presente é mais essencial do que cada um deles visto separadamente. A realidade, imaginativa ou empiricamente tomada, permanece apenas uma superfície, permanece hermética. A imaginação aplicada - a priori - ao que está ausente é um exercício no vácuo, incapaz de tolerar os limites do real (BECKETT, 2003BECKETT, S. Proust. Trad. Arthur Nestrovski. São Paulo: Cosac Naify, 2003., p.79).

As cenas evocadas, como a menção a Bianca, em Kedar Street, ou a cena com a garota no lago, carregam em sua narração detalhes e referências que permitem a Krapp (assim como ao leitor e ao espectador), a visualização do espaço onde as ações se desenvolveram no tempo passado. Este verdadeiro contraste entre espaços e tempos, através da confrontação permanente entre passado e presente do personagem, nos remete ao conceito bakhtiniano de cronotopo (BAKHTIN, 2010bBAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. 6 ed. São Paulo: Hucitec, 2010b, p.211-362., p.212):

O cronotopo tem um significado fundamental para os gêneros na literatura. Pode-se dizer francamente que o gênero e as variedades de gênero são determinadas justamente pelo cronotopo, sendo que em literatura o princípio condutor do cronotopo é o tempo. O cronotopo como categoria conteudístico-formal determina (em medida significativa) também a imagem do indivíduo na literatura; essa imagem sempre é fundamentalmente cronotópica.

A partir desta reflexão, podemos pensar na estruturação do cronotopo de A última gravação de Krapp como algo oscilante, no sentido de que não há apenas um único plano cronotópico definido, mas ao menos três deles que se alternam e intercalam durante toda a peça. O primeiro cronotopo estaria relacionado com a ação imediata do personagem no aqui agora de sua realidade, no momento em que realiza sua gravação acerca do ano que acabara de se encerrar, na efeméride de seus sessenta e nove anos. O segundo cronotopo da peça estaria relacionado com o momento narrado por Krapp em seu aniversário de trinta e nove anos, e por último, o terceiro cronotopo estaria presente na menção que o Krapp de trinta e nove anos faz a outra gravação que acabara de escutar naquele momento, onde figuraria a narração de um Krapp mais jovem, que teria por volta de vinte e sete a vinte e nove anos. Portanto a estrutura dramatúrgica da peça alinhava três diferentes cronotopos para a construção do enredo e desenvolvimento da situação dramática, ou seja, as relações dialógicas entre três diferentes consciências, referentes a três sujeitos diversos separados pelo tempo e pelo espaço, embora todos os três representem facetas de um mesmo sujeito, ou seja, o velho Krapp.

De fato, Bakhtin resiste em considerar o tempo e o espaço como formas puras da consciência do homem e, por outro lado, estima que são categorias - no sentido de que sem elas não pode haver conhecimento do mundo -, mas que constituem entidades de caráter objetivo cuja existência é independente da consciência. (OLMOS, 2006OLMOS, C. Cronotopo. In: Nuevo diccionario de la teoría de Mijaíl Bajtín. Córdoba: Ferreyra Editor, 2006, pp.68-75., p.69; tradução nossa)

Portanto os cronotopos em A última gravação de Krapp não se confundem com a consciência do personagem, conforme postula Bakhtin, mas auxiliam o personagem a localizar as transfigurações de sua própria consciência, em cada um deles atrelada a seu contexto sócio-histórico, recompondo, aos olhos do leitor-espectador, a trajetória da consciência de um indivíduo em três etapas distintas de sua existência. Os cronotopos não definem a consciência dos diferentes “eus” de Krapp, mas nos permitem compreender os diferentes aspectos de uma personalidade em permanente mudança, em relação dialógica com seu espaço e tempo.

Dentro das categorias cronotópicas propostas por Bakhtin, algumas delas parecem se aproximar do contexto de A última gravação de Krapp. Se, como dissemos anteriormente, percebemos mais de um cronotopo dentro da estrutura dramatúrgica da peça, podemos afirmar que sua natureza também é variável. No primeiro caso, tendo como foco de análise a gravação da voz de Krapp aos trinta e nove anos, parece-nos que estamos próximos do que Bakhtin chama de cronotopo da soleira, ou seja, “um cronotopo impregnado de intensidade, com forte valor emocional, [...] ele pode se associar com o tema do encontro, porém é substancialmente mais completo: é o cronotopo da crise e da mudança de vida” (2010b, p.354). Na gravação de seu “eu” de trinta e nove anos escutada por Krapp em cena, percebemos um escritor às voltas com uma mudança em sua trajetória pessoal que reverberaria ao longo de todo o restante de sua vida, e o conduziria ao estado de solidão, fracasso e desencanto em que está mergulhado em seus sessenta e nove anos. Naquele momento, Krapp menciona a “visão” que teria tido acerca de sua obra e de sua existência, segundo a qual ele deveria abraçar totalmente a escuridão e a renúncia ao amor como formas de partir em busca da concretização de seu opus magnum, ou seja, de sua obra prima. Se para Bakhtin a soleira adquiriu “significado metafórico”, unindo-se “ao momento da mudança da vida, da crise, da decisão que muda a existência (ou da indecisão, do medo de ultrapassar o limiar)” (2010b, p.354), o cronotopo da soleira parece representar plenamente o momento de limiar no qual o Krapp de trinta e nove anos estava inserido.

No segundo caso, que se refere ao tempo presente, no qual vemos o velho Krapp aos sessenta e nove anos, parece que nos aproximamos do que Bakhtin chama de cronotopo do salão-sala de visita, local onde “ocorrem os encontros [...], criam-se os nós das intrigas, frequentemente realizam-se também os desfechos”, e também “os diálogos que adquirem um significado extraordinário [...], revelam-se os caracteres, as ‘ideias’ e as paixões dos heróis” (BAKHTIN, 2010BAKHTIN, M. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. 6 ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p.13-70.b, p.352). Se os encontros na sala de Krapp não possuem a mesma natureza dos encontros de estrutura realista das obras de um Dostoiévski ou de um Tchekov, e são a materialização de um encontro entre alteridades provenientes de um mesmo sujeito, por outro lado, a estrutura de acontecimentos se aproxima do que menciona Bakhtin. É no espaço de Krapp, que permanece indefinido e é apenas descrito na rubrica inicial como “covil”, mas que poderia perfeitamente ser uma sala, onde os encontros acontecem, através da mediação do gravador. Como diz Bakhtin, aqui os caracteres, ideias e paixões do personagem são expostos, e é neste espaço-tempo que Krapp pode acessar as vozes de seus outros, vivenciando os encontros até seu desfecho.

O terceiro cronotopo, mais complexo e que abarca os dois anteriores na estrutura da peça, seria o cronotopo biográfico, que segundo Bakhtin “flui nos espaços interiores das casas [...]” (2010b, p.354)BAKHTIN, M. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. 6 ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p.13-70.. Este cronotopo, em nossa opinião, seria o responsável por alinhavar o eixo central de A última gravação de Krapp, ou seja, a questão da fragmentação da identidade de Krapp em três momentos distintos de sua existência, condensados a partir do confronto entre suas diferentes alteridades materializado no diálogo de Krapp com seus dois outros “eus”. É através do cronotopo biográfico que reconstruímos a trajetória do personagem, fragmentada pela peça através dos relatos situados em tempos distintos, separados por décadas entre si. É através desse efeito de mise em abyme que o leitor/espectador consegue realizar a reconstrução da identidade fragmentada do personagem, exposta através dos diferentes momentos da narrativa.

Dentro da perspectiva de pensarmos um novo tipo de cronotopo presente na peça, que atravessa toda sua estrutura temática e cênica e que não está relacionado nas categorias cronotópicas propostas por Bakhtin para o estudo da literatura, pensamos em propor um cronotopo do confinamento, que estaria relacionado com a situação dramática central tanto em A última gravação de Krapp como em outras peças da dramaturgia beckettiana, tais como Esperando Godot, Fim de partida, Dias felizes e Passos, devido ao fato de, na peça, a ideia de confinamento se comportar como elemento central dentro da trama, ou seja, os acontecimentos da vida do personagem são vivenciados no tempo presente a partir desta perspectiva particular, onde o afastamento do personagem em relação ao outro o possibilita a se aproximar de “seus outros”, de tornar o encontro com os diferentes Krapps um acontecimento anual em sua vida, que se torna ritualizado e sistemático devido à importância que assume no cotidiano do velho escritor solitário. Este cronotopo, em nossa opinião, conteria os outros três cronotopos descritos anteriormente, pois é através dele que a ação dramática se desenrola. Estimulados pela fala final de Bakhtin acerca das possibilidades de desdobramentos futuros do conceito dentro do campo da literatura (e consequentemente da literatura dramática), acreditamos ser possível a proposição deste cronotopo do confinamento, devido não somente à sua presença e importância na estrutura de A última gravação de Krapp, mas também de sua presença e importância nas outras quatro peças citadas. Em nossa opinião, este cronotopo está no cerne da estrutura de Esperando Godot, devido ao confinamento dos dois vagabundos na estrada vazia, de Fim de partida, pelo confinamento dos quatro personagens no abrigo de Hamm, de Dias felizes, pelo confinamento de Winnie e Willie no monte de terra e, finalmente, de Passos, onde o confinamento de May e sua mãe é indeterminado, mas poderia ser descrito como um confinamento no campo da memória da personagem May, local onde as imagens evocadas do que parece ser o passado da personagem continuam a ecoar, de forma lenta e constante em direção talvez a um apagamento.

James Knowlson desenvolve uma síntese interessante acerca do complexo simbolismo de A última gravação de Krapp, exposta de forma sucinta por Beckett em seu caderno de direção da peça:

Krapp decreta uma incompatibilidade física [ética] de luz [espiritual] e escuridão [sensual] apenas quando ele intui a possibilidade de sua reconciliação como racional-irracional. Ele se vira de fato de uma anti-mente estrangeira à mente para a ideia de uma anti-mente constituinte da mente (KNOWLSON apudCOHN, 1980COHN, Ry. Just Play: Beckett’s Theater. Princeton: Princeton University Press, 1980., p.245; tradução nossa)

Portanto, segundo Knowlson, a percepção de Krapp em relação a uma possível reconciliação entre estes dois elementos conflitantes, luz e escuridão, que se caracterizam como constituintes do personagem, remete imediatamente a uma repulsa por parte de Krapp em relação a um possível encaminhamento para este que seria o principal conflito de sua existência solitária. Quando Krapp decreta seu “adeus ao amor” (BECKETT apud SANTOS, 2015SANTOS, F. Poética do fracasso: dramaturgia e encenação no teatro de Samuel Beckett. 2015. 166 f. Dissertação. (Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.. p.106), o personagem opta por um caminho existencial em detrimento de outro, possivelmente mais próximo da felicidade, em busca de uma realização que se daria através de seu possível sucesso como escritor, materializado na forma de seu opus magnum. Mas sua obra não alcança o impacto desejado, e Krapp, conforme vemos em cena, caminha mais e mais em direção à sua própria escuridão, até o momento em que conclui, como em sua gravação feita durante seu aniversário de trinta e nove anos, que seu tempo se aproxima do fim : “[...] talvez meus melhores anos tenham terminado. Quando houve uma oportunidade de felicidade. Mas eu não queria que voltassem. Não queria agora aquele fogo em mim. Não, não queria que voltassem” (BECKETT apud SANTOS, 2015BECKETT, S. A última gravação de Krapp. In: SANTOS, F. Poética do fracasso: dramaturgia e encenação no teatro de Samuel Beckett. 2015. 166 f. Dissertação. (Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo., p.113).

Eu sei que Sam sempre disse que na manhã após a peça Krapp estaria certamente morto. Ele sempre insistiu no fato de que Krapp seria algo parecido com restos. Um tipo de homem velho com uma idade avançada e pouco antes de seu fim (MARTIN apudMCMILLAN; FEHSENFELD, 1988MCMILLAN, D.; FEHSENFELD, M. Beckett in the Theatre. London: John Calder, 1988., p.257; tradução nossa).

Concluiremos nossa reflexão acerca de A última gravação de Krapp mencionando que acreditamos que a arquitetônica bakhtiniana, ou seja, o conjunto de conceitos teóricos desenvolvidos por Mikhail Bakhtin dentro dos campos da teoria literária e da filosofia da linguagem forneça importantes instrumentos de análise com relação à dramaturgia de Samuel Beckett, principalmente no que se refere a questões relacionadas ao problema do estatuto da voz na dramaturgia do autor, bem como às relações entre espaço e tempo presentes nas peças beckettianas. Dessa forma, conceitos como cronotopo, dialogismo e polifonia nos permitem desenvolver um novo olhar acerca da extensa e complexa obra teatral de Samuel Beckett, não apenas no que se refere ao trabalho do autor como dramaturgo, mas também a seu trabalho como encenador de suas peças de teatro.

  • 1
    Ver Santos (2015)SANTOS, F. Poética do fracasso: dramaturgia e encenação no teatro de Samuel Beckett. 2015. 166 f. Dissertação. (Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo..
  • 2
    Cf. Santos, 2015SANTOS, F. Poética do fracasso: dramaturgia e encenação no teatro de Samuel Beckett. 2015. 166 f. Dissertação. (Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo..
  • 3
    No original: “Beckett first heard the Irish actor, Patrick Magee, reading some extracts from Molloy and From an Abandoned Work on the BBC Third Programme in December 1957. He was impressed and moved by the distinctive cracked quality of Magee’s voice which seemed to capture a sense ofdeep world-weariness, sadness, ruination and regret. Two months later, he began to write a dramatic monologue for a character who was described in the first draft as a ‘wearish old man’, with a ‘wheezy ruined voice with some characteristic accent’.”
  • 4
    Ainda sobre o título da peça, cf. Knowlson; Pilling, 1980KNOWLSON, J.; PILLING, J. Frescoes of the Skull: The Later Prose and Drama of Samuel Beckett. New York: Grove Press, 1980., p.81.
  • 5
    No original: “dung and time”.
  • 6
    No original: “the ever-changing identity of the Self which is in a constant process of decantation from the future to the past”.
  • 7
    Sobre o grotesco no teatro, cf. PAVIS, 1999PAVIS, P. Dicionário de teatro. Trad. Eudynir Fraga, J. Guinsburg, Maria Lúcia Pereira, Nanci Fernandes, Rachel Araújo de Baptista Fuser. São Paulo: Perspectiva, 1999., p.188-189.
  • 8
    No original: “de manera ejemplar en su estudio de la obra de Rabelais [...] “realismo grotesco”.”
  • 9
    Cf. Beckett, 1999BECKETT, S. A última gravação de Krapp. In: SANTOS, F. Poética do fracasso: dramaturgia e encenação no teatro de Samuel Beckett. 2015. 166 f. Dissertação. (Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo., p.1.
  • 10
    Sobre a questão do nariz, dentro da representação grotesca, cf. o verbete grotesco, redigido por Susana Romano-Sued no Nuevo diccionario de la teoría de Mijaíl Bajtín (ARÁN, 2006ARÁN, P. (Dir.). Nuevo diccionario de la teoría de Mijaíl Bajtín. Córdoba: Ferreyra Editor, 2006., p.144-147).
  • 11
    No original: “En la modernidad, las formas grotescas pasan a ser cada vez más la expresión de la re-conciliación fracasada entre la subjetividad y las estructuras inmanentes del mundo. Así, el grotesco constituye el medio de representar lo irracional, lo paradójico, lo absurdo, lo nihilista, como por ejemplo se constata en las obras de Kafka, Brecht, Dürrenmatt, Beckett y Ionesco. Podrían considerarse precursores de esta tendencia a Büchner, Dostoievski, Nietzsche”.
  • 12
    No original: “El rasgo dominante en el realismo grotesco es el rebajamiento, es decir la transferência de todo lo elevado, espiritual, ideal y abstracto, a un plano material y corporal. La Tierra y el cuerpo son percibidos como unidad indisoluble, acaso como respuesta a la separación irremediable entre el universo biológico puro y la especie humana, los seres de lenguaje”.
  • 13
    No original: “drowned in dreams and burning to be gone”.
  • 14
    Mesmo na versão do texto utilizada na encenação do Schiller-Theater em 1969, onde Beckett introduziu o cubby hole ao fundo do palco, contendo uma pequena luz que vazava de forma sutil pela área de escuridão, este jogo cênico se mantém.
  • 15
    Segundo a definição de Patrice Pavis, “no sentido banal, é uma peça com uma personagem, ou pelo menos com um só ator [que poderá assumir vários papéis]. A peça é centrada na figura de uma pessoa da qual se exploram as motivações íntimas, a subjetividade ou o lirismo” (1999, p.246).
  • 16
    Pavis afirma que “o monólogo é um discurso que a personagem faz para si mesma. [...] O monólogo se distingue do diálogo pela ausência de intercâmbio verbal e pela grande extensão de uma fala destacável do contexto conflitual e dialógico. O contexto permanece o mesmo do princípio ao fim, e as mudanças de direção semântica (próprias do diálogo) são limitadas a um mínimo, de maneira a garantir a unidade do assunto da enunciação” (1999, p.247).
  • 17
    De acordo com Bakhtin, “[...] a orientação dialógica, coparticipante é a única que leva a sério a palavra do outro e é capaz de focalizá-la como posição racional ou como um outro ponto de vista. Somente sob uma orientação dialógica interna minha palavra se encontra na mais íntima relação com a palavra do outro mas sem se fundir com ela, sem absorvê-la nem absorver seu valor, ou seja, conserva inteiramente a sua autonomia como palavra” (2013, p.72).
  • 18
    Segundo Bakhtin, “a reação dialógica personifica toda enunciação à qual ela reage” (2013, p.210).
  • 19
    No original: “A late evening in the future”.
  • 20
    No original: “Krapp’s den”.
  • 21
    Na encenação de Beckett para Das letzte band [A última gravação de Krapp] no Schiller-Theater de Berlim, em 1969, o autor alterou o espaço cênico da peça, acrescentando um espaço restrito situado no fundo do palco (cubby hole em inglês), espécie de cubículo onde Krapp guarda parte de seus objetos. Também modificou o modelo de mesa utilizada, que ao invés de conter duas gavetas que abririam em direção ao público, como descrito na rubrica da versão original do texto, apresentava apenas uma gaveta lateral, visando a eliminar o tempo desnecessário (na opinião do Beckett encenador) das pantomimas do abrir e fechar as gavetas, nas passagens onde ele retira objetos de seu interior.
  • 22
    No original: “For Krapp’s present concerns revolve around the gratification of those very bodily appetites that, earlier, he had resolved should be cut out of his life. Eating bananas and drinking whisky have become for him habitual ways of filling in the time. Of the physical activities that he once considered excesses, only sex has come to play a reduced part in his lonely existence. But all of them have become mechanical actions from which Krapp derives little comfort.”.
  • 23
    “Espiritualmente, um ano de profunda melancolia e pobreza, até aquela memorável noite de março, no final do quebra-mar, sob o vento uivante, para nunca ser esquecida, quando, subitamente, vi a coisa toda. A visão, finalmente” (p.7). No original: “Spiritually a year of profound gloom and indigence until that memorable night in March, at the end of the jetty, in the howling wind, never to be forgotten, when suddenly I saw the whole thing. The vision at last.”.
  • 24
    “Queimei os olhos lendo Effie novamente, uma página por dia, com lágrimas nos olhos outra vez. Effie... [Pausa.] Poderia ter sido feliz com ela, no mar Báltico, entre os pinheiros e as dunas. [Pausa.] Poderia? E ela? [Pausa.] Pah!” (BECKETT apud SANTOS, 2015BECKETT, S. A última gravação de Krapp. In: SANTOS, F. Poética do fracasso: dramaturgia e encenação no teatro de Samuel Beckett. 2015. 166 f. Dissertação. (Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo., p.112). No original: “[...] Scalded the eyes out of me reading Effie again, a page a day, with tears again. Effie... [Pause.] Could have been happy with her, up there on the Baltic, and the pines, and the dunes. [Pause.] Could I? [Pause.] And she? [Pause.] Pah!”.
  • 25
    No original: “But all of Krapp’s ‘affairs’ are described in terms of mingled regret, relief, and unsatisfied longing”.
  • 26
    No original: “[...] One dark young beauty I recollect particularly, all white and starch, incomparable bosom, with a big black hooded perambulator, most funereal thing. [...]”.
  • 27
    No original: “The black and white imagery that runs through the entire play suggests that Krapp’s inability, even his unwillingness, to find happiness with a woman arises out of a fundamental attitude towards life as a whole that affects most aspects of his daily living. Krapp is only too ready to associate woman with the darker side of existence and he clearly sees her as appealing to the dark, sensual side of man’s nature, distracting him from the cultivation of the understanding and the spirit. Krapp’s recorded renunciation of love is then no mere casual end of an affair. [...] In Krapp’s case, earthly love is not renounced for the greater love of God, as it was in the Petrarchan tradition. Instead, the renunciation of love forms part of an ascetic quest that rejects the world as an inferior creation and shrinks away from the material element of the flesh to concentrate upon the spiritual or the pneumatic. Krapp is clearly following here in a Gnostic, even a specifically Manichean tradition, with its abstention from sexual intercourse and marriage [...], its rift between God and the world, the world and man, the spirit and the flesh, and its vision of the universe, the world and man himself as divided between two opposing principles, the forces of darkness constantly threatening to engulf the forces of light”.
  • 28
    Segundo Sarrazac, “O drama moderno e contemporâneo, como a escrita cinematográfica, anexa outras origens possíveis à voz, com a voice off [interna à ficção, fora do palco] ou a voice over [extraficcional, no palco ou fora do palco]. Distinta da categoria de personagem - como voz coral, narrativa e comentadora - e inclusive, às vezes, do ator - no caso de uma voz gravada ou sintetizada -, essa voz introduz, para o espectador, uma “incerteza sobre sua origem e sobre o sujeito do discurso” [Pavis]”(2012, p.186-187).
  • 29
    No original: “En efecto, Bajtín se resiste a considerar al tiempo y al espacio como formas puras de la conciencia del hombre y, en cambio, estima que son categorías - en el sentido de que sin ellas no puede haber conocimiento del mundo -, pero que constituyen entidades de carácter objetivo cuya existencia es independiente de la conciencia”.
  • 30
    No original: “Krapp decrees physical [ethical] incompatibility of light [Spiritual] and dark [Sensual] only when he intuits possibility of their reconciliation as rational-irrational. He turns from fact of anti-mind alien to the mind to thought of anti-mind constituent of the mind.”.
  • 31
    No original: “farewell to love”.
  • 32
    De acordo com Kristin Morrison, “[...] Martin Held, que ensaiou Krapp sob a direção de Beckett, relata a visão própria de Beckett acerca de Krapp: “Ele me disse que o personagem foi devorado por sonhos. Mas sem sentimentalismo. Não há nenhuma resignação nele. É o fim. Ele enxerga muito claramente que ele terminou com seu trabalho, com o amor e com a religião.” Citado por Ronald Hayman, Samuel Beckett [New York: Frederick Ungar, 1973], p.79-80.” (HELD apud MORRISON, 1986, p.60, tradução nossa). No original: “[...] Martin Held, who rehearsed Krapp under Beckett’s direction, recounts Beckett’s own view of Krapp: “He told me the character was eaten up by dreams. But without sentimentality. There’s no resignation in him. It’s the end. He sees very clearly that he’s through with his work, with love and with religion”. Quoted by Ronald Hayman, Samuel Beckett [New York: Frederick Ungar, 1973], p.79-80.”.
  • 33
    No original: “[...] Perhaps my best years are gone. When there was a chance of happiness. But I wouldn’t want them back. Not with the fire in me now. No, I wouldn’t want them back”.
  • 34
    No original: “[...] I know that Sam has always said that on the morning after the play Krapp was surely dead. He has always insisted on the fact that Krapp is debris. Some sort of an old man with hardly any age at all and just before his end.”.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2018
  • Aceito
    24 Abr 2019
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